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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Língua de Trapo - Capítulo 23 - Ao Falar sobre Todos os Colegas e Agradecer - Por Luiz Domingues

Reta final desta parte da minha historia na música! 

Como de costume, deixo a ressalva de que a qualquer momento o capítulo pode reabrir, caso hajam adendos para acréscimos, correções, material de áudio/vídeo inédito para acrescentar, fotos e/ou peças de portfólio nas mesmas condições etc. 

E também como de praxe, encerro a comentar sobre os personagens dessa história, e sobretudo, a expressar sobre a minha gratidão para com essas pessoas, e pela oportunidade de ter sido membro dessa banda.

Bem, o embrião primordial do Língua de Trapo, foi o Boca do Céu, a minha primeira banda, e do Laert Sarrumor. Portanto, se analisado pelo meu prisma pessoal, foi o início da história do Língua de Trapo, mediante o fim da história do Boca do Céu, portanto, está devidamente narrada tal continuidade lógica da minha história na música, através dos dois capítulos respectivos. 

Sob o ponto de vista do Língua de Trapo, foi fundamental a entrada do Laert na Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, em 1979, quando através dessa instituição de ensino, ele conheceu colegas que foram essenciais para a formação da banda.

Se por um lado, o nosso iniciante grupo de Rock, "Boca do Céu" foi uma raiz primordial, não podemos de deixar de considerar que o talento do Laert só pôde explodir para valer, quando encontrou-se com outros artistas emergentes e igualmente talentosos, como Guca Domenico, Carlos Mello (Castelo) e Pituco Freitas, sob um primeiro instante. 

A veia humorística dos três, que citei no início (excetuo o Pituco Freitas sob uma primeira análise, pois logo no começo, a sua porção humorística não fora explícita, visto que ele direcionara a sua carreira para tornar-se um cantor "sério", e somente depois aflorou o cantor performático que ele viria a tornar-se).

O começo, como um despretensioso grupo musical e poético, a visar realizar um sarau para a recepção de calouros na Faculdade Cásper Líbero, foi o primeiro êxito musical de minha carreira (descontadas as apresentações do Boca do Céu no Festival do meu colégio, em 1977, que foram boas, para o nível que tínhamos). 

Eu e Laert vínhamos de uma labuta forte com a nossa primeira banda, o Boca do Céu, mas tivéramos poucas ações concretas e positivas para comemorar com esse trabalho inicial de nossa carreira. Por isso, quando ouvimos aquela saraivada de aplausos após o término do sarau, cumprimentamo-nos com bastante euforia, pois ele e eu, sabíamos que fora o nosso primeiro sucesso efetivo, enfim, após quase três anos, na soma com os esforços empreendidos com o Boca do Céu.

E dali em diante, a veia humorística moldou aquele grupo, que passou a ser chamado como: "Laert Sarrumor e os Cúmplices".

Guca e Carlos Melo (Castelo), eram (são), extremamente criativos, e alimentavam a banda com composições e ideias sensacionais para as piadas. Tudo amalgamado pela política, é claro. Vivia-se ainda os ecos da ditadura, e pelos corredores da faculdade, os debates eram acalorados. 

Eu fui levado e "encaixado" na banda pelo Laert, mesmo sendo ainda um estudante secundarista, e sobretudo por ser um Rocker contumaz, o que em alguns aspectos, poderia ser considerado um empecilho em um primeiro instante, dada a orientação bem diferente desse grupo, mas finquei raízes, e permaneci.

Da esquerda para a direita: Luiz Domingues, Laert Sarrumor, Guca Domenico e Paulo Estevam Andrade. Em pé, encostado na porta e só a assistir, o hoje saudoso Lizoel Costa, que em poucos dias após essa apresentação, entraria para a banda e tornar-se-ia um membro histórico. Segunda apresentação desse grupo raiz do Língua de Trapo, em agosto de 1979, em uma sala de aula da Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo. Foto: Rivaldo Novaes
 
O começo, com shows ultra improvisados em salas de aulas, sob condições inóspitas de áudio, fazem-me ter orgulho de nossa tenacidade. A entrada de Lizoel Costa, depois Serginho Gama e Fernando Marconi, encorparam a banda de uma forma incrível. O pianista, Celso Mojola, também contribuiu bastante, com a sua sofisticação erudita/jazzística. Outra presença incrível, deu-se com Ayrton Mugnaini Jr., um gênio, sem dúvida.

Depois, a fase dos festivais de MPB pelo interior, e no circuito universitário, onde o crescimento foi muito animador, ao fazer com que a banda obtivesse um crescimento vertiginoso. 

A minha primeira saída, em janeiro de 1981, por motivação financeira, foi triste, mas eu não tive alternativa, infelizmente. Tivesse eu, uma estrutura mínima que garantisse-me financeiramente por alguns meses, teria sido a conta certa para eu permanecer e acompanhar o Língua de Trapo no salto quântico, que já em 1982, a banda obteve, e assim mudado da água para o vinho, ao profissionalizar-se, em todos os sentidos.

No entanto, não adianta lastimar pelas oportunidades desperdiçadas. Não foi assim que aconteceu, e tudo ocorreu conforme precisava ter acontecido, simples assim... 

A minha volta em 1983, foi dramática, no sentido de que voltei sem a chance exatamente para redimir-me de minha saída de 1981. Ou seja, voltei com a data da nova saída já programada como um fato, somente ao faltar defini-la.

Foi maravilhoso ter tido a segunda chance de ser membro da formação dessa banda, ao voltar a ter convívio com velhos amigos e a estabelecer novas amizades, e também por haver tomado um autêntico banho de profissionalismo, pois quando eu voltei, de certa forma, eu ainda era o aspirante a artista de 1981, em muitos aspectos, mas os colegas haviam dado um salto enorme à minha frente. 

Portanto, tirante o prazer inerente, eu tive uma escola (mais uma, visto que o grupo cover, Terra no Asfalto, teve esse papel pelo aspecto mais musical), que serviu-me, e muito, para a continuidade da minha carreira. 

Nessa segunda fase, eu acumulei muitas histórias, que contei com prazer na narrativa, mas claro, omiti várias outras, por considerar que seriam inadequadas por expor pessoas publicamente, e a minha autobiografia é leve em essência. Não tenho nenhuma intenção de escrever uma autobiografia clichê a posar como um "Rock Star", por falar sobre excessos, mesmo por que (e quem conhece-me pessoalmente, sabe bem disso), eu não sou assim. 

A minha segunda saída da banda, em julho de 1984, foi bastante sofrida para o meu aspecto emocional, mas acredito que essa cicatriz não exista mais, ainda bem.

Em suma, tenho um tremendo orgulho de ter sido um membro fundador do Língua de Trapo, ter participado de duas formações da banda, e possuir um registro fonográfico, peças de portfólio, fotos e alguns vídeos disponibilizados no YouTube. Cabe dizer que esse material que possuo, é ínfimo, pois na prática, eu deveria ter muito mais registros em mãos. Espero resgatar esse material e assim que conseguir obtê-lo, ainda que em doses homeopáticas, disponibilizo por aqui, de pronto. 

Vida longa ao Língua de Trapo! Orgulho por fazer parte dessa saga!

Hora de citar os personagens dessa história, que acompanharam-me. Começo a explanar sobre o pessoal de apoio, principalmente dos que estiveram comigo em minha segunda passagem pela banda, em 1983 & 1984, quando a banda estava a ser gerida sob uma condição bem profissionalizada.

Laerte Vicente
Laerte Vicente era (é) um bom roadie, amigo e munido de um talento para vender discos, fora do comum. Foi raro o dia em que ele não tenha vendido pelo menos uma caixa de LP's no ambiente de um show e naquela época, o padrão de uma caixa saída do estoque de uma gravadora, comportava 175 LP's. Divulgador, filipetador e colocador de cartazes experiente, além de ser roadie do Língua de Trapo, praticamente até hoje em dia (2015), ele tornou-se um divulgador de espetáculos, requisitado no mercado.  
Na primeira aparição d'A Chave do Sol, no programa: "A Fábrica do Som", que está disponibilizada no YouTube, ele aparece como espectador da nossa performance, em destaque, pois estava sentado no chão, bem próximo ao palco e a tamborilar sobre ele. Também no YouTube, há um vídeo ao vivo do Língua de Trapo, acho que do ano 2000, em que ele aparece como personagem, a interpretar o "último Hippie do mundo", ou coisa que o valha, ao aproveitar-se o seu visual de Hippie da "velha guarda"... 

Ayrton Mugnaini Junior
O Ayrton Mugnaini Junior, foi o músico que substituiu-me de imediato, assim que eu deixei a banda pela primeira vez, em 1981. Ele não efetivou-se na banda, mas sempre gravitou na sua órbita, como colaborador. É multi instrumentista, compositor, cantor, arranjador, jornalista e uma enciclopédia humana ambulante, sobre o quesito música. Quando criaram o Google, certamente inspiraram-se no Ayrton como modelo, pois ele é impossível. É inacreditável que um Ser Humano possa armazenar tanta informação em um cérebro fisiológico. Considero-o um gênio.

Cassiano Roda & Marcelo Moraes
 
Cassiano Roda e Marcelo Moraes também foram pessoas que ajudaram muito a banda. O Marcelo e seu talento nato para o Stand Up Comedy, a usar a improvisação para acomodar as pessoas nas arquibancadas do Lira Paulistana, foi inacreditável. E Cassiano Roda, como um colaborador com algumas parcerias em composições e ideias para piadas e "gags" para os shows.

Jerome Vonk
Jerome Vonk foi um empresário muito eficiente, mas que colocava-se sob uma posição de igualdade para conosco. Talvez por ser bem jovem, pouca coisa mais velho que o João Lucas que era o membro mais velho entre os componentes da banda. 
 
Muito culto, educado, mas ao mesmo tempo a se revelar como um tremendo brincalhão, tinha o pulso para impor-se como um comandante, quando necessário, mas na maior parte do tempo, era "um de nós". Holandês de nascimento, "afrancesou" o seu nome, pois segundo dizia-nos, não conseguiríamos pronunciá-lo, na fonética holandesa. Poliglota e amante de Blues, Jazz e Rock Sessenta & Setentista, tem uma bagagem muito boa na música, por ter sido um Road Manager de confiança de Claude Nobs, o organizador do Festival de Montreux, na Suíça. Como o Jerome é europeu, mas com forte vivência no Brasil desde criança, além de ser um poliglota, conhecia bem o temperamento dos brasileiros e as suas manias, portanto, foi o profissional ideal para lidar com os artistas brasileiros, em sua noite brasileira, uma tradição do Festival. E de fato, a sua brasilidade era tão grande, que não havia nenhum resquício de sotaque no seu português. Pelo contrário, ele fala um português impecável e com sotaque de paulistano.

Gostei muito de trabalhar com ele, e tanto foi assim, que por pelo menos duas vezes, tentei fazer com que ele se tornasse o empresário d'A Chave do Sol, tempos depois. A nossa banda crescia e justificava tal pretensão de nossa parte, contudo, ficou nítido que ele nunca enxergou tal potencial, pois não aceitou os nossos pedidos, em duas ocasiões. E lembro-me que ele ficou bastante embaraçado em falar-nos isso. Deve ter sido uma situação embaraçosa para ele, pois éramos amigos, e eu tinha muita esperança na banda, mas ele não devia enxergar dessa forma. Depois disso, o encontrei por acaso em um show do Jethro Tull, em São Paulo, no ano de 1988. Conversamos muito rapidamente, apenas, nessa ocasião em que esperávamos pela flauta de Ian Anderson entrar em ação.
Muitos anos se passaram, e em 1994, eu recebi um telefonema dele. Estava em outra empreitada musical, desta feita, a presidir o escritório de uma gravadora holandesa em São Paulo. Ele estava a montar o escritório da "Roadrunner", um selo especializado em Heavy-Metal e derivados, e queria um funcionário de confiança para assumir a posição de diretor artístico, para cuidar das contratações, e supervisionar as gravações de tais artistas em estúdio. Fiquei muito contente com o convite, mas o meu domínio do idioma inglês era abaixo do sofrível, e essa condição era sine qua non para assumir o cargo. Fora isso, o mundo do Heavy-Metal sempre foi um planeta distante e desinteressante para o meu gosto, por isso, declinei do convite.

Curiosamente, alguns meses depois, a própria gravadora entraria em negociação com o Pitbulls on Crack (a minha banda na ocasião, anos noventa), ao visar a nossa contratação para o seu elenco. E as conversas foram conduzidas pela Alê, baixista da banda Indie, "Pin Ups", que assumiria o cargo anteriormente oferecido para a minha pessoa.

Encontrei o Jerome várias vezes naquele escritório durante a década de noventa e uma vez ele brincou comigo, ao dizer-me que eu e ele devíamos ter sido as únicas pessoas naquele ambiente, sem ostentarmos tatuagens e piercings... éramos, pois, Rockers da velha guarda, do tempo em que tatuagem era coisa de presidiário ou marinheiro, enfim. 
 
Algum tempo depois, ele foi o gerente da Rádio Kiss FM, uma emissora que entrou com tudo no mercado paulistano, e sob a sua batuta como programador geral, tal emissora só tocava clássicos do Rock 1960 & 1970, em uma programação dos sonhos. Mas um belo dia, a programação começou a ficar esquisita e claro, o "holandês voador", havia saído.

Estamos conectados no Facebook, também, mas falamo-nos pouco, atualmente.

Cida Ayres
Figura importantíssima durante a segunda passagem que eu tive na banda, Cida Ayres foi uma produtora exemplar. Braço direito do Jerome, e querida por todos nós, era uma mão na roda em todas as circunstâncias. Em meio ao turbilhão gerado por indisposições e melindres em que vivi na minha segunda passagem pela banda, por conta de estar em duas bandas autorais, simultaneamente, e com interesses conflitantes de agenda, para a minha sorte, ela afeiçoou-se à Chave do Sol, também, e deu-nos muita força, inclusive ao facilitar o fechamento de shows.  
 
Agradeço muito a ela, por tudo de bom que proporcionou-me no trabalho cotidiano com o Língua de Trapo, e também pela ajuda que deu para A Chave do Sol. Fiquei muitos anos sem falar com ela, mas soube que ela estava a atuar como produtora, com a empresária da Xuxa, Marlene Matos, no próprio: "Xou da Xuxa". Fiquei muito contente por saber que ela crescera como produtora e de fato, ela tinha um talento nato para tal função. Depois disso, ela trabalhou com duplas sertanejas do patamar mainstream, e foi executiva de gravadora multinacional.  
Em 2010, encontramo-nos através da extinta Rede Social Orkut, e ela gostou de alguns clips do Pedra, a minha banda na ocasião. Chamou-me então para uma conversa, e mostrou-se interessada em ajudar-nos. Uma segunda reunião foi agendada, e dessa vez eu levei comigo a sua xará, Cida Cunha, que estava a voluntariar-se para fazer produção para o Pedra. A conversa foi boa, a Cida Ayres passou inúmeros contatos fortes de Rádio e TV que detinha para a sua xará. Coisas grandes de TV aberta, inclusive. Contudo, nada logrou êxito, pois tratava-se de uma outra época, e nesses tempos de jabá institucionalizado, só o contato e a amizade, não bastavam. Ela deu o seu melhor, mas evidentemente que não teve culpa alguma por nada ter dado certo. Todavia, não teve mal algum, fiquei contente em vê-la bem, a trabalhar em uma produtora de vídeos, e ainda a tentar ajudar-me, tantos anos depois.

Louis Chilson
Louis Chilson foi uma figura sensacional para nós, ao acompanhar bem a trajetória da banda em 1983 e 1984. Produtor e diretor de cinema, foi o responsável pela produção, direção e edição da vinheta do vídeo, em película de Super-8, que fez parte do show.
Tremenda pessoa do bem, é um norte-americano meio brasileiro, por ser filho de mãe brasileira e portanto, falar português sem sotaque. Muito culto, cinéfilo e formado em cinema pela UCLA, tornou-se um ótimo amigo naqueles meses em que estive na banda, pela segunda vez. O seu conhecimento de cinema é enciclopédico, e tivemos muitas conversas sobre tal assunto, além das séries clássicas de TV, também uma paixão mútua. Depois dessa fase boa em que convivemos quase diariamente, reencontramo-nos no Facebook, em 2012 e conversamos com boa regularidade desde então.

Paulo Estevam Andrade/Saulo/Nilma Martins/Dico 
Ao falar sobre quatro figuras da primeiríssima formação do "Grupo de Poesia e Arte da Faculdade Cásper Líbero", Paulo Estevam Andrade (também conhecido como "Paulo Sustenido"), Saulo, Nilma Martins e Dico, não tenho muito o que dizer, na verdade, pois foram pessoas que saíram da vida do Língua de Trapo, com muita rapidez. 
 
Passada a segunda apresentação desse grupo, em agosto de 1979, somente o Dico, prosseguiu um pouco mais, e ele tinha um potencial de humor bem interessante, mas a vida o levou para um outro lado. Sobre o Paulo Estevam Andrade, reencontramo-nos no mundo virtual em 2012, quando ele contou-me que desde aquela época, voltara para a sua cidade natal, Marília, no interior de São Paulo e lá desenvolveu uma carreira como professor, até os dias atuais.

Celso Mojola
Celso Mojola é um tecladista com sólida formação erudita, mas que gostava muito de Jazz, também. Estudante de música na USP, tinha ouvido absoluto, ou seja, percebia desafinações de instrumentos com uma precisão maior que a de afinadores eletrônicos. Participou da primeira fase da banda com bastante desenvoltura, inclusive ao gravar a primeira Demo-Tape do Língua de Trapo, em 1980. 
 
Quando eu saí em 1981, ele parecia firme na formação, mas alguns meses depois, soube que um novo tecladista fora efetivado: João Lucas, irmão do baixista, Luiz Lucas, que substituíra-me em 1981. Mojola, também conectou-se comigo no Facebook, mas nunca conversamos além dos cumprimentos iniciais pelo adicionamento etc. 

Fernando Marconi
Fernando Marconi entrou na banda, ainda em 1979, e como era um músico com muito talento e sobretudo por ser muito estudioso, tinha pretensões a tornar-se um músico de alto nível, e portanto interessado em orbitar no mundo da música instrumental, Jazz-Fusion e similares. O que talvez nem ele suspeitasse, fora que detinha também uma veia humorística, e ele foi mais um trunfo para o Língua de Trapo. O Fernando é muito gentil, e sempre foi cordial comigo. 
 
Nunca esqueço-me de uma passagem, onde eu o visitei em sua residência, e tive curiosidade de tocar em um par de congas, um instrumento de percussão cuja sonoridade aprecio muito, desde que pilotado por um percussionista de ofício, e não um curioso desavisado, e sem técnica, como eu era (sou). Ele deixou que eu tocasse, e alguns minutos depois, não parava de rir, ao ver as bolhas que brotaram nas minhas mãos, como incauto que fui em tocar sem técnica alguma... enfim, percussão é coisa séria!

O Fernando saiu abruptamente da banda, pouco tempo depois que eu voltara, em 1983. Depois dessa saída repentina dele, nunca mais tive notícias, a não ser quando comecei a navegar na Internet, e então verifiquei que ele construíra uma carreira sólida no mundo da música instrumental. Mas como esse mundo é muito fechado, apesar de ser um grande músico, ele não é famoso, na mesma proporção de seu talento. Estamos conectados no Facebook, mas ele mostrou-se discreto ao meu contato, e eu respeitei essa postura dele, claro. 

Falo por fim dos componentes mais regulares entre as minhas duas passagens pela banda, daqui em diante.

Guca Domenico
Guca Domenico era um jovem estudante de jornalismo, mediante muito idealismo, fervor pela política e com um talento nato para a música. Compositor, violonista, cantor e letrista de primeira linha, é autor de muitas músicas de sucesso da banda, fora as ideias para piadas, gags & sketchs, que sempre enriqueceram os shows do Língua de Trapo. Guca sempre foi um rapaz com alto astral no convívio da banda, e a sua presença tornava-se agradável nos shows, ensaios, reuniões etc.
Guca mantém a sua carreira solo com discos e também composições gravadas por outros artistas, além de muitos livros publicados e destacada atuação como professor, igualmente. No início, era um membro oficial e subia ao palco, cantava e tocava o seu violão. Mas chegou em um ponto onde tornou-se um membro honorário, sempre próximo e a alimentar a banda com o seu material de criação, mas a participar dos shows, apenas sazonalmente, como convidado especial. Vejo o Guca muito pouco atualmente. A última vez em que conversamos com calma, foi no camarim do Sesc Pompeia em 2005, no show de comemoração aos vinte e cinco anos da banda (vinte e seis na verdade). 

Carlos Melo (Castelo)
Carlos Antonio Melo e Castelo Branco é outro genial compositor que muito contribuiu para o sucesso da banda. De uns tempos para cá, passou a assinar como "Carlos Castelo" ao invés de "Carlos Melo" como eu o conheci, daí eu fazer menção ao "Castelo", para deixar claro que é a mesma pessoa. 
 
Na mesma dinâmica que o Guca, o Carlos Melo subia ao palco para performances e intervenções musicais simples, a fazer backing vocals, no início dos tempos da banda. A sua imitação do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, durante a execução da música: "Teologia do Sambão", era hilariante e levava o público ao delírio. 
 
Na minha segunda fase com a banda, ele já havia adotado a postura de ser membro honorário e só a participar do seu núcleo de criação, mas sempre a oferecer ideias incríveis. Foi através dele que o tecladista, Celso Mojola, participou da banda, mas na segunda fase em que atuei, o Mojola já havia sido substituído pelo João Lucas.
Carlos Melo (Castelo) prosseguiu firme no jornalismo, tendo trabalhado muitos anos no jornal, "O Estado de São Paulo", onde eu pude ler muitas matérias de sua autoria. Tremendo colega, sempre foi muito camarada comigo. Carlos foi o único membro que citou-me no documentário sobre a história do Língua de Trapo... (não estou a reclamar de ninguém, não melindrem-se os demais membros do Língua de Trapo, mas é apenas uma constatação). Também não falo com ele desde 2005, por ocasião em que também conversei com o Guca, nos bastidores de um show do Língua de Trapo.

Paulo Elias Zaidan
O Paulo Elias Zaidan foi um colega da faculdade, que acompanhou todo o começo da banda, mas não atuara em demasia nos primeiros momentos. Quando eu voltei à banda, ele estava super bem como ator no grupo, com a sua participação sendo vital para o desenvolvimento do show. Um dos amigos mais alto astral que eu conheci na música, foi um aglutinador por natureza. Onde ele estava, não havia lugar para o mau humor, pois sempre descontraia-nos com as suas brincadeiras.
Luiz Domingues e Paulo Elias na escadaria de acesso à saída de emergência do Teatro Lira Paulistana em 31 de julho de 1984. Click e acervo de Julio Revoredo
 
Nunca esqueço-me, certa vez estávamos em cartaz no Teatro Lira Paulistana, em meio a uma longa temporada. Estávamos no período da tarde e ainda faltava bastante tempo para realizarmos o soundcheck, portanto sem função a cumprir naquele momento, quando ele disse-me que faria uma performance inusitada na rua, por pura diversão. Foi o lado ator e lúdico dele que sempre aflorava. 
 
Então, eis que Paulo Elias vestiu um figurino ao estilo de um "polichinelo", maquiou-se e munido de uma bengala, plantou-se na porta de entrada do Teatro, em plena Rua Teodoro Sampaio, com aquele movimento permeado por carros, ônibus e pedestres apressados. Como uma estátua, ele ficou ali imóvel e as reações das pessoas foram hilárias. Eu fiquei na padaria que localizava-se ao lado, a observar tudo, e vou contar, não lembro-me de ter rido tanto na vida. Até uma pessoa inusitada eu vi a passar por ali e a sua reação de espanto foi incrível. Foi o Arnaldo Antunes, que estava sentado como passageiro, dentro de um ônibus! E naquela época, ele já estava a tornar-se famoso, por conta dos Titãs etc. e tal. 
 
Muito tempo depois, me encontrei com o Paulo Elias (em 1992), na bilheteria de um teatro. Assistimos um espetáculo teatral juntos, por pura coincidência. Depois disso, reencontramo-nos no camarim da casa de shows Aeroanta, quando eu toquei com a banda formada pelo Laert, em um "Tributo à Janis Joplin", que ele promoveu e atuou, em 1996. Mais algum tempo depois, vimo-nos de novo no camarim do Sesc Pompeia em 2005, e no Bar Melograno, em 2011 e 2012. Também estamos conectados no Facebook.  

Serginho Gama
Sergio Gama e Silva, o popular, "Serginho Gama", entrou para a banda praticamente quando eu saí pela primeira vez, em 1981. Ele é hoje em dia, o segundo membro mais antigo da banda, só a perder para o Laert, nessa longevidade. É igual a parceria do Ian Anderson, com o Martin Barre, no Jethro Tull, ou seja, um verdadeiro fiel escudeiro do Laert. 
 
Serginho é um grande músico, arranjador e maestro da banda, desde então. E aprendeu a ser um elemento cômico, ao apurar muito a sua performance ao longo do tempo, e a tornar-se assim, um músico importantíssimo para a banda, mas também importante como um ator de apoio às sketchs. Calmo, sensato e brincalhão nos bastidores, sempre foi um colega agradável comigo, ao ajudar-me com dúvidas de harmonia, logo que eu voltei. Também vemo-nos sazonalmente, mas estamos conectados nas Redes Sociais.
Além do Língua de Trapo, na atualidade, o Serginho mantém trabalhos paralelos, incluso um duo espetacular de violões com o baixista atual da banda, Cacá Lima, onde ambos fazem releituras sensacionais para clássicos do Rock 1960 & 1970, de forma instrumental, muito criativa e técnica. 

Nahame "Naminha" Casseb
O Nahame Casseb, popular "Naminha", é um tremendo baterista, técnico e muito preciso. Sempre que ele detectava erro de andamento, ficava muito bravo no palco, pois não conformava-se com os demais músicos da banda, por não possuírem essa percepção tão precisa quanto a dele. Mas fora esse perfeccionismo compreensível, é, um tremendo amigo do bem, super brincalhão, alto astral.
Descendente de árabes, mas com olhos azuis, foi muitas vezes chamado como: "Lawrence da Arábia", uma brincadeira óbvia, e de cunho cinematográfico, aliás, um mote comum à quase todos os membros dessa banda, incluso eu, pois éramos uma banda formada por cinéfilos inveterados, sem dúvida. 
 
Algumas vezes, eu, Luiz, Naminha Casseb e Serginho Gama, brincávamos de tocar Rock Progressivo, nos momentos de soudcheck, paixão mútua entre nós três. Muitas vezes tocávamos trechos de músicas do "Yes", para equalizar a banda no soundcheck. Desinibido, contribuía também com a parte cênica, dentro do possível, é claro, pois para os bateristas sempre fica muito difícil fazer coisas além de sua função vital.
Naminha morou muitos anos no Japão, onde acompanhou grandes artistas da MPB, em shows realizados naquele país. Encontramo-nos em 1996, por ocasião do show: "Tributo à Janis Joplin", organizado pelo Laert, e foi a última vez em que tocamos juntos. Falamo-nos pouco atualmente, mas estamos conectados no Facebook. Naminha é experiente side-man de artistas da pesada da MPB, por ter acompanhado vários astros, incluso o grande cantor, Cauby Peixoto, com o qual tocou até os últimos dias de vida desse estupendo artista. 

João Lucas
João Lucas é um grande músico, compositor, arranjador e tem também uma veia para o humor, muito boa. Enquanto os demais eram mais escrachados, o João trazia à banda, o elemento do humor sarcástico, da verve britânica. 
 
Quando eu voltei à banda, em 1983, temi que ele pudesse ter um relacionamento difícil comigo, pelo fato de eu estar a substituir o seu próprio irmão. Ledo engano e grata surpresa, tornamo-nos muito amigos e ele foi um dos que mais sentiu a minha saída, em 1984.  
 
Um homem muito culto, educado e com uma memória incrível, fora a paixão pelo Rock, anos 1960 e cinema, se tornara óbvio que ficaríamos muito amigos. Morador do bairro da Vila Olímpia, há muitos anos, ele morava na mesma rua da escola onde estudei, de 1968 a 1976. Não nos conhecemos nessa época, mas tínhamos as mesmas raízes, lembranças, e somente quem conhece bem aquele bairro da zona sul de São Paulo, sabe o que é o barulho de um Boeing a passar a menos de duzentos metros de nossas cabeças.

Outra paixão mútua nossa, era (é) a cidade de São Paulo. A contrariar a média normal das pessoas que adoram odiar São Paulo, eu e João Lucas somos apaixonados pela Pauliceia. Essa paixão da parte dele, expressava-se às vezes de forma muito engraçada. 
 
Nunca esqueço-me de uma ocasião, quando fomos à uma cidade do interior, e quando estávamos a chegar na referida localidade, ainda sob a escuridão da madrugada, e com as ruas completamente desertas, ele protagonizou algo engraçado. João dormia na poltrona da "janelinha" do ônibus, e acordou quando alguém exclamou que estávamos a chegar, e ainda sonolento, olhou pela janela. Só havia um gato a movimentar-se preguiçosamente pela rua deserta e ele disse: -"o que acontece em uma cidade dessas? Veja a grande novidade... um gato acabou de passar"... pois tal piada acompanhou-nos durante o dia inteiro...  
O João Lucas deve tomar banho de formol. Fiquei anos sem vê-lo, e quando encontramo-nos em 2005, no camarim do Sesc Pompeia, ele pareceu ser o mesmo colega que tocava comigo em 1984! Falei-lhe sobre isso, é claro. 
 
Recentemente (cerca de 2012), conectamo-nos via Facebook e conversamos bastante desde então. Geralmente sobre política, mas a música e o Rock em específico, também são objetos de nossas animadas conversas. Trata-se de um grande amigo! 
 
Tenho visto o João Lucas a anunciar composições suas, sensacionais pela Internet, fortemente influenciadas por compositores como: Burt Bacharach, Henry Mancini e Ennio Morricone, entre outros. São temas instrumentais perfeitos para tornarem-se trilhas de filmes, uma de suas paixões e aliás, minha também.

Lizoel Costa
Lizoel Costa era o mais engajado na música, quando o conhecemos no segundo semestre de 1979. Enquanto os demais eram estudantes de jornalismo a envolver-se com a música, ele já colocava-se como músico profissional, que estudava jornalismo. Através dele, eu tive oportunidades para ganhar dinheiro como músico, ao impulsionar-me por diversos trabalhos avulsos que realizei, através de suas indicações. Tais histórias inusitadas que vivemos juntos nesses trabalhos, estão relatadas nos capítulos dos "Trabalhos Avulsos".

O Lizoel era uma figura muito divertida no convívio, e certamente entre todos os membros, o que mais ligava-se em questões estratégicas de construção de carreira. Enquanto os demais divagavam a sonhar com o sucesso, mas sem procurar empreender uma planificação objetiva para chegar nesse patamar, ele enxergava na frente, sempre a pensar na estratégia, na importância de se aproveitar as raras oportunidades, os contatos etc.
Nessa época em que o conheci, décadas antes da Internet tornar-se aberta e popular, ele carregava na bolsa um caderno com centenas de nomes e números de telefones de músicos. Foi um cadastro que organizara, e do qual costumava consultar para indicar instrumentistas e cantores para diversos trabalhos. Sempre procuravam-no a perguntar-lhe: -"Lizoel, preciso de um guitarrista para tocar tal estilo de música". -"Preciso de um saxofonista para tocar Jazz". "Preciso de uma cantora de MPB". 
 
Ele parecia uma agência de empregos ambulante e assim, ajudou muita gente a colocar-se no mercado e garantir o pão nosso de cada dia, ou no caso, de cada noite. Quando voltei à banda em 1983, a sua veia natural para a logística e construção de carreira, estava ainda mais aguçada. Tivemos muitas conversas nesse sentido, e certamente que eu aprendi muito com ele. Depois que o Língua de Trapo deu uma parada, por volta de 1988, ele engatilhou um trabalho com o ex-Secos & Molhados, Gerson Conrad, na verdade, ambos formaram uma banda chamada: "Banda Nacional", mas que não teve longa carreira, infelizmente. 
 
Na volta do Língua de Trapo, no início dos anos noventa, ele já não fazia parte da nova formação, e estava de volta à sua cidade natal, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde por muitos anos foi radialista com sucesso. Inclusive, falei com ele em 2006, ao visar divulgar o CD de estreia do Pedra, a minha então banda, recém lançado na ocasião. 
 
Com a minha entrada na vida virtual em 2010, reativamos o contato através da extinta Rede Social Orkut, de onde soube que ele havia mudado-se para Brasília e trabalhava na ocasião, como assessor de imprensa do Conselho Federal de Odontologia.
Infelizmente, tivemos uma péssima notícia sobre o Lizoel em 2014. Com muito pesar, anuncio que ele faleceu no dia 7 de maio desse ano, em sua cidade natal, Campo Grande-MS, aos 58 anos de idade, vítima de um aneurisma cerebral.
 
Fico com as lembranças boas do tempo em que trabalhamos juntos em prol do Língua de Trapo, além de alguns trabalhos paralelos em que ele mesmo encaixou-me, dentro daquela prerrogativa citada anteriormente, a exaltar a sua capacidade generosa para abrir portas para diversos músicos poderem trabalhar e ganhar dinheiro. Em 9 de maio de 2014, o programa, "Rádio Matraca" realizou um programa especial em sua homenagem, que está disponível em arquivo permanente na Internet, através do Link abaixo, no site da emissora USP FM / 93.7 de São Paulo. 

http://www.radio.usp.br/programa.php?id=20

Abaixo, o Link do portal Uol da Folha de São Paulo, a noticiar sobre o seu falecimento:

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/05/1451596-morre-aos-58-anos-o-musico-lizoel-costa-da-banda-lingua-de-trapo.shtml

Abaixo, o Link da Revista Rolling Stone a noticiar também o falecimento do Lizoel:

http://rollingstone.uol.com.br/noticia/morre-lizoel-costa-da-banda-lingua-de-trapo/

Vá em paz, velho amigo e muito obrigado por tudo, "Bitcho!"

Pituco Freitas
Antonio "Pituco" Freitas, era um rapaz com potencial vocal espetacular quando o conheci em 1979. Mas no início, mostrava-se sério, compenetrado. Assim foi a apresentar-se nos primeiros tempos difíceis da banda, até que um fato inusitado do destino mudou a sua perspectiva artística. Graças ao nervosismo para enfrentar cinco mil pessoas em um festival universitário de MPB, na cidade de Bauru-SP, em 1980, ele se transformou completamente, e dali em diante, explodiu como um frontman de enorme desenvoltura cênica, praticamente a se revelar como um ator performático.
Como pessoa, é um colega excepcional, amigo, prestativo e solidário. Por meio indireto, foi o responsável por eu ter conhecido o baterista, José Luiz Dinola (por conta de seu irmão, o guitarrista Pitico Freitas), com o qual fundei e atuei com A Chave do Sol. Pituco vive no Japão há muitos anos, onde sedimentou uma carreira como cantor, violonista e compositor, de volta às suas raízes como um intérprete "sério", a deixar o humor de lado, mas a encantar os nipônicos com a sua Bossa Nova muito bem tocada e cantada. 

Laert Sarrumor
Laert "Sarrumor", claro, sempre foi o centro irradiador, o grande dínamo de energia criativa da banda, e assim, tem sido até hoje, e sempre o será. Agradeço-o por ter levado-me ao "Grupo de Poesia e Arte da Faculdade Cásper Líbero", quando inseriu-me em um novo núcleo, de onde eu supostamente não fazia parte, inicialmente. De certa forma, graças a esse gesto de amizade, garantiu que a semente do Boca do Céu germinasse, ao dar início a uma nova cria, que só um ano mais tarde, tornar-se-ia assim o Língua de Trapo.
Como eu já disse, fomos a nos encontrar posteriormente nesses anos todos, após a minha saída do Língua de Trapo, em 1984, sob muitas circunstâncias. Ao divulgar trabalhos meus com outras bandas em que fui componente, no seu programa de Rádio (Rádio Matraca - USP FM) e também com encontros fortuitos em lugares inusitados (encontros de rua, como até em uma papelaria, certa vez), bastidores de shows e pelo fato dele ter afeiçoado-se ao trabalho do Pedra e ter assistido muitos shows dessa banda, da qual eu fui componente em duas fases, de 2004 a 2011 e 2012 a 2015. 
 
Compareci em algumas festas de aniversário dele, e mantemos um ótimo contato permanente, pelas Redes Sociais da Internet. Quando encerrei o texto bruto da minha autobiografia referente ao Boca do Céu, no meu Blog 2, mandei-lhe imediatamente o Link para que ele lesse tudo. Vivo a instigar-lhe a escrever a sua autobiografia também. Ele, que já escreveu livros de sucesso (foi best-seller absoluto por várias semanas, inclusive), e tem o traquejo, faria (fará) um trabalho magnífico. 
 
Todavia, em conversa reservada, ele disse-me que ainda reluta em dar início. De minha parte, tem o meu apoio total, e nas partes onde as nossas respectivas trajetórias se misturam, eu adorarei ter o ponto de vista dele sobre o Boca do Céu e o Língua de Trapo, bandas pelas quais atuamos juntos. E revelo um dado que considero pertinente, e sei que isso não o aborreceria: na época do Boca do Céu, ele mantinha o hábito salutar de escrever sobre o seu cotidiano em um diário. Portanto, munido dessas anotações de apoio, ele tem tudo para escrever tal história com muito maior riqueza de detalhes do que eu fiz, pois as minhas anotações de referência, resumiram-se às datas de shows realizados, os seus locais e respectivo público presente para cada ocasião, além de formação da banda e uma ou outra ocorrência especial.

Bem, é isso!

Falei sobre todos os músicos presentes nas duas passagens em que estive na banda, os membros honorários que muito contribuíram para o sucesso dela, e de todos os que estiveram mais diretamente ligados à sua produção. Agradeço a cada um pela oportunidade em ter feito parte dessa história. 
 
Último capítulo dessa importante etapa de minha trajetória musical. Para encerrar, peço desculpas pelas saídas que tive de efetuar, e pelas mágoas e transtornos decorrentes desses dois atos desagradáveis que cometi contra a instituição Língua de Trapo. Sinto orgulho por ter feito parte dessa história.
A banda está em atividade até os dias atuais (no ano de 2016, quando encerrei o texto bruto da autobiografia, o Língua de Trapo estava prestes a participar da premiação do Grammy Latino, nomeado em várias categorias pelo seu último e ótimo álbum, lançado nesse ano, denominado: "O Último CD da Terra"). Espero que assim prossiga por muitos anos, a arrancar as gargalhadas sinceras do público, e também ao fazê-lo pensar, pois o humor proposto por essa banda não é o popularesco, mas sim o do poder reflexivo. Quando o Língua de Trapo provoca risadas nas pessoas, elas riem de si mesmas, refletidas no espelho, ao ver que a sociedade e o poder político e econômico, são meramente reflexos da nossa própria mentalidade. Riem, mas pensam a seguir. Eis o meu muito obrigado à todos que estiveram comigo nessas duas etapas de minha carreira. 

Meu muito obrigado ao Laert "Sarrumor" Julio Pedro Jesus Falci, um artista genial que eu conheci em um dia de agosto, em 1976, e que graças ao seu talento e perseverança, deu-me a sua mão, e puxou-me de um sonho impossível para a realidade da música e da arte.

Vida longa ao Língua de Trapo!
Daqui, a minha autobiografia na música segue com os capítulos dos meus "Trabalhos Avulsos". São muitas histórias vividas fora das bandas autorais por onde atuei.
 

Língua de Trapo - Capítulo 22 - O Pós-Língua de Trapo, como Ex-Membro - Por Luiz Domingues

O momento pós-Língua de Trapo teve vários desdobramentos em minha vida, e o primeiro fato, ocorreu ainda em 1984. A minha primeira interação com a banda, na condição de ex-membro, ocorreu ainda nesse mesmo ano. Mais ou menos em outubro ou novembro, não recordo-me ao certo, eu fui assistir um show do Língua de Trapo, no teatro Sesc Pompeia. Foi estranho assistir o espetáculo com tão pouco tempo decorrente de minha saída. Foi como se eu fosse ainda da banda, pois sabia de cor todas as músicas, as marcações, as trocas de figurino, piadas, vinhetas de áudio e vídeo...

Ou seja, se o Mário Campos, meu substituto, tivesse uma indisposição qualquer, eu pegaria o baixo, e faria o show inteiro, sem problemas, pois não enferrujara, apesar de três ou quatro meses passados desde a minha saída da formação.

Laert Sarrumor, Ayrton Mugnaini Jr. & Alcione Sana, em foto dos anos noventa, a representar o programa radiofônico: "Rádio Matraca", da USP FM de São Paulo. Na segunda ilustração, a capa do EP lançado pel'A Chave do Sol em 1985

Quando o EP d'A Chave do Sol foi lançado em 1985, nós fizemos uma entrevista no programa de rádio que o Laert liderava, "Rádio Matraca", na USP FM. Ainda em 1985, eu tive um contato ainda mais próximo, e foi sensacional nesse caso, pois pude amenizar, e muito, o meu sentimento de remorso por ter deixado a banda, quando senti-me útil, sob uma circunstância especial para os meus amigos.

O Língua de Trapo estava classificado para participar do Festival de MPB que a Rede Globo lançou naquele ano, a tentar resgatar o glamour dos festivais dos anos sessenta. Foi de fato, muito grandioso para aquele momento, e apesar de estar muito aquém dos festivais sessentistas (verdadeiros clássicos icônicos e registrados na história da MPB), sob o ponto de vista artístico, fez bastante barulho em 1985. 

O Língua de Trapo estava prestes a lançar um novo LP com canções inéditas, naquele ano mesmo ano e participar de tal festival, pareceu ser o empurrão que lhes faltava para enfim ingressar no mainstream da música. Foi então que eu recebi o telefonema do Laert, a solicitar-me um favor.

Como se tratara de um evento de responsabilidade e o baixista, Mário Campos, não possuía um baixo importado de qualidade naquela ocasião, o pedido foi para que eu emprestasse o meu baixo para que ele o usasse durante a primeira eliminatória em que a banda participaria no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e eventualmente, se classificados, precisariam novamente do meu instrumento, para participar da final, a ser realizada no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Claro que aceitei na hora, por vários motivos. 
 
Primeiro pelo apreço à minha ex-banda, da qual tenho orgulho por ser um membro fundador, pela qualidade do trabalho, pela amizade com todos os membros daquela formação, por nutrir simpatia pelo Mário Campos, um amigo muito gentil, mas também por outro motivo, mais "egoísta", de minha parte, digamos assim: a oportunidade para amenizar o meu remorso por ter deixado a banda, mais uma vez...

E assim, na 1ª eliminatória em que o Língua de Trapo participou, eu fui levar o meu baixo para o Mário usá-lo, no Ginásio do Ibirapuera, onde pude assistir o soundcheck da banda, e observei os bastidores de uma produção global e sob peso pesado. 

A grandiosidade de tal produção, impressionou-me pela sua estrutura. O equipamento usado, era gigantesco, a parecer-se adequado para suprir um show de Rock internacional, e a parte de aparelhagem de TV, foi o que houve de mais moderno para a época, é claro. 

Ao circular pelos corredores, notei que os participantes não eram "ilustres desconhecidos", como seria de se esperar para um festival que supostamente visara revelar novos artistas, mas pelo contrário, houve a presença de muitos medalhões, a deixar bem clara o poder de intervenção da parte das gravadoras e empresários, foi óbvio.

Fiquei muito orgulhoso de ver a minha ex-banda a participar de um evento desse porte, portanto a viver um "momentum" que parecia (e foi), ainda mais promissor do que aquele que eu experimentara como membro, entre 1983 e 1984. Dessa forma, senti-me mais que orgulhoso, mas feliz por vê-los em claro sinal de ascensão, e de certo, aliviado por meu remorso estar agora, muito diminuído, para não dizer erradicado.

Foi um furor a apresentação do Língua de Trapo, que eu assisti pela TV, apesar de ter sido disponibilizado um convite para que eu estivesse presente. Com "Os Metaleiros Também Amam", satirizaram o Heavy-Metal, e toda aquela baboseira em torno do termo "metaleiro", uma invenção imbecil da parte de marqueteiros do Festival Rock in Rio, recém realizado, e massificado a exaustão pela Rede Globo.

Eu nunca gostei de Heavy-Metal, mas tinha muitos amigos nesse meio, e sei de uma série de pessoas que passaram a odiar mortalmente o Língua de Trapo, por conta dessa sátira, ao tomá-la como uma afronta pessoal. Durante o festival, não foram apenas os "metaleiros" que ficaram indignados. O público comum da Rede Globo, escandalizou-se com a indumentária quase indecente com a qual o vocalista, Pituco Freitas, apresentou-se.

O crítico musical, Zuza Homem de Mello, chegou a exaltar-se durante a transmissão ao vivo, ao tecer duras críticas ao Língua de Trapo, e ao Pituco em específico. Bem, eu vibrei com a performance, com a sátira e tudo mais. E até um certo orgulho por ver o meu baixo em ação, eu senti... eles classificaram-se, e novamente eu lhes emprestei o meu baixo, que viajou ao Rio, sem a minha presença.

Depois dessa ocasião, eu só tive encontros sazonais e individuais com alguns membros da banda, até que em 1996, o Laert procurasse-me para que eu fizesse parte de uma banda, que faria um Tributo à Janis Joplin. Essa história já foi contada no capítulo: "Trabalhos Avulsos".

Mais encontros casuais houveram nos anos seguintes, e em 2005, eu fui convidado para o show de lançamento de uma caixa comemorativa dos vinte e cinco anos de existência da banda, com o próprio Laert a ironizar tal efeméride por ela estar "errada", visto que em 2005, comemorava-se na verdade, vinte e seis, ao menos se computasse os primórdios da banda em 1979, ainda sem nome definido sequer. 

Nesse mesmo dia do show do Língua de Trapo, ao chegar ao camarim, eu estava eufórico, por que acabara de entrevistar o mítico radialista, Jaques Sobretudo Gersgorin, do programa: "Kaleidoscópio", em uma produção proporcionada pelo jornalista, Bento Araújo, que a publicou na edição n°11, da revista Poeira Zine (Thin Lizzy, na capa).

Dessa forma, sabedor que o Laert também amava o Kaleidoscópio, uma paixão setentista comum a nós dois (Serginho Gama também era muito fã), eu cheguei com essa novidade e os telefones do Jaques em mãos, para que o Laert o convidasse a participar do seu programa radiofônico, "Rádio Matraca", ação que de fato ele preparou para ocorrer no início de 2006, e por sinal, programa em que eu tive o prazer de participar, também. 

Fora essa questão, o show do Língua de Trapo foi hilariante como sempre, e vários ex-membros estavam presentes, quando ao final, todos foram chamados ao palco para participar de um coral da canção, "Concheta", que foi filmado, mas que eu nunca achei no You Tube, e talvez esteja engavetado para um lançamento em DVD, no futuro.

      O Pedra a abrir o Uriah Heep em 2006. Foto : Grace Lagôa

Foi nesse dia que o baixista, Luiz Lucas, falou-me sobre um empresário que estaria a contratar "dinossauros" do Rock setentista internacional, para compor um festival, e que poderia encaixar o Pedra, a minha banda nessa ocasião, para tal evento. De fato, um ano depois, o Pedra estaria a abrir o show do Uriah Heep, dentro desse festival.

No dia em que o Jaques "Kaleidoscópio" foi ao programa Rádio Matraca, em 2006: Da esquerda para a direita, Alcione Sana (minha ex-aluna de baixo... mundo pequeno...); o diretor da USP FM (Marcelo Bittencourt); Jaques e Laert. Ao fundo, Zé Brasil, líder do Apokalypsis, histórica banda de Rock setentista. Eu não estou no enquadramento dessa foto, mas estava ao fundo, perto do Zé Brasil, e do jornalista, Bento Araújo. Foto : Grace Lagôa
Nessa segunda foto, enfim no enquadramento, com tantos amigos juntos ao grande, Jaques "Kaleidoscópio", uma das maiores influências setentistas que eu tenho no campo da contracultura em geral. Em pé, da esquerda para a direita: Luiz Domingues, Zé Brasil (Apokalypsis), Bento Araújo (editor da Revista Poeira Zine) e Marcio Gali Ortiz (sonoplasta da USP FM). Sentados: Alcione Sana, Marcelo Bittencourt (diretor da USP FM), Jaques Sobretudo Gersgorin (Kaleidoscópio) e Laert Sarrumor. Foto: Grace Lagôa

Depois dessa ocasião de 2005, houve essa entrevista do Jaques no Rádio Matraca (2006), e outra em que participei com o Bento Araújo, para falar sobre os shows do Alice Cooper, em 1974, no Brasil, também no programa. 
Laert Sarrumor & "Os Três do Pedra", em abril de 2011, no Melograno Bar de São Paulo. Click: Sandra Lozano

E finalmente, em 2011, o Pedra faria o seu último e melancólico show (tal banda voltaria à ativa, um ano depois, em 2012), através de um projeto encabeçado pelo próprio, Laert Sarrumor, realizado no Melograno Bar, em São Paulo. De fato, ele era (é), um fã do trabalho do Pedra, e ficou chateado por saber sobre o final de atividades da nossa banda, ao lamentar sobre essa resolução da banda, reservadamente, mas também publicamente pelas redes sociais da Internet, principalmente no Facebook.

No entanto, quando o Pedra voltou às atividades, em 2012, ele vibrou, e rapidamente nos programou para mais um show no mesmo espaço, espetáculo que fizemos com muito prazer. Basicamente foram esses os meus momentos pós-Língua de Trapo, depois de deixar a banda no ano de 1984...

Pedra & Laert Sarrumor no Melograno Bar de São Paulo, em dezembro de 2012. Click: Grace Lagôa

Continua...