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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Trabalhos Avulsos - Capítulo 40 - Disco Solo de Rodrigo Hid - Por Luiz Domingues

Rodrigo Hid com a Patrulha do Espaço, em 2004. Foto: Ana Fuccia

Quando a nossa formação da Patrulha do Espaço encerrou-se em 2004, o anúncio oficial foi dado em setembro desse ano, porém, na realidade ainda cumprimos um show no mês subsequente, em outubro. 

Contudo, o fato é que vivíamos uma fase de desgaste nítido na relação interna da banda, há meses, pelo menos desde o final de 2003, e assim, o companheiro Marcello Schevano articulou a criação de uma nova banda em paralelo, que denominar-se-ia: "Carro Bomba" e o Rodrigo Hid começou a projetar a ideia de lançar um álbum solo.  

Assim que a Patrulha do Espaço saiu de nossas respectivas vidas, eu soube que o Rodrigo estava a promover ensaios com o jovem e super promissor baterista da banda, "Quarto Elétrico" (Ivan Scartezini), uma ótima banda por sinal, e que havia sido atração de abertura de alguns shows da Patrulha do Espaço, de nossa fase e também com o seu baixista, o super talentoso, Thiago Fratuce, que fora um de meus melhores alunos, nos anos noventa. 

A sua ideia inicial seria gravar em trio e ele, por ser um multi instrumentista, certamente que supriria com galhardia toda a parte das guitarras, teclados, vozes e violões acústicos, portanto a contar com o apoio de uma cozinha de muita categoria, formada por Ivan Scartezini e Thiago Fratuce. Em suma, ele teria tudo para lançar um álbum incrível, ainda mais se levarmos em conta a obviedade de que ele é um compositor inspiradíssimo, portanto não seria apenas o atrativo da exímia execução da parte dele e de seus convidados, mas sobretudo pela certeza de que haveriam de ser, um conjunto de músicas lindas. 

        Rodrigo Hid com o Pedra, em 2006. Foto: Grace Lagôa

Todavia, poucas semanas depois, ocorreu o convite do guitarrista, Xando Zupo, para que Rodrigo viesse a integrar a sua nova banda que estava a ser articulada e com a agravante de que eu mesmo, Luiz Domingues, também estava inserido nesse projeto (e naturalmente que eu insisti para que ele, Rodrigo, aderisse a esse novo trabalho). 

Então, eis que culminou com que ele aceitasse o desafio e nessa nova configuração, o seu projeto para a produção de um disco solo fosse engavetado. Cerca de um ano e meio depois disso, o próprio baterista, Ivan Scartezini, também agregou-se a essa nova banda, batizada como: "Pedra" e tal história está contada em detalhes nos seus respectivos capítulos alojados nos meus Blogs 2 e 3 e igualmente nas páginas do livro impresso, com tal teor, "Quatro Décadas de Rock".

   Rodrigo Hid com o Pedra, em 2014. Foto: Leandro Almeida

Mas o tempo passou, o "Pedra" acabou, depois de um ano de inatividade, voltou, e acabou novamente, desta feita definitivamente em 2015. 

E o Rodrigo, desde muito tempo, já havia tornado-se um dos mais requisitados músicos da noite paulistana, a tocar em bandas cover (como por exemplo, o "Rockover", ao lado do excelente guitarrista, Ronaldo Paschoa, ex-Tutti-Frutti, ex-Guilherme Arantes e ex-Rita Lee), também em inúmeros pequenos combos e além de tudo isso, o fato de por ser eclético ao extremo, propiciou que ele pudesse montar uma agenda incrível como artista solo, a cumprir voz & violão e/ou voz & piano em inúmeras casas noturnas e também para vir a se tornar "side man" de artistas importantes da MPB com teor Folk/Rural, como Chico Teixeira, filho do compositor, cantor e violonista, Renato Teixeira. 

Portanto, com a sua agenda completamente lotada, e ainda que isso fosse (seja) uma maravilha, a pensar estritamente no aspecto financeiro, demorou, mas finalmente Rodrigo Hid vislumbrou uma boa oportunidade para desengavetar o seu projeto para lançar um disco solo. 

Para tanto, Rodrigo planejou gravar o seu disco, a formar vários combos, com músicos amigos que transitaram pela sua carreira até aquele ponto e assim, foi com muita alegria que eu recebi o seu convite para gravar duas faixas em princípio, e mais feliz ainda fiquei, quando soube que o baterista dessas duas faixas em que eu gravaria, seria o meu velho e querido amigo, José Luiz Dinola. 

Ora, que prazer gravar novamente com meu velho colega d'A Chave do Sol e de certa forma resgatar a frustração de um outro projeto nosso que não conseguiu chegar nesse ponto em ter gravado o seu material criado, no caso, o "Sidharta", e nesse aspecto, diretamente ligado também ao Rodrigo Hid.

Na sala da técnica do estúdio "A" de gravação do complexo "Orra Meu", o "Sidharta" reunido, dezenove anos depois, com a sua formação clássica. Da esquerda para a direita: José Luiz Dinola, Marcello Schevano, Rodrigo Hid e Luiz Domingues. Agora, o objetivo seria gravar o 1º disco solo de Rodrigo Hid, com Dinola e Domingues a dar suporte instrumental e Schevano a operar e produzir essa gravação. 1° de março de 2017. Acervo e cortesia de Rodrigo Hid. Click: Diogo Barreto

Portanto, seria mais que um prazer pela amizade envolvida entre nós três, mas uma espécie de resgate tardio, mas bem-vindo sobre algo que não conseguimos realizar naquela época, entre 1998 e 1999, com o Sidharta. E para reforçar toda essa incrível teia de conexões entre nós três, houve um quarto elemento que teve tudo a ver conosco e seria o propiciador técnico de tal ação. Refiro-me a Marcello Schevano, que abriu as portas de seu recém-inaugurado mega estúdio, e ele próprio prontificou-se a ser o "tape operator" e produtor do álbum. 

Cabe destacar que quando ele e o seu irmão, Ricardo Schevano, este na qualidade de meu ex-aluno (e baixista experiente e de alto nível, há anos), montaram o seu estúdio, ambos foram estudar produção de áudio e nessa altura, estavam ambos habilitados como técnicos de gravação de alto padrão. E diante de um estúdio maravilhoso que fundaram, com tecnologia de ponta e equipamentos e instrumentos vintage de primeira categoria, qualquer álbum que fosse produzido em seu estabelecimento, tendia a ter qualidade sob nível internacional, portanto, um disco de Rodrigo Hid que traz no bojo a sua qualidade artística altíssima, e produzido sob tais condições técnicas de nível norte-americano ou europeu, só poderia ficar excelente, foi uma dedução lógica.

Reencontro de velhos amigos em jornadas conjuntas e distintas, da esquerda para a direita: Rodrigo Hid, Luiz Domingues e José Luiz Dinola. Primeiro ensaio para a gravação de duas faixas do disco solo de Rodrigo Hid. Estúdio B de gravação do complexo Orra Meu. 1º de março de 2017. Foto: Diogo Barreto

Sobre as canções que Rodrigo designou-me a gravar junto com o José Luiz Dinola, a minha familiaridade com ambas, era total. Tratou-se de duas canções que chegaram a serem gravadas pelo "Pedra", a fim de figurar no repertório do CD derradeiro da banda, o "Fuzuê", mas que foram descartadas por um membro da banda por questão de seu gosto pessoal, ao julgá-las não adequadas ao bojo do álbum. 

Sobre essa produção em si, eu descrevi a situação nos capítulos finais do Pedra, basta procurar no arquivo do Blog. Mas o importante é que o Rodrigo estava disposto a regravá-las e eu, que aprecio as duas, fiquei muito feliz por ter essa chance de novamente colocar o meu baixo nelas, e vê-las enfim, lançadas.

Uma delas chama-se: "Siga o Sol" e trata-se de um Folk-Prog muito bonito, com final em looping emocionante, bem setentista. E a outra que na época tinha o nome provisório de: "Porão" (o Rodrigo pensa em criar uma nova letra e possivelmente ela passará a ter outro título quando for lançada), trata-se de uma canção que ele já planejava gravar em 2004, quando esboçou produzir o seu disco, inicialmente, e ficou anos a tentar vencer a resistência de um colega nossa para inclui-la no repertório do Pedra e mesmo ao gravá-la, não conseguiu evitar o seu descarte na hora do lançamento do disco dessa banda, ocorrência que já citei anteriormente. 

A manter o seu arranjo original, a música tem uma introdução muito a ver com a estética do Prog-Rock setentista e uma parte cantada, mais Pop, a lembrar o som de Elton John e para citar um artista brasileiro semelhante, Guilherme Arantes.

Ensaio com José Luiz Dinola e Rodrigo Hid, para gravarmos duas faixas no disco solo dele, Hid. Estúdio de gravação B do complexo "Orra Meu". 1º de março de 2017. Foto: Rodrigo Hid (selfie) 

Baseamo-nos nas gravações malogradas do Pedra, eu e Dinola para prepararmos as duas canções previamente e alguns ensaios foram marcados para se cumprir a devida pré-produção dessa gravação. E foi um prazer realizar tais encontros, para efetuar esse trabalho e inevitavelmente termos ótimos momentos marcados pela nostalgia ao agruparmo-nos, os quatro ex-integrantes do Sidharta, e curiosamente, no primeiro ensaio, o Rolando Castello Junior estava no estúdio de gravação, a participar de uma sessão de decupagem do material gravado nos shows ao vivo, onde nós também revivemos a nossa formação da Patrulha do Espaço, portanto, sob o mesmo teto, dia e horário, muitos personagens da minha história pessoal na música, em épocas diferentes estiveram ali agrupados, o que foi um momento de alegria pessoal, sem dúvida alguma.

Após três ensaios, a gravação foi marcada e o Dinola sugeriu uma técnica diferente na metodologia de gravação, que já estava habituado a usar nas gravações de sua banda, o "Violeta de Outono" e cujo conceito, o guitarrista, Fábio Golfetti havia aprendido na Europa, em meio às suas andanças como membro da banda Prog-Rock internacional, o "Gong". 

Nesse conceito, a aproveitar-se do fato da tecnologia digital estar muito avançada, fica mais fácil gravar músicas mais complexas, ao estilo Prog-Rock, que tenham muitas partes, divididas em trechos, e posteriormente a montagem milimétrica de tais frações é perfeita. No caso da música provisoriamente conhecida como: "Porão", tal metodologia facilitou-nos a vida, pois trechos complexos foram gravados separadamente, a minimizar ao máximo a incidência de erros. Dessa forma, muito rapidamente o José Luiz Dinola gravou a bateria das duas canções e na mesma tarde, em pouquíssimo tempo, eu já gravei a minha parte, igualmente, com muita tranquilidade.

A preparar-me para gravar, sob absoluta tranquilidade na sala A do estúdio Orra Meu, com Marcello Schevano, na operação. E pela visão da janela, o roadie, Diogo Barreto a fazer ajustes na bateria de José Luiz Dinola, na sala ao lado. Na minha mão em pleno uso, o Fender Precision e no cavalete, o Rickenbacker 4001, gentilmente emprestado por Ricardo Schevano. 19 de abril de 2017. Foto: Rodrigo Hid

Sobre os baixos que eu usei, levei o meu Fender Precision para gravar o Prog-Rock que torna-se canção Pop ao seu final e o Rickenbacker na canção Folk-Prog, a seguir a mesma intuição que tive por ocasião da gravação das mesmas canções mas para o disco do Pedra. Creio ter sido adequado nas duas ocasiões, estou convencido que é o que as músicas pedem. 

A diferença, é que usei o Rickenbacker do Ricardo (e não o meu, que curiosamente é da mesma cor, só que modelo 4003 e do ano de 1980), e o dele é um 4001, ano 1973, ou seja, com linha de captação, Toaster. E a amplificação cedida pelo estúdio, com caixa e cabeçote Ampeg, absolutamente matadora, a imprimir timbre e peso, fantástico. Ricardo Schevano auxiliou-me muito na produção desse som de baixo, e atesto que saí do estúdio muito satisfeito com a sonoridade dessa captura.

Um pouco antes da sessão de gravação iniciar-se, a conversar com o meu velho amigo, José Luiz Dinola. "Um Minuto Além" e sempre reencontramo-nos na mesma... "Luz". Gravação do disco solo de Rodrigo Hid, no estúdio Orra Meu de São Paulo. 19 de abril de 2017. Foto: Rodrigo Hid

Marcello operou, mas com supervisão de um de seus professores do curso de áudio, e que também opera regularmente ali no estúdio "Orra Meu", o ótimo, André Miskalo. Além de Ricardo, que também habilitou-se teoricamente muito bem e acompanhou tudo de perto. Portanto, Rodrigo cercou-se de técnicos gabaritados e com tal estúdio ultra equipado e moderno, teria tudo para se elaborar um álbum memorável.


Algumas semanas depois dessa gravação, vi pelas redes sociais da Internet, que um novo time de músicos convidados por Rodrigo já estava a gravar mais faixas. Tudo absolutamente em família, a outra cozinha convidada fora formada por Rolando Castello Junior e Nelson Brito, a dispensar qualquer tipo de apresentação sobre ambos...

E no início de julho de 2017, eis que eu recebo um novo recado pelo inbox do Facebook, com Rodrigo a convocar-me para gravar mais duas faixas, desta feita com o extraordinário baterista, Franklin Paolillo, uma lenda do Rock brasileiro setentista. Uma canção será inédita e a outra, "Sonhos Siderais", uma peça que o Rodrigo compôs para o nosso projeto Sidharta, portanto, estou muito animado para desengavetar mais um tema que trabalhamos com tanto carinho naquele projeto ocorrido ao final dos anos noventa e esta não aproveitada por outra banda, posteriormente, como muitas que foram gravadas pela Patrulha do Espaço ou pelo Pedra. 


Sendo assim, futuramente mais um ou dois capítulos serão escritos a falar sobre esse trabalho avulso que realizo com o meu velho amigo, Rodrigo Hid e a envolver diretamente muitos companheiros de inúmeras jornadas de minha carreira. 
A conversar com os irmãos Schevano: Ricardo, em pé e Marcello, sentado, próximo a mesa de som. Gravação do disco solo de Rodrigo Hid, no estúdio Orra Meu, de São Paulo. 19 de abril de 2017. Foto: Rodrigo Hid

Continua... (mas com data indefinida para publicação, neste momento, dezembro de 2017)

sábado, 9 de dezembro de 2017

Trabalhos Avulsos - Capítulo 39 - Edy Star + Os Kurandeiros Celebram os 50 Anos da Tropicália - Por Luiz Domingues

 

Conforme eu relatei anteriormente, sobre quando fiz parte da banda de apoio do cantor, Edy Star, por ocasião de seu show durante a realização da "Festa Odara", versão de 14 de novembro de 2014, fora um prazer tocar e assim, muitas observações positivas foram objeto de minha avaliação, nesse trabalho.

Em 2015, eu recebi o telefonema da cantora: Renata "Tata" Martinelli, e desta feita, ela é que esteve a organizar os preparativos para uma série de shows que o grande, Edy Star, realizaria em um circuito de teatros da prefeitura de São Paulo, a caracterizar uma espécie de mini turnê, mas eu estava em plena fase de convalescença das minhas duas primeiras cirurgias e não pude aceitar o convite, ao perder a oportunidade. 

E no meio desse acontecimento, ainda ouve a "Virada Cultural" da cidade de São Paulo, quando eu também perdi a chance para realizar um show perante uma grande multidão, com direito a um cachê robusto, inclusive...

Contudo, ao final de 2016, o Kim Kehl mais uma vez abordou-me e ao Carlinhos Machado, e convidou-nos a fazer parte da banda de apoio de Edy Star, e desta feita seria em moldes diferentes da apresentação da qual eu participara em 2014. 

Primeiro, que não seria anunciada a nossa participação como: "Easy Rider Band", mas apresentar-nos-íamos com a nossa identidade habitual, ou seja, "Os Kurandeiros". 

Segundo aspecto, a festa desta vez seria temática e o mote escolhido fora a efeméride em torno dos cinquenta anos do movimento tropicalista na MPB, 1967-2017. Dessa forma, o repertório sugerido pelo Edy, versava muito nas canções de Caetano Veloso e Gilberto Gil, como base do espetáculo, mas a conter as canções tradicionais que compõe o repertório regular do Edy em suas apresentações, ou seja, bastante Rocks do cancioneiro da dita "pré" Jovem Guarda, algumas canções mais modernas, além é claro, de muito material clássico do Raul Seixas, pela ligação artística e histórica que ambos tiveram nos anos setenta etc. e tal.

O palco montado para o soundcheck no Cine Joia de São Paulo. A esquerda, Luiz Domingues a estabelecer os seus últimos ajustes no baixo e amplificador. 13 de janeiro de 2017. Click, acervo e cortesia: Carlinhos Machado

E um terceiro ponto, talvez temerário, em tese, que revelou-se na extrema simplicidade da formação, por resumir-se ao Power-Trio d'Os Kurandeiros e a inclusão de apenas um músico a mais para reforçar o time, na figura do percussionista, Michel Machado. Tocar em formato "Power-Trio" é algo que eu fiz muito na minha trajetória, em boa parte da carreira d'A Chave do Sol e voltei a praticar nessa fase com Os Kurandeiros, desde 2011, e claro que não preocupou-me em nada, no entanto, para acompanhar um outro artista e com o repertório proposto, a presença de um segundo guitarrista a apoiar na harmonia e melhor ainda, se fosse um tecladista, seria ótimo pelas circunstâncias, mas isso não foi possível e assim, tivemos que preparar muitas músicas sob um curto espaço de tempo e com essa formação bem básica. 

Pior que isso, algumas canções escolhidas para a apresentação, ostentavam características experimentais acentuadas, caso de temas como: "Alegria, Alegria" e "Tropicália" a conter todos aqueles detalhes com orquestrações e elementos psicodélicos "nonsense", portanto, tocá-las assim, em formato Power-Trio e só com o acréscimo de um percussionista como força adicional, seria temerário sob uma primeira avaliação.

O set de guitarra de Kim Kehl, pronto para a ação, no Cine Joia. Click, acervo e cortesia: Kim Kehl 

Pois muito bem, preparamos tudo e fomos para o primeiro ensaio, embora dias antes disso, o Edy Star fora convidado pelo Kim Kehl e fez uma breve aparição em um show d'Os Kurandeiros, quando cantou algumas canções que tocaríamos na Festa Odara. Nessa participação, nós estávamos prontos para tocar tais músicas baseadas nos arranjos e tonalidades dos seus respectivos álbuns, onde estão registradas, mas o Edy surpreendeu-nos, com pedidos de mudanças súbitas, no andamento e tonalidade. Certo, fator típica de cantor, quem está acostumado a tocar em banda base de cantores sabe o quanto isso é normal, apesar de ser obviamente um transtorno e tanto para qualquer instrumentista, estabelecer modificações da rota traçada com o avião em pleno voo. 

Já no ensaio, a mostrar-se contrariado com tonalidades e andamentos, ele fez várias outras modificações e ali, tratara-se da véspera do show, portanto, lá fui eu fazer transporte de harmonia e na dúvida, fiquei com duas versões de cada música em mente, exatamente a prever que na hora do show, não seria nada surpreendente que ele desistisse da modificação e pedisse-nos para tocarmos no tom original do disco. 

Mais habituado a lidar com tal tipo de situação, o Kim aproveitou e contou-me que quando acompanhou uma dessas duplas sertanejas, mainstream, era algo comum que os sujeitos pedissem modificações harmônicas aos músicos, com o show em andamento, a provocar desconforto generalizado na banda inteira, naturalmente. Certo, saímos todos ilesos do ensaio, e agora seria contar com o velho espírito Kurandeiro de improviso, em eventuais momentos de pane, e modéstia a parte, a nossa banda, de tanto tocar na base do improviso, era (é ) bastante calejada nesse sentido.

Nesse click da fotógrafa, Carol Mendonça, a partir do mezanino do Cine Joia (nós da banda e Edy, bem lá no fundo), dá para ter-se a dimensão do ambiente triangular da sala, com o palco a perfazer o seu ângulo. 13 de janeiro de 2017. Click, acervo e cortesia: Carol Mendonça

O local do show seria outro também, desta vez em relação ao show em que eu participei em 2014. Ainda mais interessante ao meu ver, o Cine Joia, uma ex-sala de cinema, ainda mantinha a sua arquitetura cinquentista, muito glamorosa. Cinéfilo que sou desde a tenra infância, não contive o meu ímpeto, assim que cheguei ao estabelecimento e fiz uma turnê pelas suas dependências. 

Cinema histórico na cidade de São Paulo, para quem não conhece a sua trajetória, digo resumidamente que tal sala fora construída com o intuito de exibir filmes japoneses e sem legenda, exatamente para atender a colônia nipônica radicada na cidade e registre-se, São Paulo é a maior cidade "japonesa fora do Japão", no mundo, dada a imigração que foi massiva por aqui e que naturalmente gerou milhões de descendentes. 

Por anos a fio, o Cine Joia cumpriu a sua função com muita dignidade, por ter sido um polo cultural para a colônia, a apoiar principalmente os imigrantes mais idosos, que tinham imensa dificuldade para aprender o nosso idioma e assim, ao irem ao Cine Joia para assistir um bom filme japonês e ouvirem a sua língua, evitava que entrassem na depressão inevitável pela não adaptação ao Brasil. 

E claro, o Cine Joia fica encravado no centro do bairro da Liberdade, onde a tradição dos orientais construiu-se na cidade e por décadas foi considerado o bairro japonês da cidade. Ainda há um comércio fortíssimo dos japoneses por ali, mas nos dias atuais, os chineses e coreanos também estão ali presentes no comércio e nos serviços, em profusão.  

Bem, apesar disso tudo, por ser uma ex-sala de cinema e não ter sido muito drasticamente modificada para vir a ser uma casa de shows na atualidade de 2017, o palco em formato de uma concha, pareceu-me mal aproveitado, com uma profundidade que não servia para nada e a parte útil de fato, prejudicada pela dimensão exígua. Bem, a vantagem é que tocaríamos em quarteto, com um mapa bem simples. Bateria e percussão na linha de trás e guitarra e baixo na segunda linha, para deixar a frente para o Edy, a estrela da noite, naturalmente.

No acesso ao camarim, a banda reunida com Edy Star, momentos antes do show. Da esquerda para a direita: Luiz Domingues, Kim Kehl, Edy Star, Michel Machado e Carlinhos Machado. Cine Joia, 13 de janeiro de 2017. Click, acervo e cortesia: Carol Mendonça

Gostei do caminho de acesso aos camarins, com certo sentido labiríntico e a existência de muitos cartazes antigos de filmes japoneses que certamente ali foram exibidos em décadas passadas. Isso foi incrível mesmo, gostei muito de ver essa memorabilia, ainda que não exatamente bem cuidada, uma pena. 

Nos momentos antes do show, Edy divertiu-nos no camarim, a contar histórias hilárias sobre as suas andanças por Portugal, no início dos anos setenta, quando atuou como ator, em montagens teatrais.

Os Kurandeiros (Carlinhos Machado, Kim Kehl & Luiz Domingues), no camarim do Cine Joia, em 13 de janeiro de 2017, desta feita a serviço de Edy Star. Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap

Sobre a organização, tudo foi muito bem azeitado, essa rapaziada organizava essa festa há anos, portanto, tudo correu muito bem, não tenho nada a reclamar e pelo contrário, só tenho elogios. Incluso na contratação de um equipamento de som e iluminação com qualidade, ou seja, foi um alívio para todos.

Outra foto do soundcheck, no período da tarde. Da esquerda para a direita: Kim Kehl, com Carlinhos Machado ao fundo na bateria, Edy Star, Michel Machado na percussão, atrás e Luiz Domingues. Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap. 

Edy Star é um artista performático e por ter a formação como ator, não contentava-se em cantar e fazer a mise-en-scène tradicional, mas sempre buscava algo a mais. Ao olhar o palco com uma considerável altura em relação ao patamar básico do público (havia também um mezanino, muito bonito), ele inventou de iniciar o show a vir a cantar do público e subir ao palco por uma escada de acesso frontal. 

Até aí, tudo bem, foi positiva a ideia pelo aspecto impactante, todavia a escada era íngreme, sem apoio e pior, sob plena escuridão no público e iluminação ofuscante na contraluz, portanto, o risco dele desequilibrar-se e cair, seria enorme e coloca-se aí nessa receita a sua idade cronológica, com quase oitenta anos de idade naquela ocasião, portanto, isso gerou preocupação generalizada. 

Luiz Domingues na primeira foto, Kim Kehl na segunda e Michel Machado & Luiz Domingues na terceira. Edy Star + Os Kurandeiros na "Festa Odara", no Cine Joia de São Paulo. 13 de janeiro de 2017. Clicks, acervo e cortesia: Carol Mendonça 
 
Mas ele insistiu e de fato, na hora do show a banda entrou a tocar a música: "Os Mais Doces Bárbaros", que aliás é uma canção que eu adoro do repertório desse trabalho de Gil/Gal/Bethânia & Caetano, a atuar como uma banda. 

Foi inevitável a lembrança de minha parte a lembrar-me sobre por quantas vezes eu fui ao Cine Belas Artes assistir o documentário dessa turnê d'Os "Doces Bárbaros", e adorava ver a abertura do show com essa mesma canção e com o Arnaldo Brandão a destruir tudo no seu baixo Fender... claro que toquei com muito prazer ao pensar nessa minha reminiscência setentista e também foi óbvio que tocaria a canção na mesma intenção do Arnaldo, com aquele swing todo em torno de R'n'B/Soul Music. E o Edy fez o que prometeu... veio a cantar da plateia, com um canhão de luz ao estilo "super trouper", a acompanhá-lo e todo "glam", subiu apoiado por seguranças e não perdeu o pique...

Edy Star, todo "Glam" ao microfone, com Luiz Domingues no primeiro plano e atrás, encobertos, o percussionista, Michel Machado e o baterista, Carlinhos Machado. 13 de janeiro de 2017, no Cine Joia de São Paulo. Click, acervo e cortesia: Carol Mendonça

Fora disso, o repertório recheado por músicas da tropicália e MPB, acertou na mosca, eu diria, pois, o público saiu a cantar e dançar o tempo todo. O percussionista, Michel Machado, era (é) excelente músico e tratou de fornecer o "champignon" ao show, como dizia o saudoso, Wilson Simonal. 

Uma panorâmica do palco. Da esquerda para a direita: Kim Kehl, Edy Star e Luiz Domingues, na linha de frente. Atrás, Carlinhos Machado e Michel Machado. Festa Odara no Cine Joia de São Paulo. 13 de janeiro de 2017. Click, acervo e cortesia: Carol Mendonça

Um dado engraçado do show, em um determinado momento, eu olhei para baixo e vi algumas pessoas a chamar a minha atenção, mediante gesticulação histriônica. Quando as fitei mais detidamente, vi que uma menina mostrou-me uma tela de um "tablet" com os seguintes dizeres grafados: "Fora Temer"... (o presidente do Brasil na ocasião), e ela e a sua turminha faziam sinais para eu ir ao microfone e insuflar a massa com tal "mantra". 

Ora, eu não poderia tomar tal iniciativa de forma alguma, visto ser ali um simples acompanhante. O dono do show era o Edy e eu jamais poderia afrontá-lo ao tomar uma atitude impertinente dessas. Segundo ponto, mesmo não sendo nada simpático ao governo desse senhor citado e de seu partido, eu não faria isso nem que fosse um show regular d'Os Kurandeiros, a minha banda, e onde teria liberdade para tomar uma atitude dessas se fosse o caso, pois mesmo assim, isso só seria cabível se a banda toda estivesse de acordo com a tomada de posição política e além de que, se tudo isso fosse amplamente debatido no nosso ambiente interno, de uma maneira prévia e houvesse 100 % de concordância com tal tomada de posição em público, ao expor a banda, dessa forma. 

Sinalizei para a garota que eu não poderia fazer isso, mas não fui hostilizado por ela e seus amigos. Pelo contrário, ela sinalizou-me com o dedão, ao fazer o clássico sinal de "positivo", a denotar entender a minha posição ali em cima do palco. 

Contudo, não adiantou nada eu não ter feito isso, pois na primeira pausa possível entre uma canção e outra, alguém do público deu a palavra de ordem e a massa aderiu com contundência. Mas nós ignoramos a manifestação e encobrimos o coro com tal teor político, ao começar imediatamente o próximo número e ninguém ali sentiu-se ofendido. Passaram a cantar e dançar, com o "comício" político a encerrar-se...

Bela perspectiva com o público de frente e todo mundo sendo agraciado com o púrpura profundo... Festa Odara, no Cine Joia de São Paulo. 13 de janeiro de 2017. Click, acervo e cortesia: Carol Mendonça

Finalizamos o show com o público bastante satisfeito, a aplaudir bastante o Edy, por conseguinte, a banda. Acho que demos o recado e cumprimos a missão com bastante sucesso. No camarim, do pós-show, o cansaço foi grande. 

A madrugada quente de verão estava avançada e pela vidraça, víamos a Avenida 23 de Maio, semi-deserta, uma cena rara ao tratar-se dessa via de São Paulo. Na saída, recebemos muitos cumprimentos. Essa sinalização de que muitas pessoas haviam gostado, foi muito interessante e surpreendeu de certa forma, quando alguns mais antenados, fizeram considerações mais embasadas da nossa performance e a demonstrar possuir cultura Rocker, pelas colocações feitas. Positivo, por essa não esperávamos e claro que foi um bônus agradável para nós.

Edy Star sob as bênçãos de Caetano Veloso, nas imagens projetadas. Carlinhos Machado ao fundo, na bateria e Luiz Domingues, no primeiro plano. Festa Odara no Cine Joia de São Paulo. 13 de janeiro de 2017. Click, acervo e cortesia: Carol Mendonça

Missão cumprida, foi o meu segundo show com Edy Star e mais uma vez provou-se prazeroso por muitos aspectos já citados ao longo do capítulo. Aconteceu em 13 de janeiro de 2017, no Cine Joia, localizado no bairro da Liberdade, centro de São Paulo, com cerca de quinhentas pessoas presentes.  

E assim foi esse meu trabalho avulso (embora híbrido, posso afirmar, visto que a estrela foi o Edy, mas Os Kurandeiros levaram crédito, igualmente), por enquanto. 

A próxima ocorrência no campo dos trabalhos avulsos, foi para lá de prazerosa, por envolver personagens de diversas passagens de minha vida profissional, ao mesmo tempo... falo sobre isso no seu capítulo correspondente, a seguir.

Um resumo da "Festa Odara" em 13 de janeiro de 2017, no Cine Joia do bairro da Liberdade, em São Paulo. Edy Star com Os Kurandeiros. Filmagem de Lara Pap

Eis o Link para assistir no You Tube: 

https://www.youtube.com/watch?v=UR__OGJ8rBo

Continua...

domingo, 3 de dezembro de 2017

Trabalhos Avulsos - Capítulo 38 - Rolling Stones Live Cover em Noite Interiorana - Por Luiz Domingues

Rolling Stones Live Cover, na casa de espetáculos: "Milwaukee", de Ribeirão Preto-SP, em 18 de junho de 2016. Da esquerda para a direita: Luiz Domingues, Alexandre Mandaliou, Angelo Salinas, Luis Antonio Melantonio e Kim Kehl

O meu último trabalho avulso, realizado fora de bandas oficiais e autorais pelas quais eu fui (sou), componente, fora em 2014, quando tive o prazer e a honra de atuar em um show do cantor, Edy Star, e fato devidamente registrado em seu respectivo capítulo, neste Blog 3 (Trabalhos Avulsos/capítulo 36, publicado em março de 2015). 

Desde então, eu estava a atuar em quatro bandas autorais ao mesmo tempo e duas delas, encerraram as suas atividades, ao aliviar-me a carga de trabalho. Foi o caso do Pedra, banda em que eu cheguei a sair antes do anúncio oficial de seu término, em maio de 2015, e a Magnólia Blues Band que anunciou o seu encerramento de atividades em abril de 2016.

A atuar, portanto, com Os Kurandeiros de Kim Kehl e com o Nu Descendo a Escada de Ciro Pessoa, o fato foi que eu recebi no início de junho de 2016, o convite para suprir uma data de uma banda cover com a qual o Kim também atuava esporadicamente, que apresentava como sua característica temática, ser uma banda tributo aos Rolling Stones. 

Ao leitor mais atento da minha autobiografia, deve saber que mesmo ao se tratar de trabalhos avulsos realizados fora das bandas autorais por onde passei, foram poucas as ocasiões em que eu atuei em bandas cover, com exceção da minha passagem pelo "Terra no Asfalto", que foi assumidamente uma banda cover, mas não temática, ao apresentar repertório bem mesclado, e com a agravante de ter ocorrido no longínquo período de 1979-1982. 

Fora disso, foram poucas as ocasiões em que eu fiz apresentações avulsas com bandas cover, e todas foram devidamente retratadas nos capítulos sobre os trabalhos avulsos. Nesse caso, constitui-se em poucas apresentações com a banda: "Electric Funeral" (tributo ao Black Sabbath), uma sazonal apresentação de uma banda formada por componentes d'A Chave/The Key (ou "Chave sem Sol"), e do Golpe de Estado a executar músicas das bandas britânicas: "UFO" e "Michael Schenker Group", um tributo à Janis Joplin, e outro ao baterista do "The Who", Keith Moon. 

Ou seja, em quarenta anos de carreira, tal esforço extra, não representa quase nada em relação à minha dedicação aos trabalhos com bandas autorais em que fui membro. Desta feita, o convite seria para que eu substituísse o baixista ausente de uma banda tributo aos Rolling Stones, chamada: "Rolling Stones Live Cover".

Aceita a missão, eu recebi pelo inbox do Facebook, o set list padrão e comemorei o fato de que o grande grosso do material seria formado por clássicos do repertório dos Rolling Stones e poucas músicas mais "modernas" que eu até conhecia, mas não tinha grande familiaridade, visto que, como os leitores atentos da minha autobiografia sabem, a minha predileção, em linhas gerais é pelo material dos anos 1960 & 1970. 

Um ensaio foi realizado na quarta feira anterior a essa apresentação, e através desse apronto, eu tranquilizei-me em dois aspectos: 

1) Eu sabia tocar a maioria esmagadora das canções.
2) Além da presença do amigo, Kim Kehl, a atuar nessa banda, eu já conhecia parcialmente o segundo guitarrista, Alexandre Mandaliou, e no ensaio, verifiquei que o baterista, Luis Antonio Melantonio e o vocalista, Angelo Salinas, eram pessoas agradáveis para lidar-se, portanto, o convívio seria muito ameno.

Encerrado o ensaio, que foi produtivo e realizado em um estúdio no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo, cujo dono é o empresário dessa banda, chamado: Marco Grecco (que também é baixista e já tocou nessa banda várias vezes e igualmente dedica-se a ser vocalista em uma banda tributo ao "U2"), a nossa missão seria viajar para Ribeirão Preto, no sábado posterior, onde seria realizada a apresentação. 

Naquela semana, eu vi através da mídia, que a cidade de Ribeirão Preto-SP receberia um evento sob grande porte, um festival com produção peso-pesado, a reunir nomes do Rock mainstream, tais como: "Paralamas do Sucesso", "Titãs", Nando Reis, "Planet Hemp" e outros. Achei até que seria inserida dentro de tal festival a apresentação desse Tributo aos Stones, talvez em um palco menor, como entretenimento extraordinário do evento etc. e tal.

Mas não seria... a apresentação estava marcada para um bar temático da Harley-Davidson, montado dentro de uma concessionária dessa marca de motocicletas, mas não necessariamente sendo ambientação de moto-clube, mas sim uma casa noturna aberta ao público em geral e segundo me contaram, costumava atrair a jovem burguesia da cidade. 

Viagem sob o calor interiorano, apesar do fim de outono, mas muito agradável, a bordo do carro do baterista, Luis Antonio Melantonio, sob a sua condução muito segura, foi também prazerosa pela conversação que ali se desenvolveu entre os cinco ocupantes do automóvel e nesse quesito, senti-me bastante à vontade, pelo clima amistoso gerado.

Paramos para uma recomposição geral do automóvel e nossa, pessoal, perto de Ribeirão Preto, em um posto de gasolina um pouco além da pequena cidade de Cravinhos-SP, última antes de nosso destino e no posto, havia a presença de muitas vans vindas de diversas outras cidades interioranas paulistas, com destino à Ribeirão Preto, com jovens a rumar para o citado festival de Rock nacional mainstream ("João Rock").

Alheios a essa movimentação, fomos ao nosso destino, na referida casa noturna e realizamos o soundcheck com tranquilidade. A casa era bem montada e o palco bem razoável, com um PA compatível para o ambiente, um camarim decente e o técnico solícito, a atender-nos. Missão inicial cumprida, fomos ao hotel para o relaxamento anterior à apresentação e uma confusão que seria muito engraçada dentro de uma comédia ao estilo "pastelão", mas que ali foi desagradável, aguardou-nos.

Simplesmente a nossa reserva não existia, pois estávamos no hotel errado! Após vários telefonemas para São Paulo a fim de colocar o empresário a par da situação, a confirmação do hotel em que a reserva estava assegurada, veio afinal, e este ficava longe dali, mas também mais perto do local do show. Nesse segundo hotel, onde realmente hospedamo-nos, muitas equipes técnicas dos artistas que apresentar-se-iam no tal festival que citei, estavam ali hospedadas e muitas carretas a conter equipamentos e ônibus a serviço desses artistas, estavam ali estacionados.

Após o reconfortante banho e descanso da viagem, lá fomos nós para a casa noturna em questão, chamada: "Milwaukee". O Kim, que é um especialista em cultura norte-americana, pôs-se a narrar que tratava-se do nome de uma cidade, que é capital do estado de Wisconsin, e discorreu sobre as suas características regionais e culturais. 

Eu não tenho essa cultura toda que ele tem sobre a América do Norte, nem de longe, aliás, mas disso eu sabia também e cheguei a comentar no carro de que lembrava-me do filme: "Wayne's World" dos anos noventa, onde os personagens protagonistas em determinada cena, vão parar no camarim do Alice Cooper, que faria show nessa cidade e ele, Alice, a interpretar a si mesmo (himself), profere um discurso em tom de aula de geografia, ao explicar que "Milwaukee" é uma palavra de origem indígena e que foi incorporada culturalmente pelos norte-americanos etc. O Kim acrescentou que é como acontece no Brasil em relação a muitas coisas na cultura paulistana, como: "Anhangabaú", "Ibirapuera", "Anhembi", "Catumbi", "Cambuci", "Caxingui", enfim, só para citar alguns ícones da nossa cidade etc. É vero...

A casa em questão, estava com uma boa lotação ao meu ver, com todas as mesas preenchidas, mas segundo funcionários, estava aquém do seu movimento "normal", e estes atribuíram isso ao "frio" (na alta madrugada, marcou-se 16 graus, e eu conheço bem a cidade de Ribeirão Preto, portanto, para o padrão local é uma temperatura considerada muito baixa), e certamente ao tal festival, sobre o qual nós chegamos a ver chamadas com Link ao vivo no "Jornal Nacional" da Rede Globo, em rede nacional, ou seja, fora um evento com grande porte e pelas imagens que vimos inseridas ao noticiário, devia ter ali cerca de cinquenta mil pessoas.

Enfim, para nós a casa em que nos apresentamos estava com um bom público presente e ali tocamos mais de vinte músicas do repertório dos Rolling Stones, por duas horas e quarenta minutos, ininterruptos.

Set List que executamos no "Milwaukee" de Ribeirão Preto-SP, em 18 de junho de 2016. As músicas assinaladas com caneta e com títulos abreviados, são: "Start me Up" e "Let's Spend the Night Togheter".
 
Sobre o Kim e o quanto ele conhece a carreira dos Rolling Stones na ponta da língua (sem trocadilhos), eu nem preciso explicar. Mas gostei da performance de todos. O vocalista, Angelo Salinas, demonstrou fôlego, com movimentação intensa de palco, além da boa voz e comunicação com o público. 

Eu toquei ao lado do guitarrista, Alexandre Mandaliou, que apresentou um bom repertório de solos e bases com a sua guitarra, Fender Telecaster, mas o que mais surpreendeu-me positivamente, foi o baterista, Luis Antonio Melantonio, que a demonstrar "pegada" forte e bastante técnica na bateria, tinha (tem) um trunfo a mais, ao apresentar uma ótima voz. O seu potencial vocal mostrou-se de fato, bem grande e graças às suas intervenções muito bem colocadas, a fazer com facilidade a segunda voz, e modular assim, com desenvoltura, ele deu colorido às canções. Com um falsete forte e afinado, também, surpreendeu ao simular vozes femininas de apoio nas canções dos Stones, notadamente: "Gimme Shelter", sendo, portanto, uma grata surpresa em minha percepção, apesar do Kim ter alertado-me que o Luis cantava muito bem, antes mesmo do ensaio realizado em São Paulo.

Encerrado, o gerente da casa esboçou reclamar por nós não termos tocado mais, mas convenhamos, era mais de três horas da manhã e já havíamos tocado por quase três horas seguidas, e além do mais, o público estava a evadir-se do bar, em clima de fim de balada. Fomos para o hotel descansar e na manhã de domingo entramos na Via Anhanguera, quando realizamos uma ótima viagem de regresso a São Paulo.
Bem, cover não é algo da minha predileção, nunca foi e nunca será, mas diante da perspectiva de tocar cerca de trinta músicas dos Rolling Stones, e divertir-me, portanto, e ainda ganhar um cachê por isso, creio que além de não ter arrancado-me um pedaço, foi positivo, fora a convivência e a boa conversa com essa rapaziada. Noite de 18 de junho de 2016, no "Milwaukee" de Ribeirão Preto-SP, com cerca de duzentas pessoas na plateia.

Missão cumprida...You Can't Always Get What you Want...

Selfie no camarim da casa de espetáculos, "Milwaukee", de Ribeirão Preto-SP em 18 de junho de 2016. "Rolling Stones Live Cover", da esquerda para a direita: Kim Kehl (guitarra e voz), Angelo Salinas (voz), Luis Antonio Melantonio (bateria e voz), Luiz Domingues (baixo) e Alexandre Mandaliou (guitarra) 
 
Depois desta história que acabei de contar, o próximo trabalho avulso que fiz, foi uma nova investida com o dito: "Marc Bolan brasileiro". Mais um show com Edy Star, no começo de 2017 e que rendeu histórias muito interessantes.


Continua...

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Crônicas da Autobiografia: Sobre a Guitarra Gibson Firebird, Johnny Winter e o Eterno Loki - Por Luiz Domingues

Luiz Domingues & José Luiz Dinola em ação com A Chave do Sol, no início de 1983, no Victória Pub de São Paulo. Foto: Seiji Ogawa
Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, entre fevereiro e abril de 1983

Sem dúvida alguma, a temporada que A Chave do Sol fez na badalada casa de espetáculos, “Victoria Pub”, entre fevereiro e abril de 1983, marcou o primeiro ponto de ascensão na trajetória da nossa banda, ao ter sido o pico dessa primeira fase de onde saímos da inércia absoluta, em setembro de 1982, quando do nosso primeiro show. 

E no texto da minha autobiografia, eu relato com detalhes como tudo ocorreu para a nossa banda nesse instante, a contar alguns casos pitorescos ali ocorridos, mas muitas histórias ficaram de fora do livro, primeiro por uma questão de espaço, a visar não alongar mais do que já ficou expresso no decorrer do texto final e segundo, também para eu poder contar agora tais ocorrências, separadamente.

E ali no Victória Pub, dada a badalação que acontecia a cada noite, por múltiplos fatores, foi comum a presença de pessoas proeminentes do mundo artístico em geral, de atores famosos do mundo do Teatro, Cinema & TV a personalidades do mundo esportivo, dos playboys da dita “High Society” a jornalistas, empresários & empreendedores culturais dos mais diversos ramos e pasmem, até políticos, que enxergavam ali a oportunidade para expandirem os seus conchavos com empresários e a jovem burguesia paulistana.
Era essa a formação do Tutti Frutti que atuava como atração fixa do Victória Pub em 1983, e com a qual interagimos muitas vezes

Em uma dessas tantas noitadas em que ali vivemos, a nossa missão nessa noite fora abrir o show do "Tutti Frutti" (revezámos toda noite, a abrirmos o Tutti-Frutti ou o "Fickle Pickle"), e mesmo ao nunca termos sido a atração principal, para efeito de espetáculo, tocávamos em igualdade de condições, com o mesmo equipamento e sem diferenciação na potência sonora e uso da iluminação, uma prática comum no mundo do show business, portanto, independente do óbvio maior status e currículo do velho Tutti-Frutti, quando tocávamos, a pista estava sempre cheia de gente a dançar e o som e iluminação foram de primeira qualidade.
Nessa noite em específico, a que refiro-me, tivemos uma surpresa especial, quando vimos uma pessoa famosa, mas muito mais próxima da nossa relação afetiva Rocker, do que os atores de novelas e jogadores de futebol, que ali costumavam surgirem.

Ainda a convalescer do grave acidente que sofrera em 1981, eis que apareceu à nossa frente, a figura de Arnaldo Baptista, instalado em uma cadeira de rodas e amparado por pessoas de seu apoio pessoal. 

A sua aparência denotara claramente que ainda estava a se recuperar e inspirava cuidados, mas por outro lado, como foi prazeroso para nós, tocarmos e verificarmos a sua alegria por estar diante de uma banda de Rock a tocar ao vivo ali e a cada música que encerrávamos, a sua demonstração de carinho a aplaudir e sorrir para nós, foi um bálsamo para todos os envolvidos nessa comoção que a sua presença gerou, mesmo porque nem todo mundo (é claro), mas os Rockers ali presentes ligaram-se nessa situação e vibraram por verem o Arnaldo em processo de franca recuperação.

Ainda naquela noite, eu fui testemunha de um momento bonito nos bastidores, quando o grande Luiz Carlini fez questão de mostrar a sua recém adquirida nova guitarra, uma bela Gibson, modelo “Firebird” e ao exibi-la para o Arnaldo, nunca esqueço-me dele a afirmar com ênfase

: - "Olha Arnaldo, a minha nova guitarra, igualzinha à do Johnny Winter”... 

E ainda mais esfuziante, Arnaldo abriu um sorriso largo, como costumava dizer o Guilherme Arantes e com a guitarra em seu colo, ele fez ali a sua reinserção afetiva ao mundo do Rock, um fato que todos ao seu redor torciam muito para ocorrer, desde a notícia de seu acidente, dois anos antes. 

Foi um momento maravilhoso ocorrido ali em uma daquelas câmaras labirínticas do Victória Pub, ao dar-nos a certeza de que o grande "Loki" do Rock brasileiro estava a voltar.
E não deu outra, durante o show do Tutti Frutti, Carlini tocou: “Bonie Morony”, a evocar o som e a aura do genial albino texano, Johnny Winter, ao jogar fagulhas de fogo ao público, através dos solos a bordo de uma Gibson Firebird!

E convenhamos, para a alegria dos Rockers ali presentes, incluso nós d'A Chave do Sol e Arnaldo Baptista.