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quarta-feira, 21 de março de 2018

Crônicas da Autobiografia - Vovô Muito Louco! - Por Luiz Domingues

Aconteceu por diversas vezes no tempo da Patrulha do Espaço, principalmente entre 2000 e 2004

Quando o roadie, Samuel Wagner começou a trabalhar com a nossa banda, a partir de outubro de 2000, muitas pessoas comentavam que o achavam parecido comigo (Luiz), nos traços fisionômicos. De fato, eu também percebia algumas características faciais semelhantes entre nós dois, mas nada absolutamente gritante, que fosse o suficiente para se cravar que fôssemos membros da mesma família.

Contudo, à medida que as apresentações se sucederam, mais pessoas advindas do público se manifestaram sobre tal suposta semelhança e ele começou a achar divertida tal confusão, sempre a comentar tais ocorrências comigo, nos camarins e nos momentos de bastidores em geral.

E mais para frente, em 2002, mais ou menos, ele me contou que aumentara o assédio sobre ele, advindo de fãs, a imaginarem erroneamente que eu seria o seu irmão mais velho e assim, as pessoas pediam para que houvesse uma intermediação de sua parte, para que estes pudessem solicitar palhetas minhas após o show, além de autógrafos em discos, camisetas e outros objetos de merchandising sobre a nossa banda.

Na primeira foto, eu, Luiz e na segunda o meu amigo, Samuel Wagner. Ambas as fotos de 1999. Somos parecidos? Irmãos ou avô e neto?

Foi então que eu tive uma ideia para brincar com a situação. Certo dia em uma cidade do interior de São Paulo, por volta de 2002, logo depois do nosso show, o Samuel me abordou para falar mais uma vez que fora tratado como roadie/"irmão" do baixista e eu lhe disse para negar a informação e repassar às tais pessoas que haviam afirmado isso, uma outra narrativa a dar conta de que nós éramos realmente parecidos fisicamente, pois eu era o seu avô!

Ele riu muito da minha afirmação, mas ainda assim, ficou em dúvida, ao me perguntar: -"você quer mesmo que eu fale isso para essas pessoas?" 

Eu, Luiz Domingues, em foto de 2020, aí sim com o aspecto mais próximo de um vovô...

Eu reafirmei que sim e daí em diante ele passou a responder tal informação bizarra para todos que perguntavam se nós éramos familiares e as reações de estupefação o divertiam muito, pois ao lhes informar que eu seria o seu avô, se gerava o espanto, pois afinal de contas eu sou apenas quatorze anos mais velho do que ele.

E então, muitas manifestações engraçadas se sucederam. Entre várias frases de efeito que ele ouviu ao longo de muitos shows doravante, uma nos divertiu muito ao nos provocar muitas risadas. Eis que um dia um rapaz arregalou os seus olhos e exclamou: -"Ele é seu avô?"  

Em seguida, esse rapaz ao se virar para os amigos que o acompanhavam, falou em voz alta: -"vocês viram? O baixista da Patrulha do Espaço é avô do roadie! Que velhinho muito louco, toca em uma banda de Rock, com essa idade!"

sábado, 17 de março de 2018

Crônicas das Autobiografia - Casos Ocoridos em Elevadores - Por Luiz Domingues

               Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em 1986...

Elevador é sempre um dispositivo que gera uma quantidade de ocorrências, as mais diversas. Histórias engraçadas e também as tristes a conter tragédias, estão contidas no imaginário popular, desde que tal dispositivo mecânico foi criado para prover ascenso e descenso interno em edificações verticais de grande proporção.

A pensar nas ocorrências alegres, eu tenho duas passagens vividas em elevadores, com A Chave do Sol, no ano de 1986.

A primeira, aconteceu em uma visita que a nossa banda fez a um escritório de empresários que estava a produzir um show no qual nós participaríamos na época. 

Na saída da reunião, a nossa banda que esteve completa para participar de tal reunião, com todos os componentes presentes, ocorreu que ao adentrarmos no elevador, percebemos a presença de um artista famoso que já estava ali presente, provavelmente vindo de um andar mais alto em direção ao piso térreo do prédio, mas não houve tempo para falarmos nada, pois o próprio artista em si, se manifestou.

Os grandes "guitarreiros", Alvin Lee, na primeira foto e Luis Vagner, na segunda 

Aconteceu que o rapaz ao ver a foto do guitarrista britânico, Alvin Lee, como estampa da camiseta que o nosso guitarrista, Rubens Gióia usava nesse dia, foi enfático ao elogiar tanto o artista estrangeiro que também admirava, quanto à escolha do Rubens em envergar tal estampa e a denotar que nutria tal bom gosto semelhante. De brincadeira, ele falou que era fã do "guitarreiro" da foto. 

O Rubens foi rápido na resposta ao reconhecer o grande, Luiz Vagner, como o interlocutor presente no elevador e lhe respondeu com bom humor que também gostava dos dois "guitarreiros", o citado Alvin Lee, genial guitarrista do grupo britânico, "Ten Years After" e dele, Luis Vagner, uma figura história, ex-membro do grupo sessentista, "Os Brasas", side-man de uma infinidade de artistas importantes da MPB e detentor de uma boa carreira solo municiada com muitos discos lançados. 

             O excelente guitarrista/"guitarreiro", Luis Vagner

Mais do que isso, o apelido a usar o neologismo "guitarreiro", foi uma marca da sua carreira a se provar muito forte, que o marcou, daí ter sido uma ótima brincadeira travada entre ambos e certamente que eu interpretei a conversa como uma forma de reverência aos três, Alvin Lee, Luiz Vagner e para o próprio Rubens.

O grande e hoje também saudoso, Rubens Gióia em ação com A Chave do Sol em 1987

Para ilustrar no momento de 2021 em que eu escrevi esta crônica, foi triste e curioso notar que neste ano, perdemos os dois, (Rubens Gióia em janeiro e Luiz Vagner em maio) e sem deixar de mencionar que Alvin Lee nos deixara em março de 2013. Em suma, em alguma dimensão extra-física, eu espero que os três "guitarreiros" estejam juntos a tocarem. 

O segundo caso a envolver elevadores, ocorreu também em 1986. Mais uma vez a nossa banda estava completa na ocasião, pois havíamos visitado os estúdios da Rede Bandeirantes de TV em São Paulo. Assim que encerramos a visita a uma determinada redação que havíamos procurado por conta da divulgação de shows que faríamos e assim, promovemos tal ação ali na redação de um determinado programa que existia na grade dessa emissora à época ("Super Especial").

Na saída da sala de produção desse programa, nós entramos no elevador e quando a porta abriu, vimos que havia uma garota já a usá-lo e cuja reação foi muito acintosa ao nos mirar, visto que ela demonstrou em seu semblante e gestual corporal que se assustou com a nossa presença.

Então atriz a atuar em programas humorísticos da emissora citada, essa moça se mostrara bem pequena em sua estatura física e tirante o Rubens, que entre nós membros da banda, era o mais alto, ninguém tinha um porte assustador, mas ante a sua menor envergadura e talvez por nutrir preconceitos descabidos sobre Rockers cabeludos, ela tenha se assustado com a nossa presença a ostentarmos, todos, longas cabeleiras ao estilo setentista, mas que no imaginário da época nos estigmatizara como uma tribo oitentista e mal avaliada no imaginário popular, ou seja, nos assemelhávamos aos ditos "metaleiros".

Portanto, vá saber se a então mocinha em questão pensou quando a porta do elevador se abriu e mirou a presença de quatro sujeitos perigosos em sua avaliação? O que esses elementos perigosos poderiam cometer contra ela? Foi certamente uma reação exagerada da parte da moça, embora nenhuma palavra tenha sido proferida, sequer. 

O vocalista e guitarrista, Beto Cruz em ação com A Chave do Sol em fevereiro de 1987

No entanto, o Beto Cruz, que sempre foi um brincalhão contumaz, ao perceber o constrangimento da moça, praticamente uma manifestação de pavor se pode afirmar, enquanto o elevador nos conduzia ao piso térreo, ficou a encará-la de forma acintosa, para satirizar o medo descabido apresentado pela garota. 

Ela ficou em absoluto estado de incômodo indisfarçável durante aqueles segundos enquanto aguardava o descenso do elevador ao certamente elucubrar o pior da nossa parte como algo plausível de acontecer, de uma forma completamente absurda, logicamente. 

Ali, pequenina em sua estatura física e apavorada por temer um ataque, verbal ou não da nossa parte, foi de uma certa maneira cômico o seu temor descabido, envolta por quatro homens pacíficos, educados e respeitadores, mas que na sua avaliação equivocada, representaram um perigo em potencial à sua integridade física e moral. 

A porta do elevador abriu assim que chegamos ao andar térreo e a moça saiu em disparada, a provar que ficara apavorada com a incômoda situação em que se sentira sob uma terrível ameaça imaginária da sua parte. Conclusão: que estrago que a formação de opinião faz para a sociedade, não é mesmo? 

E para concluir, essa moça desistiu da carreira de atriz, migrou para o telejornalismo e ficou muito famosa a posteriori. Tomara que tenha perdido o medo dos Rockers cabeludos e não os tema, acaso os encontre em algum elevador nos dias atuais.

terça-feira, 13 de março de 2018

Crônicas da Autobiografia - Estigmas Alheios & Preconceito - Por Luiz Domingues

  Aconteceu no tempo da minha sala de aulas, por volta de 1992...

É fato cabal que nós vivemos em uma sociedade regida por paradigmas de toda ordem, que se enraízam e são perpetuados ad nauseam, até que alguém lute (e muito aliás), para quebrá-los e assim se estabeleça algum tipo de avanço para se mudar a mentalidade generalizada e dessa forma, trate por melhorar o panorama sociopolítico e cultural na civilização humana. 

Matérias como antropologia, psicologia, sociologia e filosofia, entre outros estudos e especialidades, servem para estudar tais mudanças comportamentais e a apontar-nos novos caminhos mais avançados, mas o fato é que os estigmas demoram para serem superados.

Eu nem quero entrar nesse mérito, mas é público e notório o quanto os preconceitos arraigados causam sofrimento de toda a monta e no caso, a imagem do Rocker sempre entrou nesse mesmo rol de estigmatizações padronizadas. 

E não importam as inúmeras graduações e até antagonismos entre as mais diversas tribos surgidas nesse bojo ao longo de muitas décadas, pois no imaginário popular, o Rocker, seja lá de que vertente ou época for representante, é sempre considerado um pária ante os olhos das ditas pessoas ''normais", regidas pelos usos & costumes de uma sociedade absolutamente padronizada e preconceituosa em diversos aspectos.

Posto isso, eu recordo-me que enquanto ministrei aulas de música entre 1987 e 1999, eu tive um relacionamento maravilhoso com muitos pais de alunos adolescentes com os quais eu lidei e em alguns casos, forjei até amizade com alguns desses progenitores de meus pupilos. 

No entanto, eu sempre esperei reações de cautela como um modus operandi, principalmente da parte de pais de alunos recém-ingressos no meu curso e diga-se de passagem, como algo absolutamente natural, visto que como pai, eu não deixaria um filho meu frequentar a residência de um professor, sem certificar-me da idoneidade de tal profissional, obviamente. 

Por sorte, em meio a um universo com mais de duzentos alunos que eu tive ao longo dos anos em que mantive tal atividade, nunca observei problemas com essa questão de natural desconfiança natural da parte dos pais de alunos e pelo contrário, só colecionei boas lembranças por conta desse relacionamento amistoso, cordial e muitas vezes a se transformar em amizade de fato. 

Porém, houveram dois casos que foram amenos e não me aborreceram de forma alguma. Um deles, eu já relatei dentro da autobiografia oficial (disponível no capítulo "Sala de Aulas", nos meus Blogs 2 e 3 e também na versão do livro impresso: "Quatro Décadas de Rock"), a dar conta de um pai, por volta de 1990, que fez questão de acompanhar a sua filha em sua primeira aula para me conhecer e tudo bem, foi uma investigação velada, porém cordial na forma de uma visita social em minha residência.

A outra ocorrência foi menos invasiva, mas curiosa por conta da questão do preconceito que a envolveu. Pois eis que um então novo aluno, recém-ingresso em algum momento de 1992 e já depois de estar bem ambientado na minha sala de aulas, contou-me que o seu pai lhe indagara, logo quando ele iniciou os seus estudos comigo: -"qual é a desse tal de Luiz?"

Bem naquele espírito de um pai que estabelece uma comunicação direta com o filho e veja bem, eu acho esse tipo de abordagem bem salutar na relação entre pai & filho, o progenitor do meu aluno, avançou na especulação e quis saber que tipo de drogas eu, Luiz, usava costumeiramente, se bebia, tomava ácido ou até mesmo heroína pela via da introdução venosa (-"ele injeta nos canos?"), e se eu exibia muitas tatuagens no meu corpo.

As respostas negativas da parte do meu aluno ao seu pai, a dar conta que eu, Luiz, não mantinha tatuagens no meu corpo, não usava nenhum tipo de droga ilícita e nem mesmo lícita, ao colocar-me como abstêmio e não tabagista, foram comprovadas a posteriori por esse preocupado pai e não haveria como ser de outra maneira.

E o engraçado nessa história, foi que o senhor em questão ostentava tatuagens grafadas em seus braços e pernas e mantinha um histórico de alcoolismo com gravidade, além de ser um tabagista inveterado. 

Portanto, não me queixo dele, que inclusive foi sempre gentil comigo a posteriori, enquanto o seu filho estudou comigo, visto que eu achei legítima a sua preocupação inicial de querer me investigar e ter a segurança de que eu não seria uma dita "má companhia" para o seu filho adolescente.

A minha estupefação foi institucional na realidade, pois mais uma vez o estigma do Rocker drogado se fez presente. Nesse âmbito, se o sujeito toca em uma banda de Rock e não corta os seus cabelos como uma "pessoa de bem", só pode ser um vagal errante à margem dos bons costumes regidos pela sociedade e certamente a se colocar como um contumaz usuário de drogas, não é mesmo?

sexta-feira, 9 de março de 2018

Crônicas da Autobiografia - Ao Insultar Alguém na Rua, Certifique-se que a Rota de Fuga Seja Segura - Por Luiz Domingues

       Aconteceu no tempo do Língua de Trapo, no início de 1984

Conforme eu já expliquei detalhadamente em minha autobiografia, publicada neste Blog (na íntegra), quando eu voltei à formação do Língua de Trapo, para viver a minha segunda passagem por essa banda, a situação em que o grupo se apresentava em termos de status artístico, havia mudado radicalmente e então, em 1983, eu tive que me adaptar aceleradamente para acompanhar os colegas em suas conquistas.

Muito bem, em meio a uma agenda frenética, vivíamos dentro de vans, a nos dirigirmos de um compromisso a outro, em meios aos muitos shows e aparições que fazíamos em programas de TV, emissoras de rádio etc. e tal.

Em uma dessas noites em que o grupo esteve reunido dentro de uma Kombi, estávamos a nos dirigir para um show que faríamos ao ar livre, quando passamos perto da sede de uma instituição de cunho religioso, ultra conservadora, que pregava valores medievais em suas ações caudatárias e cujos seus membros costumavam se manifestar pelas ruas a defenderem as suas teses no âmbito da política, a apoiar partidos políticos coadunados com tais ideais e a sonhar com um governo autoritário que impingisse tais ditames ao povo brasileiro de uma forma radical.

Aos passarmos por um grupo de rapazes que eram membros de tal instituição e por serem eles tão conservadores, ao ponto de que as suas vestes e corte de cabelo eram padronizados ao não deixar margem de dúvida sobre serem adeptos de tal organização, eis que um dos membros da nossa comitiva não se conteve e ao colocar a cabeça para fora da janela do veículo que usávamos, berrou: -"Aí, seus punks".

O fato, é que esses rapazes que ali estavam de joelhos a rezarem em plena calçada, adotavam normalmente esse tipo de posicionamento ante um micro santuário que havia ali, exposto ao público em geral e eles se notabilizavam pelo seu fundamentalismo religioso e que exacerbava a sua militância sociopolítica pelas ruas. 

Dessa forma, a sua visão do cristianismo era coadunada com a dos Cruzados medievais e assim, raivosos, eles não suportaram a brincadeira e saíram a correr e a gritar impropérios contra nós. 

A nossa sorte, foi que os semáforos pelos quais nós passamos, nos favoreceram, pois não ficamos bloqueados nas esquinas subsequentes para que esses enfurecidos membros de tal seita nos alcançassem para nos agredirem fisicamente.

Senti-me em uma cena emblemática de um maravilhoso filme italiano da década de cinquenta, assinado pelo grande diretor, Federico Fellini, chamado: "I Vitelloni" (traduzido como "Os Boas-Vidas" em português), quando o personagem defendido pelo saudoso ator, Alberto Sordi, acompanhado de seus amigos vagais, xinga com palavras e gestos um grupo de trabalhadores braçais que davam duro debaixo de um sol causticante. 

No entanto, o carro dos inconsequentes arruaceiros falha logo a seguir e o desespero se revela no semblante do personagem e de seus colegas, ao verem a massa de trabalhadores ofendidos a correr em sua direção, com tais brutamontes munidos com pesadas marretas, pás agrícolas e que tais, para retaliarem as ofensas gratuitas desferidas por esses vagabundos inconsequentes. 

Não passamos por isso, mas poderia ter ocorrido algo semelhante...

segunda-feira, 5 de março de 2018

Crônicas da Autobiografia - Questionário Compulsório - Por Luiz Domingues

              Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol em 1982...

Entre os Rockers, é comum a presença de pessoas que se apresentam como grandes conhecedoras desse extenso universo, a manter uma visão enciclopédica sobre o assunto. Houve época em que essa característica se provou notória para dez a cada dez donos de lojas de discos especializadas e haja vista que esse fator foi preponderante para a formação da dita: "Galeria do Rock", em São Paulo, local que em seu auge chegou a conter quase duzentas lojas a operarem no mesmo centro comercial, em plena avenida São João, no centro velho da capital paulista. 

Bem, trata-se de uma capacidade de armazenamento de dados impressionante a denotar o bom conhecimento de causa, memória prodigiosa e sobretudo, amor ao Rock, portanto, qualidades admiráveis da parte desses Rockers.

Mas nem todo "expert" no assunto, usa o seu conhecimento vasto com o bom propósito para difundir o Rock, formar novas gerações de adeptos ou trabalhar como um potencial arquivista a preservar a memória do gênero, pois ao contrário, tais pessoas dotadas de intenções escusas, mais usam a sua bagagem cultural avantajada para o exibicionismo e assim proceder para alimentar a soberba, infelizmente. 

Bem, isso não acontece somente com Rockers, se é que possa servir como consolo, pois, é um fenômeno generalizado em qualquer meio, aliás, não é preciso nem divagar muito, basta ver o comportamento padrão de certas categorias profissionais bastante corporativistas e que, por conseguinte, se colocam como uma espécie de casta superior dentro da sociedade e também no meio acadêmico onde o excesso de erudição de certos "scholars", geram alguns transtornos bem visíveis.

Então, o caso que eu cito nesta crônica, não caracterizou o primeiro e tampouco foi o último com o qual eu tive contato direto. Isso sempre ocorreu, acontece e arrisco dizer, se repetirá mais vezes no futuro, pois eu não vejo perspectiva de que não se repita.

Eis que bem no começo das atividades d'A Chave do Sol e exatamente no show de estreia da nossa segunda vocalista, Verônica Luhr, nós tocamos como atração musical convidada para entreter a plateia de um festival estudantil, enquanto o corpo de jurados se reunia para deliberar as notas das bandas que ali concorreram. Tal acontecimento deu-se no auditório do Colégio Manuel de Paiva, situado no bairro do Campo Belo, na zona sul de São Paulo.

Foto d'A Chave do Sol de 1983, nas a exibir a formação d'A Chave do Sol que vinha desde 1982, época em que esta crônica trata. Click de Seizi Ogawa

Bem, nós fizemos o show com excelente desenvoltura e receptividade da parte do público que ali compareceu e ficamos muito felizes pelo desempenho da Verônica Luhr, que já em sua primeira atuação conosco, mostrou-se exuberante. Tanto foi assim, que o assédio no camarim foi forte e muito nos animou, visto que aquele fora apenas o nosso quinto show na carreira iniciante de nossa banda. 

Todavia, alegria a parte, eis que um rapaz entrou no camarim para nos cumprimentar, mas logo a seguir ele adotou uma posição desagradável, ao nos questionar com bastante ironia, sobre uma questão que levantou, e que na prática, se mostrara irrelevante dentro do contexto da nossa apresentação. 

O fato, foi que nesse início de atividades da nossa banda, nós fomos a compor o nosso material com a banda já a atuar ao vivo, portanto, nas primeiras apresentações que fizemos, tivemos poucas músicas autorais para executarmos e dessa forma, preenchíamos espaço com a inclusão de releituras de clássicos do Rock internacional em predominância e alguns nacionais, também. 

Pois foi nesse exato detalhe que o rapaz se apegou para nos afrontar com um tipo de abordagem que não foi exatamente agressiva e desrespeitosa, mas certamente se mostrou desagradável pela sua intenção velada. 

Aconteceu que nós havíamos tocado a música: "Cocaine" (também apelidada informalmente como: "She Don't Lie", uma ironia que faz parte da letra da canção), cuja autoria é do grande astro norte-americano do Folk-Rock, J.J. Cale, mas no imaginário popular, tal canção seria do guitarrista, Eric Clapton que a regravara. 

Cabe dizer que J.J. Cale a lançara em seu LP "Trombadour" de 1976, e Eric Clapton a regravou em 1977, ou seja, logo a seguir, através do seu disco, "Slowhand". Clapton a gravara por ser um grande fã do trabalho de J.J. Cale, portanto não foi à toa, visto que em 1970, já havia gravado uma outra canção do mesmo autor, "After Midnight", em seu primeiro LP solo, homônimo. 

Então, com síndrome de "expert", esse rapaz ficou a ironizar-nos por termos tocado a canção, "Cocaine", sem sabermos quem seria o seu real autor, ao nos julgar incautos que pensavam ser a autoria de Eric Clapton. 

Ora, estávamos felizes naquele camarim, a atendermos as pessoas que gentilmente ali nos procuraram para cumprimentar e elogiar a nossa apresentação e esse rapaz ali ficara a insistir com brincadeiras sem graça, a nos impor ironia gratuita e a contestar se teríamos ou não a real noção sobre essa questão e pior ainda, a colocar em cheque a nossa banda, pois segundo a sua lógica, se nós não soubéssemos desse pormenor, ele insinuara que não teríamos condições de pleitear notoriedade na carreira, ou seja, questionara o nosso valor como artistas, acaso fôssemos ignorantes em tal quesito, como ele deduzira.

Ora, para ter noção do campo cultural que estávamos a atuar e com pretensões artísticas bem delineadas, realmente denotaria a necessidade de se contar com uma noção geral sobre tal espectro, isso eu concordo, mas daí a depender de se ter certeza sobre uma informação tão específica, como se fosse uma pergunta capciosa contida em uma prova do vestibular a decidir se entraríamos na Universidade do Rock para merecermos pleitear um diploma de tal cátedra, realmente caracterizou um enorme exagero de sua parte e pior, a revelar a sua real intenção de nos humilhar para se impor como alguém que realmente conhecia mais do que nós sobre o ramo.

Todavia, que bom que nenhum componente da nossa banda, incluso eu mesmo, se deixou levar pela armadilha que o rapaz quis lançar sobre nós, portanto, não houve um grande aborrecimento que estragasse a nossa noite, que fora ótima. 

Essa história apenas marcou pelo fato extra de ter surgido mais um "sabichão" a querer se exibir e pior, a querer nos diminuir por conta de uma disputa de conhecimento forjada por ele próprio, com o claro intuito de buscar se alimentar da sua própria empáfia.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Crônicas da Autobiografia - A Deselegância como Modus Operandi - Por Luiz Domingues

                 Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol em 1982

Os primeiros ensaios d'A Chave do Sol ocorreram de fato no palco do Café Teatro Deixa Falar, conforme eu já narrei no texto do meu livro autobiográfico. Ali, por conta do espaço ter sido uma propriedade da mãe da noiva do Rubens Gióia na ocasião, obviamente que se abriu oportunidade para tal. 

No entanto, eu também detinha a simpatia da velha senhora, Dona Sabine, pois me apresentara ali naquele palco algumas vezes com o "Terra no Asfalto", a minha ex-banda cover e sobretudo por ter participado recentemente (ocorreu em julho de 1982 e esta história está contada com detalhes no texto do meu livro autobiográfico), de uma apresentação super improvisada com dois músicos argentinos (Rudi e Nacho Smilari), que eram componentes da banda argentina, "Jamaica Band" e lembro-me bem, foi um pedido especial que ela me fez e sobretudo pelo fato de eu atendido prontamente tal situação, fez com que ela aumentasse a simpatia de sua parte para com a minha pessoa.

Enfim, eis que através de um dia de ensaio marcado para A Chave do Sol, no histórico palco do Deixa Falar, que outrora vivera o glamour da sua encarnação anterior como "Be Bop A Lula", eu cheguei primeiro e enquanto preparava o meu baixo e amplificador para participar do ensaio, notei que entrou no ambiente um músico muito famoso e que inclusive eu admirava bastante por conta da sua atuação como baixista de uma grande banda de Rock formada ao final dos anos setenta e que fora uma das poucas que avançaram pela década de oitenta, incólume aos modismos, ao manter uma identidade Rocker tradicionalista e por conta disso, eu a admirava ainda mais por esse sinal de resistência.

Dona Sabine apresentou-me formalmente para esse artista e ele, nitidamente se colocou de uma forma antipática, a tratar-me com um grau de desdém explícito, a denotar que se considerava muito superior pelo seu status adquirido, em contraposição à minha condição ali a representar um reles aspirante a artista, desconhecido, e a preparar-me para ensaiar com uma banda em uma tímida fase de construção, longe de alcançar a proeminência que ele já possuía em sua carreira, há tempos. 

Ora, isso não me incomodou, pois eu sabia exatamente o baixo degrau que eu ocupava na minha iniciante escalada e a ostentar, por conseguinte, uma modestíssima posição no meio artístico. E também a respeito da envergadura artística de sua parte e na minha avaliação ali na hora, achei deselegante, mas não me ofendi com a empáfia da parte dele.

Entretanto, o rapaz não se contentou em exalar o seu complexo de superioridade apenas com bravatas e a fazer pose de "Super Star" e aí sim, ele exagerou na dose de sua arrogância ao cometer um ato de deselegância bem maior. 

Eis que subitamente ele passou a elogiar o meu baixo e pediu para tocá-lo um pouco, quando teceu algumas observações sobre ele e eu, de uma forma incauta, abaixei a guarda indevidamente ao sorrir para demonstrar a minha satisfação em poder ter sido gentil com um artista que eu de fato admirava. 

Foi quando ele tocou um pouco e afastou o instrumento do seu corpo para poder pegar a carteira que carregava em sua jaqueta. Sem me falar nada, ele simplesmente abriu a carteira e apanhou um pedaço de papel, leu o que estava ali anotado e virou o corpo do meu baixo para olhar a placa de identificação e assim conferir acintosamente a sua numeração de fábrica. 

Bem, eu comprara esse baixo nos Estados Unidos e quem me trouxe efetivamente foi o guitarrista do "Terra no Asfalto", Aru Junior, que o achou em uma loja de uma cidade do interior de Connecticut, e assim, ele estava sob a minha posse, há um ano naquela ocasião. 

Portanto, não havia a menor possibilidade do baixo que esse artista citado, perdera ou fora roubado, fosse o meu. Eu não lhe disse nada, no entanto, apenas peguei o meu baixo de novo e logo os meus companheiros d'A Chave do Sol chegaram para participar do nosso ensaio e ele anunciou a sua partida do ambiente.

No entanto, achei aquela atitude tão descortês de sua parte, que aí sim, deixei de admirá-lo doravante. Ainda acho que ele tocava muito bem e teve o seu valor assegurado por esse mérito artístico conquistado, mas fica por aí o grau de consideração que sobrou de minha parte sobre tal artista e que aliás, já não está mais entre nós, portanto, preservarei a sua identidade por respeito à sua partida deste mundo.