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segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Crônicas da Autobiografia - A Coragem dos Idiotas - Luiz Domingues

     Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em meados de 1985

Em meados dos anos 1980, a ligação umbilical que A Chave do Sol manteve com a loja & gravadora Baratos Afins, foi total. Não apenas pelo fato dessa empresa ter lançado os dois primeiros discos da nossa banda, mas por conta de que ali naqueles balcões de sua loja física, sobretudo pelas constantes conversas mantidas pelo telefone, o produtor fonográfico, Luiz Carlos Calanca, era bombardeado diuturnamente com sondagens, propostas, pedidos e consultas sobre os seus lançamentos e essa enorme gama de possibilidades eram repassadas de imediato aos artistas que faziam parte do seu elenco de contratados, incluso a nossa banda, certamente.

Exatamente por ser um polo de oportunidades para todos os artistas que lançava, e pelo fato da loja ser um espaço público e absolutamente adorável por reunir amantes da música de várias vertentes e notadamente os Rockers, pois não de uma forma declarada, mas de uma forma velada, predominara o espírito Rocker ali dentro daquelas dependências. 

Nessas circunstâncias, foi normal estabelecer uma rotina de passar por ali, ao menos uma vez por semana, tamanha a quantidade de recados que surgiam para nós e todos os demais artistas, além de reuniões com produtores musicais de toda monta, com as mais variadas propostas de trabalho para a nossa banda.

E um outro fenômeno costumava ser recorrente ali: apesar da frequência ali dentro ter sido feita com pessoas sob uma proporção em torno de 99.9% com ligação direta com a música, apareciam também pessoas não exatamente comprometidas com a música em si. 

E foi exatamente em uma ocasião em que eu estive ali presente com o Luiz Calanca, a sua esposa Vitória, alguns funcionários e um amigo fraterno, o guitarrista, Hélcio Aguirra, que nesta época ainda era componente da banda orientada pelo Heavy-Metal, Harppia, que um sujeito ali apareceu e pelo teor da conversa, pareceu ser amigo do Calanca, mas de uma outra conexão social fora da música, pois a sua conversa direcionou-se completamente fora desse contexto.

O sujeito falava sobre as suas proezas no campo das artes marciais e em tom de bravata, passou a elencar as mais diversas situações em que usara a sua força, em tom de autoelogio e ameaça velada. 

Foi quando ele passou a insistir em fazer demonstrações, mesmo que ninguém ali na roda de conversa houvesse esboçado sequer, duvidar de suas afirmativas. Ficara claro que o rapaz queria exibir-se e ao mesmo tempo, deixar no ar uma advertência sobre o quanto seria imprudente da parte de qualquer um, desafiá-lo, no alto de sua força brutal.

Mesmo com todos os presentes a reafirmar que acreditavam em seus feitos ali relatados, ele insistiu muito em fazer demonstrações, pois obviamente, o seu ego pedia por esse clímax, quando naturalmente ele ansiara por sentir nos seus interlocutores, a sensação do medo e assim, regozijar-se de uma possível sensação de temor que geraria de forma subliminar, embora supostamente a sua fala fosse amistosa, mas em seu âmago, ficara claro que essa seria a sua segunda intenção.

E assim, na base da insistência a beirar o constrangimento desagradável, o rapaz impetuoso forçou a situação até conseguir o seu intento. A proposta que ele lançou, antes fosse para quebrar tijolos ou outros objetos sólidos dessa monta, no entanto, isso não satisfaria o seu ego inflado pela síndrome do super herói de HQ que ele devia ter consigo. 

Foi então que cada um ali presente, foi convidado a sentir o impacto de um golpe desferido pelo altivo rapaz, mesmo que ele garantisse que não colocaria nem 1% de sua força, a garantir que não geraria lesão alguma para ninguém. 

Ora, que desagradável, foi essa insistência por si só, que já fora longe demais. Éramos todos adultos ali, bastaria dizer que não aceitaríamos a demonstração, encerrar o assunto e partir, mas o clima gerado, ficou pernicioso e assim, para nos livrarmos da situação, aceitamos participar, como tolos que se submetem a um truque de ilusionismo em um teatro de pequeno porte.

Bem, de minha parte, devo dizer que o rapaz aplicou-me um golpe em meu peito, com apenas um dedo. No entanto, o impacto dessa força controlada que ele realmente detinha, foi tremendo, ao parecer um soco desferido por um homem normal, com o punho cerrado. 

De fato, o impacto do soco ficou a latejar por alguns segundos, mas logo passou o incômodo e que eu saiba, jamais houve nenhuma consequência mais grave em termos de lesão. No entanto, a pergunta que ficou no ar, foi: por que nos submetemos a essa demonstração barata para inflar o ego desse rapaz? Subjugação? Preguiça? Temor por parecer mal-educado e evadirmo-nos da loja, simplesmente?

Creio que na verdade, o que foi determinante no saguão da loja, foi o sentimento não declarado, mas presente, por ser algo enraizado por todos, como um paradigma que todos trazemos desde a tenra infância, que é algo típico da cultura latina, regido pela ideia machista de que é uma desonra fugir de alguma situação que envolva dor física, para dar margem aos demais, suporem que você seja um covarde. 

Então, todos ali foram dominados por tal sentimento subliminar, como se fôssemos novamente alunos da 5ª série, durante a hora do recreio no pátio da escola, ao deixar-se submeter a absorver um golpe, só para satisfazer o ego de um sujeito que nem conhecíamos e que apenas por cinco minutos de conversa, já deixara patente ser um deslumbrado pela sua força e pior ainda, uma espécie de sádico a nutrir prazer por provocar o medo subliminar em outrem.

Conclusão: a melhor solução teria sido a debandada para a estação de metrô mais próxima da Baratos Afins (Anhangabaú ou República), a denotar falta de educação social ou mesmo a dar margem que se pensasse ser um ato de covardia infantil, a submeter-se a essa exibição gratuita, desagradável, desnecessária e o pior de tudo, subserviente à vontade alheia, apenas para justificar um paradigma tolo sobre alguém "considerar" que você fosse um covarde. Pois que pensasse isso...

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Crônicas da Autobiografia - A História do Apelido Mal Compreendido - Por Luiz Domingues

Aconteceu em um momento da carreira entre 1976 e 1999, sob vários trabalhos realizados. Acervo: Luiz Domingues

Eis que por volta de 1974, eu estava inserido em uma informal roda de conversa formada por colegas da sétima série do primeiro grau, que eu cursava na ocasião, quando surgiu uma discussão sobre origens ascendentes, quando cada partícipe da reunião, discorreu sobre o seu caso em particular. 

Quando chegou a minha vez, eu esclareci aos demais que a minha era lusitana, com avós portugueses e de imediato, os colegas estigmatizaram-me como "português" e mais rapidamente ainda, corruptelas com intenções satíricas surgiram aos montes, tais como: "Portuga", "Tuga", "Tigues", "Tigueis", "Tiges", "Tiga", entre outros, até que fixou-se como: "Tigueis", e grafado dessa forma, da mesma maneira com a qual é pronunciada.

Pelo lado emocional, não houve problema algum em ser apelidado por minha origem, e pelo contrário, tenho orgulho da minha condição lusófana, da terra dos meus avós, suas tradições forjadas em Cantanhede, distrito de Coimbra, na província da Beira Litoral, caso do meu avô e de alguma remota aldeia medieval, pertencente ao distrito de Bragança, na província de Trás-os-Montes, de onde veio a vovó. Por conta de tais fatores, não enxerguei nenhum malefício em ser chamado pelo apelido.

O aspecto ruim, no entanto, logo sobressaiu-se, pois a verdadeira intenção de atribuir-me o apelido, foi uma forma para estigmatizar-me de uma maneira desonrosa, no sentido de que a intenção camuflada foi atribuir-me a pecha de um rapaz dotado de pouca inteligência, a seguir a brincadeira maldosa e paradigmática de que todo português seria uma pessoa a deter pouca ou nenhuma inteligência. Mais do que irritar-me por assim ser considerado pelos demais e ter que ouvir as suas piadas descabidas, irritava-me ouvir tais pilhérias injustas, ao lembrar-me de meus avós, vilipendiados gratuitamente por extensão. 

É óbvio que eu nunca achei graça de piadas maldosas, nesses termos, aliás, nem apenas sobre a suposta falta de inteligência dos portugueses, mas também sobre outras pechas igualmente injustas, e impostas à outras colônias tais como: a ingenuidade dos japoneses, a frieza dos alemães, a arrogância dos ingleses, a ganância dos norte-americanos, a cólera dos espanhóis, o caráter bonachão dos italianos, a mesquinharia dos judeus, o mercantilismo exacerbado dos povos árabes, o maquiavelismo dos ciganos, a falta de escrúpulos dos indígenas ou a indolência dos africanos etc. Ou seja, estigmas negativos tão somente, como se tais povos fossem marcados por tais características e pior ainda, como se isso fosse uma verdade absoluta e generalizada a dar conta que "todo" cidadão com tal origem em específico, fosse regido por tal atribuição de cunho negativo.

Bem, a pensar no aspecto positivo em ser reconhecido com tal apelido, a revelar a minha origem, e não apenas baseado na segunda intenção explícita da parte dos outros colegas que estudavam comigo na mesma sala de aulas, eis que eu deixei que o apelido ganhasse uma proeminência além da alcunha e assim, não incomodei-me em ser assim chamado, a predominar e sobrepujar o meu nome real. Sei que foi por ingenuidade de minha parte, mas o fato é que o apelido marcou de uma forma tamanha, que quando eu comecei a tocar, o apelido tornou-se o meu nome artístico, por osmose. 

Ainda nos tempos iniciais do "Boca do Céu", em 1976, a tratar-se da minha primeira banda, o apelido deu margem para a confusão, quando uma senhora ao saber do meu apelido, fez menção de que seria uma alusão a uma suposta homossexualidade de minha parte, visto eu ter aparência de Hippie, com o uso de cabelos longos, mas na compreensão dela, muito equivocada por sinal, a longa cabeleira veio a ser entendida como algo a evocar o aspecto feminino, somado ao apelido que ela interpretara como: "Tigresa", deu-lhe essa falsa impressão, e assim, ao cantarolar a melodia da canção homônima do Caetano Veloso, ironizou-me, naqueles dias de 1977.

Foto promocional d'A Chave do Sol, de 1984. Acervo: Luiz Domingues

Foi nos tempos do Língua de Trapo e d'A Chave do Sol que outros problemas advieram. Com a exposição midiática a atingir-me mais fortemente, eis que a questão da fonética e da grafia, se tornaram questões proeminentes. 

O apelido gerou um sem-número de confusões, ao ser escrito ou falado das mais diversas maneiras e a gerar estupefação, algumas vezes. Além das variantes que eu já citei, outras surgiram, tais como: "Tigu", "Tigez", "Tigis", ou seja, eu percebi que a intenção inicial em torno da origem lusitana estava completamente obscurecida e as pessoas tendiam a pensar ser tal denominação, algum nome ou sobrenome de origem estrangeira, mas de alguma raiz exótica, não latina.

O famoso baixista e luthier, Antonio Carlos Lopes, popularmente conhecido como "Tiguez". Acervo: Internet

Eis que um problema extra surgiu, quando eu tomei conhecimento que um outro baixista, muito bom por sinal e que tornara-se um luthier famoso no meio musical paulistano, também usava o mesmo apelido e eu passei, por conseguinte, a ser constantemente confundido com ele e vice-versa. 

Diversos músicos, alguns bem famosos do mainstream da música profissional, inclusive, passaram a abordar-me para falar sobre reparos em seus respectivos instrumentos, exatamente por confundir-me com esse colega a usar o mesmo apelido, mesmo que no caso dele, a grafia por ele mesmo sugerida para designá-lo, fosse outra. 

Eu optara em seguir a fonética ao grafar "Tigueis", literalmente como se pronunciava, inclusive a usar a letra "i", intermediária como uma elevação coloquial do fonema verbalizado e ele, grafou como "Tiguez", com o uso da letra "Z", talvez a demarcar a origem espanhola, mas não tenho essa confirmação, apenas deduzo. Nunca perguntei-lhe diretamente, pois o conheço e o considero um grande músico e Luthier.

China Lee, vocalista da pesada, do grupo, Salário Mínimo, um luso-descendente com muito orgulho. Acervo: Internet

Houve até uma situação inusitada, nos anos oitenta, quando um famoso vocalista de uma banda pesada daquele cena e descendente de portugueses, perguntou-me com entusiasmo se eu também o seria. Surpreendido, achei que fora uma tentativa de brincadeira da parte dele e desconversei, ao não confirmar a minha origem. 

Entretanto, não foi essa a intenção dele e muito pelo contrário, ele estava animado com tal perspectiva e queria regozijar-se comigo, por termos a mesma origem lusitana. Arrependi-me muito em não ter compreendido a situação e fugido da verdade, por um temor que nem caberia mais, em plena idade adulta. Sim, sou descendente, com muito orgulho!

A Chave do Sol em ação em um show realizado em 1985. Acervo: Baratos Afins

Já bem aborrecido pelas confusões geradas pelo apelido, eis que eu tentei reduzir a sua estranheza ao assinar como: "Luiz Tigueis" ou "Luiz "Tigueis" Antonio, mas tal tentativa de indução não surtiu um grande efeito e assim, os aborrecimentos prosseguiram.

Isso sem deixar de mencionar que até no cotidiano, a questão do apelido causou-me constrangimentos, pois ao telefone, foram muitas as ocorrências desagradáveis com interlocutores. -"ti...o que?"
A minha foto para o encarte do álbum: "Chronophagia", da Patrulha do Espaço, lançado em 2000, e a tratar-se do meu primeiro álbum a demarcar o meu nome verdadeiro e não o antigo apelido que eu usara anteriormente. Click de Moa Sitibaldi

Foi em 1999, que enfim, eu tomei a resolução em dar um basta à todas as confusões, mal-entendidos e assim, demarquei o fim do apelido. Adotei o nome duplo, típico de meio artístico, a usar o meu nome verdadeiro. Abreviado, como: "Luiz Domingues", ficou objetivo, portanto, dentro do padrão de um típico nome artístico, embora custasse a supressão do meu segundo nome, Antonio, que particularmente eu gosto bastante e que foi o nome do meu avô português, querido e saudoso. 

Por força das circunstâncias, "Antonio" tornou-se desde sempre uma denominação bastante intimista, usado por poucos familiares, que me chamam como: Luiz Antonio, daí a opção em privilegiar o "Luiz" e o sobrenome, "Domingues", embora eu reafirme, gosto de chamar-me "Antonio", pela sonoridade da palavra e origem, além da homenagem ao meu vovô e também por ser um nome internacional, usado em várias línguas, a constar, Antonio para o português, espanhol e italiano, Anthony para os ingleses e norte-americanos, Antoine, para os franceses e cuja origem mais remota seria o Anton, que antecedera o Antonius, no latim clássico do Império Romano. Enfim, tive que abrir mão de um nome que gosto bastante, por uma questão de praticidade.

Inacreditável, a minha decisão provocou reações não muito favoráveis da parte de algumas pessoas, por conta de motivações diferentes. Tal decisão, de minha parte, teve por exemplo, a reação contrária da parte do Rolando Castello Junior, com o qual eu estava a trabalhar na ocasião, com a Patrulha do Espaço. 

A sua argumentação em desacordo, no entanto, teve fundamento, pois ele alegou que o nome artístico anterior que eu usava, estava sedimentado e portanto, seria contraproducente eu eliminá-lo, apesar de ser um incômodo sob vários aspectos.

Mas houveram também reações sem fundamento algum. Com pessoas a reclamar pela mudança, a alegar que não reconhecer-me-iam mais com um "novo" nome e engraçado, eu apenas quis ser chamado pelo meu próprio nome verdadeiro. 

E houveram outras reações piores, com pessoas a afirmar que seria tal determinação de minha parte, algo a denotar um ato de "arrogância" de minha parte, o que causou-me espanto pelo fator inusitado e completamente fora de propósito como uma hipótese plausível, ou seja, fiquei até curioso para entender a razão pela qual tais pessoas chegaram em estabelecer tal linha de raciocínio tão absurda, mas enfim, eis que aconteceu a bizarra reação da parte de algumas delas.

Eu, Luiz Domingues, a atuar ao vivo em um estúdio de São Paulo (V8), com Os Kurandeiros, em 2020. Click de Fausto Lopes           

E assim, essa é a história do apelido que eu adquiri na adolescência, e pelo qual o adotei indevidamente como o meu nome artístico a gerar-me dissabores.

Cortei veementemente tal apelido em um ponto adiante da minha vida e carreira (tardiamente até, eu reconheço), e hoje em dia, penso que esteja plenamente erradicado, embora por conta do material fonográfico de trabalhos antigos e portfólio referente à tais ocorrências, tal velho apelido ficará marcado para sempre, como um pedaço da minha história na música, eu quero crer.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Crônicas da Autobiografia - A Pirotecnia no Estúdio Fotográfico - Por Luiz Domingues

                    Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em 1985

Quando nós fomos preparar as fotos de cada componente da banda, para compor o lay-out da contracapa do EP homônimo que lançamos em 1985 (no imaginário dos fãs, esse álbum foi apelidado como: "Anjo Rebelde"), a certeza de que a minha foto em específico, já estaria previamente definida, descartou praticamente a necessidade de marcarmos uma sessão oficial para obtermos fotos posadas. 

A minha foto não detinha uma grande qualidade técnica, no entanto, mostrou-se como uma peça extremamente expressiva, no sentido de que fora capturada ao vivo, em um momento de alta performance de minha parte, durante um show que realizáramos no Circo Voador, do Rio de Janeiro, meses antes, em outubro de 1984.

Então, eu exerci a minha dita, "mão-de-ferro", nesse sentido e ao mesmo tempo, conclamei os companheiros a pesquisarmos por fotos igualmente significativas dos demais. E assim empreendemos uma busca nesse sentido, através do nosso acervo, no entanto, apesar de termos achado fotos bem estilosas dos outros três em ação ao vivo, por um motivo ou por outro, nenhuma ficou tão expressiva ao ponto de ser aprovada com entusiasmo, a conclamar a unanimidade e nesses termos, uma sessão foi marcada para que os companheiros, Rubens Gióia, Zé Luiz Dinola e Fran Alves, fossem clicados, na esperança de que nós conseguíssemos extrair de tal sessão, uma boa foto de cada um, a compor então o painel para fechar o lay-out da contracapa do nosso álbum. 

Entretanto, um fator absolutamente inusitado ocorreu para complicar sobremaneira tal missão, no sentido de que por conta da minha foto ter sido capturada ao vivo, as demais deveriam simular tal situação, para que houvesse um equilíbrio temático à proposta. E se não fosse dentro dessa prerrogativa, não haveria sentido em manter a minha foto com tal característica e as demais, posadas, pois nesse caso, a minha foto deveria ter sido cancelada e uma sessão normal com os quatro componentes, a ser realizada com a predisposição de compor fotos posadas e quiçá, da banda reunida no mesmo quadro, e não individualmente.

Enfim, por gostarmos da minha foto em específico e mantermos a ideia de fotos com a expressividade de uma performance ao vivo, resolvemos simular um ambiente de performance de palco para fotografar os companheiros a tocar e cantar. 

Para o Rubens e também para o Zé Luiz, pela força de buscarmos simular que eles tocavam os seus respectivos instrumentos, tal resultado foi até facilitado pela postura de ambos a portar-se em seus instrumentos com bastante fidedignidade, mas o Fran a simular cantar, para ele se soltar na sessão de fotos, foi um pouco mais difícil, mesmo com o nosso som a tocar alto no estúdio, mediante o uso de uma cópia em fita K7 do trabalho ainda inacabado, a apontar para a conclusão da mixagem final do nosso novo álbum. 

Então, eis que surgiu uma ideia inusitada, mas que, apesar de assustar o fotógrafo e certamente a gerar furor na vizinhança, surtiu lá o seu efeito. 

Resolvemos usar o recurso pirotécnico de provocar explosões, mediante o uso de caixas com pólvora estratégicas para tal função, como usávamos nos shows ao vivo e assim proporcionar ao Fran, uma certa eloquência visual mais próxima de uma situação real de show, mesmo por que, não havia iluminação de teatro no estúdio do rapaz, obviamente, mas apenas a iluminação normal de um estúdio fotográfico, ou seja, adequada para tal função, mas nós queríamos a simulação de um espetáculo no palco. 

Em suma, o rapaz foi solícito em aceitar a nossa planificação e mediante o uso de lentes e filtros, tentou burlar a luz branca e assim imitar o efeito de uma iluminação para um espetáculo musical, com diferentes tipos de spots e as suas respectivas "gelatinas" a condicionar o uso de diferentes cores. 

Bem, no caso do Fran Alves, é claro que houve uma tratativa prévia para que o rapaz aceitasse a ideia de se promover explosões dentro de seu estúdio e de fato, tal expediente seria e o foi, extremamente perigoso. 

Isso sem deixar de mencionar a repercussão inevitável a ser gerada na vizinhança, pois o resultado sonoro de um efeito pirotécnico, em nada divergia de uma explosão provocada pela intenção beligerante, portanto, além de convencer o dono do estúdio, teria sido prudente avisar a vizinhança, para tranquilizá-los, se é que isso fosse possível, visto que inevitavelmente a polícia seria acionada de pronto para gerar uma confusão difícil de explicar para o delegado, a posteriori. 

Tudo pela arte! Fran Alves a levar susto com as explosões pirotécnicas geradas dentro de um estúdio fotográfico, em 1985. 

E assim se procedeu, com a nossa produtora, Eliane "Lili" Daic a comandar o painel das explosões e o Fran a levar muitos sustos em meio à fumaça gerada. Ironia do destino, tais fotos dele em específico, não ficaram tão boas e assim, e nós voltamos a cogitar usar uma dele, genuinamente ao vivo, portanto, escolhemos a chapa em que ele está absorto em um momento dramático de sua performance, a sua marca registrada no palco, mas não individualmente como desejávamos. 

Eu mesmo, Luiz, faço parte do enquadramento, embora ele, Fran, tenha sido o destaque do fotógrafo (tudo bem, na minha foto da contracapa, o Zé Luiz Dinola aparece ao fundo, igualmente). 

E quanto aos demais, sim, foram escolhidas boas fotos de ambos, oriundas dessa sessão improvisada. E no encarte do disco, mais fotos foram utilizadas, desta feita sem grande especificação, ao escolhermos clicks ao vivo de diversos shows, fotos da gravação desse próprio disco e até sobras da sessão de fotos realizada em 1984, para compor o material do disco anterior, lançado no mesmo ano em questão.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Crônicas da Autobiografia - Se Mexa aí, Baixista - Por Luiz Domingues

                Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack, em 1995 

Não foi a primeira vez que tal tipo de ocorrência ocorreu-me em meio à atuação dentro de uma banda de Rock, pois no tempo d'A Chave do Sol, isso já houvera acontecido em 1986 (narrei com detalhes tal situação, no capítulo nº 13 da minha história com A Chave do Sol, contido em meu livro autobiográfico: "Quatro Décadas de Rock"), mas o fato reincidiu, muitos anos depois, quando eu estava a atuar com o Pitbulls on Crack e para ser específico, tal acontecimento aconteceu em 1995.

O baterista do Pitbulls on Crack, Juan Pastor, tendo ao fundo, Chris Skepis e Deca. Camarim da casa de shows Olympia, de São Paulo, em outubro de 1996. Foto: Marcelo Rossi 

Bem, o que ocorreu foi que o nosso baterista, Juan Pastor, era radialista e por conta das muitas conexões que detinha entre os seus contatos, ele recebeu o convite para encaixar a nossa banda em um teste de elenco, para eventualmente efetuar-se uma possível participação em um comercial de TV. 

Assim como ocorrera em 1986, eu detestei a ideia, a adotar os mesmos argumentos que eu usei em tal ocasião e de fato, naquela época eu recusei-me a participar e somente os três companheiros desse outro trabalho, foram fazer parte de tal peça publicitária. 

Para resumir ao leitor que não teve acesso ao meu texto autobiográfico, a minha justificativa para não participar de um comercial de TV, levou em conta que a nossa banda (no caso, ao referir-me sobre A Chave do Sol), não seria citada em nenhum momento da peça publicitária e nós somente participaríamos por conta de usarmos individualmente, o estilo de aparência "Rocker" e nesses termos, eu não desejei fazer parte, exatamente por não enxergar em tal atitude, algo positivo para fomentar a divulgação do nosso trabalho e muito pelo contrário, a expor-nos como anônimos, somente pelo fato de sermos "cabeludos".

No caso do Pitbulls on Crack, a situação seria igual, mas na prática, ganhou uma conotação diferente por duas questões, e uma delas, muito particular que essa específica banda continha. 

Primeiro, por ser uma banda pautada pelo bom humor em seu ambiente interno, quase o tempo todo, por conta da personalidade humorística dos outros três membros (no entanto, não em meu caso certamente), portanto, a galhofa pautara o ambiente interno da banda e se eu não tinha (tenho) tal característica por natureza, por outro lado, admirava o senso espirituoso de meus colegas e sim, ria muito das piadas que eles criavam instantaneamente aos borbotões, durante os cinco anos em que convivemos. 

E o segundo aspecto, foi que ao contrário do que fora ventilado (erroneamente), pelos meus colegas d'A Chave do Sol, em 1986, o pessoal do Pitbulls on Crack jamais cogitou que fazer parte do comercial seria uma alavanca promocional boa para a banda e pelo contrário, nenhum deles sequer esboçou considerar que seríamos "aprovados" pelos diretores do teste de elenco para a figuração e nesse caso, a única motivação seria uma taxa monetária oferecida como uma espécie de ajuda de custo para participar do teste. 

Ou seja, bem na base da pilhéria que norteou tal grupo em sua carreira, a ideia foi: "ir lá ganhar um dinheiro e divertir-se sem compromisso". Ora, bem no espírito do tom de humorismo que sempre norteou a condução dessa banda, fomos ao estúdio televisivo, localizado no bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo.

Entre os membros da banda, o espírito foi esse, portanto, ao considerar ser uma grande brincadeira debochada e que eventualmente render-nos-ia um cachê simbólico. 

Dessa forma, confesso que mesmo a estar ali apenas para colaborar, visto que tudo foi ajeitado em cima da hora, e na impossibilidade de arrumar um outro simulador de baixista, se eu não fosse, eles seriam vetados para o teste, eu mantive-me incomodado em participar. Sem outra alternativa, participamos da ação, enfim. 

Os meus colegas mergulharam na brincadeira, ao melhor estilo "Spinal Tap", sem nenhum pudor e aliás, a divertirem-se muito com a pantomima, mas eu... bem, eu não era (sou), um humorista em potencial como eles e acometido por um sentimento de contrariedade absoluta em estar a fazer parte daquela ação, não esforcei-me nem um pouco, por senti-me muito mal em estar ali a ser usado como um anônimo, somente por usar cabelos longos e saber segurar um instrumento musical com fidedignidade. 

Foi então, quando o diretor que conduzia a filmagem, parou tudo e cobrou-me mais "empenho". A filmagem reiniciou-se e o sujeito que ficou visivelmente irritado com o meu desânimo, passou a soltar gritos atrás da câmera, a exortar-me a "melhorar" a minha performance. 

Bem, é claro que eu não segui a sua orientação e certamente que em sua visão, nós já estávamos "desclassificados", mesmo com o "teste" ainda em pleno curso. O ponto, na verdade, foi que a banda não pleiteou participar de forma alguma e eu, ainda mais, não participaria nem que fôssemos "aprovados", por conta das minhas convicções pessoais em torno do que representa esse tipo de ação publicitária.

E ao diretor que chamava-me com desdém a denominar-me como: -"ô, baixista", genericamente, quando ele gritava: -"melhora aí rapaz, se mexe"... eu só posso responder que eu fui (sou) um artista genuíno e mexia-me, sim, em uma apresentação verdadeira, ao sentir a vibração da notas que eu tocava, emanadas pelo meu amplificador, vibrava por ouvir a emanação dos instrumentos e das vozes dos meus companheiros, vindos dos monitores e de seus respectivos amplificadores, mas sobretudo, pela sincronia estabelecida com o público. 

Somente tal sintonia estabelecida espontaneamente cria a magia para a energia fluir a contento e o resto é falsidade em nome do "business", senhor diretor!