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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Crônicas da Autobiografia - Fila para Comprar o Sgtº Peppers e Eclipse - Por Luiz Domingues

              Luiz Domingues em 1967, aos sete anos de idade

Aconteceu em 1967, no tempo em que eu nem sonhava em querer tocar, mas o Rock já estava a fisgar-me, sutilmente...              

A minha lembrança sobre os Beatles remonta ao ano de 1963, quando o radinho que ficava em cima da geladeira da minha residência, tocava muitas de suas músicas, diariamente, enquanto a minha mãe preparava o almoço da família. E posso afirmar, tocava muito e com variedade de canções, não uma só. 

Continuei a ouvir nos anos seguintes com a mesma profusão, pelas ondas sonoras do rádio e isso somou-se ao bombardeio visual mediante fotos em jornais e revistas e a seguir, através dos ditos “promos” (vídeos “promocionais”, daí o prefixo “promo”, a se constituir da pré-história do vídeoclip), além do lançamento dos “Beatles Cartoons” na TV e obviamente por estar no pleno usufruto da infância naquele instante, isso só reforçou a minha simpatia pela banda, ao assistir os seus desenhos animados e obviamente, sempre a conter as suas canções.
O sensacional, "Rubber Soul", um dos dois LP's que os Beatles lançaram em 1966  
 
No entanto, o primeiro álbum dos Beatles que eu ouvi na íntegra, assim que saiu, foi o “Rubber Soul”, em 1966 e foi mediante uma situação para lá de prosaica. Nesse ano, eu morava no bairro da Vila Pompeia, na zona oeste de São Paulo e bem próximo de uma praça chamada: “Cornélia”, com uma de suas faces para a Rua Clélia.

Nessa praça e naquela época, o bucolismo era enorme, ao parecer-se com uma pracinha interiorana. Aos domingos, famílias reuniam-se ali e o padre da paróquia São João Maria Vianney, mandou instalar um serviço de alto-falantes espalhados pelas árvores da praça e assim, sob um clima de quermesse, tocava-se música o dia inteiro. 

Predominava a MPB na maior parte do tempo, mas também bastante artistas dito jovens do movimento da “Jovem Guarda” e do Rock internacional (pasmem!), e foi por conta dessa fortuita oportunidade que eu ouvi os dois lados do LP “Rubber Soul”, muitas vezes, a denotar que o padre delegara a função da escolha e controle dessa discotecagem para algum jovem “antenado”, pois só tocavam-se coisas boas ali, a grosso modo.
Ainda a morar no mesmo endereço, em 1967, lembro-me que em uma certa manhã desse ano, o radinho estava ali em cima da geladeira, a todo vapor a embalar as tarefas domésticas de casa, quando subitamente o céu começou a escurecer. 

Não fora, no entanto, algum sinal de uma tempestade a aproximar-se, mas um eclipse, um fenômeno astronômico que no alto de meus quase sete anos de idade naquele dia, eu já entendia o que significava, mas nunca havia visto, ao menos nessa proporção tão impressionante, pois ainda que rápido, o céu do meio dia tornou-se igual ao da meia noite, praticamente. 

Pelo rádio, o locutor falava em tom solene (e naquela época, todo mundo falava com esse tom grandiloquente no rádio e na TV), ao emitir o boletim sobre o eclipse e as suas consequências como por exemplo, a rede pública de iluminação que fora ligada para dar suporte, entre outras providências. 

Mas o locutor também falou de um fenômeno paralelo que estava a ocorrer em diversas lojas de discos, ao menos nas mais badaladas e modernas da cidade, na ocasião. Chamara a atenção da imprensa o fato de que filas kilométricas de clientes foram formadas em tais lojas, pois tais estabelecimentos estavam com o estoque pronto para a venda, do novo álbum dos Beatles que chegara às suas prateleiras. Tratara-se de um álbum com um nome comprido e inusitado, mas nessa altura, todo mundo só esperava loucuras vindas dos Beatles, convenhamos...

E não foi apenas do mais novo álbum dos Beatles que fez com que os fãs enfrentassem uma fila na porta das lojas, em 1967, mas simplesmente, uma obra-prima, que tornou-se um marco do século XX, sem exagero algum...    

E foi assim então, em um dia atípico, com escuridão ao meio dia, que o rádio anunciou eclipse e filas formadas por ansiosos fãs dos Beatles na porta de lojas paulistanas de discos. 

Ao pensar agora como adulto, eu gostaria de haver tido alguns anos a mais em 1967 e não apenas sete anos de idade nessa ocasião, para poder ter aproveitado a década de sessenta com maior intensidade, sem dúvida, mas não posso reclamar, pois mesmo criança e sem acesso total ao que ocorria no mundo e sobretudo pela falta de um poder de assimilação mais maduro, ainda assim, sinto-me privilegiado por ter vivido aquela década e possuir tais lembranças comigo. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Crônicas da Autobiografia - O Golpe da Falsa Limpeza - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo da Patrulha do Espaço, em janeiro de 2000

Estávamos a gravar o álbum “Chronophagia”, da Patrulha do Espaço, em janeiro de 2000, no estúdio Camerati, de Santo André-SP, cidade localizada na região conhecida como Grande ABC, integrante da gigantesca mancha metropolitana de São Paulo. 

Tal estúdio fora bem usado nos anos anteriores, mas naquela ocasião, estava decadente, a carecer de reformas em sua estrutura física, ainda que a parte operacional do equipamento, propriamente dito, ainda estivesse em ordem, com tudo a funcionar a contento. 

Entretanto, o seu proprietário na época, já havia desistido de investir nas suas melhorias e mediante o pedido do proprietário do imóvel para a devolução do mesmo, resolvera vender todo o maquinário e fechar as portas. Portanto, nós fomos os últimos artistas a usufruírem de suas instalações e o nosso álbum ali em construção, “Chronophagia”, tornou-se por conseguinte, o último disco ali gravado, oficialmente.
Esse estúdio continha uma particularidade interessante em sua arquitetura, pois por tratar-se de uma antiga residência de alto padrão, era muito amplo e com um desenho estrutural arrojado, a fugir do padrão de uma residência familiar tradicional, porém, por  apresentar salões enormes, o que possibilitou que tal empreendimento fosse adaptado para ser usado como um mini centro cultural, mediante um auditório na sua parte interna, dentro de um salão que deve ter sido uma espécie de “living room” muito amplo, anteriormente. 

E o estúdio em si, ficava alojado em uma instalação igualmente ampla, montada no quintal, ricamente ajardinado, como uma sala de inverno charmosa e sob um belo paisagismo, mas isso em um tempo anterior, deduzíamos, pois estava tudo muito mal cuidado nesses tempos decadentes em que vivera os seus últimos dias e assim, a meta do seu mandatário foi sucatear o estúdio, vender o seu equipamento e entregar o imóvel ao proprietário, que nessa altura já estava apalavrado com um empreendedor que visava montar ali um restaurante de cozinha japonesa, sob alto padrão (e foi o que ocorreu, meses depois). 
Foi quando surgiu a ideia para aproveitarmos a nossa maratona de sessões ali e produzirmos um show no pequeno auditório do complexo e assim, logicamente ao visar aproveitar a estrutura do estúdio para gravar o concerto. Tudo isso eu contei com detalhes no texto do meu livro autobiográfico, mas aqui eu exponho um detalhe inédito e inusitado. 

O dono do estúdio na ocasião, foi o cantor/compositor, Belchior, uma figura sensacional da MPB setentista, autor de muitos clássicos naquela década etc. Contudo, ele não teve nenhuma intenção de salvar o estúdio, que já comprara por um preço reduzido da parte do antigo dono, consciente de que estava decadente e dessa forma, o seu plano foi apenas o de ganhar algum dividendo com a venda do equipamento e nada mais. 
Portanto, ele nem aparecia por lá e deixara a responsabilidade da sua administração em seus dias finais, ao técnico de som que cuidou de nossa gravação e só havia um funcionário (um faxineiro), que astutamente, ao perceber a decadência do espaço e por antever a perda de seu emprego, ficava nos quartos vazios do patamar superior, a aproveitar a calmaria total e simplesmente dormia o dia inteiro, sem pegar em uma vassoura, em hipótese alguma. 

Quando esse rapaz soube que nós tencionávamos fazer um show no auditório, veio rapidamente dizer-nos que haveria uma “taxa de limpeza”, que seria supostamente uma ordem expressa de seu patrão. Pura balela, Belchior nem aparecia ali e claro que a sua intenção fora apenas amealhar dinheiro para o seu bolso.
Então, quando percebemos o golpe do aspirante a astuto, dissemos-lhe que pagaríamos após o show e então, nós ficamos a observar os seus movimentos na contrapartida. 

Claro que ele fingiu empenhar-se, ao passar uma vassoura fortuitamente pelo auditório, mas isso revelou-se risível, pelo serviço ridículo que empreendia, que mal conseguia disfarçar de tão embusteiro que ele era. Então, nós enfatizamos que ele deveria esmerar-se em limpar bem não apenas o auditório e a entrada do estabelecimento, mas sobretudo os banheiros que serviam a parte concernente ao auditório e que seria usado pelo público, que esperávamos. 

E como havia uma quantidade deprimente de baratas mortas ali nos banheiros, reforçamos a ordem para ele cuidar disso. Infelizmente, ele não fez nada e quando demos conta disso, ficamos chateados, mas certamente que instaurou-se a determinação para não pagarmos absolutamente nada ao elemento. 

Não dava tempo para tomarmos providências em outro sentido, porque a montagem do equipamento e preparação da gravação do show consumiu-nos horas e assim, envergonhados parcialmente, assumimos a ideia de que o público teria banheiros sujos à sua disposição, com baratas mortas pelo piso, mas por outro lado, se a produção do show fora nossa, é bem verdade, a casa estava em más condições e supostamente cobrara uma taxa para tal providência ser tomada e ao não cumpri-la, eximira-nos totalmente de culpa perante o público e principalmente da obrigação de pagar por algo que não fora feito, como um serviço prometido.

Pois bem, fizemos o show no sábado e na segunda-feira posterior, quando o sujeito veio cobrar-nos, ele foi conduzido por um membro da nossa banda a uma inspeção nos banheiros e ao mostrar-lhe as baratas mortas na mesma posição em que ele as vira na sexta-feira, o embusteiro percebeu que a nossa recusa para pagá-lo, não oferecer-lhe-ia a chance de nenhuma contra-argumentação em contrário.

Ainda bem que nenhum usuário do recinto, oriundo do público, teve a ideia de “chutar” os corpos inertes dos blatídeos, a destruir assim a nossa prova cabal contra o nosso golpista “barato”...

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Crônicas da Autobiografia - Risadas Inconvenientes ao Tenor com Cesto de Frutas na Cabeça - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo do Língua de Trapo, por volta de agosto de 1980              

Um tipo de acontecimento que é muito desagradável para qualquer artista, é quando alguém (quiçá muita gente na plateia), adota a postura deselegante de debochar acintosamente da sua performance, a tirar-lhe a concentração cênica necessária e mais do que isso, a ofender a sua dignidade artística.  
O que ocorreu-me indiretamente nesse sentido, foi que certa vez, ao voltar de um show do Língua de Trapo, bem no começo das atividades da nossa banda, portanto a viver ainda dias sob um padrão de produção muito simplória, eu estive acompanhado de um rapaz (que participara da nossa apresentação como músico convidado e que por não ser componente da banda, apenas tenha feito uma participação especial naquela ocasião), em um show que assistimos juntos a posteriori, no mesmo dia. 

Nós vínhamos de Osasco-SP, município da grande São Paulo, em direção ao centro da capital e quando chegamos ao nosso destino inicial, ainda haveria uma segunda etapa a ser percorrida, com a difícil missão de termos que enfrentar outro meio de transporte público e em plena hora do “rush” paulistano. 

Contudo, desistimos desse sacrifício para prosseguir na continuidade imediata da longa jornada para podermos atingir bairros da zona leste da cidade, nosso destino final, onde respectivamente morávamos e assim resolvemos adentrar na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, onde sempre haviam concertos eruditos e gratuitos nessa dita “Happy Hour”, portanto, foi uma ótima opção para ganharmos tempo agradavelmente enquanto esperávamos o trânsito acalmar-se ao ponto do transporte público mostrar-se menos lotado.

Sentamos na galeria superior do seu belo e aconchegante auditório existente naquela biblioteca pública e aos três sinais clássicos do teatro, eis que adentraram ao palco, um pianista e um cantor lírico, com a programação sendo composta por árias de óperas e algumas canções da MPB bem antiga, eu diria, pré-Velha Guarda, portanto a conter canções provenientes de autores do século XIX, inclusive.
Assim que o espetáculo iniciou-se, constatamos que o cantor era bastante afetado em seu gestual. Ele apresentava sim, os maneirismos típicos da parte de cantores líricos tradicionais, como na sua postura próxima ao piano, mãos colocadas à frente e a agarrar-se mutuamente como a simular um encaixe em forma de elo com os dedos entrelaçados e um dos pés virados de forma perpendicular, além do olhar vidrado para o infinito a não encarar a plateia, principalmente aos que assistiam na parte inferior do auditório, abaixo do nível do palco. 

Até o término da primeira parte do sarau, com Árias de Óperas, foi tudo comedido sob o ponto de vista cênico, bem ao estilo desse padrão de apresentação tradicional, no entanto, quando começou a sua sessão com canções populares antigas, esse cantor não conseguiu conter a Carmem Miranda que habitava o seu íntimo, digamos assim, e passou a adotar uma postura histriônica e bastante efeminada, mas ao mesmo tempo, a denotar uma aura muito obsoleta na forma de expressar-se, muito diferente da ousadia avant-garde de um artista com coragem e determinação, como Ney Matogrosso, por exemplo.
Portanto, esse choque totalmente antagônico entre estéticas dispares entre si, foi demais para o meu colega de poltrona, que não suportou e entrou em um surto de gargalhadas incontrolável, e claro, a sua atitude contagiou muitas pessoas à nossa volta. Mais do que isso, tal reação obviamente chegou ao palco e incomodou os artistas, é claro. 

Um clima constrangedor instaurou-se, pois, o artista ao sentir-se menosprezado com tal manifestação, adotou a postura, talvez por descontrole emocional motivado pela raiva, de exagerar ainda mais na sua performance e isso arruinou completamente a sua apresentação, não resta dúvida.

Pessoas da plateia, instaladas na parte inferior protestaram contra os que alojavam-se no mezanino, pois notadamente deviam ser parentes e amigos do cantor ultrajado e eles tiveram razão para reclamar, não posso deixar de considerar isso. Mas apesar dos pesares, o artista conduziu o seu espetáculo até o final, o que também deve ser enaltecido.
Sobre esse rapaz, que contagiou a todos com sua atitude debochada, que na verdade eu mal conhecia, houve uma característica sua que reputo ter sido vital para recriminar tal atitude de sua parte: ele era músico e tocava/estudava um típico instrumento sinfônico, portanto uma agravante, ao considerar-se que seu métier era o da música erudita em princípio, e sendo assim, a sua reação de debochar acintosamente do artista, como algo reprovável, mesmo ao levar-se em conta que este realmente passara do ponto em sua performance. 

Em suma, esse rapaz jamais deveria ter adotado tal postura deselegante contra um colega em cena. Foi o tal negócio: se entrou no recinto e não gostou da performance do artista no palco, deveria ter retirado-se, mas ao ficar ali com a intenção deliberada de desdenhar, realmente não fora uma postura adequada para ninguém, principalmente para um músico, colega de profissão do artista ali em cima do palco, e ainda mais, por ser em tese do mesmo nicho musical, supostamente, o da música erudita, onde o recato da parte do público, é fundamental para a performance do artista e ele deveria saber bem dessa prerrogativa como um fator sine qua non.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Crônicas da Autobiografia - Solo de Guitarra Imaginário a Miar - Por Luiz Domingues

Aconteceu um pouco antes da história do Boca do Céu iniciar-se, cerca de fevereiro ou março de 1976           

Em 1975, eu havia formado uma banda no colégio em que frequentava, com a cumplicidade de amigos que compactuavam dos ideais, no entanto, tratou-se na verdade de uma banda fictícia, pois ninguém ali sabia tocar um instrumento sequer e só havia o ingênuo comprometimento de cada componente de estudar "futuramente". 

Portanto, nessa circunstância, como válvula de escape para dar vazão à energia infantojuvenil em plena erupção, inebriada pela vontade de usufruir da glória do Rock, restara-nos a força da imaginação tão somente.
Em torno disso, as atividades de tal banda fictícia limitavam-se a elucubrações sobre eventuais capas de discos que faríamos no “futuro” e como única ação mais concreta, houveram reuniões de composição, no entanto, sob a singela e deveras absurda prática da elaboração de melodias entoadas e composição de letras para tais supostas músicas, que foi o único dispositivo que tivemos como algo palpável naquele instante. 

Claro que com o fim das atividades escolares desse ano, a banda esvaiu-se, com a maioria dos componentes preocupados com as suas respectivas atividades nas férias e somente eu, na prática, estive obcecado pela ideia de vir a ser um Rocker verdadeiramente e sob uma segunda instância, um ou outro membro sob uma graduação menor em tal intento em meio a essa tentativa inicial feita em 1975, mas certamente com a devida ressalva de estar em um grau de entusiasmo bem menor do que o meu.

Dessa forma, eu e Edson Coronato, que mostrou-se disposto a levar adiante o “projeto”, criamos no início de 1976, uma nova banda, ao mudarmos o nome inicial criado em 1975, “Satanaz”, para “Medusa”, e assim deixarmos o campo a inspiração demoníaca a la Black Sabbath, para utilizarmos a mitologia grega, via Genesis, talvez, sob uma avaliação bem romântica de minha parte, ao narrar este caso nos dias atuais. 

Então, por volta de fevereiro e a estender até meados de março, nós marcamos reuniões periódicas na residência do amigo, Edson Coronato, que morava no bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo e praticamente só nós dois trabalhamos na formatação dessa nova banda, a elaborarmos um material nos mesmos moldes da banda anterior, isto é, a se tratar de uma série de canções compostas apenas por linhas melódicas entoadas, sem a presença de nenhum instrumento musical verdadeiro, portanto, foram composições geradas com total ausência de uma estrutura harmônica, simples que fosse, tampouco nenhum critério rítmico, ao apresentar tão somente melodias criadas sem sentido musical formal, algum. 

E no que esteve ao nosso alcance, que seriam as letras, a nossa poesia era tão pobre e descabida, quanto a parte musical, que na verdade era anti-musical pela falta de recursos técnicos e teóricos da parte de ambos.
Assim, sem noção, mas com uma imensa vontade para adentrar esse mundo da música e do Rock em específico pela sua magnitude contracultural inerente e mesmo ao não possuir aptidão alguma para tal, ao criarmos as nossas músicas absurdas, os métodos de criação foram igualmente estapafúrdios. 

Como por exemplo, o fato de nós termos tido a preocupação de estabelecermos arranjos para as canções, mesmo sem possuirmos nenhuma noção mínima sobre teoria musical e nem sequer sabermos o básico da digitação de um instrumento verdadeiro, qualquer que fosse. 

Nesses termos, ao criarmos “mapas” aleatórios das músicas, estabelecemos convenções, linhas de baixo & bateria e solos de guitarra e teclados, baseados inteiramente na nossa experiência como meros ouvintes dos discos de bandas de Rock europeias que apreciávamos, mas sem instrução musical alguma, apenas a empreendermos uma mera repetição dos modelos alheios e aleatórios, em detrimento do nosso inexistente conhecimento musical. 

Portanto, tudo o que propúnhamos mutuamente, era mostrado ao colega, pela via oral, isto é, imitávamos vocalmente os sons característicos de cada instrumento de uma forma bizarra, como se fosse uma absurda sonoplastia. 

Isso fazia com que os solos de guitarra e eventualmente os de sintetizadores Mini Moog que adorávamos, ao escutarmos os discos das maiores bandas setentistas que idolatrávamos, soassem aos ouvidos alheios, como um festival grotesco de grunhidos, os mais inusitados.
Até que um dia, uma pessoa da família do Edson irritou-se, pois nós devíamos estar mesmo a perturbar a família (e a vizinhança) com as nossas imitações onomatopaicas de solos de guitarra e teclados, que vinham de guitarras Fender e Gibson ou do teclado Mini Moog em nossa imaginação e vontade de chegar nesse ponto, verdadeiramente, mas para qualquer outra pessoa alheia a tais sonhos quixotescos, soavam sob uma forma grotesca, ou seja, fariam qualquer pessoa adulta e normal, preocupar-se com o que estaríamos a ingerir como um possível fator alucinógeno, pois não pareceu atitude de gente mentalmente sã, se é que o leitor me entende.

E nessa intervenção do familiar do Edson, a vergonha gerada teve o impacto da tomada de consciência, pois ali a banda imaginária que alimentávamos, acabou sumariamente, ao caracterizar a gota d’água, quando eu ouvi um grito que veio de longe, em nossa direção:

-“Parem com esses miados de gatos que estão a imitar, por favor, parecem loucos ao fazer isso”...
A parente do Edson teve razão, foi o que estávamos a executar na prática e tal situação obrigou-me a deixar a postura quixotesca de lado e de fato, buscar um caminho real se eu realmente quisesse entrar para a atuação da música profissional. 

Cerca de um mês depois disso, eu aceitei o convite de um outro colega da escola (Osvaldo Vicino), a formar “uma banda de verdade”, e ele tinha uma guitarra real, sabia o be-a-bá dos acordes maiores e menores e já arriscava-se em solos. 

Quanto ao Edson, este também fez parte do começo dessa banda real (que após várias mudanças de denominação, estabeleceu-se como: “Boca do Céu”), a denotar que também quis levar a sério, embora logo a seguir tenha desistido e tomado um outro rumo na sua vida. 

E da minha parte, dali em diante, foi uma longa jornada até considerar-me um músico, concretamente, mas creio ter valido a pena empreender tal esforço e ter feito a transição entre a postura quixotesca de simular sons de instrumentos musicais, mais a parecer o miado de gatos, a aprender a tocar verdadeiramente um instrumento.