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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Crônicas da Autobiografia - A Pernoitar entre os Cartuns de Caruso - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em setembro de 1984. Foto promocional da banda, feita na mesma época, de autoria de Carlos Muniz Ventura

No segundo semestre de 1984, a nossa banda vivia um momento muito bom, sob o impacto de uma forte expansão gerencial e midiática. Ao crescer no imaginário popular e despertar, por conseguinte, a possibilidade de se abraçar as oportunidades que surgiam aos montes, eis que por volta de setembro de 1984, a banda abriu duas frentes importantes para fomentar ainda mais a divulgação do trabalho e também para fechar shows. 

Nesses termos, os companheiros, Rubens Gióia e o então novo vocalista, Chico Dias (este rapaz na verdade, permaneceu muito pouco na formação da banda), foram à Porto Alegre, onde alguns contatos dentro da mídia gaúcha, foram movimentados, e em paralelo, eu mesmo, Luiz Domingues, fui ao Rio de Janeiro, onde por conta de alguns contatos que eu mantinha na capital fluminense, tratei por incrementar o mesmo esforço. 

A grande produtora musical, Cida Ayres, em foto mais atual, dos anos 2000. Foto: divulgação na Internet

É bem verdade, que além dos contatos que eu já possuía, houve a providencial ajuda que eu (nós), recebi (emos) da produtora do Língua de Trapo, chamada: Cida Ayres, que afeiçoara-se também ao trabalho da nossa banda, "A Chave do Sol" e assim, de uma forma muito generosa, ela movimentou os seus contatos pessoais e posso dizer, foi um esforço decisivo para que em uma das abordagens que eu fui fazer no Rio, para vender um show da nossa banda no badalado espaço do "Circo Voador", se lograsse êxito, logo a seguir, graças a esse esforço despendido em setembro de 1984, e com o apoio decisivo de Cida Ayres.

Bem, ainda a falar sobre a minha ida ao Rio, para estabelecer os contatos, houve um fato a mais e que fora também uma intervenção direta da minha amiga, Cida Ayres. Eis que assim que eu elaborei a minha agenda para cumprir na cidade, percebi que seria difícil cumprir todos os compromissos em um dia apenas, mesmo se eu viajasse pela madrugada e chegasse bem cedo ao solo carioca. 

Por conta dessa logística apertada, a Cida interveio e sugeriu uma solução gratuita para eu pernoitar na cidade e assim poder contar com mais um dia para que eu pudesse trabalhar no Rio. Ela conversara com o grande cartunista, Chico Caruso, muito famoso já naquela época, por ser o chargista oficial do jornal, "O Globo" e naturalmente a colaborar com os outros veículos da mesmo empresa, incluso a Rede Globo de Televisão.

O grande cartunista, Chico Caruso, muito amigo dos membros do Língua de Trapo e que ajudou a minha outra banda, A Chave do Sol, em 1984. Foto: divulgação na Internet

Ocorre que ele, Chico Caruso, assim como o seu irmão gêmeo e igualmente a se tratar de um cartunista genial, Paulo Caruso, eram entusiastas do trabalho do Língua de Trapo, e em minha recente segunda passagem por essa banda, entre 1983 e 1984, eu pude conviver com ambos. 

Aliás, bem recentemente naquela ocasião, ainda mais com o Chico, por conta de duas temporadas que essa banda cumprira pelos palcos cariocas. Portanto, ele conhecia-me por conta de minha atuação com tal grupo e quando a Cida Ayres o procurou para que ele abrisse-nos algum contato midiático, a proposta de ajuda foi providencial e inesperada ao mesmo tempo, pois ele ofereceu-me o seu atelier para que eu lá pernoitasse. Ora, que honra, aceitei de pronto e mais que a gentileza por si só, a mostrar-se muito grande, eu animei-me com a ideia de que ficaria algumas horas em seu gabinete de trabalho, solitariamente a verificar in loco, o seu material de criação. 

         Chico Caruso em foto montagem extraída da Internet

E foi assim, Chico recebeu-me com muita galhardia, além de disponibilizar a sua biblioteca para que eu pudesse examinar o que eu desejasse durante as horas em que ali permaneceria e sobretudo, com a liberdade para eu ver os seus novos trabalhos em construção sobre a prancheta, a vontade. 

Privilegiado que eu fui, pude ver diversos cartuns em que ele estava a trabalhar, inclusive alguns já em fase de acabamento final de seu lay-out, para serem encaminhados à redação do jornal, "O Globo". Sensacional, eu fiquei muito feliz por ter tido liberdade para examinar o trabalho de um artista consagrado, em fase de elaboração, dentro do seu atelier de trabalho, localizado em uma travessa da Avenida Ataulfo de Paiva, no elegante bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro.

A Chave do Sol: ao vivo no Circo Voador do Rio de Janeiro, em outubro de 1984. Foto: Claudio T. de Carvalho

E sim, os esforços lograram êxito, e entre outras conquistas, a nossa banda participou de um festival muito concorrido, entre as grandes bandas midiáticas do dito movimento: "BR Rock 80's", no Circo Voador, logo a seguir, com um show completo que ali cumprimos ao final de outubro do mesmo ano. Portanto, A Chave do Sol agradece mais uma vez o apoio da solícita produtora musical, Cida Ayres e do grande cartunista, Chico Caruso!

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Crônicas da Autobiografia - A Ajuda da Boca para Fora - Por Luiz Domingues

                            Aconteceu no tempo do Pedra, em 2008

É comum em uma reunião informal, em meio a uma conversação a esmo, que alguém mencione que poderia auxiliar uma outra pessoa em algum aspecto levantado no bojo da discussão. Isso ocorre geralmente em momentos descontraídos, onde ao se ouvir algum tipo de colocação que esteja mais ou menos próximo da sua alçada, uma pessoa mencione que teria ao seu dispor, uma solução, por trabalhar em um ramo que tenha a ver com a problemática ali discorrida, ou mesmo por conhecer alguém que seria um facilitador para o interlocutor resolver o seu problema ali exposto. 
 
Tal predisposição é feita de uma maneira geralmente impensada, na base do puro reflexo e imbuído por um sentimento de bom-mocismo, mas que geralmente cessa, assim que o assunto muda dentro da roda de conversa. 
 
No entanto, quem está a necessitar de uma ajuda e ouve alguém espontaneamente a apontar para uma solução plausível, interpreta tal oferecimento de uma forma literal e cobra, mesmo que de uma forma educada, tal resolução, pois a sua agonia está diametralmente oposta à falta de interesse de quem em vão propôs ajudar, mas na verdade, apenas tencionara ser agradável naquele momento efêmero da conversa coloquial, sem, contudo, manter a menor intenção de ajudar de fato. 
 
Claro que há exceção e pessoas que não falam por falar, existem e verdadeiramente se prontificam a cumprir o que prometeram, mas é uma realidade: a maior porcentagem de pessoas que assim se pronunciam, na prática, mostram-se muito incomodadas ao receber telefonemas, mensagens via internet ou até visitas presenciais, feitas da parte de quem acreditou que poderia de fato ser auxiliado nessa circunstância descrita.
Isso ocorreu muitas vezes comigo (Luiz Domingues), em diversas bandas por onde atuei, e eu também fui testemunha do mesmo ocorrido com diversos colegas, em questões semelhantes.

Por exemplo, recordo-me de uma ocasião em que eu e meus companheiros do “Pedra”, fomos participar de uma entrevista para uma emissora de rádio e o locutor, que era bem famoso na ocasião, no meio radiofônico, falou-nos reservadamente, ainda no estúdio da emissora, que gostava do nosso trabalho e que gostaria de ajudar-nos a galgar degraus mais acima em nossa carreira e para tal, ele alegou dispor de contatos com a cúpula de outras emissoras, inclusive alojadas na difusão cultural mainstream, além de empresários e executivos da indústria fonográfica. 
 
Ótimo, é claro que aceitamos de bom grado um auxílio que viesse da parte de qualquer pessoa e nesses termos, por ser um radialista famoso, não houve motivo para não acreditarmos que ele teria realmente bons contatos, e em segundo lugar, que estivesse sinceramente imbuído de boa vontade para ajudar-nos.
Marcamos então uma visita ao seu escritório para aprofundarmos esse seu gentil oferecimento, mas o que aconteceu em tal visita, revelou-se um constrangimento sob via dupla. Isso por que, assim que chegamos (no caso, eu, Luiz Domingues e Rodrigo Hid), notamos no semblante desse rapaz, que ele ficara constrangido com a nossa visita. 
 
Nessa altura, cerca de 2008, eu já ostentava uma condição como veterano na música e no Rock, e até o Rodrigo Hid, que ainda era bem jovem, já havia acumulado uma bagagem grande, portanto, não ficamos nada surpreendidos com a situação, visto que não fora a primeira vez em que deparávamo-nos com um imbróglio desse nível e inclusive, eu e Rodrigo já havíamos passado por isso, juntos, como tripulantes a bordo da nave da Patrulha do Espaço, anteriormente.
 
O rapaz foi educado, não posso queixar-me nesse aspecto, por que ele não foi deselegante de forma alguma, pois aceitara receber-nos, mediante o nosso contato telefônico prévio, convidou-nos a entrar e ofereceu-nos café, todavia, o seu desconforto mostrou-se enorme, na medida em que ficara nítido que o apoio que alardeara ofertar-nos, quando de nossa visita à emissora em que trabalhava, fora um discurso vazio, bem naquela predisposição efêmera sobre a qual eu aludi ao início desta crônica. 
 
Dessa forma, sem ter nada concreto para oferecer-nos, foi muito embaraçoso quando ele, no afã para tentar cumprir o que alardeara-nos anteriormente, sugeriu que a melhor medida que a nossa banda poderia adotar para buscar uma melhor notoriedade pública, seria inscrevermo-nos em uma Rede Social da internet, chamada: “Myspace”, que era a grande coqueluche daquele instante, por supostamente ser uma rede social formada por artistas e aspirantes a. 
Não demorou muito e tal rede entrou em um processo de decadência acentuada, pois na prática, essa rede não levava ninguém a lugar algum, visto que era formada essencialmente por artistas a mostrarem os seus trabalhos, uns aos outros, portanto, servia apenas para forjar amizades com quem pensava parecido em termos estéticos, aliás, como em qualquer rede social da Internet. 
 
Dessa forma, quando esse rapaz insistiu para que adotássemos tal estratégia de divulgação para alavancar a nossa banda e mostrou-se patente ser apenas essa a sua grande orientação, eu e Rodrigo agradecemos pela “informação”, também pela acolhida e café, mas partimos, sem ressentimentos para com ele, pois percebemos de imediato que a sua colaboração anteriormente expressa, houvera sido uma clássica colocação de momento, sem nenhuma profundidade, como muitas vezes acontece não apenas no meio artístico, mas na vida de uma maneira geral.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Crônicas da Autobiografia - O Falso Incentivador de Talentos - Por Luiz Domingues

                  Aconteceu no tempo d’A Chave do Sol, em 1986

Apesar da nossa banda jamais ter chegado perto de um espectro popular, isso não significou que não tenhamos tentado atingir uma mídia mais abrangente, popular em essência e até popularesca, pois nunca nutrimos preconceito contra nenhum meio difusor de cultura. 
 
É lógico que sabíamos que a nossa estética não permitiria que um dia alcançássemos uma popularidade gigantesca, pois é óbvio que sabíamos que não seria o caso. E nem desejávamos tal sucesso nesses termos, porém, por outro lado, sempre achamos válido participar de programas de rádio e TV não necessariamente fechados no espectro do Rock e igualmente termos reportagens ao nosso respeito, publicadas em jornais e revistas populares.  
 
Aliás, isso de fato ocorreu e eu diria com uma profusão até surpreendente, pois a nossa banda foi habitue de um programa radiofônico bastante popular da Rádio Excelsior/Globo, no caso do “Balancê”, apresentado por Fausto Silva, também em programas da Rádio Jovem Pan, aparecemos em muitos programas femininos na TV aberta e até em programa com a participação do famigerado “Menudo” já havíamos  participado, além de termos sido citados em publicações em jornais e revistas populares, como: “Amiga TV Tudo”, Revista “Homem” e o Jornal “Notícias Populares”, o famoso “espreme sangue”, um jornal centrado no jornalismo policialesco e notadamente sensacionalista a abordar crimes hediondos, daí a pecha de verter as suas páginas em sangue.
"Saudade" (Rubens Gióia / Beto Cruz), proveniente da demo-tape que a nossa banda gravou em abril de 1986

Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=nKeUh16MY_I 

Então, sem preconceitos, resolvemos em 1986, assim que lançamos uma demo-tape com material inédito, abordar alguns programas populares de algumas emissoras de rádio e TV, onde o pai do Rubens Gióia, o saudoso e muito bondoso para com a nossa banda, Dr. Rafael Gióia Junior, mantinha boas relações de amizade. 
 
Isso se dava pelo fato do Dr. Rafael ter tido em paralelo à sua carreira política (ele foi vereador na cidade de São Paulo, deputado estadual e deputado federal por vários mandatos), uma atividade como poeta, com livros lançados, além de ter sido um radialista que trabalhou em grandes emissoras. 
 
Como radialista, ele teve programa por muitos anos e daí, conhecia muitas pessoas no meio radiofônico e também no televisivo. Mesmo afastado de tal atividade naquele momento dos anos oitenta, ele ainda conhecia muita gente que estava na ativa nesse meio e ao ter em vista que a nossa banda crescera por nossos próprios esforços, em uma batalha árdua que travávamos desde 1982, de livre e espontânea vontade, sinalizou que gostaria de auxiliar-nos, visto que nós também deixamos claro que estávamos abertos a explorar programas fora do mundo do Rock, onde justamente ele detinha os seus contatos.
 
Eis que ele preparou então uma bela carta de apresentação, personalizada para cada contato que detinha e foram muitos. Mediante material da banda e as cartas do Dr. Rafael, visitamos escritórios de produção radiofônica, televisivas e redações de jornais e revistas populares. 
 
Na prática, o resultado obtido em nosso favor foi nulo, pois certamente que o nosso som fugira do espectro habitual desses órgãos difusores, e nem ficamos inteiramente frustrados com tal resultado pífio, em face da realidade de sermos artistas de um outro mundo estético, sem dúvida.
Entretanto, em um caso em específico, algo muito desagradável ocorreu. Tratou-se de um programa popular de TV, tradicional e que na época era exibido pelo TV Record de São Paulo. O seu apresentador era um sujeito com longa trajetória já ostentada naquela época, famoso por inventar bordões e maneirismos popularescos. 
 
Para muitas pessoas, ele era um exemplo de bom mocismo, por forjar a imagem de que ajudava artistas iniciantes a galgar degraus na carreira etc. e tal. E ao contrário de outras pessoas que foram recomendadas pelo Dr. Rafael, mais a atuar nos bastidores, neste caso, o seu contato direto foi com esse comunicador.
Eu, mesmo em pessoa, Luiz Domingues, fui o designado para estabelecer a abordagem com o tal apresentador e senti-me seguro para estabelecer tal contato, pois além de estar acostumado a visitar emissoras e redações (esta é na prática, uma das minhas únicas boas lembranças dos anos oitenta, visto que eu tenho saudade do tempo em que não havia nenhuma dificuldade para um artista independente em pessoa fazer tal tipo de abordagem, algo impossível nos dias atuais), havia comigo a carta do Dr. Rafael em mãos, como uma espécie de salvo-conduto valioso. 
 
Todavia, nessa altura, já com alguma experiência acumulada, é evidente que eu não fui confiante de que daria tudo certo sem reservas, visto que nesse mundo, mesmo com tais bons indícios dos quais eu dispunha, na verdade eu já havia acumulado frustrações nos anos anteriores e tornara-me mais cauteloso para lidar com os órgãos de comunicação. Ainda bem que eu fui com tal reserva pessoal, aliás, pois uma surpresa desagradável ocorreu-me. 
Cheguei às dependências da TV Record, que ainda mantinha os seus estúdios nas instalações da Avenida Miruna, no bairro de Moema, na zona sul de São Paulo e enquanto aguardava pela chegada do tal astro da TV. Tive um momento de recordação pessoal muito boa ao mirar aqueles painéis antigos que ostentavam fotos de momentos gloriosos que essa emissora tivera nos anos cinquenta e sessenta, sobretudo. 
 
Foi quando um funcionário avisou-me que o figurão chegara e que atender-me-ia em poucos minutos. Todavia, assim que eu vi a persona do tal astro popular, já notei que o seu passo apressado em minha direção, a somar-se ao seu semblante fechado a denotar extrema contrariedade, não fora um bom indício. 
 
Em uma questão de segundos, ele mal respondeu a minha saudação de “boa tarde” e com muita rispidez, falou em um tom duro: -“o que você quer?” 
 
Bem, ao notar que ele estava pouco receptivo, fui o mais sucinto que eu pude em minha explicação e nem mesmo quando citei o nome do Dr. Rafael, ele sensibilizou-se e deu-me um mínimo de atenção. Profundamente contrariado, falou-me que não estava a entender o que eu desejava, como se fosso possível não haver compreendido a minha explicação muito objetiva. 
 
Irritado, ele ignorou o material de minha banda, para sair a resmungar que estava muito ocupado e que simplesmente não tinha tempo para ouvir alguém a perturbá-lo, mas logicamente a usar um outro palavreado a insinuar que uma determinada parte da anatomia masculina tendia a inflar-se quando um homem era sujeito a aborrecimentos em geral.
O saudoso, Dr. Rafael Gióia Junior, pai do nosso guitarrista, Rubens Gióia. Poeta sensível, ele soube valorizar com galhardia o trabalho da nossa banda, A Chave do Sol, e foi um incentivador da nossa luta. Como diz uma canção do nosso próprio repertório, "saudade" desse gentleman!

Bem, diante de tal grosseria, não ficamos chateados com a falta de perspectiva de não participarmos de seu programa, e nem mesmo eu em particular fiquei ofendido com o desdém descabido. Somente poupamos o Dr. Rafael desse acontecimento, e que certamente o desapontaria, dada a consideração que ele sentia por esse pulha. 
 
Para todos os efeitos, o material fora entregue, com a sua carta de recomendação e a nossa não escalação para o programa se ateu-se apenas por uma contingência da agenda do programa, portanto algo normal no meio televisivo. 
 
Para o Dr. Rafael, fica aqui mais uma vez o meu agradecimento pelo fato cabal de que não apenas por tal episódio, mas a pensar na conjuntura completa, ele foi um grande incentivador da nossa banda.

E para essa figura que destratou-me e por extensão, a minha/nossa banda, e que construiu a sua imagem popular como um especialista em “ajudar” artistas em início de carreira, não chego a dizer que desapontou-me, pois eu sabia que a falsidade exibida na TV, sempre foi grande, mas evidentemente que lastimo a sua atitude grosseira. 

E claro, para ele que viveu de audiência a sua vida inteira, não vou citar o seu nome, justamente para não dar-lhe a notoriedade indevida.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Crônicas da Autobiografia - A Antevisão do Erro - Por Luiz Domingues

              Aconteceu sempre, durante toda a carreira

Tirante os músicos eruditos que tocam a ler partituras ou que decoram mentalmente peças com tamanho gigantesco e extremamente complexas (e que além disso, contam com a orientação de um maestro dotado de um conhecimento absurdo, ao ter em sua mente decoradas as respectivas partituras de todos os instrumentos de uma orquestra sinfônica), o fato é que há um sentimento comum para todo músico, que é o de saber exatamente quando está a chegar uma parte de uma música em que ele sabe que detém uma dificuldade para executá-la e também sobre as pendências que os seus companheiros possuem na mesma canção, ou em outras.
Claro, nada que não seja sanado com tranquilidade em sessões de ensaios, mediante uma conversa franca com os colegas de trabalho e na base da solidariedade. E mesmo que não haja um sentimento de amizade entre os componentes de uma banda, a boa execução de uma música ao vivo, é um objetivo em comum, portanto, se qualquer componente errar, é uma mácula para a banda inteira, daí haver o sentimento comum de que ninguém falhe, para não comprometer o resultado geral do grupo. É o óbvio ululante. 
 
O fato, é que o músico sabe das suas próprias dúvidas e onde precisa esclarecer algum detalhe em que esteja a falhar, sob o ponto de vista harmônico, melódico ou rítmico. 
 
No entanto, há um sentimento que é recorrente em relação ao erro, que eu acredito, seja comum para muitos, senão todos os músicos, que é a identificação da falha (ou dificuldade premente que ele, músico, detenha para saná-la), e à medida em que a música avança, o músico fica a aguardá-la, como se fosse uma contagem regressiva, ou seja, o momento fatídico em que ele sabe que possivelmente errará, ou terá no mínimo, uma grande dificuldade para executar tal trecho difícil, a contento, e isso vale para todos os demais companheiros que o músico sabe que estejam na mesma situação.
A explicar melhor: o efeito psicológico extremamente negativo em torno dessa angústia progressiva, classifiquemos dessa forma, ajuda decisivamente a aumentar a possibilidade do erro de fato, concretizar-se. 
 
Portanto, trata-se de um sentimento que produz amargura e ansiedade. É um horror tocar com esse tipo de expectativa prévia, pois tira completamente o foco e sobretudo a espontaneidade do músico. Isso é muito potencializado se o músico toca com um grupo que produz um tipo de música muito complexa, que trabalha com estruturas sofisticadas em termos rítmicos, ou seja, um tipo de música a conter convenções intrincadas, onde os instrumentistas precisam estar rigorosamente juntos na execução, sob o sério risco de arruinar-se a performance como um todo, se um  músico (ou mais de um, pior ainda), errar tais marcações. 
 
É claro, músicos de alto gabarito, raramente erram e se isso ocorre, são ágeis em consertar ou disfarçar para seguir em frente a minimizar o efeito de seus erros. 
 
Muitas vezes, músicos sorriem entre si quando alguém erra, como um sinal de um comprometimento solidário, e as pessoas leigas, tendem a nem perceberem os erros. 
É comum, no camarim de um pós-show, os músicos comentarem sobre os erros e se o clima for amistoso dentro da banda, tais falhas são tratadas com bom humor, até. E nesses termos, quando pessoas leigas em música abordam os músicos para cumprimentá-los, é bem comum que estas rasguem elogios, ao sinalizar que não captaram os possíveis erros. 
 
Dentro dessa dicotomia, o fato é que a visão mais crítica do músico, tende a analisar a sua própria performance de uma forma deveras negativa, ao mostrar-se mais minucioso em sua autoavaliação. O mesmo caso ocorre em estúdio, quando os músicos sabem, nota por nota, onde erraram e querem regravar para corrigir. 
 
No entanto, é ao vivo que o sentimento da antevisão dos eventuais erros, mais torna-se proeminente. Aquele sentimento interno que é disparado, exatamente a apontar o momento preciso onde erraremos por conta de alguma dúvida não ajustada previamente, atormenta-nos. E o mesmo acontece em relação aos companheiros. 
 
É horrível igualmente, você saber exatamente onde o companheiro tenderá a falhar e para não comprometer a banda, você mesmo ser obrigado a errar propositalmente, para fazer parecer que o suposto erro alheio passe como um arranjo proposital da música, a desafiar as leis da teoria musical e assim minimizar o desastre em prol do bem comum de sua banda.
Qual é o antídoto para não passar por tal tipo de situação em um show ao vivo? Sobretudo: ensaio com afinco, conversa franca entre os componentes da banda e a garantia de um ambiente interno solidário entre os membros do grupo. E nada mais.