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sábado, 2 de março de 2024

Trabalhos Avulsos - Capítulo 59 - Caio Durazzo Trio - "Uma tarde de 2023, com sensação de 1957" - Por Luiz Domingues

Foi em meados de fevereiro de 2023, que eu recebi um recado do excelente guitarrista, Caio Durazzo, a me formular um convite para que eu participasse de uma apresentação do seu ótimo grupo de Rock'n' Roll/Rockabilly, "Caio Durazzo Trio" em um evento a ser realizado em abril do mesmo ano. Na ocasião, ele me dissera que a sua banda estaria desfalcada de seus dois companheiros fixos da formação por algum problema de agenda conflitante dos rapazes e que convocara a "cozinha" d'Os Kurandeiros, ou seja, eu (Luiz Domingues) e Carlinhos Machado para suprir a ausência de seus colegas e assim cumprir o compromisso.

Na mesma ocasião desse recado que eu recebera, inclusive, encontrei-me por coincidência com o Carlinhos Machado nos bastidores de um show do Língua de Trapo no Sesc Belenzinho de São Paulo e comentei com ele que tocaríamos juntos com o Caio, brevemente. Um mês depois, durante a ocasião de um ensaio d'Os Kurandeiros, o Carlinhos avisou-me que o Caio sinalizara que o baterista titular da sua banda, Rick Vecchione, tocaria normalmente e assim, somente eu seria o convidado especial desse aventado compromisso.

Dada a constatação de que o repertório escolhido seria formado por uma série de Rocks, Country-Rocks e Rockabillys de origem cinquentista, mediante harmonia simples, a dita "quadrada" em torno dos três acordes no padrão do Rock primordial, o Caio resolveu cancelar o ensaio previamente marcado e assim, só me passou a lista e a respectiva seleção de canções anotadas em uma "playlist" por ele elaborada para que eu a ouvisse durante a semana que precedeu o show.

O meu set de baixo pronto para ser usado na Cervejaria Madalena de Santo André-SP, a favor do "Caio Durazzo Trio" durante o evento "Retro Wheel's/Carburator Day". 2 de abril de 2023. Click e acervo: Luiz Domingues

Muito bem, fui confiante para a casa de espetáculos, "Cervejaria Madalena" de Santo André-SP, baseado na certeza de que apesar da falta de ensaio, não teria problema de tocar o longo repertório, mesmo por que, teria total respaldo do Caio e do Rick para me guiar no palco em algum momento de dúvida sobre algum arranjo das canções escolhidas.

Fui o primeiro a chegar e fiquei impressionado positivamente com o fato de que a instalação da casa se mostrara muito grande. De fato, como sugerira o cartaz do evento, se tratou de uma ambientação em torno dos aficionados de motos, principalmente as antigas, com caráter "retrô" ou "vintage" como queira o leitor e além do mais, fora a grande quantidade de pessoas devidamente paramentadas a sinalizar o seu comprometimento com escuderias de moto-clubes & afins, impressionou-me também a quantidade grande de fãs da cultura cinquentista, homens e mulheres inclusive vestidos à moda dos anos cinquenta, a denotar ser um público cultuador de Rockabilly, sobretudo. Em suma, como diz uma letra de uma canção autoral do Caio Durazzo (e que inclusive nós tocamos nesse dia), "estou me sentindo em 1957".

Um casal com nítida predileção cinquentista acentuada, dança embalado pelos nossos Rocks clássicos direto dessa década primordial da história do estilo musical que defendemos. "Caio Durazzo Trio" durante o evento "Retro Wheel's/Carburator Day". 2 de abril de 2023. Click, acervo e cortesia: Kadu Castro

E sob um forte calor, tocamos aquela seleção proposta pelo Caio Durazzo e de fato, devo confessar que me diverti muito ao interpretar um repertório tão raiz do Rock, algo inclusive inédito na minha carreira, pois eu já havia tocado clássicos cinquentistas muitas vezes em diversos momentos anteriores e com bandas e circunstâncias diferentes, mas jamais havia participado de uma apresentação temática desse porte a tocar exclusivamente um repertório tão centrado nessa década em específico.

A banda em ação. "Caio Durazzo Trio" durante o evento "Retro Wheel's/Carburator Day". 2 de abril de 2023. Click, acervo e cortesia: Kadu Castro 

Outro ponto interessante dessa experiência, deu-se ao se constatar que nem só de clássicos genuinamente oriundos de astros cinquentistas nós tocamos, pois eu notei que algumas canções eram de artistas mais "modernos", dos anos oitenta em diante e que tinham ou tem essa característica como mote de suas respectivas obras, o que foi interessante.

A receptividade do bom público presente foi ótima, muito além do que eu esperava, aliás, no sentido de que eu dimensionei inicialmente que as pessoas ali presentes estariam mais interessadas em motos do que prestar atenção em uma banda e nesse sentido a se considerar o fato de que tenderiam a tratar a banda como uma atração de "lounge" e não como o centro das atenções da festa. Claro que muita gente agiu dessa forma e de fato, o ambiente era enorme e induzia as pessoas à dispersão. No entanto, fiquei surpreso com a quantidade de pessoas que se aglomerou para nos assistir a tocar de perto e que não se furtou de prestar atenção, se divertir, dançar e aplaudir a apresentação.

A banda em ação. "Caio Durazzo Trio" durante o evento "Retro Wheel's/Carburator Day". 2 de abril de 2023. Click, acervo e cortesia: Kadu Castro

O calor se mostrou muito forte. Da primeira para a segunda entrada, eu me senti cansado e desidratado, apesar de ter bebido bastante água. Não que tal fato tenha me surpreendido, pois eu sei que a idade já estava a pesar nos meus ombros nessa altura da carreira e vida, e isso fora uma constatação paulatina e não súbita a grosso modo. 

Todavia, tirante o efeito do calor e o fato de estar com uma agenda mais fraca em relação aos anos anteriores e com isso sem o devido traquejo natural para suportar a regularidade de apresentações constantes, eu sabia que o efeito da idade a avançar chegara como uma nova realidade para a minha carreira e dessa forma, eu precisava aprender a dosar a energia do palco, para não ficar sem forças em cima de qualquer palco. 

Bem, sentei-me no intervalo em um local mais arejado, bebi mais água ainda e na segunda entrada, me movimentei com maior precaução, a driblar o instinto juvenil de vibrar naturalmente com o Rock, mas a preservar o sexagenário que eu já era nessa ocasião, a caminhar rápido para a idade septuagenária naquele instante.

Mais um flagrante do espetáculo. "Caio Durazzo Trio" durante o evento "Retro Wheel's/Carburator Day". 2 de abril de 2023. Click, acervo e cortesia: Kadu Castro

Tudo foi perfeito nessa apresentação, inclusive no tocante ao equipamento que usamos, bastante comedido em termos de potência sonora na teoria, mas que na prática, supriu de uma forma muito surpreendente e agradável a demanda. Tocamos confortavelmente e sem forçar o equipamento, apesar do ambiente ser enorme e a dispersão do som, ter sido inevitável.     

Só houve uma ocorrência desastrosa e que se revelou como um acidente. Ainda na primeira entrada e empolgado com tantos Rocks vibrantes e com reposta ótima do público, eis que eu fiz um movimento de "mise-en-scène" cuja resolução foi com o braço do instrumento apontado para baixo e por azar, uma mulher que estava bem perto do palco foi atingida no seu rosto pelo "headstock" do meu baixo. Bem, não foi por minha culpa, claro que eu não a atingi de propósito, e nem dela em tese, embora neste momento ela tenha sido um pouco imprudente ao colocar o seu copo de cerveja sobre o palco e estar ali naquele momento a apanhá-lo para beber. 

Assim que o choque ocorreu, eu vi que ela sentiu o impacto e se contrariou bastante, logicamente. Ainda a tocar, fiz contato visual com ela para lhe pedir desculpas e perguntar se havia se machucado com maior seriedade, mas ele evitou fitar-me, talvez constrangida ou com raiva da situação em si, acredito. Ninguém mais percebeu o acidente e logo a avistei a se divertir novamente, inclusive a dançar na frente do palco, portanto, deduzi que não se ferira com gravidade e que já esquecera do ocorrido.

Da esquerda para a direita: Caio Durazzo, Rick Vecchione e eu (Luiz Domingues). "Caio Durazzo Trio" durante o evento "Retro Wheel's/Carburator Day". 2 de abril de 2023. Click (selfie), acervo e cortesia: Caio Durazzo

Encerrada a apresentação, eu estava bem cansado, contudo, menos debilitado do que ao término da primeira parte da apresentação, ou seja, acho que entendi o recado da natureza e ao economizar o dispêndio da energia, me preservei melhor. Ficou o recado do meu próprio corpo para estabelecer a postura a ser usada doravante, certamente.

Sobre o convívio e atuação com Caio e Rick, foi algo magnífico. Além de me ajudarem o tempo todo com sinalizações sobre o arranjo das músicas, foi um prazer enorme tocar com ambos. Eu já havia tocado com o Caio por sete ou oito vezes a bordo do grupo "Uncle & Friends", a defender o trabalho do nosso amigo em comum, Lincoln Baraccat, e em uma dessas ocasiões inclusive, com o Rick Vecchione na bateria. Portanto não foi uma novidade atuar com ambos, mas desta feita foi uma apresentação bem mais longa e recheada por clássicos cinquentistas, inclusive com algumas peças autorais do "Caio Durazzo Trio" que são centradas tematicamente nessa cultura da década de cinquenta. 

Foto da banda antes do show. Na ordem, da esquerda para a direita: Caio Durazzo, Rick Vecchione e eu (Luiz Domingues). "Caio Durazzo Trio" durante o evento "Retro Wheel's/Carburator Day". 2 de abril de 2023. Click (selfie) e acervo: Luiz Domingues 

E assim foi essa minha boa experiência de tocar por mais de duas horas um repertório mergulhado na produção cinquentista e como diz uma das letras das músicas do Caio Durazzo Trio, algo como: "estar vendo as meninas dançar para fazer a suas saias rodadas levantarem, os rapazes a balançar os longos topetes no afã de se parecerem com o Elvis Presley e os Cadillacs imensos e reluzentes a passar pelas ruas, como se estivéssemos em uma noite de sábado de 1957"...