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terça-feira, 2 de junho de 2015

A Chave do Sol - Capítulo 13 - Segundo Semestre de 1986: O Auge da Euforia - Por Luiz Domingues

Entramos enfim no segundo semestre de 1986, com o pé no acelerador, em pleno embalo ganho pelos acontecimentos positivos e somados, principalmente nos últimos três meses. 

O próximo compromisso ocorreu em um espaço novo na cidade, que aparecera para cobrir a lacuna deixada pela extinção do Teatro Lira Paulistana em São Paulo. Tratava-se de um teatro muito bem localizado, muito próximo a uma estação de metrô (Estação Paraíso), portanto com toda a possibilidade para vir a se tornar um grande ponto de shows na cidade e de fato, foi o que aconteceu. Chamava-se: "Teatro Mambembe", localizado na Rua do Paraíso, bem na divisa entre os bairros da Aclimação e Paraíso, na zona sul da capital paulista.

Logo que abriu as suas portas para o Rock, em tal teatro os projetos multiplicaram-se em suas dependências e ali os shows ocorreram geralmente às segundas e terças, nas brechas das peças de teatro, que ali encenavam-se. E nesse contexto, é claro que A Chave do Sol também foi convidada a apresentar-se e a data de 28 de julho de 1986, surgiu para nós.

Estávamos sob intensa atividade e o leitor atento há de recordar-se que são muitos parágrafos a falar sobre esse período entre março e julho de 1986, como um dos mais intensos para a história da banda, quando muitos fatores positivos aconteceram e de forma simultânea.

Neste caso, tratou-se de um projeto do produtor de shows, Antonio Celso Barbieri, denominado: "São Power", e que teria a companhia do "Excalibur", cujos membros eram nossos amigos e aliás, tal banda já havia dividido o palco conosco em ocasiões anteriores. 

Nesse show nós tentamos uma experiência ousada, ao fecharmos um set list inteiramente montado com músicas novas! Foi uma insanidade, mas a surpresa maior veio com a reação do público, ao absorver completamente a ideia de uma maneira efusiva. Tempo bom em que um teatro lotava para um show de Rock autoral e a nossa banda sentia-se segura para realizar um espetáculo inteiramente montado com músicas inéditas, sem medo de desagradar o seu público, e este, sedento pelas músicas consagradas, portanto, muito familiares aos seus ouvidos, mas também com vontade de ouvir o material novo.

Bem, o que dizer de um show realizado em num dia útil, longe do final de semana, e que mesmo assim teve a proeza de arregimentar quinhentos e cinquenta pagantes em sua bilheteria? 
 
E isso por que a capacidade oficial do teatro marcava o número de trezentas e cinquenta pessoas aproximadamente, mas pasmem, haviam pessoas pelos corredores e nós mesmos voltaríamos a este mesmo espaço e quebraríamos o recorde novamente, em um futuro não muito distante, fato esse que relatarei, logo mais.  
Eis a foto desse show, com a presença do produtor musical, Antonio Celso Barbieri (primeiro a direita), e a banda ao seu redor (o roadie, Edgard Puccinelli está entre nós, também), em momento de euforia no camarim, ao comemorarmos a bilheteria robusta que conseguimos arrecadar, mediante um saco de batatas, literalmente, repleto com notas de "cruzados", o papel moeda vigente no Brasil, nessa época
 

Foi um excelente show, ao coroar a ótima fase pela qual a banda encontrava-se. Estávamos afiados, com um novo som que agradava ao público e o telefone não parava de tocar com novas oportunidades.  

É sobre isso que falarei a seguir, com mais três oportunidades que apareceram nesse período: uma sob cunho empresarial, a outra relativa a uma grande oportunidade para aparecermos em um programa de TV (este, inclusive, mega popular na época), e a terceira, a tratar-se de uma reportagem com direito ao espaço de uma página inteira em uma nova revista que estava a entrar no mercado, com contundência, por ter a chancela de um grupo editorial fortíssimo no jornalismo brasileiro. 

Falo agora sobre o primeiro item que eu citei no parágrafo anterior e que tratou-se de uma sondagem que recebemos de um escritório, a investigar se tínhamos algum empresário, manager, agente, ou qualquer representante que cuidasse de nossa vida empresarial. 
 
Ora, desde 1982, que perseguíamos contar com uma oportunidade desse porte, hajam vistas as diversas tentativas que houveram sido realizadas com empresários de vários tipos. Nesses termos, havíamos colecionado uma gama de experiências nesse sentido, ao depararmo-nos com uma série de tipos variados: de empresário simplório a escritório de médio porte, a passarmos por pilantras explícitos, aspirantes a empresários com boa índole, porém inocentes e bem intencionados, incautos histriônicos e sem noção, e profissionais bons que queríamos, mas a recíproca não foi verdadeira (Jerome Vonk que nunca interessou-se e Antonio Celso Barbieri, que não desejava trabalhar com exclusividade com nenhum artista, por exemplo), enfim, a lista com tentativas que tivemos para acharmos alguém que pudesse impulsionar a nossa carreira, foi grande, do início das atividades da banda até essa metade de 1986 e tudo devidamente mencionado nessa narrativa, ao longo dos capítulos anteriores. 
 
Desta vez, porém, esse telefonema pareceu-nos um alento, pois a primeira impressão que tivemos, foi que eles possuíam, de fato, uma determinada estrutura, pois alegavam ter tal aparato, com um estúdio de gravação próprio, assessoria de imprensa e contatos fortes na indústria fonográfica e mídia.
Claro, tirante ser uma possível bravata da parte deles, no afã de exercer autovalorização, só o fato de alegarem ter um estúdio próprio de gravação, já chamou-nos a atenção, pois nos anos 1980, a regra do mercado era a de só haver estúdios comerciais e inatingíveis a grosso modo, pelo seu padrão de cobrança, extremamente caro.
 
Em uma época muito diferente da atual (2015), onde nos dias presentes, artistas gravam discos em quartos de apartamento, a usarem softwares, naquela época para gravar-se, somente a entrar em estúdio profissional e os preços cobrados mostravam-se altos ao extremo. Portanto, a simples menção de que possuíam tal recurso, soou extraordinária para nós, pois possuir um estúdio particular representava um luxo para a época, e claro que consideramos sim, a hipótese de ouvirmos a proposta desse escritório, pessoalmente. 
 
A alegação deles para abordar-nos, foi a de que possuíam um elenco com artistas atuantes em gêneros e nichos de mercado distintos em seu elenco e que naquele instante haviam decidido adentrar ao mundo do Rock, também, e para tanto, procuravam por uma banda de Rock emergente, pela qual exerceriam a sua força de trabalho e contatos para catapultá-la ao sucesso mainstream. 
 
Dessa maneira eles nos disseram terem realizado "uma ampla pesquisa de mercado", e que haviam chegado à conclusão de que "A Chave do Sol" seria a banda emergente com o melhor potencial para contratar-se no mercado, naquele instante. Não obstante o fato de ser algo falado a esmo, e sem explicar que tipo de pesquisa foi essa, o fato é que a nossa percepção pessoal foi de que estávamos de fato a popularizar-nos, mediante a constatação de que estávamos nas páginas dos jornais, revistas, programas de TV, rádio e muitos shows agendados, conforme eu já narrei nos capítulos imediatamente anteriores, portanto, por que não acreditar que alguém houvera realmente enxergado esse nosso potencial latente, até que enfim? 
Por outro lado, todo esse discurso foi fascinante, mas apesar de sermos jovens nessa época, não éramos mais adolescentes e a própria banda já detinha uma quilometragem percorrida o suficiente para não engolir uma argumentação tão adocicada assim. 
Por exemplo, por que não foram atrás de alguma banda sob um patamar mediano, portanto acima do nosso? Estariam as melhores opções do mercado, perdidas para outros empresários concorrentes? Possivelmente, sim, é claro, mas neste caso, ao considerar-se que procuravam por artistas emergentes, ao estilo de verdadeiros "caçadores de talentos", não teria sido muito mais objetivo prospectar tais promessas em casas noturnas como o "Madame Satã", onde achariam fatalmente bandas coadunadas com a estética Pós-Punk em plena moda, por exemplo? 
Por tratar-se do mundo empresarial, que investidor procuraria oportunidades no segundo ou terceiro escalão do negócio? Se queriam ganhar dinheiro naquele ambiente oitentista, a opção mais confiável seria buscar artistas que rezassem por tal cartilha que ditava as normas da época, e jamais cabeludos anacrônicos, a produzirem um som Hard-Rock, ainda que a roupagem fosse oitentista, e a contragosto para nós, naquele momento. 
Isso, por si só, já mostrou-se como uma dúvida atroz, mas realmente não custou-nos ouvir a proposta e na base da velha máxima de que não teríamos nada a perder se realizássemos uma reunião com uma abordagem inicial, sem compromisso e assim colocamo-nos à disposição para um contato preliminar. 
Somente nessa primeira reunião, já seria gerada uma história e tanto, e ao antecipar-me, digo que esse tal escritório produziu no cômputo geral, um turbilhão de histórias, posteriormente.
E nesse ínterim o telefone tocava e através de uma nova abordagem empresarial, recebemos um convite espontâneo da parte da TV Record de São Paulo, para participarmos de um programa de sua grade. Tratava-se de um programa que tentava despertar a atenção de um nicho jovem de telespectadores que acompanhavam a movimentação em torno do Rock & Pop oitentista, mas que mostrava-se híbrido, não preocupado em ser seletivo, e daí ter um ranço muito forte, a apelar para o popularesco. 
Independente disso, é claro que recebemos o telefonema com alegria, pois o programa tinha uma audiência significativa, e se não era o "Mixto Quente", da Rede Globo, aí sim uma atração televisiva que almejávamos, valeria a pena participar, mesmo assim. 
O tal Mixto Quente era da Rede Globo, e sonho de consumo para aspirantes ao mainstream, como nós, por que ostentava uma estrutura para show ao vivo. Filmado no palco especialmente montado em uma praia do Rio de Janeiro, proporcionava ao artista, condições para que pudesse apresentar-se com a melhor qualidade possível, ou seja, a tocar ao vivo, com estrutura de áudio, digna. Lógico, a mixagem para a TV sempre deixava a desejar, mas pelo menos a performance verdadeira da banda, estaria assegurada sob o palco. 
No entanto, o Mixto Quente, foi uma carta marcada pelas gravadoras, empresários e pela Rede Globo, portanto, era praticamente inatingível para nós que habitávamos o underground, apesar da fase sob ascensão em que encontrávamo-nos, naquele instante de 1986.
Portanto, sonho a parte, o que tivemos de concreto, foi mesmo o "Frente Jovem", da TV Record de São Paulo.
Para falar diretamente do "Frente Jovem", precisamos considerar que a Rede Record ainda pertencia à família Machado de Carvalho e apesar de estar decadente há anos, mantinha um charme recôndito, em torno de suas tradições musicais de outrora, talvez pouco perceptível a olho nu, devido aos seus escombros decadentes, mas estava lá ainda impregnada tal vocação boa que essa emissora sempre teve com a música.
O tal "Frente Jovem", se tratou de um programa de vídeo-clips como muitos que existiam na mesma época, espalhados pelas emissoras abertas. É importante lembrar ao leitor mais jovem, que não havia ainda o serviço de TV a cabo no Brasil naquela época, e a internet era restrita às corporações, praticamente, com pouquíssimos usuários comuns, além de que não existiam redes sociais, certamente (e nessa época, ninguém nem sonhava com isso). 
Nesse cenário, tais programas com clips cumpriam a sua função como difusores de música, dos artistas etc. 
 
O convite que recebêramos, fora para participarmos de uma edição especial do programa, que teria uma atração principal internacional, a tratar-se de uma autêntica bomba de ruindade musical, porém, inacreditavelmente, tal grupo havia alcançado fama no Brasil (e em toda a América Latina), de uma forma retumbante, praticamente viral. 
 
A produção da TV Record queria contar com algumas bandas nacionais emergentes para fazer parte do programa, como "abertura", e os tais "astros" hispânicos seriam a grande atração principal, naturalmente. Evidente que aceitamos, pois constitui-se em mais uma prova cabal de que estávamos a despertar a atenção do mundo midiático mainstream. 
O convite surgira de forma absolutamente espontânea (o tal "telefone que tocava"), ou seja, esse foi um ponto significativo a ser considerado. 
 
A outra constatação foi a de que podiam e deviam na verdade, terem chamado uma série de bandas que já habitavam o mainstream, e que portanto, estavam coadunadas com a estética em voga. Ao questionar objetivamente, não teria sido mais óbvio convidar bandas como "Metrô", "Rádio Táxi", "Capital Inicial" e outras tantas, coadunadas com essa estética e status? 
 
Portanto, ao convidarem-nos, ficou-nos explícita a certeza de que "A Chave do Sol" estava a ser enxergada pela mídia mainstream como uma banda emergente, apesar de estar ainda a remar em um barco humilde, em meio ao mar revolto, que representava o Show Business e com a estética do Pós-Punk e o seus tentáculos, a comandar o farol. 
Aliás, tal percepção era martelada insistentemente pelo jornalista, Antonio Carlos Monteiro, pois sempre que este resenhava um show ou um disco que lançávamos, deixava explicitamente anotado o seu inconformismo com o fato de que a nossa banda ainda não havia assinado com uma grande gravadora major. 
 
Bem, feitas essas considerações, resta-me revelar o nome da banda mega popularesca e portanto na crista da onda no Brasil, mesmo vindo de um mundo completamente alheio à guerra de estéticas dentro do universo do Rock oitentista. Tratava-se de uma banda do mundo popularesco, nada a ver com o Rock, mas invariavelmente confundida como uma banda de Rock, por parte dos incautos de plantão: Menudo!
Sim, apresentar-nos-íamos em um programa de TV, gravado ao vivo no Palácio das Convenções do Anhembi, de São Paulo, a ter o indefectível "Menudo", como atração principal, perante um público esperado com três mil garotas ensandecidas para verem os seus ídolos chicanos. 
 
Convido o leitor a apertar o cinto na sua poltrona, que daqui a alguns parágrafos, eu revelarei detalhes pitorescos sobre essa aventura pela qual passamos.
Uma outra novidade que surgiu na mesma época, foi a de outra reportagem a ser publicada em uma revista de peso que estava para ser lançada no mercado. 
 
Fomos abordados pelo jornalista, Leopoldo Rey, que era colunista da Revista Som Três (coluna "Dr. Rock" e que também era locutor de um programa na emissora, 97 FM, chamado: "Reynação"), e este convidou-nos a conceder-lhe uma entrevista exclusiva para uma nova revista que estava a articular o seu lançamento, e aliás, pertencente a outro grupo editorial, no caso, a Abril Cultural.
Tratou-se da versão "pesada" da Revista "Bizz", que entraria em breve no mercado, sob o nome de: "Bizz Heavy". A ideia seria no sentido de concorrer com a revista "Metal", publicação do mesmo grupo editorial responsável pela revista "Roll", do Rio de Janeiro, e este, por sua vez, um permissionário da editora "Pelo", da Argentina. 
 
A revista "Bizz", mantinha uma linha editorial parecida com a "Roll", mas por conta de algum desvio de conduta que nem cabe analisar com profundidade nesta narrativa (mas que poderei enfocar posteriormente em uma matéria em meus Blogs 1 e 2, tranquilamente, pois cabe reflexão), tornara-se praticamente um comitê de ações em prol da estética do Pós-Punk.
          O jornalista, Leopoldo Rey, em foto bem mais atual

Contudo, naturalmente a contragosto, a sua cúpula editorial deve ter sentido que precisavam marcar presença no nicho do Rock pesado, e assim abocanhar a fatia que a revista da editora concorrente ("Metal"), estava a roubar-lhes. 
 
Dessa forma, lógico que aceitamos conceder a entrevista, mas a pauta já estava fechada para a edição da estreia, e assim, o Leopoldo informou-nos que entraríamos na segunda edição. Tudo bem, é claro, sem problemas e nós tínhamos uma relação boa de amizade e confiança com o Leopoldo, por conta de sua atuação na Revista Som Três, onde ele sempre deu-nos força, vide as várias vezes em que falou sobre o nosso trabalho, em sua coluna, denominada, "Dr Rock", até então, mas sobretudo, pelo peso que ele deve ter exercido na decisão daquela editora, em lançar um poster, em que fizemos parte e história essa já relatada em capítulo anterior.
 
Com isso, ficamos prontificados para marcar enfim, a entrevista, mas um fato em paralelo surgiu (e que na verdade, já estou a relatar, paulatinamente, mas a seguir vou deter-me em sua narrativa com maior profundidade), e assim, tal entrevista demorou um pouco para ser agendada, e quando foi realizada enfim, ocorreria sob uma circunstância diferente, onde colocamo-nos e como consequência, desencadeou desdobramentos. 

Como eu comecei a narrar há alguns parágrafos atrás, havíamos sido abordados por um grupo de empresários, interessados em contratar uma banda de Rock, para fazer parte de seu elenco. Na primeira conversação, eles alegaram terem chegado até nós, motivados pelo resultado auferido em uma suposta pesquisa de mercado que realizaram e pela qual convenceram-se que nós éramos a "banda mais promissora a ser trabalhada", portanto, queriam a nossa contratação, imediata.
Que pesquisa? Quais critérios foram usados? Que outras bandas entraram em um comparativo conosco? O que realmente dimensionavam alcançar em uma eventual ascensão ao mercado mainstream?
Ao ir além, a nossa dúvida foi imensa em torno do real poder de trabalho da parte deles. Quais seriam de fato os seus reais contatos?
 
Boa parte da confiança prévia em tal proposta, foi adquirida, enfim, quando informaram-nos o nome de um dos donos desse escritório, e que aliás era o responsável pela sua estrutura física, tão enaltecida e responsável pela sua própria marca, atrelada diretamente ao seu nome pessoal: Miguel Vaccaro Netto. 
Radialista bem famoso nas décadas de sessenta e setenta, Miguel possuía um histórico de contribuição à radiodifusão da música Pop em geral, incluso o Rock, propriamente dito, através de seu programa em que promovia não só a execução das canções, mas também a realizar entrevistas com artistas emergentes e a promover algumas brincadeiras com ouvintes e os próprios artistas convidados, como por exemplo, o jogo de palavras que ele popularizou, chamado: "Não Diga, Não", onde mediante um cronômetro, o participante era convidado a conversar com ele, Miguel, em um tipo de diálogo sob improviso, proposto pelo radialista, e baseado na regra proposta que era não pronunciar sob hipótese alguma, as palavras: "Não" e "Não é". 
 
Ganhava um brinde quem conseguisse cumprir tal tarefa em um espaço de noventa segundos ou o participante que conseguisse a melhor marca no cronômetro, pois dificilmente um participante conseguia chegar ao final da prova, sem ser traído pelo maneirismo de se incluir negativas em tudo o que falamos, coloquial e normalmente no cotidiano.
De fato, Miguel Vaccaro Netto levou muita gente boa ao seu programa, por anos a fio e muitos artistas então desconhecidos, que posteriormente ficaram mega famosos, caso dos "Mutantes", por exemplo. 
 
Já na década de setenta, Miguel foi para a TV, onde comandou programas musicais e tornou-se executivo da gravadora RGE, um braço da "Som Livre" (da Rede Globo), e lá criou um selo chamado "Young", onde lançou muitos artistas mais próximos do mundo Pop radiofônico, incluso aquela safra de artistas brasileiros que usavam pseudônimos americanizados, e que cantavam Pop Music em inglês, caso de Fábio Júnior, por exemplo, que era conhecido como "Marc Davis", nessa ocasião. 
 
Além disso tudo, ele criou uma empresa para vender discos barateados, em uma espécie de sistema de clube, nos moldes do "Clube do Livro", com esquema de vendas semelhante ao de empresas de cosméticos, ou seja, em um tipo de abordagem de porta em porta, com as vendas sob encomenda, mediante pedidos feitos através da consulta de um catálogo, como procedia a famosa empresa, "Avon", por exemplo. 
 
Quando falou-se que o nome "Studio V" fora por conta de um dos programas que ele teve no mundo radiofônico, ficamos bem animados, pois ele fora, sem dúvida, um comunicador e empresário de sucesso, portanto, tinha bastante credibilidade no mundo midiático, fonográfico e musical, de uma maneira abrangente.
Sendo assim, o "V" foi de Vaccaro, e não o número "5" (cinco), em algarismo romano, como muitas pessoas interpretaram, erroneamente, mas dá-se o desconto de que não seria possível discernir a diferença, sem tal explicação por parte do escritório, convenhamos. 
 
Porém, até descobrirmos que o Miguel era o maioral da organização, demorou um pouco, por conta dos contatos iniciais terem sido realizados sob um véu de mistério, através de outras pessoas, no caso, por intermédio de um casal que apresentou-se como os empresários responsáveis pelo escritório, contudo, só mais tarde soubemos que de fato, essa dupla na verdade era associada de Miguel. E na prática, toda a estrutura física do escritório a conter o tal enaltecido estúdio de gravação, na realidade, pertencia mesmo somente ao Miguel. 
 
Antes de avançar no relato, deixo o Link de uma sintética biografia, que achei sobre o Miguel, no site do jornalista esportivo, Milton Neves:

http://siteold.terceiro tempo.com.br/quefimlevou/qfl/sobre/miguel-vaccaro-netto-3363.html
Feitos os contatos, claro que aceitamos avançar na negociação e uma reunião foi marcada para um dia de agosto de 1986. O "momentum" pelo qual passávamos mostrara-se excepcional, e tudo o que precisávamos naquele instante, foi de fato, arrumarmos um empresário, manager, agente, escritório ou coisa que o valha, para aproveitá-lo com a adequada estrutura que pudesse representar uma alavanca ao nosso favor, rumo ao mainstream.
Tal sentimento representara uma verdadeira obsessão de nossa parte, desde que fomos pela primeira vez nos apresentarmos no programa, "A Fábrica do Som", e demos assim o nosso primeiro passo contundente para sair da condição de uma banda completamente desconhecida no mundo do show business, mas que após várias tentativas insípidas para se lidar com pessoas despreparadas ou com intenções escusas, não havíamos logrado êxito, até então. 
 
Portanto, tirante o "Raio-X", um escritório com o qual tivéramos uma ineficaz associação em 1985, essa oportunidade surgida em torno do "Studio V", pareceu-nos na ocasião, a nossa melhor oportunidade até então. 
 
Ao excetuar-se o produtor Antonio Celso Barbieri, que era um produtor muito eficiente, mas colocava-se no mercado como um "free-lancer" e não disposto, portanto a ser um agente particular de um artista apenas, todas as outras experiências que tivéramos até então, houveram sido traumáticas ou na melhor das hipóteses, insípidas. 
 
A pompa e circunstância com a qual estavam a anunciarem os seus dotes, não impressionava-nos a grosso modo, por que já não éramos novos e ingênuos, contudo, pareceu-nos ser uma perspectiva muito promissora e animou-nos a ideia de que por trás de tudo, havia um profissional experiente no mercado fonográfico e midiático, sobretudo no mundo radiofônico, como o Miguel Vaccaro Netto.
Da parte do casal que abordara-nos, as informações preliminares, antes da reunião, das quais tínhamos sobre a atuação deles foram:
 

1) Haviam feito uma "pesquisa" para contratar uma banda de Rock promissora, para trabalhar.
 

2) Possuíam outros artistas contratados, mas oriundos de outros segmentos da música.
 

3) Ostentavam um estúdio próprio, com 16 canais, para ensaiarmos e gravarmos demos-tapes.

Portanto, só por falar-nos da existência de um estúdio próprio, claro que ficamos entusiasmados e a informação posterior de que a marca, "Studio V", representava uma alusão ao "V" de "Vaccaro" e também uma menção ao seu antigo programa radiofônico, só reforçou a credibilidade, ao ponto de estimular-nos a aceitar uma reunião.

Marcamos, portanto, essa reunião para um dia de agosto de 1986, do qual não recordo-me exatamente em que data aconteceu, mas um fato alheio a tal assunto, ocorreu-me, bem nesse dia marcado para a reunião. E isso gerou-me uma situação dramática, pessoalmente e sobre a qual eu comentarei logo mais nesta narrativa. 
 
Estávamos muito animados com a perspectiva de conhecermos os tais empresários e as suas propostas, mas sobretudo, para verificarmos a infraestrutura alardeada em contatos telefônicos, prévios. 
Naquela época, sem a pré-Internet popularizada, como a vivemos hoje em dia, gravar uma demo-tape já era difícil, imagine um disco oficial, pois para se fazer algo no padrão de áudio profissional, só em estúdios caros, muitas vezes com preços proibitivos.
 
Portanto, para a nossa percepção na época, o fato desse escritório ter alegado possuir um estúdio próprio de gravação, denotou que continha poder de fogo, fora a credibilidade do Miguel Vaccaro Netto, como eu já deixei claro, anteriormente.
Marcada data e horário, programamo-nos para chegarmos pontualmente às 17 horas, no escritório/estúdio, que ficava localizado na Avenida Eusébio Matoso, bem próximo do Shopping Eldorado, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Beto e Zé Luiz combinaram de chegar lá, diretamente, e eu, por não possuir automóvel na ocasião (e nem sabia dirigir, nessa época), combinei com o Rubens, para irmos juntos.
Não tenho vergonha de dizer que apesar de todo o "momentum" promissor que a banda atravessava, a minha condição financeira pessoal à época, era de uma simplicidade "franciscana". 
 
O tempo de bonança que eu experimentara em 1984, quando estive a trabalhar simultaneamente com o Língua de Trapo, havia passado e assim, as minhas reservas estavam a esvaírem-se. 
 
Tivemos bons cachês com A Chave do Sol, mas não sob o volume no patamar de um artista mainstream, que permitisse-nos garantirmos uma segurança financeira avantajada, semelhante à das "duplas sertanejas" dos dias atuais. Dessa forma, eu usava normalmente o transporte público com tranquilidade, mas muitas vezes passei por situações desagradáveis por conta disso, infelizmente. 
De volta ao foco da narrativa, o que aconteceu naquela madrugada que antecedeu o importante compromisso que teríamos, foi que os motoristas & cobradores de ônibus de São Paulo, deflagraram uma greve. 
 
E como não existia acesso à Internet, eu só soube do anúncio na hora do almoço, quando liguei a TV, enquanto arrumava-me para sair e tomei conhecimento da situação ao assistir o noticiário. 
 
Sem telefone, não tive meios de ligar imediatamente para tentar articular um plano de emergência com o Rubens, e assim, eu decidi antecipar a minha saída de casa, visto que o Metrô estava a funcionar normalmente. A minha ideia fora ligar para ele, através de um telefone público, já a caminho, e solicitar-lhe que buscasse-me na estação Santa Cruz do metrô, onde eu descia de forma habitual, e seguia o trajeto para a sua residência, mediante o uso do trólebus que cumpria a linha "Estação Santa Cruz - Lapa" ("trólebus", para quem não conhece a cidade de São Paulo, são ônibus elétricos, uma tradição na cidade, desde 1949)
Eis na foto acima, a presença de um típico trólebus paulistano

Apesar de sobrecarregado pela greve dos ônibus, o trajeto do metrô foi tranquilo. Cheguei no tempo normal em que estava acostumado a gastar entre as estações Tatuapé, onde eu embarcava e Santa Cruz, o meu destino rotineiro. Geralmente eu gastava entre trinta e trinta e cinco minutos, aproximadamente somente a contar o percurso do metrô e a pequena caminhada da minha residência até a estação.
Já no percurso a pé, que eu fiz da minha residência, até a estação Tatuapé (e tratavam-se de apenas quatro quarteirões), liguei para a residência do Rubens, mas não pude falar com ele, ao deixar apenas, um recado com uma das empregadas domésticas que trabalhavam para a família Gióia, chamada, Maria. 
 
Por não lograr êxito, decidi não perder tempo e assim embarquei no Metrô, com a ideia de tentar um novo contato na estação Santa Cruz, assim que eu desembarcasse ali. Uma vez já naquela estação localizada na Vila Clementino, na zona sul de São Paulo, procurei outro telefone público e refiz o contato. Novamente a Maria atendeu-me e não houvera mudado em nada o panorama antes anunciado.
 
Comecei a ficar nervoso, pois ainda que tivesse antecipado a minha partida, o tempo urgia e se não houvesse uma carona do metrô Santa Cruz, até Pinheiros, o atraso ficaria enorme, e o que atormentara-me enquanto receio, foi o óbvio, isto é: o receio em causar uma péssima impressão, como uma prova de amadorismo, e logo na primeira reunião!
 
Sem outra alternativa, pois eu não tinha dinheiro para bancar um táxi, pus-me a caminhar e de tempo em tempo, tentei novos contatos telefônicos, para tentar a carona providencial.
O percurso entre a estação Santa Cruz e a residência da família Gióia, na ocasião, localizada no Itaim-Bibi, bairro nobre da zona sul de São Paulo, não era um absurdo, a se constituir em algo impossível para ser realizado a pé. 
 
Quem conhece-me pessoalmente, sabe bem que sou um andarilho em potencial, portanto, caminhar é um prazer na minha percepção. O grande problema, foi o tempo. Não incomodar-me-ia de forma alguma em caminhar, se não houvesse a urgência para chegar à residência do Rubens. 
 
Além desse temor, por causar uma má impressão aos empresários, logo no primeiro contato pessoal. Então, sem outra alternativa, pus-me a caminhar, com pequenas pausas estratégicas para tentar ligar para o Rubens, mas seguidamente, fui informado pela Maria, que nada mudara. O percurso a pé, que dava para fazer em uma hora de caminhada, aproximadamente, sob um ritmo de passeio tranquilo, teve que ser acelerado e claro que além de cansar-me mais, colocar-me-ia, inevitavelmente na situação desconfortável de chegar suado e com a minha vestimenta amarrotada, portanto, também inadequado para participar de uma reunião e pior ainda, por ela representar na prática a primeira impressão mútua entre artistas e empresários.
Com a aceleração da caminhada, abreviei o tempo de percurso para quarenta minutos, aproximadamente e quando cheguei à residência dos Gióia, tive a notícia triste de que nada mudara no panorama que desenvolvera-se ao longo da tarde inteira e aí, os meus piores temores sobre a reunião, somados aos esforços que eu havia feito para estar ali a tempo, chocaram-se a gerar uma explosão emocional, e sendo assim, fiquei desolado por alguns segundos. 
 
Sem uma melhor alternativa imediata, resolvi prosseguir na minha caminhada, quando em um percurso sob distância igual à que eu empreendera anteriormente, nesses termos, teria a perspectiva de chegar ao escritório dos empresários, em quarenta, talvez quarenta e cinco minutos, portanto, foi quando coloquei-me em marcha, mas o Rubens chegou, repentinamente e assim, finalmente mediante o uso de um automóvel, partimos juntos.
 
Chegamos ligeiramente ao nosso destino, mas não sob o âmbito vergonhoso do atraso imperdoável ao qual tanto receei cometer naquela tarde inteira. Assim que adentramos o recinto, vimos que Beto e Zé Luiz estavam ainda sentados na recepção, a aguardarem a ordem da secretária para adentrar o gabinete da reunião. Ufa...
Mais tranquilo internamente, por estar ali, e a minimizar, portanto uma angústia pessoal que havia nutrido desde a hora do almoço, quando pelos motivos expostos nos parágrafos anteriores, temi por causar uma péssima impressão aos empresários que poderiam gerar uma grande mudança na minha vida, eis que eu tentei recompor-me ao máximo, a mudar o meu semblante, para poder enfim, entrar na sala de reuniões, com confiança. 
 
Fomos chamados enfim, e quem falou conosco, foi uma mulher que aparentava estar na faixa dos cinquenta anos de idade nessa ocasião, e chamada: Sonia. Estava acompanhada por seu marido, um rapaz mais novo, com aparência na faixa dos trinta anos e chamado: Antonio. Ambos apresentaram-se como empresários e sócios, e diziam-se produtores teatrais, com larga experiência no ramo, tanto com muitas produções de peças teatrais realizadas em seu currículo, quanto por agenciarem a carreira de atores.
Comunicativos e bem articulados, fizeram o discurso padrão que espera-se em uma primeira abordagem, a enaltecer as qualidades do "Studio V", e sobretudo, a alimentar a ideia de que estavam aptos para gerenciar a nossa carreira com tranquilidade, rumo ao universo mainstream, graças aos contatos que alegavam possuírem no mundo empresarial do Show Business e sobretudo no mundo fonográfico, além de muita abertura na mídia. 
 
Novamente, mencionaram a existência de uma misteriosa "pesquisa" que haviam realizado a fim de procurar um artista promissor, mas sem especificar nenhuma metodologia convincente sobre como a realizaram, se é que a fizeram, e mais que isso, como chegaram ao nosso nome com essa suposta convicção?
Encerrado o discurso de apresentação, fomos conduzidos a uma visitação para conhecer as dependências da organização e de fato, mais que o discurso de vendedor que fora proferido naquele gabinete de reuniões, foi então que impressionamo-nos verdadeiramente, pois pareceu-nos que eles estavam realmente estruturados para trabalhar, a julgar pelo que observamos. 
 
Claro, o grande trunfo da organização pela qual respondiam se tratava do estúdio particular que nos exibiram, e de fato, era novo em folha. Com boa estrutura acústica, técnica e a possuir equipamentos disponíveis, muito melhores que qualquer estúdio de médio porte que conhecíamos na ocasião e assim, realmente aparentara só perder em qualidade para os grandes estúdios sedimentados no mercado.
A perspectiva de se gravar a vontade, para produzirmos Demo-Tape, e quantas desejássemos, com material novo e a observar a qualidade no áudio o suficiente para levarmos tal material às gravadoras majors, mas sobretudo, pelo fator da calma para gravar, foi um fator que soou-nos como um luxo inatingível para nós que éramos apenas uma banda independente, e assim sem recursos monetários para investirmos como sonhávamos, portanto, tudo aquilo mostrou-se como algo alvissareiro.
 
Dessa forma, não afirmarei que foi o único fator que impressionou-nos nesse primeiro contato, mas certamente que foi o principal, pelo menos na primeira avaliação que tivemos. Porém, não existia somente o estúdio de gravação, onde aliás, já no primeiro dia conhecemos o seu técnico, funcionário exclusivo e disponível ali em tempo integral, a tratar-se de um rapaz chamado: Clóvis Roberto da Silva, com o qual faríamos amizade bem facilmente, em um futuro bem próximo.
Existiam outras dependências que impressionou-nos, igualmente. Por exemplo, uma imensa discoteca, onde estava alojado o acervo de LP's e compactos de vinil da coleção pessoal de Miguel Vaccaro Netto. Em uma saleta equipada com uma bela aparelhagem Hi-Fi com muita qualidade, haviam centenas de discos, e dessa forma, em ocasiões futuras, já na condição como contratados da empresa, pudemos usufruir dessa mordomia. 
 
Segundo a Sonia, o Miguel desejava que os seus artistas buscassem inspiração naquele gabinete de audição, e de fato, o acervo ali impressionava. 
 
Um outro gabinete amplo e muito bem decorado, em que fomos conduzidos para conhecer, segundo Sonia e Toninho (como ele mesmo apresentou-se e queria ser chamado, ao invés de Antonio), seria para que os artistas contratados pelo escritório, recebessem jornalistas, para conceder entrevistas. Nesta altura, passada a metade de 1986, já havíamos concedido inúmeras entrevistas para órgãos da imprensa dita escrita, além de termos feito muitas aparições na TV e entrevistas para emissoras de rádio, portanto, estávamos bastante familiarizados para lidar com a mídia, mesmo que não fôssemos ainda uma banda alojada no mainstream da música. 
 
Entretanto, a ideia de passar a recebermos jornalistas em um gabinete elegante e exclusivo para tal finalidade, pareceu-nos muito requintada, ao fazer com que imaginássemos estarmos a entrar em uma estrutura empresarial a assemelhar-se à "Apple", dos Beatles, onde a ideia foi agrupar todo o aparato gerencial da banda, em um escritório multifacetado e gerido por executivos coadunados com os ideais. 
 
Não seria esse o caso do "Studio V", é claro, mas mesmo assim, fizemos a comparação e claro que animamo-nos, ao ficarmos impressionados com a estrutura que apresentaram-nos 
Foto meramente ilustrativa, mas que retrata uma boa semelhança com a sala de reuniões que eu descrevi acima.

Havia ainda à disposição do escritório, um estacionamento exclusivo, com manobrista, serviço de cozinha, recepção, o gabinete de Sonia & Toninho, o estúdio, a discoteca, além de um grande gabinete master, ocupado pelo presidente da empresa, que não conhecemos pessoalmente nesse primeiro dia, mas em breve, isso ocorreria, e com uma certa pompa, eu diria. 
 
Aliás, a visita ao gabinete master foi envolta em uma certa aura de suspense, sob um mise-en-scène que Sonia e Toninho encenaram, talvez amparados pelo fato de que estavam acostumados a lidarem com o meio teatral, e tal glamour provavelmente fosse parte da estratégia para impressionar-nos, ou seja, é claro que essa foi a sua intenção. 
 
Outros pontos levantados nesse primeiro dia de reunião: eles diziam contar com outros artistas contratados e queriam uma banda de Rock, para entrar nesse nicho do mercado, também. Por exemplo, falavam sobre a existência de uma banda de Reggae e uma cantora de MPB. 
 
Haviam planos para contratar uma banda de bailes e muito provavelmente, um cantor ou cantora de Pop Music, mas a pender para o universo popular. Enfim, esse foi o nosso contato inicial com o "Studio V" e claro que ao sairmos dali, animamo-nos a aprofundar a negociação, pois tudo levara-nos a crer que eles tinham de fato, credenciais para suprirem exatamente o que mais necessitávamos naquele momento ótimo em que encontrávamos, isto é, o poder extra para aproveitarmos ao máximo as oportunidades que estavam a catapultar-nos, naturalmente e com essa tal força a mais para impulsionar-nos enfim, ao mainstream.
 
Então, ao pensar nesses fatores, é claro que consideramos que o "Studio V" representaria tal plataforma de impulso definitivo para tal ação que almejávamos. Mas não foi tão imediata assim a nossa associação ao escritório. Outras conversas e estudos de ambas as partes, ocorreram antes de assinarmos o contrato.

Simultaneamente a essa negociação, o telefone não parava de tocar e o nosso "momentum", fruto de quatro anos sob trabalho árduo, mostrou-se ótimo. Portanto, assinar com o escritório poderia ser o fator catalisador de nossa ascensão definitiva ao patamar mainstream, pois acreditávamos que o escritório saberia perfeitamente aproveitar as oportunidades que gerávamos espontaneamente, porém, o seu poder de fogo somar-se-ia a isso, para acelerar o processo. 
 
Isso animou-nos muito para aceitarmos a associação com o "Studio V". Mas por outro lado, as com os fatos a acontecerem diretamente em nossa vida, sem a ação de um empresário, o nosso gerencial não poderia ficar em suspensão até decidirmos fechar ou não com esses empresários, é claro. E sendo assim, a agenda prevista para nós, marcara vários shows e compromissos na mídia, ainda sem nenhuma interferência da parte deles, logicamente e assim, seguimos a cumprir os nossos apontamentos, naturalmente, independente sobre fecharmos ou não, com eles. 
O que não poderíamos imaginar, foi que esse seria o começo do fim da nossa banda, em um caso extraordinário de reversão completa da energia gerada, como se os polos tivessem sido brutalmente modificados, tal como uma inversão de spins.
 
Quem conhece física, sabe do que estou a dizer. Enfim, tenho muito a relatar sobre esse imbróglio, mas claro que na época, jamais poderíamos conceber tal desfecho terrível e diametralmente oposto aos sinais que tínhamos. Ou seja, nessa fase, fomos dominados pela pura euforia, por conta do "momentum" excelente em que vivíamos, sobretudo pela perspectiva de entrarmos em uma fase ainda melhor.
A sensação que tivemos, foi nítida por estarmos muito próximos de um voo alto. E o fato do "Studio V", ter procurado-nos e não o contrário, deu-nos a impressão inequívoca de que as portas abrir-se-iam, enfim. Esse combustível de euforia que foi gerada, representou também, ironicamente o que minar-nos-ia internamente, meses depois. Ainda tenho muito a relatar para chegar nesse ponto, no entanto. 
 
Por enquanto, devo mencionar apenas que a euforia norteou os últimos meses de 1986 e isso gerou um bom número de histórias que eu contarei, certamente. Todavia, antes de avançar, registro que fomos novamente ao programa,"Balancê", da Rádio Excelsior/Globo de São Paulo, onde éramos na verdade, habitues, desde 1984. Desta feita, no dia 26 de agosto de 1986, o objetivo foi divulgar o próximo show que faríamos, dali a três dias, no Centro Cultural São Paulo, um local nobre para shows em São Paulo e que curiosamente nunca houvera oferecido-nos uma oportunidade anteriormente. Bem, sempre há uma primeira vez para tudo.
Um exemplo sobre os ventos positivos que sopravam graças aos nossos esforços pessoais, foi o próximo compromisso que tínhamos ainda para agosto de 1986. Sem grande esforço de nossa parte, a contar apenas com a divulgação dos associados do fã-clube, praticamente, lotamos o Centro Cultural São Paulo, com mil pessoas (isso mesmo, não estou a exagerar, ainda que sob a ressalva de que tratou-se de um espetáculo sem a cobrança de ingressos), na plateia, e quem conhece o Centro Cultural, sabe bem que já faz anos que a média de público tornou-se fraquíssima ali e qualquer artista que apresenta-se nos dias atuais, alguns que são consagrados, inclusive, comemora quando consegue reunir duzentas pessoas em um show.
Foi a primeira vez que A Chave do Sol apresentou-se no auditório Adoniran Barbosa, mas eu particularmente já havia apresentado-me ali com o Língua de Trapo, em 1984. Aliás, foram os meus últimos três shows com essa banda, a encerrar definitivamente a minha participação, através de minha segunda passagem por ela. Ainda pelo Língua de Trapo, eu havia feito um outro show no Centro Cultural São Paulo, mas em outro auditório, no ano de 1983.
 
Desta feita, fizemos um show memorável, sob grande interação com a plateia, que aliás portou-se muito quente pelo seu entusiasmo, e para quem já apresentou-se no Centro Cultural São Paulo, sabe que o público envolve o artista em 360º, por que o palco é quadrado e lembra a disposição de um ringue de pugilismo.
Portanto, tinha (tem) público a assistir por todos os lados e também por cima, pois existe um patamar superior, um mezanino, e muitas pessoas assistem o artista por cima, como um espaço "foyer", de teatros antigos.
Nesse show, pelo fato do palco ter sido grande, O Beto tocou guitarra em algumas músicas (como já o fizera no show do Teatro Mambembe, em julho), e a sua disposição ocorreria doravante com certa regularidade. Ele tocava bem, e sempre que atuava, encorpava o som da banda. 
Todavia, a ideia não seria que isso tornasse-se uma constante. Ele queria ter a mobilidade de um frontman e tocar guitarra seria para ser apenas em algumas canções, mais para conferir um diferencial, e não forjar a ideia de que doravante seríamos uma banda com duas guitarras na formação.
O casal de empresários que contratava-nos, Sonia & Toninho, esteve presente, e no camarim, a euforia deles por verem uma performance vitoriosa de nossa parte, mas sobretudo amparada por uma casa lotada, a apresentar um público muito receptivo, foi indisfarçável. O assédio que recebemos de fãs no camarim e as vendas obtidas na lojinha ambulante de merchandising, fez com que eles, nessa somatória toda, não escondessem a sua euforia pela banda e nessa prerrogativa, projetassem a nossa subida ao mainstream da música, a somar-se com esse nosso "momentum" natural, gerado por nossos próprios esforços, aos movimentos pontuais que supostamente eles fariam por nós, graças aos contatos que eles afirmavam ter consigo.
 
Em síntese: como seria possível não contaminarmo-nos com esse astral permeado pelo otimismo total?
Dessa forma, a partir daí, a euforia norteou a nossa concentração. Sentíamos que estávamos a poucos passos de um salto maior na carreira, e aí, mesmo com a experiência acumulada (e já não éramos tão jovens assim), foi difícil não embarcar nessa euforia generalizada.
O show do CCSP ocorreu no dia 29 de agosto de 1986, com mil pessoas na plateia, a berrarem e vibrarem com a nossa banda, que voou naquele palco, literalmente, tanto por estar muito afiada, em uma forma musical espetacular, mas também a imprimir uma presença de palco esfuziante, fruto de anos a fio de trabalho e experiência acumulada, mas também pela euforia que a reverberação da plateia ofertava-nos como energia extra.
 
No dia seguinte, participaríamos de um show coletivo, em ritmo de festival, com a presença de muitas bandas e algumas delas, aliás, famosas na cena oitentista do Pós-Punk. Esse festival revelar-se-ia um show com grande multidão pela expectativa gerada. 
 
Tal produção exibiu um nome exótico, que dera a entender ter alguma ligação com uma ONG ambientalista. Contarei com detalhes, certamente, pois rendeu-nos muitas histórias paralelas. E o casal de empresários acompanhou-nos também nessa oportunidade e ambos ficaram visivelmente estupefatos, ao verem a nossa banda inserida em um evento daquele tamanho.
O tal festival em que participaríamos, chamou-se: "Baila Bala na Baleia", e foi realizado em uma espécie de chácara/sítio, fora do perímetro urbano de Cotia-SP, cidade que fica na região metropolitana de São Paulo e faz divisa com alguns bairros do extremo oeste da capital paulista. O contato chegou para nós, através da Baratos Afins, onde conforme já relatei, muitas consultas a visar shows, ocorriam diariamente para os artistas do elenco ligado ao produtor, Luiz Calanca, e muitas vezes para artistas que não faziam parte dos seus contratados, também.
Seria um festival híbrido, que pretendia ter uma aura diversificada, como o Rock in Rio o fora em 1985, obviamente com uma estrutura mais simples, mas nem tanto assim, pela multidão que pretendiam atrair, e pela quantidade de bandas escaladas para o evento. 
 
Além disso, os organizadores ofereciam estrutura acima da média de outros festivais que aconteciam nos anos oitenta e claro que animamo-nos a participar, fora o cachê oferecido que foi bom, não espetacular, mas sob um padrão salutar, e desta forma, claro que aceitamos. 
 
Alguns dias antes do evento, eu e Rubens fomos convidados a participarmos de uma reunião com a organização do evento e ali recebemos os crachás e a orientação geral sobre a organização geral, além das particularidades técnicas sobre o palco, rider técnico, imput list e mapa de iluminação. Estávamos quase apalavrados com o "Studio V", mas ainda livres para cumprir compromissos pré-agendados, sem a presença deles, como nossos empresários, embora no Centro Cultural São Paulo, no dia anterior e nesse festival "Baila Bala na Baleia", do dia posterior o casal Sonia & Toninho tenha comparecido, e mesmo sem colocar a mão na massa ainda, já portavam-se como nossos empresários a procurar entender a nossa logística básica operacional em shows, nossa equipe, nossas necessidades de palco e camarim etc. 
 
Combinamos de encontrar-nos com eles no local, pois nessa ocasião, eles moravam bem perto da divisa de São Paulo com Cotia, mas a a nossa saída da residência do Rubens foi realizada sob a organização de um pequeno comboio, com os amigos do "Golpe de Estado", que participariam do Festival, também. Uma lembrança que tenho viva na memória, é a do vocalista, Catalau, a chegar em sua "Brasília", e bem alegre, digamos assim, a ouvir uma fita K7 com o som do Alice Cooper a todo volume, em seu carro. E já ali na parada a esperar o comboio organizar-se, ele parecia estar alheio a tudo, completamente absorto no som.
E de fato, quando partimos, ele foi a viagem toda a dirigir e alucinar. Foram várias as vezes em que parados em semáforos pelo caminho, o vimos a delirar, a contorcer-se e berrar: -"Alice Cooper, Alice Cooper"... 
 
Então chegamos ao local do evento e verificamos que era realmente grande e iria lotar, pela fila que já existia na entrada. Não haveria soundcheck, devido a enorme quantidade de bandas a apresentarem-se, e claro que isso sempre foi uma temeridade para qualquer artista.
 
Haviam várias atrações análogas para entreter o público, que conferiu ao evento, uma aparência de grande quermesse. Por exemplo, "brinquedos para sentir medo" (adrenalina rende dinheiro), ao estilo de parques de diversão, muitas barracas com quinquilharias, comidas e bebidas, além de uma série de chalés bem montados e próximos a um bonito lago, com o objetivo de serem alugados para que casais promovessem encontros amorosos e também havia barracas bem mais modestas, para prover os menos abonados para cumprir tal objetivo. 
 
O palco tinha uma estrutura apenas razoável, no entanto. A impressão que tivéramos ao olhar a estrutura de palco, com som & luz, foi de que os produtores do evento haviam pensado em mil detalhes para fazer dele um sucesso, mas haviam economizado no principal item da festa, pois tratava-se de um equipamento apenas mediano e a estrutura do palco em termo de sua montagem, pareceu-nos bem modesta, pela ausência de material com aço ou alumínio, mas na verdade constituído apenas por peças de madeira, fora ser bem diminuto em suas dimensões e ter aspecto simplório e ultrapassado a se parecer com antigos palanques para comícios políticos.
Seria uma longa espera, devido ao enorme número de bandas a apresentarem-se naquela noite, e assim, fomos conduzidos a um charmoso chalé que servir-nos-ia como camarim exclusivo para nós.
 
Com os instrumentos e bagagens pessoais guardados, ficamos livres para circular e vermos as atrações, assistir alguns shows etc. Mas não seria aconselhável caminhar sozinho por aquelas alamedas, em meio à multidão, pois várias hordas formadas por punks e headbangers, circulavam, e havia a clássica animosidade entre tais tribos, que geralmente iam às vias de fato, em encontros dessa natureza.
 
Além de góticos, darks e new wavers, que também estavam sujeitos à intolerância, uns dos outros. De fato, lembro-me deestar a percorrer uma alameda do ambiente em dado momento, quando deparamo-nos com um grupo de punks, que provocou-nos acintosamente, para criar uma confusão, mas nós não caímos na armadilha, e deixamos para lá os impropérios proferidos, e a pecha de "Iron Maiden", que imputaram-nos em tom de desprezo, pela questão de nossas longas cabeleiras, embora não fôssemos uma banda orientada pelo Heavy-Metal, e qualquer tentativa de explicação sobre tal disparate seria a oportunidade que eles queriam para iniciar uma confusão, a caracterizar que havíamos mordido a isca, ingenuamente. 
 
Mas o Beto era mais irritadiço entre nós e sem a minha habitual resiliência monástica, chamou-os como: "Sigue-Sigue Sputnik", uma banda Pop em voga naquele instante a carregar no visual espalhafatoso, a caracterizar-se como uma autêntica banda "punk de boutique", que fazia um som Pop sob baixíssimo nível e que certamente os punks deviam odiar, por conspurca-lhes a imagem, e assim a tratar-se de uma caricatura do seu movimento. 
Sonia e Toninho estavam maravilhados com o tamanho do festival e acharam tudo lindo, sem demonstrar muita noção prática do show business. De fato, eram do meio teatral onde as demandas são diferentes. 
 
Toninho, dizia-se também, um artista plástico (mais adiante, vou aprofundar esse assunto sobre tal particularidade artística que alardeava possuir), e davam-nos a impressão de que não tinham discernimento sobre os meandros técnicos da área musical, tanto que consideraram o equipamento disponibilizado pela produção, adequado para os shows ocorrerem. 
 
Mas a verdade é que a produção correra bem em muitos aspectos no tocante à organização da festa, mas a parte técnica do palco, deixara a desejar, com um equipamento claramente inadequado para suprir as necessidades básicas dos músicos e inferior à magnitude do evento, mas isso não desabonou, ao menos em uma primeira avaliação, a confiança que estávamos a adquirir sobre eles, e toda a estrutura do Studio V, que estava a nos ser oferecida. 
 
De fato, não seria vital que tal dupla, e nem mesmo o Miguel, detivessem conhecimentos técnicos sobre a logística de shows ao vivo, pois a atribuição deles residiria na venda de shows, assessoria de imprensa, gestão da nossa carreira, em que a nossa necessidade premente naquele instante seria sem dúvida, a nossa condução e inserção dentro de uma gravadora major. 
 
Na parte logística da produção do cotidiano, nós indicaríamos equipamento e profissionais com os quais gostaríamos de trabalhar em shows e assim, o controle técnico ficaria em nossas mãos, a fornecer-nos a tranquilidade devida.
As horas passavam e quando finalmente chamaram-nos para subir ao palco, a madrugada já findara-se como seria de esperar-se, e o público havia diminuído bastante. Fazia muito frio, e acredito que após uma maratona tão grande, nem mesmo artistas mainstream conseguiriam ter um público maior naquele instante. 
Mas também não foi nada desprezível o contingente que aglomerou-se em frente ao palco para assistir-nos. Esse show, inclusive, rendeu até resenha na mídia impressa, conforme eu relatarei logo mais.
Nessa noite de 30 de agosto de 1986, além de nós e do "Golpe de Estado", também apresentaram-se: "Os Inocentes", "365", "Nau", "Muzak", "Cólera", "Prysma", "Ness", "SOS" e "Vultos". Segundo a organização, cinco mil pessoas estiveram presentes, e na minha percepção, acredito que essa conta foi acertada. 
A Justificativa para o exótico nome do evento, "Baila Bala na Baleia", foi que a motivação seria chamar a atenção do público para a causa ambientalista a posicionar-se contra a matança das baleias e supostamente, parte da renda seria destinada para tal organização em defesa dos animais. 
 
Nessa época, a denominação, "Organização Não Governamental" ("ONG"), não era popular. Talvez já existisse há muito tempo e que o leitor corrija-me se eu estiver enganado, mas nessa ocasião, a grande massa não sabia o que isso representava, realmente. Apesar de ser uma causa nobre, muito justa e digna de apoio, soava exótica naquela época para qualquer pessoa aderir rapidamente, como tornou-se um hábito normal, anos depois e hoje em dia, temos centenas de ONG's a trabalharem por aí. Se o dinheiro prometido pelos organizadores teve esse destino, eu não faço nem ideia, apenas torço para que sim. E salvem as baleias!
 
Tínhamos outros compromissos agendados, mas antes disso, foi o momento para mais uma importante reunião, desta feita para finalmente conhecermos o diretor geral do "Studio V", e essa história tem particularidades a serem descritas.

A conversa com o "Studio V" evoluíra, e assim, acertou-se que fecharíamos o contrato. Chegara a hora, portanto, para conhecermos o sócio majoritário da empresa, e que dava-lhe o próprio nome. 
 
Nessa altura dos acontecimentos, já tínhamos participado de outras reuniões com o casal Sonia & Toninho, e com ambos, já estávamos mais ambientados a lidar e com o próprio escritório, apesar de ainda termos assinado efetivamente a documentação do contrato. 
 
Claro que essa reunião com o maioral da empresa, foi cercada por uma espécie de cerimonial a ostentar pompa e circunstância, a corroborar com o ar solene da ocasião e tudo isso combinou perfeitamente com a personalidade aristocrática que ele detinha.
Extremamente simpático e generoso, mas também formal, ele primava o seu modus operandi por regras rígidas de educação, sob padrão europeu, até a exagerar em certos maneirismos, inclusive no seu linguajar habitual, quase acima do padrão coloquial. Nesses termos, a reunião com ele foi bastante respeitosa, mas simpática, não opressiva sob certo ponto de vista, visto que em princípio, sentimo-nos tensos pelo excesso de recato formal. 
 
No entanto, ele não pareceu-nos ser autoritário, pelo contrário, deu-nos a impressão de ser carinhoso com os seus protegidos, com certo ar patriarcal. Em nossa avaliação inicial, ele mostrou-se atencioso em seus esforços para fazer o possível para gerenciar a nossa carreira, a demonstrar lidar com o carinho de um pai que luta para encaminhar o filho na vida.
Contudo, o seu jeito natural de ser, pareceu-me o de um Lord inglês vitoriano. Particularmente, eu admirava essa educação diferenciada e o formalismo, pois tenho uma personalidade semelhante.
O Rubens também tinha tal apreço por esse tipo de comportamento social. Ele mesmo, Rubens, gostava de portar-se assim em muitas circunstâncias, ao chamar a atenção por usar um linguajar e maneiras que já mostravam-se bem antiquadas nos anos oitenta, como por exemplo, ao usar palavras como "cavalheiro", "senhorita" e cumprimentar mulheres a desferir-lhes beijos em suas mãos, mas exatamente por ser não usual, eu achava que isso conferia-lhe um diferencial interessante a quebrar o paradigma do Rocker que só expressa-se a usar gírias da moda, e/ou palavrões em seu linguajar cotidiano, ou seja, aquela ideia ridícula de se associar o Rock aos brucutus.
E a respeito de um outro aspecto, se eu e Rubens apreciávamos tal estilo do Miguel, o Beto e o Zé Luiz mantinham as suas reservas sobre ele. Mais despojados do que eu e Rubens, ambos apreciavam mais a informalidade em linhas gerais, e portanto, o estilo do Miguel, causava-lhes um certo incômodo. 
 
Nessa reunião em que finalmente fomos apresentados ao Miguel, quase nada foi falado sobre questões gerenciais de nossa carreira. Toda essa parte a respeito de estratégia de produção, seria conversada posteriormente. Miguel pareceu interessado apenas em mapear as nossas respectivas personalidades e observar assim, de uma forma arguta, a nossa aparência e modos, enquanto bagagem sociocultural e também pela educação familiar de cada um.
Muito pausadamente e a demonstrar usar técnicas de avaliação baseadas em preceitos da psicologia, como metodologia, portanto, ele deu-nos a palavra enfim, a exigir um pequeno monólogo da parte de cada um, para conhecer-nos melhor. Foi assim mesmo, na base do: "quem é você nas suas próprias palavras", que um por um, teve que falar sobre si mesmo, a mostrar a sua bagagem pessoal, expectativas, sonhos etc.
Ele deu a palavra para cada um paulatinamente, e ajeitara-se na sua poltrona imensa, de maneira a colocar-se inteiramente no campo de visão de seu respectivo interlocutor, e assim, pareceu estar a fazer um raio-x de cada um de nós. Claro que apesar de amistoso, esse tom excessivamente formal deixou-nos um pouco nervosos. 
 
Nenhum de nós quatro, éramos "broncos" a apresentar baixo nível cultural, mas uma experiência assim tão avassaladoramente incisiva, criou um incômodo psicológico, certamente.
 
Estivemos perfilados em cadeiras que pareciam do mobiliário dos cavaleiros da távola redonda, em frente a ele. Sonia e Toninho estavam na sala, atrás de nós, sentados em um sofá. Em profundo silêncio, ambos não fizeram nenhuma intervenção, mas assistiram a entrevista. 
 
Como saldo positivo dessa reunião, prevaleceu a nossa impressão que apesar dessa altivez toda, ele havia gostado de nós, e em conversa posterior com Sonia e Toninho, bem mais coloquial, eles disseram-nos que o comandante da empresa havia gostado de nós com pessoas e que apesar de considerar que alguma lapidação fosse necessária, éramos talhados para uma carreira mainstream, sólida em sua avaliação. 
 
Papelada encaminhada para o advogado da empresa, só faltou agora um último acerto para assinarmos, e por incrível que pareça, foi o ponto crucial dessa negociação, ou seja, a parte financeira.
Essa argumentação dela sobre a facilidade com a qual o escritório teria para colocar-nos no topo do mainstream da música, pareceu explicitar que seriam favas contadas tal empreitada, e que da parte deles, queriam super valorizar a alta quantia pedida, por que tinham a certeza de que levar-nos-iam para tal patamar máximo da música profissional. 
 
Claro que relutamos, mas ficou-nos a forte impressão que talvez não valesse a pena endurecer a negociação, por um motivo básico: será que não correríamos o risco de desperdiçarmos uma oportunidade para ver uma porta a se abrir para nós, enfim?
 
Quantas oportunidades surgem na trajetória de um artista? Seja lá de qual for o ramo ou do nível artístico ao qual pertencer, vale a pena arriscar fechar uma porta, por achar que a qualquer momento outras abrir-se-ão?
 
Foi por pensarmos assim, que consideramos que o nosso "momentum" na carreira estava excelente (e estava mesmo!), e portanto, se tivéssemos esse suporte forte, seria preciso somente um empurrão para subirmos ainda mais, e assim, não seria prudente dispensar a chance de contarmos com tal impulso extra. Por isso resolvemos fechar o contrato, sob uma cifra de um valor que eu considero absurdo: 40 % dos nossos cachês, doravante!
Tal valor representava o dobro da praxe de mercado na relação empresário/artista! Então, a pergunta crucial foi: valeria a pena? 
 
Pois foi o que achamos diante das circunstâncias geradas pelo medo de desperdiçarmos uma oportunidade para obtermos um gerenciamento realmente profissional e que fosse capaz de aproveitar o "momentum" e mais que isso, apresentasse uma artilharia pesada para somar aos nossos esforços em meio ao mesmo front.
Um método de persuasão que usaram e nós, mesmo a percebermos tal artifício sutil sob a forma de uma barganha, não declinamos, deu-se no fato de que mesmo ainda sem assinar o contrato, já estávamos a usufruir da estrutura do escritório. 
 
E dessa forma, uma das primeiras providências que tomamos, foi a de marcarmos duas entrevistas que estavam para serem agendadas para revistas de grande porte, na tal sala de reuniões, especialmente concebida para receber jornalistas. 
 
Uma dessas entrevistas seria para aquela nova revista que estava a entrar no mercado e cujo preâmbulo de nossa participação nesse contexto, eu já havia mencionado muitos parágrafos atrás. Tratava-se da versão pesada da revista Bizz, batizada como: "Bizz Heavy". E a outra, seria para a revista "Roll". Em ambas as entrevistas, rendeu-se boas histórias paralelas.

Zé Luiz Dinola em momento de aquecimento na sua bateria, com Rubens Gióia visto somente por detalhes e de costas, no enquadramento da foto. A nossa querida sala de ensaios, na residência da família Gióia, em foto de 1983. Click: Seiji Ogawa

Diante dessa perspectiva, ficamos muito seduzidos pelo uso do estúdio, também, embora tivéssemos assegurada a nossa histórica sala de ensaios na residência da família Gióia, Não seria nem pela questão do espaço em si, mas pelo salto de qualidade, por que apesar de ser o nosso QG e um verdadeiro Lar (que abriga-nos a gerar inúmeras histórias ali geradas sob a forma de lembranças maravilhosas, desde os nossos primórdios, em 1982), o fato é que ficamos inebriados pelo estúdio montado dentro da sede do Studio V, com equipamento de primeira linha, inteiramente à nossa disposição para trabalharmos sem nenhuma preocupação com o relógio. 
 
E como se não bastasse lá podermos ensaiar a vontade, a perspectiva para gravarmos uma nova Demo-Tape inteiramente grátis e com melhor qualidade em relação à que graváramos por nossa conta em abril daquele mesmo ano, foi um argumento ainda mais decisivo para termos abandonado o nosso velho QG do Itaim-Bibi.
Também fomos seduzidos pela possibilidade de concedermos entrevistas em uma sala muito confortável e específica para tal função, ao dar-nos a impressão que estávamos a dar um salto vertiginoso em nossa carreira. Diante desses fatos, ficamos com a impressão que o nosso grande avanço, chegava, afinal.
Estar a usufruir de uma estrutura dessas, mesmo sem ainda termos assinado com uma gravadora major, denotou que tal negociação seria uma questão de tempo, tão somente, não apenas pelo status adquirido, mas pelos contatos que eles diziam ter, e no caso do Miguel, soara-nos como mais do que uma que certeza que realmente os possuía. 
 
Um outro fator que amplificara tal sensação, foi o próprio volume de oportunidades geradas pela nossa iniciativa. Se o telefone estava a tocar espontaneamente e sob grande profusão, a ofertar-nos oportunidades, como não poderíamos acreditar que mediante o trabalho de um triunvirato de empresários com tal infraestrutura disponível, não haveria de se amplificar de uma forma absurda a nossa situação, a levar-nos diretamente ao patamar mainstream, para subirmos como um rojão? 
Nesses termos, nós avisamos a Sonia sobre as duas revistas de grande porte e circulação nacional, que agendara-nos para concedermos entrevistas exclusivas a tais órgãos. Claro que ela adorou, e prontamente autorizou-nos a marcarmos as entrevistas para serem efetuadas naquela sala ampla. Apesar da pompa & circunstância, iríamos lidar na verdade, com dois jornalistas que eram amigos pessoais nossos, portanto, mesmo a representarem as duas maiores revistas de música do Brasil na ocasião, toda a movimentação de bastidores para tal, haveria de ser informal ao extremo.
Mesmo assim, recebê-los dessa forma, mostraria a ambos os jornalistas, que estávamos a empreender um salto, e certamente que eles gostariam da novidade, como amigos e formalmente, nas respectivas entrevistas, isso ficaria expresso nas entrelinhas, quando da publicação das entrevistas realizadas. 
 
Pois então, as entrevistas foram marcadas. Uma seria com o jornalista, Antonio Carlos Monteiro, para a revista "Roll" e a outra, para Leopoldo Rey, que representaria a revista "Bizz", mas em sua edição alternativa, chamada: "Bizz Heavy", recentemente lançada nas bancas. Recebemos ambos, em dias diferentes, na propagada estrutura da sede do "Studio V".
Primeiro, aconteceu com o Tony Monteiro. Super amigo da banda, desde 1984, o Tony era um admirador confesso da nossa banda, e sempre que podia, além de enaltecer-nos em resenhas de shows e discos, alfinetava as gravadoras, as quais acusava de serem: "cegas, surdas & Mudas" ("Tommy, Can You Hear Me?"), por ignorarem-nos retumbantemente. Para ele, apesar da tendência da indústria fonográfica ser a dirigida pela monolítica aposta no Pós-Punk, A Chave do Sol continha qualidade e potencial Pop para impor-se no mainstream, claro, se cedesse em suas convicções e estabelecesse assim, algumas concessões inevitáveis.
Quando adentrou o casarão e viu a estrutura, principalmente o estúdio, novo em folha, ele ficou muito contente com a novidade, como um bom amigo da banda que sempre o foi. Em particular, ele cumprimentou-nos com entusiasmo, pois também vislumbrara que seria o impulso que faltava-nos, e acrescentou que tinha a lembrança da atuação do Miguel como radialista, homem de TV, produtor de gravadora e empreendedor ao criar o "Clube do Disco", uma empresa que teve uma relativa magnitude no mercado fonográfico, certamente. 
 
Com tais elementos, teria tudo para dar certo, e na visão dele, seria realmente o que precisaríamos para enfim chegarmos ao nosso objetivo. E ainda havia o apoio do o casal Sonia & Toninho, que ele não conhecia, mas nós adiantamos-lhe, que eram experientes no meio teatral (que seja bem entendido, baseado no que diziam-nos, faço a ressalva), e que por conta disso, eles possuíam muitos contatos na mídia. Enfim, aparentemente e até uma melhor avaliação de nossa parte, tratava-se aparentemente de um reforço considerável.
A entrevista foi ótima, como seria de esperar-se vinda de um jornalista do calibre do Tony Monteiro. Ela teria sido ótima, mesmo se tivesse sido realizada na mesa de uma lanchonete, ou no velho quarto que usávamos na residência Gióia, como a nossa regular sala de ensaios. Mas revestida dessas circunstâncias novas para a banda, teve outro sabor para nós e para o próprio, Tony Monteiro, sem dúvida. 
 
Isso deixou a empresária Sonia ainda mais eufórica, pois estávamos "a explodir", e sob conversas reservadas, o próprio Miguel havia afirmado para Sonia e Toninho, que o escritório havia achado uma "joia já semi lapidada e sem dono", e que dessa forma, precisariam fazer alguns poucos movimentos pontuais apenas, visto que já estávamos prestes "a acontecer", segundo a sua projeção otimista. Como não poderíamos embarcar na euforia, entre nós quatro, membros da banda, nesses dias? 
 
Sobre a outra entrevista falo a seguir, e cabe uma história. 
Um pouco antes de selarmos acordo com o estúdio V, havíamos sido abordados pelo jornalista, Leopoldo Rey, a convidar-nos para uma entrevista em uma revista nova que estava para entrar no mercado, como "spin off" de uma outra publicação já consagrada, a revista Bizz. A ideia em questão, seria lançar uma versão da Bizz, focada para o mundo do Rock pesado oitentista, por dois motivos básicos:

1) A Bizz era uma publicação acintosamente fechada com a estética do Pós-Punk, e dentro dessa diretriz, não escondia de ninguém que rezava pela cartilha niilista de 1977. Muito, mas muito mesmo a contragosto, as raras menções à artistas das décadas de 1960 e 1970, objeto do ódio desses xiitas, foram feitas com o apoio de poucos jornalistas não comprometidos com essa mentalidade e que muito suavam para convencer a cúpula de sua redação a ceder poucas linhas sazonais para tais intervenções. Um desses raros abnegados fora, Leopoldo Rey.

2) O mundo oitentista apresentava três vertentes básicas:
A) Pós-Punk e seus muitos derivados.
B) Pop, geralmente comprometido com a estética Pós-Punk, também.,
C) Hard-Rock/Heavy Metal.


Portanto, mesmo ao se desprezar a opção "C", por uma questão de mercado, estavam a perder dinheiro por ignorarem tal vertente que não coadunava-se com seus princípios, e nesse quesito, a sua concorrente mais direta, a Revista "Roll", abria um razoável espaço para tais manifestações, e não obstante tal fato, ainda em 1984, lançara uma revista derivada e especializada no mundo pesado, chamada: "Metal".

Ao considerar-se que a revista "Rock Brigade" (que privilegiava a cena do Hard-Rock/Heavy Metal oitentista), havia crescido muito, mas para o mundo editorial mainstream ainda era considerada um fanzine, a revista "Som Três" era híbrida e parecia não importar-se em continuar a proceder assim, e revistas como "Rock Star", "Rock Passion" e "Rock Show" (essas três eram da editora Imprima), tinham alcance muito inferior no mercado, eis que finalmente convenceu-se a redação da "Bizz", que a revista "Metal" estava a roubar-lhes uma fatia do mercado, e dessa forma, gostar ou não daquela estética, não vinha ao caso, quando o assunto fosse dinheiro.
Dessa forma, a sua editora tratou de lançar a "Bizz Heavy", a evitar propositalmente a palavra "Metal", para não dar armas à concorrente e ainda bem para os marqueteiros de plantão, que tal vertente do dito Rock pesado continha esse nome duplo. 
 
Então, Leopoldo Rey abordou-nos com a proposta da nova revista, na forma de uma entrevista e naquele "momentum" sensacional em que encontrávamo-nos, é claro que aceitamos de pronto, pois seria mais uma plataforma com exposição importante e nessa somatória incrível, estávamos a subir de uma forma avassaladora, na qual pareceu-nos irreversível a nossa chegada ao mainstream.
Entretanto, algo ocorreu no meio do caminho, especificamente a falar sobre essa entrevista. Não por culpa do Leopoldo, que sempre foi um profissional íntegro ao extremo, mas por algum problema relacionado à pauta, a nossa entrevista foi adiada para a segunda edição, e não para a primeira, como fora ventilado inicialmente.
 
Tudo bem para nós, pois esperar por um mês não causar-nos-ia nenhum prejuízo nesse sentido. Nesse ínterim, nós recebemos a proposta para trabalharmos com o Studio V, e a perspectiva para conceder a entrevista no escritório de nossos empresários, garantiu-nos uma sensação ainda melhor, sem sombra de dúvida.
No trato pessoal com o Leopoldo, assim como houvera ocorrido com o Tony Monteiro, não mudaria nada para nós, pois isso não haveria de deslumbrar-nos, e ele fora sempre cordial conosco, desde 1984, em situações bem mais modestas, portanto, não haveria chance dele achar que estivéssemos diferentes, a nutrir uma indevida e ridícula soberba, pelo simples fato de estarmos a insinuar uma ascensão e sendo claro, nem mesmo que tais presságios fossem mesmo confirmados. 
 
Contudo, a situação sinalizara mudanças, e assim como o Tony Monteiro, ambos farejaram, como bons jornalistas que eram, que a banda estava naquele estágio excepcional, em uma espécie de suspensão, que no meio musical é indicada pelo jargão "estar a acontecer", o que aliás, é um ponto perigosíssimo para qualquer artista. É nesse momento gerado pela euforia desmedida de véspera, que o foco perde-se um pouco e tudo pode arruinar-se.
Então, recebemos o Leopoldo e fizemos uma longa entrevista, acompanhada pela Sonia, que não escondia a sua euforia, pois foi na prática, a segunda entrevista que concedíamos para uma outra revista importante no setor e fora absolutamente espontânea, sem que o escritório houvesse movido uma palha para arrumar-nos tal chance. 
 
Todavia, Leopoldo falou-nos ao final, que um problema de última hora na redação, fez com que mudassem a pauta, e a segunda edição teria uma entrevista com uma banda orientada pelo Heavy-Metal extremo, que estava a começar a fazer sucesso internacional, e tal novidade devia ser capitalizada antes que as revistas concorrentes, "Metal" e "Rock Brigade", percebessem o fenômeno para ter o "furo" jornalístico. Lembro-me até hoje, o Leopoldo a pedir-nos desculpas por mais uma postergação, mas que a pressão na redação pela mudança, fora grande. Disse-nos então que lamentava, mas um grupo formado por garotos muito barulhentos, vindos de Minas Gerais, teriam então o destaque na segunda edição da revista. O nome de tal banda: "Sepultura"...
Claro, sem problemas, pensamos. Estávamos em um momento tão bom, que poderia ser até melhor para a nossa projeção, sermos publicados no número três, quiçá com o Studio V já a levar-nos a algum degrau ainda mais alto e assim, que tal matéria saísse com um sabor a mais, fora o fato de que ela em si, estaria mais sedimentada no mercado, igualmente. Só que o número dois saiu com o tal Sepultura, e logo a seguir, a Bizz cancelou a sua versão pesada, ao não concluir uma terceira edição e portanto, nossa entrevista foi para o limbo, nunca sendo publicada. 
 
A má vontade da cúpula da Bizz, prevaleceu por conta de comprometimento com a estética antagônica, acredito nisso, ao atropelar até o corporativismo da empresa que a sustentava, pois a concorrência continuou firme e forte por um bom tempo. A revista "Metal", por exemplo, ainda durou bastante nas bancas, e a "Rock Brigade" cresceu, para tornar-se posteriormente o grande baluarte desse tipo de publicação especializada em Heavy-Metal, por muitos anos, inclusive ao abrir caminho para o surgimento de outras publicações, que aliás existem até os dias atuais, para mostrar que esse nicho tinha fôlego comercial sustentável, e a comprovar a tese de que a extinção da revista, "Bizz Heavy", fora por outras razões que não as comerciais.
 
Bem, no nosso caso, perdemos uma publicação, mas a euforia pelo "momentum" só multiplicara-se e dessa forma, chateamo-nos ali naquele instante, mas nem tanto assim. Tínhamos mais propostas para shows e aparições na mídia e portanto, esquentava o nosso relacionamento com o Studio V, e cabem dessa forma, muitas reflexões sobre esses dias marcados por reuniões e euforia, vividas dentro do casarão da Avenida Eusébio Matoso...

Mesmo antes de assinarmos o contrato e o registrarmos em cartório, já havíamos caído na sedução do escritório, ao mudarmos o nosso QG de ensaio para lá, definitivamente. Ao olhar esse ato hoje em dia, tenho certeza de que precipitamo-nos.
A despeito da família Gióia, ter merecido reaver a sua paz, após longos quatro anos a exercermos em seu Lar, uma autêntica invasão de privacidade (além de muito barulho, naturalmente), ali fora o nosso QG, e continuaria a sê-lo, se não tivéssemos encontrado o Studio V, em nossa vida. 
 
Ainda que simbolicamente, o nosso QG, fora a nossa "Bat-Caverna", desde o início e lá nós construímos a nossa carreira, impusemos todo o nosso material e preparamo-nos para todos os compromissos da banda desde o primeiro dia em 1982, portanto, aquele quarto que ocupamos na residência da família Gióia, foi o alicerce que deu-nos força para essa construção.
Sair de lá naquele momento pareceu-nos ter sido o chamado, o passo a mais que ambicionávamos desde o começo e simbolicamente a falar, sinalizara a hora para alçarmos voo, a sairmos do ninho.
 
Contudo, subjetivamente a falar, ainda não seria o momento adequado, daí a minha avaliação a dar conta que precipitamo-nos e ao contrário do que imaginávamos à época, essa saída do velho QG, foi na verdade, o começo do nosso final. Não foi a hora para sairmos, pois o escritório não havia feito nada, absolutamente nada por nós, até aquela hora, e todas as promessas foram apenas isso, na prática: promessas...
Contudo, inebriados pela perspectiva de usarmos o estúdio próprio do escritório, preparamo-nos com qualidade sonora superior e ao realizarmos a pré-produção para a gravação da Demo-Tape que eles queriam bancar, empolgamo-nos e passamos a ensaiar ali, ao estabelecermos a nossa rotina diária, doravante, nesse novo endereço. 
 
Ora, volto a afirmar e repetirei isso outras vezes, como seria possível não empolgarmo-nos e passamos a ensaiar lá, ao estabelecermos a nossa rotina diária nesse estúdio escritório? 
 
A perspectiva de ensaiarmos em um estúdio novo, com equipamento recém-saído de fábrica, técnico de som à nossa disposição e com a deliciosa sensação de que nas salas ao lado, funcionários trabalhavam, simultaneamente, para fomentar a nossa carreira? 
 
A ideia seria gravarmos uma Demo-Tape com o requinte similar à uma gravação típica de pré-produção para disco oficial produzido por gravadoras grandes. Se o estúdio não possuía equipamento suficiente para gravarmos um álbum, propriamente dito, eu diria que tal impedimento dava-se apenas pelo fato de não estar preparado para 24 canais, pois tudo ali tinha qualidade: mesa, gravador, microfones, paramétricos e caixas de monitor.
Logo no início, a conversa preliminar foi a de que haveriam outros artistas contratados pelo escritório e que dividiríamos o estúdio com eles, mas quando entramos, uma desculpa foi formulada para justificar a ideia dos tais outros artistas e o estúdio seria então, todo nosso, por 24 horas ao dia, e claro, isso reforçou a ideia de que estávamos a dar um passo certo e que assim teríamos a atenção total do escritório, no que mais interessava-nos, além mesmo do usufruto do estúdio a vontade: o empenho deles para colocarmo-nos em uma gravadora major, além da exposição midiática mainstream, e consequente agenda lotada com shows. 
 
Ao instalarmo-nos no escritório, tínhamos essa esperança ferrenha e isso só reforçara o discurso super animador da parte da Sonia, prolixa por natureza, aliada ao nosso "momentum" excelente, com o telefone a tocar, portanto, daí em diante, nós apenas repassaríamos os convites recebidos para o escritório assumir as tratativas.  
Faltou-nos a percepção de que deveríamos ter um pouco mais de cautela e ao invés de mergulharmos de cabeça nos braços do escritório, deveríamos avaliar o que eles fariam, mediante uma experiência prática e não acreditarmos cegamente somente na conversa em tom de exagero e tipicamente empresarial.
 
Enquanto isso, todas as coisas boas que estavam a ocorrer conosco, foram frutos do nosso trabalho e eles só estavam a surfar na própria onda gerada por nós mesmos. Daqui em diante, eu contarei várias histórias construídas dentro daquele casarão da Avenida Eusébio Matoso...

Reflexo de nosso "momentum" espetacular, o Jornal informativo do nosso próprio fã-clube, em sua edição de número 5, datado de julho de 1986, mostrou-se recheado por boas notícias. Muitas das quais eu já comentei anteriormente, aliás. 
 
Logo no primeiro "box" do jornal, a se falar de TV, nós publicamos uma relação de programas que havíamos feito mais recentemente e a acrescentarmos engraçadas insinuações sobre o caráter sensual que o vídeoclip da música "saudade", apresentaria. De fato, ele estava a ser filmado com tais nuances, mas conforme já contei, ele nunca foi finalizado, na realidade.  
No box seguinte, em uma espécie de coluna social da banda, uma menção ao fato positivo de que algumas bandas haviam lançado LP's, recentemente e incluído agradecimentos à Chave do Sol em seus respectivos encartes. 
 
Foi o caso dos discos do "Harppia", "Inox", "Centúrias" e a coletânea "SP Metal" com quatro bandas pesadas e também sobre o novo disco d'Os Inocentes, pela gravadora multinacional, Warner, cuja história de cooperação mútua entre as nossas respectivas bandas, eu já mencionei no capítulo anterior, e com muitos detalhes.
Outra fanfarronice que eu adorava, foi falar sobre as atividades extra-musicais dos membros da banda, ao dar-lhes uma aura de importância mesclada ao glamour. Isso fora uma herança de minha admiração confessa pelo estilo de redação do jornalista, Ezequiel Neves, quando este crítico musical fora colunista da revista: "Rock, a História e a Glória", nos anos setenta, e que muito influenciou-me como Rocker e também como escritor diletante que eu sempre fui, mas só a partir de 2011, de uma forma mais incisiva e sob caráter público, assumi ser. 
 
Finalmente, houve a menção à visita do ator/músico, "Ferrugem", ao nosso ensaio e passagem essa que também já descrevi, além da visita dos membros da banda "Viper".
Uma brincadeira com o Edgard Puccinelli Filho, também ficou registrada neste box, sempre a insistir na ideia divertida de que ele fora de fato, um extraterrestre, brincadeira essa que ele apreciava e os fãs, nos shows, idem, ao abordar-nos com bom humor nesse sentido. 
 
No box, "Perfil de Chave", onde a cada edição falava-se de alguma característica de um membro em separado, neste número cinco, chegara a minha vez enfim, para ser mencionado. Posterguei a situação, mas não deu para fugir dessa ação mais e explico: pelo fato de ser eu mesmo o redator e editor do jornal, ainda que a agir como "Ghost Writer", visto que para todos os efeitos, quem escrevia seria a Eliane Daic, a namorada do Zé Luiz. 
 
Mesmo encoberto, senti-me constrangido em escrever sobre eu mesmo, em tom de enaltecimento. Pensei então em traçar um paralelo com o fato de eu ter sido membro do Língua de Trapo e a aproveitar o gancho de que essa banda passara a ser odiada pelos "metaleiros", por conta da música que satirizava-os e que ficou mega famosa no Festival da Rede Globo, de 1985, eu investi nessa prerrogativa e assim, sob um tom de entrevista, falei sobre a questão, e dei palavra ao "Luiz", para explicar o fato.
Aproveitei e alfinetei a "intelligentsia" (ou falta de inteligência, como queiram), que execrava o Língua de Trapo indevidamente e demonstrei o meu orgulho por ter sido membro da banda etc. Claro, eu expus meus motivos por ter preferido ficar na formação d'A Chave do Sol, por conta de minha fé no Rock, decisivamente, o que foi verdade. 
 
No box sobre rádio, falei sobre programas em que participamos como: "Rock Corsário", "Balancê" (ali éramos "clientes" de longa data), "Disque-Rock", e falamos sobre a nossa experiência em termos sido executados e elogiados no programa, "Rádio Amador", da Rita Lee, na 89 FM. Claro que nesse caso em específico, exploramos o fato dela ter comparado-nos ao Bad Company.
 
Sobre revistas, falamos do poster lançado pela editora Três, um acontecimento importante para nós a promover-nos nas bancas de jornais. Além de citarmos matérias em revistas como "Roll", "Metal" e "Rock Passion". 
 
Um anúncio assegurou que uma cópia oficial do show realizado no Ginásio do Palmeiras em maio último, em formato VHS seria vendida pela "Galeria Produções Artísticas", conforme os empresários em questão haviam afirmado para nós. O telefone do escritório foi anunciado para os membros do fã-clube obterem informações, mas isso nunca ocorreu na prática. 
 
Somente em 1992, eu recebi através do amigo, Paulo Thomaz (baterista do Centúrias em 1986), uma cópia não editada e toda fragmentada, oriunda da filmagem bruta de duas câmeras. Mesmo com qualidade ruim e sem edição adequada, isso foi lançado enfim no YouTube, e no capítulo anterior, eu divulguei o link correspondente para o leitor consultar. 
 
Outro anúncio curioso, mas sintomático, apesar do ótimo momento que vivíamos, o Zé Luiz anunciou que ministraria aulas de bateria. Sintomático no sentido de que já recebia pressões familiares por resultados monetários mais lineares em sua vida pessoal. Eu só entraria nesse mesmo destino, um ano depois, quando a banda entrou em crise profunda e a minha situação pessoal apertou, mas isso é assunto a ser revelado mais para frente nesta narrativa...
Ainda a falar sobre o jornal nº 5, no box sobre repertório, falamos sobre algumas novas canções já finalizadas e prontas para serem incorporadas ao set list de shows ou a serem gravadas.
 
O fato de naquele instante o material novo ser enorme em quantidade foi alardeado e eu até brinquei com a perspectiva de que caminhávamos para um álbum duplo. De fato, se tivéssemos possibilidade, teríamos mesmo lançado um disco duplo, tranquilamente, pois não só tínhamos um material vasto, mas com qualidade para tal, todavia estávamos a mil por hora e no decorrer do segundo semestre inteiro, não paramos de criar novas canções, principalmente por termos fechado contrato com o Studio V e com a facilidade do estúdio próprio do escritório, animamo-nos ainda mais em gerar novidades  e termos muitas opções, visto que dávamos como certo o fato de que assinaríamos com uma gravadora major. 

Nessa edição, eu falei também sobre canções novas recém compostas, tais como "Guerra Quente", "Ficar sem Ninguém", "Profecia" e deixei o recado de que naquele instante trabalhávamos com mais quatro músicas. 
 
Em um box nostálgico, mas estratégico para agradar os fãs, falamos sobre como estavam os vocalistas anteriores da banda. Nesse caso, eu disse que o Percy Weiss estava a atuar no grupo Heavy-Metal "Harppia", naquela ocasião. Verônica Luhr havia "sumido", porém circulava o boato de que casara-se com o guitarrista, Jean Trad, da "Banda Performática" (do artista plástico, Aguilar).
 
Sobre Chico Dias, eu só sabia que ele voltara para a sua cidade natal, Rio Grande-RS, e o Fran Alves, estava a articular uma banda que teria o sugestivo nome de "Fran", talvez a seguir os passos do vocalista ítalo-americano, Ronnie James Dio, que criara o "Dio". Mas isso que eu saiba, fora uma mera especulação, apenas.
Prosaico, mas válido, o box seguinte foi criado para ser um espaço para fãs que queriam conhecer outros fãs. Quase vinte anos antes das pessoas começarem a usar as redes sociais na internet, a forma mais rudimentar nessa ocasião para estabelecer intercâmbio, era mandar uma carta para o fã-clube a solicitar-nos a publicação do seu endereço, para em seguida, esperar que um dia o carteiro trouxesse a missiva de alguém que lera seu anúncio, e dispor-se-ia a compartilhar o seu interesse em comum pela banda, como maneira a forjar uma amizade.
 
Comunidades temáticas fariam isso no futuro, nas redes sociais da internet, e no hoje saudoso "Orkut", que por sinal, teve o seu maior trunfo e a razão de seu sucesso por anos, mas nem sonhávamos com isso nos anos oitenta. No caso desta edição, um rapaz morador do bairro do Campo Belo, na zona sul de São Paulo, queria fazer amizade com outros sócios.
 
O Box seguinte, falou sobre o apoio de outros fã-clubes ao nosso. A "Sociedade Brasileira dos Apreciadores do Deep Purple", por exemplo, foi um fã-clube muito bem organizado e autorizado para atuar no Brasil, pela fã-clube de mesmo nome, sediado na Inglaterra.
 
Cheguei a ficar amigo do seu presidente, um rapaz chamado, João Cucci Neto, muito educado e entusiasmado pelo Rock, naturalmente e que gostava d'A Chave do Sol, banda em que enxergava como fortemente influenciada pelo Hard-Rock setentista e isso revelava-se um bálsamo para os meus ouvidos, em meio a tanta gente que considerava-nos uma banda dentro do espectro do Heavy-Metal. 
 
Mas para contrariar a minha vontade, houveram também: "Associação Metal Nacional Fã Clube" e "Os Defensores do Heavy-Metal", da cidade de Osvaldo Cruz, no interior de São Paulo. Este aliás, mandou-nos um questionário e concedemos-lhe a seguir, uma entrevista. Lógico que a despeito de minha contrariedade pessoal com o Heavy-Metal, toda a ajuda fora bem-vinda e ao ir além, naquele instante, não houve espaço para conjecturas em contrário, pois na verdade, foi a hora para somar apoio e seguir em frente.

O box seguinte, falou sobre os últimos shows realizados. Os shows do Palmeiras, Praça do Rock e no Caverna II, do Rio de Janeiro, foram destaque, naturalmente. E por fim, a fechar a edição, destacamos a agenda futura, ao darmos ênfase para o show que realizaríamos no Centro Cultural São Paulo, ao final de agosto e cuja passagem eu já descrevi anteriormente. Na próxima edição, que lançaríamos em outubro, já encontrávamos a todo vapor dentro do Studio V, mas ainda não tínhamos a foto oficial da assinatura do contrato, que seria publicada na verdade, na edição número 7, em janeiro de 1987. Na hora certa, comentarei, portanto.

Logo nas primeiras conversas com os produtores, Sonia e Toninho, eles haviam falado-nos sobre duas bandas oriundas de outros estilos musicais que fariam parte do elenco de contratados do escritório. Talvez fossem apenas negociações em andamento que não concretizaram-se, mas se eles usavam tal prerrogativa como estratégia, a dizer-nos que já os tinham sob contrato, provavelmente como uma forma velada para pressionar-nos a aceitar, ou por que talvez fosse depreciativo para o escritório, não ter ninguém a fazer parte daquela instituição, ou mesmo, um misto das duas situações aventadas. 
 
Portanto, logo nos primeiros dias em que começamos a ensaiar ali no estúdio, tomamos posse do ambiente todo. Usávamos o estúdio a vontade, com o técnico, Clóvis, a trabalhar sob a nossa inteira disposição e ao aproveitarmo-nos disso, começamos a trabalhar na pré-produção de uma nova Demo-Tape, que precisava ser ainda melhor em relação à que graváramos em abril, por conta própria, e também dar vazão à fase de criatividade que estávamos a atravessar, com muitas músicas novas a surgirem. 
 
Decidimos trabalhar forte nessas duas frentes e por ter sido assim, uma safra nova com canções veio a reforçar o material que já tínhamos desde a entrada do Beto Cruz. E o mais prolífico compositor entre nós, nessa fase, foi o Beto, mesmo. Ele encontrava-se em uma fase muito criativa, e trazia-nos riffs novos para trabalharmos, quase todos os dias, além de melodias e ideias para letras.
O bom técnico de áudio, Clóvis Roberto da Silva, em foto bem mais atual

Entrosamo-nos muito bem com o técnico, Clóvis Roberto da Silva. Ele fora extremamente simpático no trato pessoal e competente como técnico, por isso, em poucos dias já havia tornado-se "um de nós", a participar das brincadeiras, rir e afeiçoar-se ao nosso som, quase como um torcedor do nosso êxito na carreira e isso foi muito positivo ali naquele momento, pois o seu empenho na gravação para dar o seu melhor, como técnico, foi importante para nós, ao encaminhar-se além do trabalho profissional, simplesmente, que ali exercia, como contratado fixo do escritório.
Uma questão surgiu logo nas primeiras reuniões, assim que fechamos com eles: tínhamos uma estrutura pequena, mas funcional em relação à equipe que servia-nos em shows e nas atribuições do fã-clube/merchandising.
 
O fã-clube era vital para nós, por que a nossa mala postal era o nosso principal meio de divulgação direta com os fãs, principalmente para anunciarmos datas de shows e lançamentos de discos e produtos de merchandising. Durante muito tempo, eu e Zé Luiz o tocamos sozinhos, mas ele havia crescido muito e para acompanhar tal crescimento, queríamos contratar um funcionário que dedicasse-se a ele, em tempo integral, em dias úteis, como um escritório mesmo. 
 
Já estávamos a fazer isso, de uma maneira informal, com um roadie nosso, o Eduardo Russomano, mas sem poder oferecer-lhe um salário fixo e a estrutura burocrática, com carteira assinada e direitos trabalhistas assegurados, por que não tínhamos uma firma aberta, mas ambicionávamos que isso acontecesse, ao sonharmos em ter o controle total do merchandising e do fã-clube, caso chegássemos ao mainstream, e claro que achávamos que chegaríamos nesse ponto. 
Eliane Daic, produtora da banda e namorada do Zé Luiz, em foto de 1985, clicada por Rodolpho Tedeschi

Portanto, propusemos à Sonia, que ela contratasse tal equipe que auxiliava-nos e que já existia informalmente. Queríamos que Eliane Daic, então namorada do Zé Luiz e que já trabalhava como produtora da banda, desde meados de 1985, continuasse na função. Eduardo Russomano, que era nosso roadie e estava a ajudar-nos no fã-clube e Edgard Puccinelli Filho, também roadie, igualmente e com este último a acumular a função de vendedor de merchandising nos shows (aliás, com bastante sucesso, pois a sua figura exótica e extrovertida, tinha um carisma forte a atrair as pessoas), também fossem contratados. 
 
Queríamos e isso foi imprescindível, que possuíssemos um técnico de áudio para operar PA, fixo, é claro. O nosso técnico de confiança era o Canrobert Marques, mas este trabalhava muito com várias bandas mainstream, e só ajudava-nos nas raras oportunidades em que estava de folga de suas funções com outras bandas, notadamente famosas no circuito do Punk-Rock. 
 
Entretanto o Clóvis que recentemente havíamos conhecido, candidatava-se naturalmente para a função, pois não obstante o fato de ser um contratado do Studio V, ganhara a nossa confiança no decorrer desses ensaios que já estávamos a realizar no estúdio do escritório, portanto, nesse quesito, estávamos tranquilos. Mais para a frente, com a banda a crescer, haveria espaço para uma equipe maior com a possibilidade de contarmos então mais roadies, um iluminador próprio e outros profissionais que faziam-se necessários, de acordo com o nosso crescimento e demanda por produções, cada vez maiores.
Eliane Daic a usar jaqueta vermelha, a a repor a carga de pólvora durante um show d'A Chave do Sol, em 1986, no decorrer do nosso espetáculo.

A Sonia adorou a Eliane Daic ("Lili", entre nós), e acenou com a aceitação de nossa proposta para que ela continuasse a ser a nossa produtora executiva. E rapidamente acertou o seu salário e a designou como a sua subordinada direta, a cumprir expediente diariamente no escritório e já a sair para a rua para realizar tarefas passadas pela Sonia.
Adorou também o Edgard, pelo exotismo de sua persona e forma de comportar-se, e assim aceitou a ideia de que ele fizesse parte da equipe, mas vetou pagar-lhe um salário fixo, até segunda ordem, pois disse-nos que só poderia garantir isso quando a banda entrasse em uma rotina de shows, com agenda sustentável. 
 
No entanto, relutou bastante com a ideia do Eduardo Russomano ser contratado para trabalhar no fã-clube. Ela queria enquadrá-lo apenas como roadie e nas mesmas condições do Edgard, ou seja, a ganhar por produtividade em shows, mas a necessidade que tínhamos foi outra, pelo trabalho que o fã-clube possuía etc. 
 
Tivemos que usar vários argumentos para convencê-la de que o fã-clube era vital e não poderia parar em suas ações em prol da banda naquele instante, e muito pelo contrário, precisa expandir-se ainda mais. Ela convenceu-se enfim, e resolveu contratar Russomano, a oferecer-lhe um salário modesto, na condição de um escriturário, mas com algumas vantagens, como por exemplo: não precisar cortar o cabelo, vestir-se à vontade e trabalhar para uma banda de Rock que apreciava e de cujos membros, tornara-se amigo, portanto, foi uma perspectiva boa para ele que estava desempregado naquele instante.
 
Nesse ínterim, começaram também uma série de reuniões convocadas pela Sonia. Ela deu-nos abertura para falarmos sobre o nosso universo do Rock underground e o que queríamos atingir, mas trazia-nos da parte dela, todo um lado diferente, do métier artístico extra-Rock, e mais centrado no mundo do teatro da TV, que era a sua área, ao menos supostamente, pelo que dizia-nos. 
 
Ela falava por exemplo sobre ter trabalhado em mais de noventa produções teatrais, tendo sido agente pessoal de atores famosos da dramaturgia nacional, como Felipe Carone (já falecido há tempos naquela época e sobre o qual, ela afirmava que ele possuía um mau hálito impressionante e que este saudoso ator disfarçava isso ao fumar charutos o tempo todo, aliás, cabe a pergunta: o que é pior, nesse caso, em termos de odor ruim?) e da atriz Regina Duarte. 
 
Eu sabia que esse tipo de abordagem para tais artistas da dramaturgia, existia, mas não era algo usual no meio Rocker e muito mais normal em setores popularescos. Trata-se da prática conhecida como "gerenciamento de carreira", onde o artista é preparado para portar-se em entrevistas, lidar com fãs, como vestir-se etc. Isso funciona bem em setores popularescos, onde tudo é mais importante que a música. No mundo popular é primordial ter esse tipo de controle sobre um artista contratado, por uma razão muito simples, e por favor, que ninguém ofenda-se, pois não é a minha intenção desdenhar de quem quer que seja: o baixo nível educacional e cultural das pessoas envolvidas, que muitas vezes, nem alfabetizadas adequadamente apresentam-se.
Mas em nosso caso, sem querer gabar-me de forma alguma, esse tipo de abordagem fora invasiva, inadequada e fora de propósito, por que em nosso métier, a música vinha em primeiro lugar e não a roupa que usávamos no cotidiano, corte de cabelo e o que deveríamos dizer a jornalistas, mesmo por que, o tipo de jornalistas com os quais lidávamos, eram setoristas, portanto pessoas capacitadas a falar a mesma linguagem e não desavisados que não possuíam discernimento algum sobre o nosso universo. 
 
Todavia, claro que não criamos empecilho e aceitamos fazer as tais reuniões de gerenciamento de carreira, com mente aberta, dispostos a não desdenhar ou debochar dos conceitos estapafúrdios que seriam ditos, e pelo contrário, abertos a absorver algo que fosse-nos útil de alguma forma, desde que não ferisse os nossos propósitos, enfim.

A primeira reunião realizada com Sonia e o seu consorte, Toninho, foi hilária. Ela fez todo um mise-en-scène, no uso de um preâmbulo dramático, a exaltar a necessidade em não escondermos nenhuma informação dela e que deveríamos lidar com ela, como se fosse a "nossa mãe" etc. e tal. Entreolhávamo-nos com vontade de rir, mas esteve a acontecer, foi inevitável! 
 
Posteriormente, ela falou-nos que precisava saber se consumíamos drogas, ou tínhamos outros vícios. Bem, exageros melodramáticos a parte, não acho que estivesse errada em ter essa preocupação, pois é sabido que muitas carreiras são abreviadas por conta de artistas que abusam dessa prática.
Foi bastante constrangedor, no entanto, pois a conversa enveredou para o item da bebida alcoólica, e aí os ânimos acirraram-se um pouco, pois entrou-se no mérito da moralidade sobre as drogas serem socialmente condenáveis e as bebidas, tão nocivas quanto, liberadas e incentivadas e a Sonia percebeu que aquele não fora o objetivo que queria atingir, e deu um basta na conversa. 
  
Uma outra reunião foi marcada para se falar de roupas do cotidiano/figurino de show e corte de cabelos. Nessa, mais amena, perceberam pelas nossas afirmativas, que as nossas cabeleiras longas continham um propósito, e não havia cabimento em propor cortes curtos e coadunados com outras estéticas, embora o modelo deles, sempre citado como exemplo de sucesso, fora o "RPM", então na crista da onda do patamar mainstream. 
 
No quesito do figurino, eles não fizeram restrição à nossa indumentária habitual para shows, mas exigiram melhor apuro no cotidiano e em ocasiões sociais em que diziam que seríamos inseridos. Nesse aspecto, tiveram razão, concordo.
Mais uma questão curiosa e absolutamente ridícula colocada por ela, deu-se em torno de um conceito que é típico no meio televisivo, mas não faz sentido algum entre nós, Rockers. Para atores e principalmente atrizes da TV, a questão da idade é primordial. A ordem é tentar manter a aparência jovial, ao máximo que puder, e não é à toa que tais artistas submetam-se a tantas cirurgias plásticas e tratamentos mil para driblar a ação do tempo. 
 
Mas para nós, isso não faz nenhuma diferença. Rocker não está nem aí para a idade, por que nada é mais importante do que a música e se o artista faz música de qualidade, o que importa ao fã se ele tem vinte ou cento e vinte anos de idade?
Nesse sentido, Rockers herdaram a tradição dos velhos Bluesman, que tem enorme longevidade e muitas vezes levam a carreira além do humanamente suportável, por subirem ao palco carregados por enfermeiros ou mesmo a apresentarem-se sentados em cadeiras de roda, ninguém tem má impressão por isso, e pelo contrário, tais velhos Bluesman são ovacionados por essa tenacidade que extrapola a decrepitude física. 
 
No entanto, a Sonia nada sabia sobre o nosso universo e acostumada a viver os bastidores de artistas da TV, achava isso primordial enquanto norma de gerenciamento de carreira e ficou a insistir em doutrinar-nos em torno de tais conceitos, a exaltar assim a importância de sempre mentirmos em entrevistas sobre as nossas respectivas idades cronológicas.
Achávamos isso ridículo, constrangedor e infrutífero para nós, mas nesse caso, ela colocou-se de uma forma irredutível, por que acreditava nesse conceito tolo. 
 
Para não criar impasse, aceitamos fazer isso em uma única entrevista concedida para a mídia impressa, que ela agendou para nós, fruto de seus esforços e contatos. Aliás, uma das pouquíssimas ações que o Studio V proporcionou-nos por sua conta, e não por contatos que já possuíamos anteriormente sem a sua intervenção. 
 
Foi no jornal "A Gazeta Esportiva", mas eu contarei essa história posteriormente, pois há um detalhe ocorrido nos bastidores dessa visita a tal redação, que reputo ter sido sensacional, e não pode deixar de ser contado em minúcias.
Reinávamos naquele casarão e já a partir de setembro, a ensaiar a todo vapor, a conceder entrevistas (já falei sobre duas delas, e que foram frutos obtidos pelos nossos esforços, e não do escritório, é bom frisar), a aproveitarmos as benesses da sua estrutura, incluso a discoteca. Nesse aspecto, o fato do Miguel ter sido um radialista de sucesso, além de executivo de gravadora e dono da empresa "Clube do Disco", tudo isso pesou na construção de sua bela discoteca e éramos incentivados por ele mesmo a usufruir do acervo gigantesco, sob uma sala de audição com um equipamento Hi-Fi de primeira linha etc.
 
Claro que isso era sensacional. Café, lanches e afins também eram servidos à vontade. Havia uma faxineira e a secretária pessoal do Miguel, agia como governanta da casa, a gerir as faxineiras e a organização e funcionamento da cozinha. Essa secretária com plenos poderes ali dentro, chamava-se: Maria Amélia e era uma mulher de meia-idade na ocasião, mas com uma jovialidade bem preservada. De fato, nós logo soubemos que ela fora Miss Santos, nos anos cinquenta (acho que no ano de 1955, salvo lapso de minha memória), portanto, quando jovem, deve ter sido muito bonita.
Dava para ter-se uma noção disso ao observarmos a sua filha adolescente, uma menina na faixa de treze ou quatorze anos de idade e que era belíssima por ser bastante parecida com a sua mãe.
 
Entretanto, logo notamos que Maria Amélia, prudentemente, aliás, orientara a sua filha a não dar-nos atenção. Essa garota vivia a fugir pelos cantos, quando encontrava-nos, e claro que ficara patente a orientação materna nesse sentido. Particularmente, não acho errado que um pai ou mãe tome certos cuidados com filhos nessa idade, principalmente se for do sexo feminino.
O Beto sempre foi extrovertido ao extremo e brincalhão. Ele era assim ao tratar com qualquer pessoa, era o seu jeito normal de ser e agir. Pois então, foi logo a inventar apelidos para todas as pessoas daquele escritório e a Dona Maria Amélia, tornou-se dessa forma em sua brincadeira habitual, "Mamé", uma intimidade que a assustava, mas com a qual ela teve que acostumar-se. 
 
Porém, dava para sentir em seu semblante, que aquilo foi incômodo para ela e a apavorava em relação à filha. Esta por sua vez, obedecia a mamãe, e assim, evitava-nos, mas foi nítido também, que devia achar o máximo conviver com uma banda de Rock, com quatro cabeludos ali, e isso manifestava-se quando íamos ensaiar e ela dava um jeito de ficar na técnica a assistir-nos tocar, toda vez que a sua mãe esteve ocupada, em reunião com o Miguel, por exemplo.
Miguel era um gentleman. A sua postura era a de um Lord inglês, com modos refinados, linguajar sofisticado, e até um certo exagero no portar-se, mas particularmente eu admirava a sua educação, milhas acima do brasileiro médio.
 
Eu e Rubens (que também admirava esse grau de educação cavalheiresca de outrora). Beto e Zé Luiz, que tinham personalidades bem mais despojadas, achavam-no empolado em demasia. O consorte da Sonia, Toninho, era um rapaz bem mais jovem do que ela e muito prolixo, igualmente, como a sua esposa. Demonstrava uma espécie de esperteza popularesca muito grande, ao fazer o contraponto com o Miguel, em seus modos aristocráticos. 
 
Ele sabia portar-se de forma educada, naturalmente, mas havia interiormente em sua personalidade, uma quase não disfarçada malandragem de rua, e claro que essa personalidade diametralmente oposta ao Miguel, poderia somar, ao agregar em outros aspectos.
A estrutura física e os grandes contatos midiáticos e da indústria fonográfica eram do Miguel, com Sonia & Toninho a fazer o trabalho mais braçal da produção. Eles seriam produtores diretos do cotidiano, praticamente a função de um "road manager", além de cuidar do gerenciamento da carreira e eventualmente a agregar os seus propalados contatos de Teatro e TV.
 
E o Miguel, entraria com o seu prestígio na mídia radiofônica e televisiva, mas principalmente nos meandros da indústria fonográfica, onde ele fora um executivo e conhecia de fato muita gente. 
 
Haveria uma possibilidade a mais nessa equação, mas isso revelou-se mais um delírio, do que uma realidade. O Toninho apresentava-se como artista plástico e daí, dizia ter muitos contatos nessa área também, e que isso poderia agregar. Lógico que poderia... quisera eu ser amigo do Salvador Dali e ter a sua arte magistral e presença física sempre por perto em meu favor, quiçá a colaborar diretamente com a parte visual dos shows, material gráfico, capas de discos, ou no mínimo, com seu prestígio social que não abria, mas escancarava portas!
 
Entretanto, no caso do Toninho, existira um óbvio abismo colossal em relação à comparação que eu fiz acima e houve mais uma particularidade contestável sobre ele. Ele se auto definia como um artista fechado no estilo: "quixotesco". Eu aprecio artes plásticas, aliás, sempre gostei, mas fiquei confuso quando o ouvi falar sobre isso, pois desconhecia que houvesse uma escola estética com tal denominação.
Ele disse-nos que só criava "Quixotes", ou seja, todas as suas obras seriam motivadas, por um único mote: a figura do personagem criado por Miguel de Cervantes, Dom Quixote. De fato, ele mostrou-nos alguns esboços de pinturas, desenhos e várias pequenas esculturas a conter tal inspiração, apesar de acharmos aquilo muito estranho, pois era (é) no mínimo esquisito que um artista declarasse-se fechado sob uma ideia fixa.
 
Logo nos primeiros dias em que convivemos, ele prometeu fazer esculturas ou ilustrações com o Dom Quixote para cada um de nós, como um oferecimento gentil, mas somente o Rubens recebeu uma obra dessa natureza, que conduziu prontamente para o seu pai poder ornar o seu gabinete de trabalho, visto que o Dr. Rafael Gióia Junior, admirava o personagem de Cervantes.
Eles prometiam-nos conquistas mirabolantes e respaldados pela estrutura toda que ostentavam e somada aos contatos que diziam ter, representava para eles, praticamente favas contadas que fariam-nos "estourar" no mainstream, em questão de pouco tempo.
Conforme eu já disse, eles estavam empolgados com o nosso progresso conquistado, sem a interferência deles e consideravam-nos uma pedra semi-lapidada, só a precisar de pequenos ajustes para tornar-se valiosa de fato, no mercado. 
 
E isso reforçara-se à medida em que outros compromissos não paravam de aparecer-nos espontaneamente. O telefone não parava na residência do Rubens e dadas as circunstâncias, nós só transferíamos tudo para eles, ingenuamente eu diria, pois além da estrutura física do estúdio e poucos contatos da mídia que eles arrumaram, tudo o que estava a explodir na nossa órbita, fora fruto de nossos esforços reunidos ao longo de quatro anos de atividades.
 
Deveríamos ter testado mais o poder de fogo real deles, mas caímos na sua conversa vazia, com a ressalva de que estávamos tão bem naquele instante, que foi realmente difícil acreditar que não chegaríamos ao nosso objetivo, que seria atingir o patamar mainstream da música. 
 
E nesse ínterim, teríamos mais três shows para realizarmos em setembro. Todos, frutos de nossos esforços, mas já fechados com o escritório, deveríamos observar a obrigação em dar-lhes uma taxa muito robusta, advinda de nossos cachês. 

Finalmente, a despeito de tudo o que observei anteriormente, o Studio V sinalizou serviço, ao agendar uma entrevista em um programa de rádio, diferente de nosso mundo habitual. Abertos a sempre a mirar a expansão, claro que aceitamos e fomos participar de um programa de uma então jovem jornalista, na Rádio Tupi AM, que não era muito famosa na época, mas hoje em dia o é, bastante: Sonia Abrão.
                       Sonia Abraão, em foto bem mais atual

Contato da "nossa" Sonia, foi o típico programa centrado em fofocas sobre atores e atrizes de novelas da TV, mas também, artistas musicais do mesmo espectro popularesco. Não posso queixar-me, no entanto, pois Sonia Abrão foi muito simpática conosco, executou a canção "Sun City", proveniente da Demo-Tape que graváramos em abril daquele ano, e deu-nos abertura para falarmos sobre a nossa agenda imediata, planos etc. 
 
De nossa parte, não maculou-nos em nada ter participado de um programa supostamente fora de nosso nicho habitual de atuação e pelo contrário, queríamos mais é angariar público que nunca havia ouvido falar ao nosso respeito.
E achamos muito bom verificarmos um primeiro esforço oriundo da parte do Studio V, a lograr êxito. De certa forma, não incomodava-nos que não acrescentassem nada em meios onde já éramos conhecidos, solicitados espontaneamente, e assim, essa primeira demonstração de esforço extra e agregado aos nossos esforços naturais, agradou-nos tal ação, mesmo não sendo nada muito esfuziante. 
 
O próximo compromisso em termos de apresentação não foi dos mais glamorosos, mas havíamos aceitado participar, por que tratava-se de uma festa de um programa de rádio, que desde 1985, dava-nos força, e para sermos simpáticos, nesse caso, não dava para deixar de participar de um evento da parte de quem ajudara-nos com entrevistas e execução de nossas músicas. 
 
O programa em questão, foi o "Riff Raff", que era transmitido pela 97 FM de Santo André-SP e que fora a melhor emissora Rock de São Paulo naquela época, embora não estivesse exatamente instalada na capital, mas na simpática cidade vizinha.
O seu apresentador, era um rapaz jovem, expansivo e histriônico, chamado: Richard, que era bem prolixo e tinha uma orientação bem fechada no Hard-Rock e no Heavy Metal da década de oitenta, e sob tal nicho, invariavelmente, mais éramos saudados e enxergados como componentes de sua cena. O local desse show, foi exótico ao extremo, porém foi muito engraçado empreender um show nesse espaço, embora, no decorrer dessa noite, tivéssemos problemas, e que foram muitos preocupantes.
Bem, o local chamava-se: "Ácido Plástico", e ficava localizado a duas quadras da penitenciária do Carandiru, na zona norte de São Paulo. Até aí, sem problemas, mas o exótico nisso, foi o fato do local ter sido uma ex-igreja evangélica, ou seja, foi muito surreal que uma uma igreja tivesse deixado as suas instalações, para que um novo dono a usasse sem modificações arquitetônicas básicas, para atividades seculares, ainda mais shows de Rock, quando geralmente vemos o contrário, com ex-salas de cinema e teatros a serem transformados em templos.
 
Eu não saberia dizer sobre qual denominação evangélica pertencera a instalação, porém, seguramente fora uma igreja oriunda do protestantismo clássico, e não uma pentecostal, pois a sua arquitetura assemelhava-se às das igrejas católicas, nas partes externa e interna.
Portanto, o palco mostrava-se com estrutura de púlpito, ao torná-lo aquilo muito exótico. Na hora em que entrei no local, pensei naquela cena do filme, "Tommy", com o The Who e Eric Clapton, a interagirem juntos (Arthur Brown também faz parte dessa cena a interpretar um cadeirante a busca de um milagre), e onde a Divindade a ser cultuada, tratava-se de uma estátua enorme da sensual atriz norte-americana, Marilyn Monroe.  
 
No caso do "Ácido Plástico", claro que não havia essa alegoria louquíssima de um filme de Ken Russel e fora a rudeza da ambientação de uma ex-igreja, e por contar-se com um equipamento bem modesto de som e iluminação, ali aconteceria um show de Heavy-Metal, com duas bandas supostamente representantes desse gênero, A Chave do Sol, incluso, como a mais leve da noite, ainda que na percepção daquelas pessoas, fôssemos uma banda da mesma cena. 
 
Além de nós, tocaria também a banda "Destroyer", cujos membros eram bons rapazes e sobre os quais, tínhamos um bom relacionamento de amizade. Claro que o som deles era o metal pesado, mas não seria problema para nós, pois estávamos acostumados a fazermos shows coletivos com bandas pesadas. No entanto, um fato curioso e perigoso, ocorreu quando da realização do soundcheck.
Eu estava em pé, a observar os preparativos do "Destroyer" a fim de iniciar o processo de seu soundcheck, quando eu resolvi sentar-me em um canto do salão. O som dos rapazes era peso-pesado e como de costume entre bandas desse gênero musical, não faziam nenhuma dinâmica, a tocar de forma "reta", como diz-se no jargão musical.
 
Com a agravante do fato do salão estar vazio naquele instante, somente com os músicos e técnicos presentes, além da constatação daquela acústica ter sido concebida para cultos religiosos e não shows de Rock pesado, claro que com os músicos a tocarem naquele volume ensurdecedor, fazia tudo vibrar, inclusive os vitrais das janelas.
Foi quando sob uma fração de segundos eu senti um punhado de farelos brancos a caírem sobre a minha cabeça, e nem deu tempo para raciocinar, pois eu  senti um forte impacto em meu crânio, seguido por gritos e a banda a parar de tocar no palco. 
 
Sem entender direito o que ocorria, por estar atordoado, tornei-me o centro das atenções, mas o que ocorrera, afinal de contas? Por azar absoluto, eu estava sentado em um canto, bem abaixo do aparelho de ar condicionado do estabelecimento. Talvez não muito bem fixado na parede e certamente estimulado pela trepidação que o som violento estava a causar, eis que o aparelho tratou de despencar, justamente naquele instante.
A minha sorte foi que o impacto causado pela tela protetora, mostrou-se bem mais leve do que o sólido aparelho em si. Este também caiu, mas nessa altura, naquela fração de segundos, atingido pela tela, o meu reflexo de autodefesa funcionou, e eu dei um salto da cadeira, pois a carcaça mais pesada cairia a seguir, a espatifar-se no chão, sob forte estrondo e a assustar a todos. 
 
Fui prontamente socorrido por todos os presentes, e o ferimento gerado foi mínimo, com um leve arranhão na parte lateral da testa, a sangrar pouco e a causar um hematoma discreto, como lembrança imediata.
Nada pior ocorreu, portanto, entretanto, foi uma sorte incrível não ter ocorrido algo muito grave. Se tivesse atingido-me em cheio, receio que poderia ter ferido-me gravemente, quiçá, letalmente e assim, não estaria aqui, anos depois, a escrever essa história.
 
A seguir, refeito do susto, firmei posição em prosseguir com a programação, sem modificações, apesar dos apelos dos amigos para que eu fosse a um Pronto-Socorro hospitalar, buscar uma avaliação médica mais apurada. Foi incrível, mas a noite proporcionar-nos-ia uma outra surpresa, tão desagradável quanto!


Bem, o Destroyer fez o seu show habitual, e a casa estava com um bom público, mas cabe uma ressalva: haviam cerca de duzentas pessoas presentes no local, mas para os padrões daquele tempo, nós consideramos um público pequeno, ou seja, imagine, leitor, do jeito que a cena independente ficou dos anos 1990 em diante, quando duzentas pessoas, seria considerado um triunfo a ser comemorado. 
 
Após o show do Destroyer, o locutor, Richard, fez a sua intervenção bem frenética, para promover sorteios de brindes e a falar sobre o seu programa, logicamente, e a seguir, anunciou-nos.
Fizemos um show um pouco além do padrão de choque, por ter sido mais estendido, eu diria, e foi muito bom, embora o nosso som fosse infinitamente mais leve e o público presente fosse predominantemente headbanger, na contrapartida. 
 
Foi o tal negócio: éramos respeitados nesse meio, apesar de mesmo em nossos momentos mais pesados, na época do Fran Alves, nunca termos sido uma banda de Heavy-Metal, de fato, e para agravar ainda mais, com a entrada do Beto Cruz, havíamos ficado ainda mais leves, mais a parecermo-nos como uma Hard-Rock setentista, em alguns aspectos. 
 
O Beto estava com um problema de garganta, ao sentir dores nos dias que antecederam a realização desse show. Ele consultou um médico e houve a suspeita de que fosse algo grave, a se revelar um nódulo nas cordas vocais. De fato, ele cantou nesse dia a sentir um desconforto, mas na adrenalina do show, até solo vocal fez (em: "Que falta me faz, Baby"), ao surpreender-nos, pois nós três (eu, Rubens e Zé Luiz), sabíamos que ele estava com esse problema e que deveria conter-se, porém, no calor da adrenalina do show, ele não conteve-se em seu ímpeto e esticou a voz como se estivesse bem.
 
Entretanto, tínhamos algo a mais para enfrentar naquela noite. Um problema extra-musical estava do lado de fora das dependências do "Ácido Plástico". Informados por nosso amigo, China Lee, vocalista do, "Salário Mínimo", ficamos apreensivos por sabermos que uma gangue enorme, formada por punks, estava do lado de fora do estabelecimento, a esperar o momento estratégico para invadir e promover um tumulto generalizado.

O vocalista do Salário Mínimo, China Lee, em foto bem mais atual

Diante da iminência de uma batalha campal ali a ser deflagrada, com grande chance para transformar-se em tragédia, os responsáveis pela casa chamaram a polícia, que veio em peso para dispersar a trupe de brigões e assim, o público presente pode sair em segurança, a deslocar-se à estação Carandiru do Metrô, ou por outros meios, e nós músicos, pudemos também efetuarmos a nossa retirada em segurança, ao deslocarmo-nos mediante nossos instrumentos e equipamentos. Aconteceu no dia 14 de setembro de 1986, um sábado, no "Ácido Plástico", com cerca de duzentas presentes.
Resenha desse show descrito acima, que foi publicada na revista "Metal", em sua edição de número 27
No dia 21 de setembro, visitamos os estúdios da 97 FM, de Santo André-SP e participamos dessa forma, do programa "Riff Raff", em que o seu apresentador, Richard, repercutiu a festa realizada dias antes no exótico programa "Ácido Plástico". 
 
Eu, Luiz Domingues, Rubens e Beto, representamos a nossa banda na ocasião, a deixar o Dinola livre dessa missão. Outro compromisso que tivemos, foi no teatro Mambembe, onde costumeiramente contávamos com um bom público, e sem fazer grande esforço na divulgação, além do disparo da mala postal, via correio tradicional, e mais cartazetes e filipetas. 
 
Uma banda amiga tocaria conosco, o "Anarca", que posso afirmar, também colocava-se de uma maneira anacrônica na cena oitentista, pois parecia uma banda orientada pelo Hard-Rock setentista, em sua essência. Foi naturalmente, aceita nesse meio em que vivíamos, mas assim como nós e outras poucas ("Lixo de Luxo", "Zangoba", "Orquestra Azul", "Cheiro de Vida", "Mixto Quente", "TNT" - de São Paulo, não os gaúchos-, "Anacrusa", "Antro"; "Fênix" e "Ave de Veludo"), éramos bandas híbridas, a tentarmos sobreviver em um cenário muito hostil, porém, ao sermos confundidos com algo que não éramos exatamente, na falta de algo mais confortável e condizente com nossos propósitos, aceitáramos o improviso da situação.
Fora uma outra ação do dinâmico produtor Antonio Celso Barbieri, mas nessa altura, a trabalhar com o Studio V, e a faltar poucos detalhes para assinar e registrar um contrato oficial no cartório, tínhamos que pagar o Barbieri e depois, do nosso líquido, descontar um filão muito robusto para o Studio V. Como as bilheterias do Teatro Mambembe eram sempre excelentes, não sentimos muito o golpe, mas a pensar hoje em dia... que sangria sem sentido, visto que tratava-se de mais um show marcado sem nenhuma interferência da parte deles, para ter concretizado-se.
E como sempre, foi uma noitada sensacional, com casa lotada e muita energia. Lembro-me da presença de Sonia e Toninho nos bastidores e o quanto pareciam eufóricos com aquele sucesso todo que geramos. 
 
Fora ante nós um teatro abarrotado, com quase o dobro do público máximo que comportava oficialmente, e inteiramente eufórico com o show. A plateia respondera com total interação as brincadeiras do Beto, além das minhas intervenções pontuais, como "locutor de FM" ao microfone, para fornecer recados gerais etc. 
 
Foi óbvio que o casal de empresários empolgasse-se, ao projetar o sucesso amplificado sob a larga escala popular do mainstream, e nós também pensávamos nesses termos. Aconteceu no dia 22 de setembro de 1986, com seiscentos e trinta e quatro pagantes, sem contar os convidados e estabeleceu-se nessa noite, o recorde de lotação daquele teatro. 
 
Foi quase o dobro da sua capacidade total, ou seja, pessoas amontoavam-se pelos corredores, algo que nos dias atuais, é impossível de ocorrer mais, pela adoção das normas de segurança que anos depois seriam impostas pelo Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e órgãos fiscalizadores da prefeitura. E quanto a tais normas que foram criadas nos anos posteriores, claro que concordo com elas em termos de prevenção de acidentes, como cidadão consciente que sou.
No entanto, imprudência a parte, foi sensacional para nós, termos estabelecido tal recorde e tal marca só foi ser suplantada ao final de 1987, pelo "Sepultura", que estava a estourar internacionalmente, e dessa forma, superou-nos com mais de novecentas pessoas presentes ao teatro, inclusive com mais de quinhentas na rua, sem condições para entrarem e ao forçarem a barra para ingressar, gerou tumulto, que teve de ser contido pela ação da Polícia Militar. 
 
Alguns dias depois, teríamos uma outra aventura interestadual, mas ao invés de irmos novamente ao Rio de Janeiro, ou outro estado vizinho, seria uma ação longínqua e bastante estimulante para nós. Um show a ser realizado no Nordeste, especificamente na cidade de Teresina, no estado do Piauí.

Assim como tudo o que estava a acontecer-nos pelas vias naturais, o convite para irmos fazer um show no nordeste do Brasil, também fora espontâneo, fruto de nossos esforços reunidos ao longo de muitos anos de labuta. O Studio V regozijava-se com tais oportunidades, mas a grande verdade, foi que tais conquistas, foram obtidas graças aos nossos próprios méritos e nada que viera de imediato a parte deles. Da parte deles só tínhamos promessas megalomaníacas, proferidas durante as reuniões que promoviam conosco. 
 
O show que faríamos em Teresina, no Piauí, seria no contexto de um festival a ser realizado naquela capital nordestina. O evento chamou-se: "Setembro Rock Festival", e foi uma produção realizada por um rapaz obstinado, chamado, Zilton Filho, que produzia uma banda pesada e autóctone, chamada: "Vênus". Bem articulado, com cultura e força de trabalho bem organizada, montou de fato, um festival bem produzido, e logrou êxito em seus esforços, não tenho dúvida sobre isso.
Fomos a atração principal do festival, o que honrou-nos, certamente e aos olhos do público piauiense, estávamos ali na condição de uma banda consagrada, como se estivéssemos no mainstream, e claro que isso não correspondia à nossa realidade cotidiana, mas por outro lado, foi para nós, um bom sinal, aliás, mais um, de que estávamos a chegar nesse patamar. 
 
Recebemos as passagens aéreas, e toda a instrução da logística para cumprir na capital piauiense, sob a condução bem profissional do produtor, Zilton Filho. Teríamos um dia cheio, com compromissos na TV e emissora de rádio locais, além dos procedimentos habituais de um soundcheck no local do espetáculo, evidentemente. 
 
Sonia deu-nos instruções para portarmo-nos sem a presença dela ou do Toninho, que não iriam conosco, mas a verdade foi que esse manual de comportamento por eles recomendado, revelou-se na verdade uma cartilha simplória e inadequada para artistas que já estavam na estrada com certa experiência, nosso caso, mais a valer portanto, para garotos em início de carreira, e além do mais, o produtor local, Zilton Filho, havia pensado em todos os detalhes, e a verdade é que este foi um dos shows mais bem organizados dos quais participamos nesse ano. Foi um show que rendeu muitas histórias, e das quais, eu procurarei lembrar-me com detalhes, para compor neste relato.

A viagem de ida foi bastante tranquila. Ao viajarmos em duas companhias aéreas que eram ainda bem populares nos anos oitenta, mas que simplesmente não existem mais, fomos na primeira fase da viagem, de São Paulo até Brasília, via Vasp, onde fomos bem tratados, apesar da típica estranheza generalizada à nossa volta, pelo nosso visual que chamava a atenção em um ambiente social avesso ao mundo do Rock, naturalmente.
 
Em Brasília, trocamos de aeronave, após uma longa espera e ao embarcarmos em um bólido da "Cruzeiro do Sul", uma espécie de linha "B" da Varig, o tratamento foi outro. E o reflexo disso, ocorreu assim que entramos na aeronave. Mesmo sendo treinadas para serem extremamente gentis, as aeromoças que recepcionaram-nos, falaram alto entre si, palavras rudes, como: -"provavelmente esses cabeludos vão espalhar piolhos entre os passageiros". 
 
Foi uma descortesia inadmissível, que suplantou e muito, qualquer tipo de preconceito pessoal que tivessem contra Rockers, Hippies, cabeludos (ou para ser mais coadunado com a época: "metaleiros"), e portanto, tal ato de insubordinação desdenhosa, mereceria ter sido alvo de uma reclamação formal de nossa parte, para com a direção da companhia, pois ali não era lugar para elas expressarem as suas opiniões pessoais, mas sim, demonstrar cortesia para com clientes, ou seja, esqueceram-se do treinamento pelo qual passaram, para serem contratadas como comissárias de bordo. 
 
Porém, relevamos o desconforto, pois causaria uma celeuma desagradável, para certamente estragar o astral da nossa viagem, e convenhamos... estávamos animados para fazermos um show em outra região do país, longe do circuito Rio-São Paulo, que habitávamos, normalmente. 
Claro, o Beto e o Rubens, ambos com gênio mais forte, não engoliram a grosseria como eu, mais monástico que sou, e passaram a viagem toda a fazerem pedidos para as aeromoças, ao enfatizar a questão de se referirem a elas, como "garçonetes", em voz alta, sob uma forma pejorativa para aborrecê-las. 
 
Nada contra a profissão de comissária de bordo, tampouco as garçonetes, propriamente ditas, mas um pouco da dignidade daquelas mocinhas mal-educadas, ficou abalada naquela viagem, e convenhamos, elas mereceram o castigo por sua insubordinação inadmissível para com clientes. 
 
Uma artista famosa da MPB, embarcara em Brasília, rumo à Fortaleza, onde fizemos uma escala. Fafá de Belém, então a viver um grande momento em sua carreira, principalmente após os acontecimentos por conta da campanha pelas "Diretas Já", além do hino nacional "a capella", que embalou a comoção pela morte de Tancredo Neves, um ano antes etc.
Curiosamente, ela estaria conosco na viagem de volta, no dia seguinte, além de outro artista popular da MPB, de então.
 
Quando o avião finalmente aterrissou em Teresina e a porta da aeronave abriu-se, tivemos um choque térmico impressionante. Ao sairmos do ar condicionado mantido dentro do bólido para encarar a temperatura ambiente daquela capital, tivemos a real noção do que era o calor nordestino acachapante. Eu tive a impressão de estar a entrar em uma sauna de banho turco, literalmente.
Rapidamente, uma produtora do festival, recebeu-nos no saguão do desembarque do aeroporto, e mediante carriers (ajudantes para carregarem volumes), auxiliou-nos a transportar a nossa bagagem e instrumentos para a velha perua Kombi, a van mais usada no Brasil, até então, e de lá, com muita simpatia, conduziu-nos ao hotel, onde hospedamo-nos. 
 
Após um banho refrescante e um rápido repouso, levaram-nos para um almoço excelente, com direito a guia turístico, a mostrar os pontos importantes da cidade, e em seguida, para dois compromissos de imprensa que tínhamos a cumprir. 
 
Foi uma entrevista na emissora de rádio, Poty FM e outra, na TV, em uma emissora afiliada da Rede Bandeirantes, com direito a uma micro aparição no noticiário local, chamado: "Jornal do Piauí", na TV Pioneira.
Nessa altura, já tínhamos em mãos, algumas matérias provenientes de jornais locais, com direito a fotos nossas em destaque, referentes à nossa participação no festival, fora o fato de termos visto muitos cartazes, placas de rua (outdoors) e faixas publicitárias a anunciarem o evento em vários pontos da capital piauiense. Tal produção estava a ser uma das melhores onde "A Chave do Sol" esteve presente. Tudo correu às mil maravilhas no que tangia à organização, isso sem contar o tratamento "vip" com o qual estávamos a sermos agraciados da parte dos produtores do evento.
O hotel onde hospedamo-nos, ostentava quatro estrelas, os restaurantes onde levaram-nos, foram escolhidos a dedo, a apresentar muita qualidade e ao notar que não estávamos acostumados com a alta temperatura local, estabeleceram várias paradas estratégicas em casas de sucos e sorveterias, onde garantiram que hidratássemo-nos adequadamente.
 
Estivemos encantados com a hospitalidade e queríamos muito retribuir no palco, ao fazer um grande show para o público e para o pessoal da produção, que fora extremamente gentil para conosco. Finalmente, fomos conduzidos ao local do evento, o ginásio de esportes conhecido como: "Verdão", a fim de participar do soundcheck.
Realizamos o soundcheck com bastante tranquilidade, com a equipe de produção de palco a seguir os passos dos outros membros que cuidavam da logística geral, ou seja, com bastante educação, simpatia e solicitude. O técnico do PA que haviam contratado, fora um rapaz muito competente e igualmente simpático, que atendia pela alcunha de "carioca". De fato, esse rapaz era do Rio, mas revelou-nos que estava radicado no nordeste há algum tempo, e que estava acostumado a sonorizar grandes eventos em todos os estados daquela região.
Segundo contaram-nos, ele detinha o melhor equipamento do nordeste e estava acostumado a sonorizar todos os artistas mainstream da MPB e do BR-Rock 80's, que apresentavam-se pelas capitais, e principais cidades interioranas da região. 
 
E pelo que constatamos no soundcheck, o seu equipamento apresentava muita qualidade e a sua competência como técnico, idem, portanto, ficamos bastante confiantes de que seria um show muito confortável para nós, tecnicamente a falar. 
 
Claro, o próprio "carioca" advertiu-nos que as circunstâncias acústicas do local, não favoreceriam em nada a sonorização do espetáculo, mas isso não surpreendeu-nos, em absoluto, pois ao tratar-se de um ginásio de esportes, com cimento armado nas arquibancadas e teto de zinco, é claro que não haveria equipamento no mundo que conseguisse garantir um áudio com isenção, ali. Foi uma questão acústica, pura e simples, e tínhamos consciência disso, é claro. 
 
Encerrado o soundcheck, fomos reconduzidos ao hotel, onde descansamos e preparamo-nos para o show. Após o jantar, ocorrido no restaurante do próprio hotel, aliás, muito bom, por sinal, fomos reconduzidos ao ginásio Verdão, e chegara a hora do Rock soar em Teresina...
De volta para o ginásio, este já encontrava-se quase inteiramente lotado. A expectativa dos produtores estava a cumprir-se, e o evento confirmara-se um sucesso. Bandas locais e de estados vizinhos, já apresentavam-se. 
 
Em sua maioria, eram bandas sob orientação Heavy-Metal, como seria para esperar-se naquela época, e circunstância em específico. Já estávamos prontos no camarim quando fomos chamados a assumir o palco. 
 
O ginásio estava lotado e houve uma expectativa criada para o nosso show, muito mais por conta de sermos de São Paulo, portanto, uma atração diferente para o público local, do que realmente baseada em nossa fama proeminente. Claro que muita gente ali presente conhecia-nos e nutria interesse em assistir-nos em ação, todavia, sem ilusões, sabíamos que para a maioria, éramos desconhecidos.
Não tratou-se de um público inteiramente Rocker, mas híbrido, pois muitas pessoas estavam ali mais pelo acontecimento na cidade e não exatamente por gostar da estética dos artistas e muito menos deles em si. 
 
Segundo alguns comentários que ouvimos, uma semana antes, Os Paralamas do Sucesso haviam apresentado-se ali mesmo naquele ginásio, e claro que não podíamos gozar das mesmas condições deles, em termos de receptividade, pois estes viviam no mainstream da música, e nós, no underground. 
 
Nós começamos a tocar e a reação estava bastante agradável, com o público a aplaudir e a responder bem os estímulos propostos pelo Beto Cruz, o nosso frontman. Foi um show muito energético, agradável mesmo e saímos do palco com a sensação do dever cumprido, e mais que isso, que havíamos expandido um pouco mais as nossas fronteiras. 
 
Eu cheguei a expressar isso ao microfone, quando agradeci a presença do público presente, e aproveitei para dizer o quanto estávamos felizes por estarmos ali, a tocar pela primeira vez fora do eixo Rio-São Paulo. Aconteceu na noite de 27 de setembro de 1986, e cerca de três mil pessoas viram e ouviram-nos. 
 
Tudo foi maravilhoso, contudo, ocorreu uma situação absolutamente desagradável e alheia à toda a simpatia do pessoal da produção, quando voltamos ao camarim, no pós-show. Ao mexer em seus pertences, o Beto constatou que roubaram-lhe a carteira, inclusive com todos os seus documentos. Fora um lapso de sua parte, não deixar os documentos no hotel, mas tal falha fora coletiva, pois todos os demais, incluso eu mesmo, também não havíamos adotado tal medida básica de segurança, mas lamentavelmente, ele fora surpreendido por um gatuno, e os demais ficaram ilesos, por pura sorte.
A produção ficou muito constrangida com o ocorrido e realmente fora uma brecha na segurança, um vacilo que proporcionou a oportunidade para o meliante de ocasião, agir a vontade. 
 
Isso não desabonou o festival como um todo, tampouco a extrema simpatia com a qual fomos tratados o tempo todo pela equipe de produção, mas claro que, ainda que involuntariamente, ficou um arranhão na história, infelizmente. 
 
Claro, o produtor Zilton e a sua equipe deu-nos todo o suporte, ao prontificar-se a apoiar o Beto na delegacia, para lavrar o Boletim de Ocorrência, mas o aborrecimento foi consolidado. Quem já passou por isso, sabe o quanto é desagradável, não só pela perda financeira e humilhação que é suportar tal infâmia, mas também pelo inferno burocrático que é pleitear a segunda via dos documentos perdidos, transtorno para bloquear cartões de crédito e talões de cheques.
Claro que isso chateou muito o Beto, e não fora para menos. Para amenizar a situação, a produção levou-nos para a melhor boite da cidade, no pós show. Não mediram esforços para agradar-nos, e depois do evento do furto no camarim, ainda mais. 
 
Eu não bebo e evidentemente que não interessei-me pelo programa proposto, ao preferir voltar ao hotel. Na manhã seguinte, após as despedidas no saguão do aeroporto, e mais pedidos de desculpas dos membros da produção, pelo ocorrido no camarim do show, voltamos para São Paulo a cumprir exatamente o mesmo percurso da ida, ou seja, com escala em Fortaleza e troca de aeronave em Brasília. 
 
Como eu já havia comentado, a cantora Fafá de Belém voltou conosco, sob uma coincidência incrível. E o sambista, Almir Guineto, também embarcou na aeronave, em Fortaleza. Muito brincalhão, ele logo começou a interagir conosco, e naquele seu comportamento bem carioca de ser, cheio das malandragens, começou a provocar a Fafá de Belém, que não gostou das brincadeiras, mas não retrucou, porém, permaneceu calada e com o seu semblante fechado, a demonstrar não estar a apreciar as pilhérias do sambista. 
 
As piadas que ele formulava, começaram a contaminar os passageiros, no entorno das poltronas, e ajudado pelo Beto, que também sempre fora um brincalhão em potencial, isso gerou uma epidemia de risadas. Foi quando ele disse algo ainda mais engraçado, embora no mais puro humor sarcástico: -"se o avião caísse, não haveria problema algum, pois a Fafá cantaria o hino nacional, a capella, para encomendar bem as nossas respectivas almas, como houvera feito com o Tancredo Neves"... 
                         O sambista carioca, Almir Guineto 

Isso gerou uma euforia fora de propósito e nesse ponto ela passou por nós a fulminar-nos com os seus olhos, ao demonstrar estar bastante contrariada com as brincadeiras do sambista, e a repercussão gerada entre os demais passageiros, que riam às gargalhadas. 
 
Para agravar a galhofa, uma pessoa foi ao toilette e quando saiu, o estrago intestinal que ali causou, levantou verdadeiras brumas fétidas, que rapidamente tomaram os corredores das poltronas próximas, de assalto. Diante da euforia gerada antes, e com o espírito brincalhão de Guineto e Beto, a mil por hora, isso gerou um sem número de piadas a mais no sentido escatológico e a viagem nem foi sentida, pois ainda gargalhávamos, quando o avião pousou no aeroporto de Cumbica em Guarulhos-SP. 
 
Em suma, foi uma tremenda aventura divertida para a banda, e com exceção do furto da carteira do Beto, tudo foi ótimo nessa etapa.
Alguns meses depois, o jornal, "O Estado", de Teresina/PI, já especulava sobre o festival a ser realizado em 1987, e citou-nos com direito a foto do show de 1986, para exemplificar como houvera sido o festival de 1986. 
 
Ao retomarmos a rotina em São Paulo, tivemos a missão de entrarmos em estúdio, para gravarmos a segunda Demo-Tape do ano de 1986, e desta feita, a que conduzir-nos-ia rumo a um contrato com uma gravadora major e ao mainstream, assim esperávamos. E como dizia Rita Lee em seus bons tempos com o Tutti-Frutti: -"Oh doce ilusão...ah hu hu, yeah, yeah"...

Estávamos muito felizes por termos feito o nosso primeiro show fora do Eixo Rio-São Paulo, a expandir fronteiras. Mais que isso, a somatória de boas novidades que tínhamos, pareceu-nos uma verdadeira avalanche, e sem dúvida, isso contaminou a equipe do Studio V, que tratava-nos como uma joia rara, prestes a ser exibida no mercado.
Logicamente, essa euforia toda gerada, teve o poder da retroalimentação e quando reverberava em nós, a voltar com o efeito "boomerang", não havia como também não ficarmos muito excitados com a situação de momento, mas sobretudo, pelas perspectivas ainda melhores que teríamos, muito possivelmente.
 
Portanto, com a entrada de outubro, ficou determinado que gravássemos uma nova Demo-Tape e uma reunião convocada pelo Miguel, teve essa pauta específica: Demo-Tape e qual gravadora almejávamos. 
 
Isso mesmo, ele consultou-nos sobre qual gravadora nós achávamos que seria a ideal para cuidar de nossos interesses, e de pronto, dissemos-lhe que nossa prioridade seria a Warner, gravadora que mais continha artistas ligados ao Rock, se bem entendido, a turma do Pós-Punk, em predominância máxima, mas mesmo assim, pareceu-nos a mais adequada, naquele panorama.
Claro, a BMG-Ariola também tinha o seu elenco Rock, assim como a EMI-Odeon (A CBS já possuía o "Inox", uma banda pesada, e isso mostrara-se como um alento para nós), e outras em menor cotação, todavia, a Warner fora o nosso sonho de consumo ilusório, por parecer-nos ser a mais incisiva, desde que o BR-Rock 80's estourara na mídia mainstream, ainda em meados de 1982, para consagrar-nos nos anos posteriores.
O discurso do Miguel era proferido com extrema confiança, a dar a entender, ou melhor, afirmar categoricamente, que o seu contato seria com todas as companhias fonográficas, de onde conhecia todos os seus executivos, diretores de repertório & contratações, além dos próprios presidentes de cada gravadora. 
 
Uma Demo-Tape, bem gravada, com material gráfico de apoio a um bom álbum com fotos, ajudaria, mas baseado nas afirmativas que fazia-nos, sua intervenção direta haveria de garantir a nossa entrada.
 
Ao demonstrar uma tranquilidade tão grande nessa colocação, pareceu-nos à nossa percepção, que estaria além de uma mera bravata empresarial de sua parte, mas a constituir-se em uma verdade absoluta. Para ir além, ele disse-nos que seria muito bom que um artista consagrado do mainstream e com forte identificação com o Rock, apadrinhasse-nos e mediante um esforço pessoal de tal suposto padrinho, também comprometesse-se a ajudar-nos, ao telefonar para a gravadora escolhida, e endossar assim, a sugestão de nossa contratação
Quando falamos-lhe que ambicionávamos a Warner, claro que ele quis conhecer a nossa justificativa para tal escolha, e aí nós comentamos sobre o panorama do Rock oitentista e o quanto a Warner parecia-nos ser a gravadora major que mais investia no Rock naquele instante, além das várias tentativas que havíamos feito para abordá-la, com as nossas próprias e incautas forças, fora o apoio que tivéramos de Charles Gavin, baterista dos "Titãs", e Clemente, líder d'Os Inocentes, nesse mesmo esforço.
Rita Lee & André Midani, em foto de 1972. Será que essa dupla de amigos do Miguel, e entre si, conspiraria em nosso favor?

Então, a mostrar inteiro controle da situação, por demonstrar ter conhecimento dos meandros das gravadoras majors, ele determinou que a sua secretária, Maria Amélia, anotasse na agenda, a tarefa de ligar para André Midani, o presidente da Warner no Brasil, e que segundo ele, era seu amigo desde o início dos anos sessenta. 
 
Tal telefonema seria efetuado assim que tivéssemos a Demo-Tape finalizada, e o material gráfico e fonográfico, idem. Sobre a história de um eventual "padrinho" artístico que apoiasse-nos, pensamos em dois nomes inicialmente: Rita Lee e Erasmo Carlos. 
 
Miguel prontamente alegou conhecer e muito bem, a ambos, mas pediu-nos que escolhêssemos apenas um, para que ele fizesse o contato e pessoalmente convidasse tal artista para ser nosso padrinho ou madrinha artística. Gostávamos dos dois, mas naquela circunstância inicial, fechamos com a ideia de ser a Rita Lee, por que já havíamos a abordado pessoalmente, há pouquíssimo tempo, e ela elogiara-nos de uma forma explícita, no seu programa, e até por ter estabelecido uma comparação de nossa banda com o "Bad Company", banda britânica e setentista clássica, que ela mesmo adorara naquela década passada e que portanto, tal comparação fora entusiasmante para nós, pelo peso duplo que trouxe em seu bojo.
Ao alegar conhecer a Rita desde o tempo em que os Mutantes ainda não haviam ficado famosos, ele também mandou que a Maria Amélia anotasse como a sua segunda tarefa na condição de nosso empresário, ligar para a famosa cantora para formular tal pedido, pessoalmente. 
 
Contaminamo-nos ainda mais com tal euforia gerada, mediante essa confiança que ele demonstrava ter nesses contatos de bastidores. Isso representava tudo o que sonhávamos desde o início da carreira da banda, ou seja, um empresário com livre acesso aos bastidores do mundo artístico como um todo, a usar seu tráfico de influências (no bom sentido do termo, é lógico), em nosso favor e de nossa parte, tínhamos mais que um produto artístico/musical bom em mãos, mas no seu bojo, quatro anos com esforços realizados, e naquele instante, com bastante visibilidade adquirida, e sobretudo com o telefone a tocar, espontaneamente.
Ou seja, como não contaminar-se com a euforia gerada por tal perspectiva auspiciosa? Ao analisar hoje, com a experiência adquirida, mediante três décadas de distanciamento histórico, cabe uma reflexão, no entanto: apesar do Miguel realmente conhecer, e ter intimidade com tais executivos e mandatários de gravadoras, não estaria ele defasado em relação à cena oitentista? 
 
Os seus valores eram da década de sessenta e principalmente baseados no universo da música Pop, isto é, talvez ele não conseguisse entender a nossa real identidade, o nosso conflito estético com as correntes oitentistas antagônicas, e por conseguinte, a mentalidade em voga que norteava a cabeça dos mandatários das gravadoras, naquele instante em que o show business atravessava.
Tudo bem conhecer o André Midani e tomar vinho com ele, mas será que o Miguel sabia sobre quem dava as cartas no mercado e nesse caso, a tratar-se da estética do Pós-Punk, e que produtores como Liminha e Peninha rezavam por tal cartilha, com as bênçãos de Midani? 
 
Outro aspecto: independente de nossas ponderações artísticas e estéticas sobre qual gravadora parecia-nos a mais atraente, ele não sabia o que seria melhor para o nosso gerenciamento, mesmo ao conhecer os métodos de cada uma dessas empresas? Com tantos anos de militância nesse meio, não teria uma avaliação precisa sobre qual seria a ideal? A resposta que dou hoje em dia, é categórica para todas as questões acima elencadas: não!
Acho que ele confiou em demasia em seu prestígio pessoal, que era realmente forte, mas nesse mercado da música, as tendências mudavam muito rapidamente. Sendo volátil ao extremo, se um produtor não acompanha tais mudanças bruscas, fica defasado instantaneamente, e claro que o Miguel perdera o "bonde da história", e raciocinava a sua estratégia baseada no mundo fonográfico e midiático em que tanto lidara, nas décadas de sessenta e setenta e sob o prisma da música Pop (com estreita ligação com o aspecto popularesco, observe-se isso com atenção), ou seja, algo bastante distante do Rock. 
 
Na época, claro que nada disso ocorreu-nos e o nosso sentimento foi o de estarmos à beira da concretização de nossas metas traçadas, desde que a banda fora fundada, em 1982.
 
Assim iniciou-se o ano de 1986, e dali até dezembro, a quantidade de fatos e histórias paralelas que foram geradas nos bastidores da banda, e no casarão da Avenida Eusébio Matoso, foram dos mais intensos na história d'A Chave do Sol. Espero não esquecer-me de nada!

Já ensaiávamos regularmente nas dependências do Studio V, desde setembro. E nos primeiros dias de outubro, já começamos os preparativos para gravar a nova Demo-Tape. A grande mordomia seria na questão do tempo livre, um fato raro em nossa história, que sempre fora marcada por lidar com verba exígua, para gastar-se em produções desse porte, ou depender de terceiros, caso do EP de 1985, com a Baratos Afins a bancar, mas esta, por ser uma gravadora com pequeno porte, sem maiores recursos. 
 
Outro fator animador, foi que o estúdio tinha porte médio, mas por ser absolutamente novo, recém-inaugurado. Além de possuir um bom equipamento básico e igualmente recém saído de fábrica, cada peça ali instalada, tais nuances somadas, garantiu-nos uma linha de trabalho segura, pois pasmem, amigo leitor, mas não existe nada pior do que empreender gravação em estúdio sob más condições de manutenção básica e sofrer assim o martírio em ter que interromper o trabalho seguidas vezes, para o técnico descobrir de onde vem os ruídos indesejáveis, ou simplesmente, ao deparar-se com equipamentos que recusam-se a funcionar.
Tínhamos naquela altura, um repertório novo e muito vasto. Desde que o Beto entrara na banda, ao final de outubro de 1985, a grande profusão de novas ideias advindas de sua entrada, deu-nos esse impulso primordial para renovarmos o repertório. 
 
Ele mesmo, Beto, foi o mais prolífico nesse sentido, ao trazer-nos muitas canções novas. O fato de também ser guitarrista e compositor, certamente tornara-o um agente agregador nesse sentido para a banda, pois ele proporcionava-nos muitos riffs novos, quase diariamente, fruto de suas inspirações caseiras a tocar guitarra. 
 
Chegamos, portanto, nesse instante para gravar uma nova Demo-Tape, com um leque enorme de opções para escolhermos. Claro, muitas dessas novas canções já vinham a serem tocadas nos shows ao vivo, algumas até, desde 1985, sendo assim, nós já tínhamos expectativas, mediante a temperatura de cada uma, testada perante o público.
Lógico, havia a experiência toda acumulada, com diversas abordagens feitas à gravadoras majors, conselhos de amigos que já habitavam esse patamar, os erros e acertos da Demo-Tape anterior, gravada em abril e também esperávamos pelos conselhos de Miguel, com a sua experiência como radialista e executivo da indústria fonográfica. 
 
Músicas mais "peso-pesado", tais como "Forças o Bem", por exemplo, gravada na Demo-Tape anterior, de abril, não poderiam figurar nessa nova tentativa.
 
Paralelo à essa produção da Demo-Tape, os compromissos e oportunidades não paravam de acontecer. E assim, conforme eu já mencionei preliminarmente em parágrafos anteriores, havíamos recebido o convite de um programa da TV Record de São Paulo, para participar de uma edição especial do mesmo, a ser realizada no Palácio das Convenções do Anhembi, acompanhados de outras bandas egressas da cena do BR-Rock 80's, e com a difícil missão de sermos a "abertura" de uma atração Popularesca e infame! 

Prossigo essa história bizarra da nossa trajetória, nos próximos parágrafos.

Aceito o convite, sabíamos que seria uma oportunidade para alcançarmos uma mega exposição televisiva, portanto algo muito bom para nós, mas não houve nenhuma euforia de nossa parte por conta disso, mesmo por que, teríamos a inglória missão de sermos a "abertura" de uma atração internacional com péssima qualidade artística, e pior ainda, sob uma suprema humilhação, pois a proposta foi para que apresentássemo-nos a dublar.
 
Para aqueles garotos hispânicos, criados em um laboratório de marketing, mostrava-se como uma absoluta rotina apresentarem-se sob tais condições medonhas, mas para nós, seria muito constrangedor não tocar e cantar ao vivo, verdadeiramente, banda de Rock genuína que éramos. 
 
Enfim, sem poder contestar a proposta, a solução foi amargar essa vergonhosa forma de se apresentar ao vivo e pensar na exposição a um público televisivo inteiramente diferente, do que estávamos acostumados a atingir. 
 
Chegado o dia de participar da gravação do programa, dirimo-nos ao Palácio das Convenções do Anhembi e logo ao avistarmos a sua estrutura física, vimos uma multidão em suas cercanias. Tratou-se de uma fila gigantesca e exótica, no sentido de que mostrava-se exclusivamente, feminina. Majoritariamente formada por adolescentes a aparentar algo entre doze e quinze anos de idade na média, e em estado de euforia, a dançarem e cantarem, portavam cartazes, com posters de seus ídolos em mãos etc. 
 
Estacionamos e fizemos um pequeno percurso a pé, rumo à entrada de serviço, por onde artistas e técnicos circulavam, e constatamos que nos bastidores, havia também uma multidão (muito provavelmente formada por meninas que não tinham ingressos para assistir a "apresentação"), e a sua intenção ali certamente seria ao menos verem os seus ídolos, a chegarem ao local.
 
A polícia militar fez um cordão de isolamento, mediante grades de proteção. Haviam centenas de garotas presentes, e obviamente que a motivação de 100 % daquelas meninas não seria acompanharem as atrações apresentadas com bandas de Rock nacionais, convidadas a participarem, mas o foco naturalmente, seria em favor dos "chicanitos saltitantes". 
 
Quando aproximamo-nos, claro que as ensandecidas adolescentes manifestarem-se, mas de uma forma debochada e jocosa. Nenhum de nós tinha a ilusão de que seríamos ovacionados (a não ser que por um eventual arremesso de ovos), e nem mesmo reconhecidos por aquele público em específico. Pelo contrário, sabíamos de antemão que éramos desconhecidos por parte daquelas meninas. Mas a saraivada de impropérios e deboche, surpreendeu-nos.
Ouvimos várias provocações por conta da nossa aparência, principalmente pelas longas cabeleiras setentistas que usávamos e que causavam espécie no ambiente oitentista. Algumas mais abusadas, debocharam de nós a gritar frases, tais como: -"Beatles acabou", -"Led Zeppelin já era", -"John Lennon morreu", e outras colocações de mau gosto, com o intuito de ofender-nos, para estigmatizar-nos como representantes obsoletos de aspectos culturais ultrapassados, a pegar carona em clichês que seguidores da cartilha niilista de 1977, soltaram no mundo, mas no caso dessas menininhas, é evidente que nem sabiam exatamente o que falavam, mas apenas servia-lhes como frases prontas que ouviram ou leram em algum lugar e creio ser desnecessário especular onde e como. 
 
Mas o que realmente essas adolescentes cultuavam era na verdade, um embuste. Uma banda de mentira, formada em um balão de ensaio de marqueteiros, e sob a égide do absoluto mau gosto de uma música popularesca e ruim em essência. Cultuavam um grupo pré-fabricado, que raramente apresentava-se a cantar ao vivo, não compunham, não tocavam instrumentos, não escreviam as letras das suas canções. Esteticamente, faziam uma música Pop latinoamericana/hispânica da pior espécie etc.
A história tratou de varrer para o ralo uma manifestação sem valor artístico desse porte, e hoje em dia, aquelas meninas vociferantes e imbecilizadas por uma ação viral de superestimação absurda de um artista pré-fabricado, como foi o Menudo, são senhoras de meia-idade e dada a aceleração do processo de perpetuação da espécie que observamos nos dias atuais, não duvido que algumas já sejam vovós.
Evidentemente, resignamo-nos com as provocações, mas o Beto Cruz desconcentrou-se por um momento, quando estávamos quase no fim desse autêntico "corredor polonês" permeado por provocações. Ele parou e a fitar uma adolescente histérica que berrava algo como: -"o sonho já acabou", falou-lhe a seguir de uma forma enfática: -"eu gosto mesmo dos Beatles, por que eles compunham, tocavam e cantavam as suas músicas, muito ao contrário desses chicanos de brinquedo, que vocês gostam"... 
 
Foi uma verdade absoluta o que ele afirmou, e essa menina teve que engolir. Enfim, o fato de gostar disso, foi uma mera consequência de uma ação publicitária viral e perpetrada por inescrupulosos que manipulam sempre a música mainstream e no fundo, essas crianças foram vítimas, que foram usadas como idiotas úteis para que esses crápulas ganhassem dinheiro. 
 
Os membros da "banda", em si, também não tiveram culpa. Se eu fosse porto-riquenho, tivesse habilidade como dançarino, e quinze anos de idade, talvez motivasse-me a submeter-me a um teste para fazer parte de um embuste desses, ao sagrar-me "artista", da noite para o dia e a ganhar fama, dinheiro e ter muitas meninas a descabelarem-se por minha causa... contudo... brincadeira... com quinze anos de idade eu quis ser Rocker "de verdade", a aprender a tocar um instrumento, e a cultuar a nata do Rock nos anos setenta! 
Ou seja, brincadeiras a parte, os garotos estavam na deles, e ninguém poderia criticá-los por fazer parte disso, pelo menos até a "página 2" do manual de ética e moral digamos assim.
 
E por outro aspecto, nada como o tempo para restabelecer a justiça! Vinte e nove anos depois (escrevi este trecho em 2014, mas publico-o "agora", em 2015), e o Led Zeppelin continua lá no panteão dos grandes artistas do século XX, assim como os Beatles, mas... e o Menudo, o que representa na história da música, exatamente?

Superada essa barreira idiotizada, formada por adolescentes abduzidas por marqueteiros/formadores de opinião, entramos enfim no recinto. Produtores do programa conduziram-nos ao camarim, e ali tivemos a constatação de que o tratamento mostrava-se completamente diferenciado entre os artistas hispânicos e as bandas reais. 
 
Todas as bandas ficaram juntas em um camarim simples, a conter apenas água proveniente de um bebedouro, para todos os artistas. E foi somente nesse instante que tomamos conhecimento sobre quem seriam as companhias que teríamos naquela noite. Uma das bandas foi o Hanoi-Hanoi, banda Pop, que fez pequeno sucesso mainstream naquela década.
                             O Hanoi-Hanoi, em foto promocional dos anos oitenta 

Tratava-se da banda do Arnaldo Brandão, ex-baixista da "Bolha", grande banda do Rock brasileiro setentista, além de ter sido também baixista da banda de apoio de Caetano Veloso (e dos "Doces Bárbaros", incluso), ao final dos anos setenta. 
 
Apesar de ser um tremendo baixista, que eu admirava bastante por ostentar em seu currículo tal ficha pregressa tão boa, no caso do Hanoi-Hanoi em si, tal trabalho não despertava-me nenhuma motivação, contudo, pois parecia-me uma banda formada pela ocasião, para aproveitar o modismo do BR-Rock oitentista, e foi isso mesmo, ipsis litteris, eu creio. 
 
Bem, conversamos um pouco com os colegas, mais na base dos cumprimentos de praxe e houve uma ou outra brincadeira sobre a situação em que todos encontrávamo-nos ali inseridos e sobre o indefectível, "Menudo", é claro. 
 
A outra banda escalada para participar do evento, estava em uma fase de sua carreira, para ser considerada emergente, mas ainda bem longe de sua solidificação no mercado, portanto bem mais próxima do nosso patamar. Em conversa ainda permeada pela humildade, eis que um rapaz louro, com seu forte sotaque gaúcho, apresentou-nos aos seus companheiros. O nome dessa banda soou-nos exótico, e naquele momento em que ouvi, a minha impressão pessoal foi de que talvez o trabalho dessa banda fosse orientado pela sátira humorística, devido ao seu título inusitado: "Engenheiros do Hawaí"
"Engenheiros do Hawaí" em seus primórdios, e essa formação da foto acima, foi que esteve a dividir o camarim conosco, no Anhembi, de São Paulo, em outubro de 1986, quando participamos da gravação do programa "Frente Jovem", da TV Record de São Paulo 

O rapaz era o então desconhecido Humberto Gessinger, que devo admitir, era comunicativo e humilde, apesar de que na época, não haveria mesmo nenhum motivo para alguma demonstração de soberba da parte dele, pois a sua banda era apenas emergente na ocasião. 
 
Mas sinceramente, pelo o que eu pude detectar ali, o rapaz foi sincero e não demonstrou nenhuma afetação e torço para que no trato pessoal, ele tenha mantido tal postura, quando a banda alcançou o mainstream, pouco tempo depois.
 
Então, eles foram chamados ao palco, e voltaram a rir muito da histeria, com a qual lidariam, mas segundo contaram-nos, claro que o frenesi foi por conta dos chicanos e isso até divertira-os.
A Chave do Sol no camarim do Teatro Mambembe, em julho de 1986. Da esquerda para a direita: Rubens Gióia (de costas), Beto Cruz, Eliane Daic (nossa produtora executiva na ocasião), eu (Luiz Domingues), o produtor musical, Antonio Celso Barbieri (encoberto), e um rapaz não identificado (de costas). Foto: Maurício Abões
Enquanto as bandas nacionais reais dividiam um único camarim, no enorme bastidor do Auditório do Anhembi, todos os outros camarins ficaram isolados para servir aos astros hispânicos e a sua "entourage". Estávamos resignados com a diferença acintosa que faziam a privilegiar os porto-riquenhos. 
 
A despeito desse grupo representar um embuste sob o ponto de vista artístico, estava por cima da onda, absoluto, com sucesso midiático retumbante e na base da "formação de opinião", eles eram "bons" por serem famosos e nós, "ruins" por não sermos tão populares quanto tal "fenômeno" e assim funcionava (funciona) o imaginário popular, aliás, desde sempre.
 
A análise sobre tal disparidade é óbvia, e não carece de distanciamento histórico para ser formulada. O poder do marketing é avassalador, e realmente manipula a opinião pública ao seu bel-prazer.
Um embuste daqueles, a fazer aquele sucesso massivo, foi uma prova cabal disso tudo que eu salientei no parágrafo anterior, mas muito pior, foi gerar a opinião errônea de que o sucesso popular seria um sinal de qualidade. 
 
Aí era (é) duro suportar a inversão de valores, quando vemos tantos talentos sendo ignorados, sabotados, desdenhados e até esnobados, como muitos artistas valorosos que eu conheci e vi passar por tal situação aviltante. Perde a arte e a cultura com essa manipulação nojenta que bloqueia os caminhos para que artistas genuínos possam mostrar a sua arte livremente, perde o povo que priva-se da arte livre, e sobretudo, pela sua qualidade inerente. E por favor, poupem-me de contra-argumentação a relativizar o que significa "qualidade" na arte, tampouco manifestações de apoio ao popularesco, sob a égide de uma suposta legitimidade da livre expressão. Sim, concordo com a livre expressão, mas abomino a manipulação da parte dos marqueteiros, e sobretudo, da teoria da formação de opinião.
Enfim, constatações a parte, sobre como funciona o mundo obscuro do show business, a realidade mostrava-se essa ali nos bastidores: um camarim simples para nós, com apenas água disponível e para os grandes astros hispânicos, todos os outros camarins reservados, pleno de mordomias. 
 
Com forte segurança de sua produção, deu para ver apenas a arrumação de um dos camarins que foi preparado para ser uma espécie de copa, a ostentar uma mesa gigantesca e um verdadeiro banquete pantagruélico preparado para recepcioná-los.
 
Vimos funcionários a levarem caixas com garrafas de vinho e champagne e dessa forma, comprovou-se a certeza de que a farra seria boa, ali. Mas o ápice mesmo, veio quando ouvimos a conversa de uma produtora com alguns funcionários da segurança. Sem rodeios, ela pediu para que eles fizessem uma varredura na plateia e escolhessem cinquenta garotas para visitar o camarim. O critério de escolha fora simples: as mais lindas!

Enfim, os Engenheiros do Hawaí ainda estavam a apresentarem-se, quando começaram a chegar as primeiras meninas escolhidas a dedo pela produção. Tais garotas estavam em estado de êxtase, naturalmente, e certamente que eram lindíssimas e fariam parte do banquete dos hispânicos. 
 
Os Engenheiros do Hawaí voltaram ao camarim com a reação que qualquer artista verdadeiro teria nessa circunstância, ou seja, a rirem da dublagem vexatória e da histeria perpetrada pelas fãs do Menudo, ensandecidas e a rezarem para as atrações "menores", sumirem de sua frente, o quanto antes para que os seus ídolos dançarinos aparecessem. Enfim, para aumentar a tortura dessas garotas, chegara a nossa vez.
Ao contrário do Hanoi-Hanoi que detinha um visual modernoso e compatível aos anos oitenta, e do Engenheiros do Hawaí que apresentara-se de uma forma despojada e ainda não eram famosos no mainstream, a nossa banda tinha visual setentista, e odiado naquela década, marcada pelas ideias niilistas. 
 
Temíamos, portanto, pelo pior, quando entrássemos no palco com as adolescentes cada vez mais impacientes por tanto esperar por seus ídolos pré-fabricados, e ainda ter que aturar quatro cabeludos "do passado".
 
A julgar pela reação hostil que tivéramos na entrada do Anhembi, e relatada nos parágrafos anteriores, esperávamos uma reação muito pior, com uma vaia mastodôntica, seguida de insultos, impropérios e quiçá, arremesso de objetos contra o palco. Então, a produção veio solicitar a nossa presença no palco.


Subimos ao palco e ele estava decorado de forma a enaltecer o fato de ser uma edição especial do programa em questão. Haviam pequenos praticáveis, e fomos instruídos a ocupar, um cada um, individualmente e eu até gostei disso, pois remeteu-me aos anos sessenta, e basta dar uma busca no YouTube para ver dúzias de programas de TV dessa década citada, com bandas a apresentarem-se dessa maneira.
Porém, houve uma diferença básica em relação aos anos 1960. Não havia nenhum equipamento, pois ninguém tocaria de fato, ali, e só aconteceriam as malfadadas dublagens. 
Surpreendeu-me no entanto, a recepção das enlouquecidas fãs do Menudo, pois ao contrário do que eu imaginara, não fomos hostilizados assim que entramos no palco, tampouco enquanto o apresentador leu a ficha a descriminar quem éramos, o nome da nossa música etc.
 
Por uma razão de lógica, optamos por apresentar a música, "Saudade", que representava a nossa aposta mais Pop naquele momento, e a despeito de termos apenas a gravação da Demo-Tape, foi a melhor escolha a ser feita, pelos motivos todos que já coloquei nos últimos parágrafos, e acho desnecessário repeti-los aqui. 
 
Quando as atenções ficaram sobre nós, e o sonoplasta deu o "play" na máquina, não vou mentir a dizer que tivemos uma ovação, mas muito ao contrário do que eu imaginara, muitas meninas acompanhavam a nossa "performance" a bater palmas no ritmo da música, sem intenção de deboche, a demonstrarem estarem a divertirem-se. 
 
Dentro da pantomima desagradável que caracterizava uma dublagem, ainda mais com a audiência formada por três mil garotas ensandecidas, até que soltamo-nos na performance. O Beto andou pelo palco como se fosse um show para valer, dentro do possível.
Quando acabou a música, fomos aplaudidos. Não como uma ovação, mas bem além das palmas educadas, com certeza. Missão cumprida, estávamos felizes, por que a despeito de tudo, enfrentamos um público supostamente hostil e o domamos, não inibimo-nos diante da incômoda tarefa de dublarmos, que é um pesadelo para quem sabe tocar em realidade e tínhamos a certeza de que a audiência do programa na TV, seria massiva, graças ao apelo dos porto-riquenhos, então sob intenso sucesso midiático.
Voltamos ao camarim, despedimo-nos da produção e partimos, não sem antes verificarmos, en passant, todo o embalo que estava a ocorrer no camarim dos hispânicos, com a farra a toda intensidade, a julgar pelos berros ouvidos vindos dali, com forte sotaque castellaño. Claro que partimos a seguir, sem nenhuma intenção de assistir a "apresentação" dos grandes astros.
 
Gravamos a nossa aparição em uma humilde fita VHS, no dia de sua veiculação, no sábado posterior, mas essa fita desapareceu, lamentavelmente, para entrar na triste contabilidade que aponta termos perdido mais da metade do material de TV que fizemos nos anos todos de existência da nossa banda. 
 
Tal filmagem aconteceu no dia 11 de outubro de 1986 e foi ao ar, uma semana depois, em 18 de outubro. Não contabilizei como show ao vivo, é lógico, pelo caráter da dublagem inglória, mas três mil garotas histéricas estavam ali olhar-nos, no Auditório do Anhembi. Hoje em dia, ao escrever este relato, é indescritível a minha desilusão quanto a essa perda, pois esse material deveria constar da minha autobiografia, sem dúvida, a enriquecê-la. Paciência...
Enquanto a nossa aparição no programa, "Frente Jovem", a "abrir" o Menudo, fora ao ar, no dia 18 de outubro de 1986, nesse mesmo dia, fomos aos estúdios da emissora "Imprensa FM", onde concedemos entrevista ao programa, "Rádio Corsário". Foi a segunda vez que em que fomos entrevistados nesse programa, sendo a primeira vez, ocorrida em maio do mesmo ano. Tratou-se de um programa dedicado aos fãs do Heavy-Metal, predominantemente, mas claro que nós éramos bem recebidos nesse ambiente, e certamente reconhecidos como "dessa turma". 
 
Simpáticos, trataram-nos em ambas as ocasiões, com bastante entusiasmo, portanto, claro que nós aceitávamos o apoio de bom grado
Nesse ínterim, o Clemente, guitarrista e líder d'Os Inocentes, convidou-nos para o coctail/show de lançamento do EP, que haviam gravado pela Warner, e cuja história de colaboração mútua entre as bandas, foi amplamente relatada em capítulo anterior. Mais uma típica reação às ações espontâneas da banda e nada a ver com os esforços do Studio V, portanto.
 
Claro que aceitamos e o Clemente advertiu-nos que seria bom para a banda estar presente, pois muitos jornalistas, executivos da Warner, e artistas do mainstream, estariam presentes e mesmo que ali não fosse um lugar para contatos, "ser visto" seria importante. Marcar presença seria, portanto, uma necessidade premente, para aos poucos, sermos inseridos no patamar de cima da música. 
Contudo, atormentava-nos a perspectiva a dar conta de que estar em um show de Punk-Rock, na casa de shows, "Madame Satã", ali na metade dos anos 1980, seria um exercício de extremo perigo para Hippies defasados, cabeludos em geral e pior, possivelmente confundidos como "headbangers", ou "metaleiros", como rezava o estigma tupiniquim da época. 
 
Naquela década, a hostilidade chegava às vias de fato, e envolvia muitas vezes, casos extremos, com mortes e graves ferimentos oriundos de emboscadas, registradas nas páginas policiais.
A fachada da casa de espetáculos, Madame Satã, localizada no bairro do Bexiga, em São Paulo e um templo das manifestações Pós-Punk, nos anos oitenta.

Para estacionar o carro nas imediações e caminharmos até o estabelecimento, já seria uma situação bastante perigosa. Entrar na casa, também não seria recomendável, personas non gratas que éramos naquele ambiente oitentista hostil ao extremo. Ponderamos, no entanto, que não poderíamos perder a ocasião, não só pela estratégia em sermos vistos, pelos formadores de opinião, mas também por uma questão de educação e gentileza aos "Inocentes", que foram de fato, muito simpáticos para conosco.
 
Outro ponto, o próprio Clemente, alertara-nos que não deveríamos temer, pois apesar de realmente haver uma atmosfera hostil para quem não compactuasse com a estética do Punk/Pós-Punk, mote da casa em questão, naquela ocasião em específico, tais ditames estariam obscurecidos, por que equipes de reportagem de TV fariam-se presentes, para atrair muitos jornalistas e gente alheia às tribos oitentistas e seus radicalismos, portanto, seríamos respeitados e como convidados dele, pessoalmente, dificilmente aconteceria uma provocação e menos ainda uma agressão física. Bem, ponderamos que a argumentação mostrara-se sólida e fomos os quatro, mais Eliane Daic, nossa produtora executiva, nessa altura já contratada do Studio V, e subordinada à Sonia, que incumbiu-lhe de elaborar um relatório completo, a ser entregue no escritório, no dia seguinte.
Fomos então. Vestimo-nos condizentemente para um cocktail badalado e sob motivação Rocker, mas sem exagerar no figurino. Não usar nada anacrônico que estigmatizasse-nos com as décadas de 1960 e 1970, sem dúvida alguma, e muito menos deixar margem à interpretação errônea de que éramos "metaleiros". 
 
Apesar desse jogo de cintura na arrumação do visual, as nossas cabeleiras denunciavam facilmente a nossa não adequação ao ambiente. Demos sorte na rua, e apesar de muita gente hostil estar pelas calçadas, nada de ruim aconteceu. Lá dentro, a casa estava lotada e de fato, tinha muita gente da cena oitentista a circular pelo ambiente, além de "famosos" que pouca afinidade mantinham com os meandros da música/Rock. Jornalistas e executivos da Warner, também.  
Fomos hostilizados, mas bem "suavemente", eu diria, pois foram apenas alguns esbarrões "sem querer/propositais", cochichos, gente a apontar para nós, alguns a debochar e rir... mas nada que indignou-nos fortemente. 
 
O show d'Os Inocentes ocorreu no famoso porão da casa, onde o calor foi enorme, a aí sim, seria imprudente ficarmos, pois o público punk propriamente dito, fazia as suas famigeradas "rodas de pogo", e a luta livre não era o nosso esporte predileto, enfim. Saímos também em segurança, sem maiores hostilidades e /ou perigos.
 
Para aproveitar a deixa dessa lembrança, conto mais uma ação da banda nesse mesmo sentido em interagir com forças antagônicas aos nossos ideais: um outro amigo que tínhamos no patamar de cima da música, Charles Gavin, convidou-nos a assistir um show dos "Titãs" quando supostamente poderíamos sermos vistos" nos lugares certos, nas horas certas...
 
Fomos então em uma noite de quinta-feira (não tenho tal certeza, mas creio que foi nesse dia da semana, mesmo), assistir o show dos Titãs no salão de festas do Clube Tietê, um clube que era muito tradicional na cidade de São Paulo e de fato, localizado às margens do Rio Tietê, na altura da Ponte das Bandeiras, no Bom Retiro, bairro central de São Paulo.
 
Apesar de tal banda estar consagrada e a viver grande fase de prestígio midiático na época, curiosamente o show contou com pouco público. A mixagem do PA estava excelente. Foi um dos shows de Rock, onde ouvi com maior clareza uma mixagem ao vivo, naquela época, sem dúvida. Não sei quem foi o técnico de PA deles nesse show, talvez já fosse o Canrobert Marques, nosso amigo e também nosso técnico em muitos shows d'A Chave do Sol (já falei sobre ele bastante em capítulos anteriores e também nos capítulos sobre o Língua de Trapo), mas independente de quem fosse, realmente ele fez um trabalho excelente na equalização de PA. 
 
Não gostávamos da estética adotada pelos Titãs, portanto, se a mesma mixagem estivesse a favor de uma banda que rezasse pela cartilha 1960 & 1970, teria sido agradabilíssimo ouvi-la com aquela perfeição de timbres, equilíbrio e peso.
Infelizmente, não pudemos comparecer aos bastidores como o Charles desejara, pois algo desagradável aconteceu. Mas claro que valorizávamos muito o fato dele estar imbuído de toda a boa vontade em ofertar-nos a sua sincera ajuda, e tentar assim, puxar-nos para o patamar de cima do Rock mainstream. 
 
Havia pouca gente presente no salão, mas os que estavam ali, eram membros de tribos oitentistas variadas e hostis entre si, de certa forma, mas unidas na hostilidade para com cabeludos antagônicos, como nós.
Não houve um ataque direto, mas assim que o show começou, postaram-se a envolver-nos sutilmente, com a deliberada intenção em jogar-nos dentro da infame "roda de pogo" e ali, a usar da desfaçatez por ser supostamente um jogo bruto, porém lúdico do universo da cultura Punk, contudo, o real objetivo seria mesmo agredir-nos. Colocamo-nos a observar a aproximação gradual dessa horda, quando chegou-se em um ponto, onde tornara-se insustentável permanecer no salão.
Lembro-me bem em ter sido empurrado bruscamente pelo Beto, em um determinado instante, por que um sujeito passou muito perto de minha presença, naquele movimento que lembrava uma incorporação mediúnica, mas na verdade, o energúmeno teve a intenção de aplicar-me um "cruzado de esquerda" típico do pugilismo, mas sem a devida nobreza do espírito esportivo, digamos assim.
 
Bem, depois disso, o Rubens sugeriu que saíssemos, pois os agressores estavam muito próximos e claro que tratou-se de uma provocação a esperar que reagíssemos, para justificar um embate, propriamente dito. Não deu, portanto, para cumprirmos a visita aos bastidores, como houvera sido sugerida pelo Charles. 
 
Independente dos resultados sutis dessas duas empreitadas sob apelo social, claro que Sonia & Miguel, vibravam com essa movimentação natural que a banda promovia, sem que eles fizessem nada. E de nossa parte, ainda permanecia forte o sentimento em tom de expectativa, de que eles fariam muito, e assim, tais boas novas advindas de nossos próprios esforços, apenas prenunciariam a nossa subida ao patamar mais alto da música.

Ainda a falar sobre ocasiões sociais em que inserimo-nos, finalmente o Studio V colocou-nos em uma situação desse nível, mas produzida por eles. Antes de falar sobre isso, é preciso no entanto, retroagir um pouco na cronologia. Quando fomos abordados pela primeira vez e disseram-nos que haviam outros artistas de outras correntes musicais, contratados pelo estúdio, na verdade, não havia ninguém. 
 
Já comentei inclusive, que tal realidade tinha significados subliminares. Mas eis que por volta de outubro, Sonia e Toninho comunicaram-nos de uma forma eufórica, que haviam contratado um "astro" internacional, e que tal artista consagrado, não precisava de muito empenho da parte deles para deslanchar no mercado brasileiro, e que pelo contrário, nós seríamos beneficiados, a aproveitar a "carona", em seu rastro de sucesso garantido. 
Nós estávamos esperançosos que o Studio V proporcionasse-nos uma abertura grande, mas não seria por conta disso, a não ser que tivessem contratado um astro de real grandeza da música pop. Neste caso, quem seria? Rod Stewart? Elton John? Tom Jones?
 
Então, eis que surge a figura de um cantor português chamado, Michael Olivier (peço perdão ao leitor, mas não há uma linha sequer sobre esse artista na Internet, portanto, fico a dever fotos ou maiores esclarecimentos sobre a sua carreira).

Figura espalhafatosa e engraçada pelos trejeitos e maneirismos histriônicos, este senhor chegou ao casarão com bastante soberba, a falar de sua carreira internacional, shows realizados em cassinos europeus famosos, casas noturnas badaladas do Jet Set daquele continente etc. 
 
O seu som no, entanto, mostrava-se como uma espécie de Pop Music com ranço popularesco, que lembrava muito certos artistas nacionais similares, alguns entre os quais, o próprio Miguel havia produzido nos anos setenta, quando fora executivo da gravadora RGE, a gerir um selo como a "Young". Olivier cantava em inglês e francês, predominantemente, mas em português, também, é claro.
A julgar pela produção de áudio, estética e nível artístico dos compactos simples que mostrou-nos entre os lançamentos de sua discografia, foi mesmo muito difícil acreditar que esse artista beneficiar-nos-ia em algum aspecto. 
 
O que ele poderia proporcionar-nos? Entrevistas em programas de emissoras de rádio AM? Programas popularescos de TV, ao estilo de Gugu Liberato (havíamos recentemente feito algo nesses moldes, quando interagimos com o indefectível, "Menudo", e de uma forma espontânea). 
 
Essa chegada dele ao elenco da produtora, não extraiu o nosso entusiasmo nessa época, mesmo por que, sentíamos a euforia em ver a banda a ascender pelas nossas próprias forças, mas certamente que acendeu uma pequena luz de advertência em nossa percepção, pois o sujeito mostrava-se bastante antagônico, artisticamente a falar. 
 
E nesses termos, um fator seria ser eclético, mas outro, bem diferente, seria não observar nenhuma disparidade que pudesse suscitar um mal-estar em relação à estratégia da produtora para conosco. Enfim, nada podíamos fazer, pois éramos apenas contratados, e não os executivos e estrategistas da instituição.
O tal Oliver, era também engraçado, não posso negar. A sua arrogância patética, aliada ao sotaque lusitano castiço, bem carregado, e sob trejeitos efeminados, provocou uma série de situações muito engraçadas nos bastidores do casarão do Studio V. 
 
E como estávamos a frequentá-lo diariamente, a ensaiar e gravar a Demo-Tape, foi inevitável que o víssemos cotidianamente, também. Infelizmente, a sua atitude para conosco, foi pautada por nutrir ciúmes de uma forma explícita, e até escandalosa, bem ao seu estilo, por sinal. 
 
Chamava-nos como, "Rockeirinhos brasucas insignificantes", e não pelas costas, mas o tempo todo, diretamente para nós. Aquilo foi tão patético, que ríamos, por representar na verdade, algo muito engraçado. Nunca nutrimos raiva dele por conta de tais hostilidades, e nem mesmo ao saber que em conversas reservadas com Sonia e Toninho, ele tivera chiliques histéricos a exigir que eles despedissem-nos sumariamente, para que focassem os seus esforços em sua carreira, apenas, com exclusividade. De tanto que era afetado, e ao contrário do que ele esperava com suas provocações explícitas, nós nem esboçávamos em reagir com contrariedade, portanto, ele percebeu que seria inútil portar-se como uma criança mimada com cinco anos de idade, e algum tempo depois, ele amenizou os seus ataques, ao chegar até em um determinado ponto em que fingiu ser simpático conosco. 
 
Clóvis, o técnico de som que trabalhava nos ensaios e na produção da Demo-Tape, a auxiliar-nos, não acreditava nas barbaridades que o português pronunciava ali e ria muito, também, das brincadeiras que o Beto criava para neutralizar os ataques do "gajo". 

Certa vez, ele entrou no estúdio com uma revista "Playboy", em mãos e ao exibir-nos o poster da garota do mês, executou a seguir uma performance "sensual", a dançar de forma lasciva e feminina, para provar-nos que ele seria "muito melhor" que ela, a peladona da revista e saiu aos gritos, a afirmar categoricamente que ele era mesmo, melhor. Foi difícil voltar a ensaiar depois disso, dada a epidemia de gargalhadas que tal ato patético, gerou.
 
Ele tinha duas filhas, que eram jovens e muito bonitas. Faziam Backing Vocals nas apresentações do pai, mas nitidamente as belas raparigas portuguesinhas sentiam vergonha de seus excessos. Então, feito esse aparte retroativo, volto ao início dessa etapa da narrativa, quando mencionei um acontecimento social perpetrado pelo Studio V, onde fomos inseridos a participar.
 
Sonia produziu um cocktail para anunciar publicamente o cantor lusitano, como o novo contratado da produtora, e lá fomos nós ao Caesar Palace Hotel, um estabelecimento de luxo, localizado na Rua Augusta, próximo ao cruzamento com a Avenida Paulista, para participarmos do evento. 
 
É verdade, ela conseguiu arregimentar uma quantidade bem significativa de jornalistas para cobrir o evento. Esmagadoramente, foram setoristas de TV, acostumados a acompanhar esse espectro artístico, com atores de novelas, e cantores pop, oriundo do mundo dos programas popularescos das emissoras de rádio AM. Mas foi o tal negócio: não rejeitávamos nada e assim, não tínhamos preconceito por estarmos também nesse mundo, desde que não interferissem na nossa música e visual. 
 
O cocktail foi bem produzido, não posso negar (ao considerar-se pela recepção dos convidados em termos de comes & bebes), e o salão de festas desse hotel era bem badalado nessa época.
Contudo, a apresentação do cantor, acompanhado por suas filhas, foi bastante constrangedora. Primeiro por que foi na base do "playback". O segundo ponto negativo, pela ausência de um palco propriamente dito, mas na verdade ao constituir-se de um praticável minúsculo, talvez conveniente para um discurso de um palestrante, apenas, mas ridículo para uma apresentação musical, mesmo informal, e sob tais condições em termos de playback. 
 
Em terceiro lugar, pela falta de uma iluminação mínima que fosse, pois na luz branca ambiente, tornou a performance ainda mais difícil para se suportar. Alheio a isso tudo, o cantor apresentou-se bem ao seu estilo, como se estivesse em uma boite, para interpretar sua música pop brega e insossa. 
 
As suas filhas, que chamavam muito a atenção pela beleza, estavam bastante constrangidas, e ainda mais quando o seu pai exortou-lhes a entregar-se mais à performance, e até que sensualizassem, fator que recusaram-se a fazer. Não deu para acreditar que estavam eufóricos por contratar um artista tão duvidoso assim, mas fizeram-no...
O grande, Agildo Ribeiro: ator/comediante/redator de humor e apresentador de TV

Pouco tempo depois, contratariam um outro artista, este não da área musical, mas pelo menos muito mais categorizado e famoso, com seus muitos méritos. Desta feita, porém, ficou claro que este ator/comediante seria tratado como a estrela da companhia.
 
Depois que gravamos a Demo-Tape e os procedimentos de entrega do material à gravadora Warner foram formalmente concluídos, essa prioridade com tal artista explodiria e definitivamente. Falarei sobre ele e outros fatos correlatos ocorridos em outubro de 1986, nos próximos parágrafos.
Em meio ao turbilhão de oportunidades surgidas na mídia, e propostas para shows que surgiam, estávamos empenhados na gravação de uma nova Demo-Tape. De certa forma, essa ação foi a mais importante naquele momento de outubro de 1986, pelo motivo óbvio de que tal trabalho poderia ser o nosso passaporte para uma mudança radical na carreira.
Já falei e reforço: estávamos a cuidar da produção e assim a observar cuidados para não cometermos os erros que havíamos cometido na produção da Demo-Tape anterior, gravada com nossos parcos recursos na ocasião, em abril desse mesmo ano. A escolha do repertório, por exemplo, tornou-se o primeiro ponto a ser cuidado.
Ao comparar-se à Demo-Tape que graváramos em abril, repetiríamos a maioria das escolhas, mas por um motivo muito forte: nessa altura, já tínhamos a convicção de que tais canções agradavam o nosso público, dada a reação que estas despertavam nos shows.
 
Esse foi o caso de "Sun City" e "O Que Será de Todas as Crianças?", músicas que eram normalmente ovacionadas nos shows e nessa altura, já ostentavam status de sucessos da banda, mesmo que ainda não estivessem gravadas oficialmente, em disco.
Portanto, principalmente no caso da segunda canção citada, a escolha dela justificara-se por isso, muito mais do que pelo aspecto musical, pois não teve o apelo Pop que seria necessário para que pudéssemos abordar as gravadoras majors. Portanto, ao escrever este trecho, tantos anos depois, não tenho como não observar que mais uma vez fomos imprudentes, pois se desejávamos entrar no patamar mainstream, tal escolha não foi adequada, mesmo que o nosso público a adorasse, a cantá-la em plenos pulmões em nossos shows.
Para ser muito incisivo agora, é claro que a Demo-Tape deveria estar 100% coadunada com o espírito Pop radiofônico, para que despertasse o real interesse dos executivos das gravadoras, notadamente os diretores de repertório, responsáveis por contratações. 
 
E certamente que tais senhores não frequentavam os nossos shows e daí, tal temperatura que era fervilhante em nosso conceito, foi retumbantemente ignorada por eles. 
 
Em uma análise calculista, de fato, cuidamos da segunda Demo-Tape, com maior apuro técnico, mas a distância observada com apenas seis meses entre uma produção e outra, cegou-nos em relação às escolhas feitas. A nossa percepção sobre os erros cometidos em relação à primeira Demo-Tape, não teve o distanciamento necessário, a ali, no calor da nossa percepção oitentista dos fatos, achávamos que a temperatura das músicas testadas ao vivo, falaria por si só.
 
Mais um grande erro estratégico, portanto, e inadmissível, eu diria, pois nessa altura, além do fato de que já tínhamos bastante experiência acumulada, não houve interferência direta nas escolhas do repertório, por parte de quem mais teria, supostamente o Know-How dos meandros da indústria fonográfica e da mídia, principalmente a radiofônica.
Miguel, pouco ou nada interferiu no processo de escolha das canções, e muito menos nos seus respectivos arranjos. Salvo poucas visitas sazonais ao estúdio, para inspecionar os trabalhos da gravação, mas sem opinar em nenhum aspecto, ele não colocou a mão pesada na produção. 
 
Na época, comemoramos essa liberdade artística, é claro. Trabalhamos tranquilos no estúdio a fazermos tudo a vontade, e foi muito confortável, mas hoje em dia, eu vejo de uma outra forma, pois se houvesse um apuro maior de todos, não em termos de empenho, pois isso não faltou-nos, mas na questão de se buscar a visão mais realista do que realmente precisávamos ter feito, a nossa história certamente teria sido diferente.
Sobre as escolhas, ainda, "Sun City" ganhou um novo arranjo, é bem verdade. Fruto de nossa própria experimentação em relação à primeira Demo-Tape, cortamos, providencialmente, o excesso de repetições do refrão, certamente um exagero cometido em sua primeira versão gravada. Tal formato prevaleceu posteriormente e na gravação oficial, no álbum, "The Key" (isso ocorreria no ano posterior, 1987), assim foi imortalizado.
 
Como contraponto, cabe ao mesmo tempo salientar que eu fiz a autocrítica sobre os nossos erros de avaliação à época, também a deixar a ressalva de que uma música como "Sun City", podia não ser o padrão Pop que a "intelligentsia" que comandava a mídia e a indústria fonográfica adotava (e certamente que não o foi), mas isso fora uma mero paradigma criado pela formação de opinião, pois no caso específico dessa canção, ela tinha todo o potencial para ser absorvido no mundo mainstream. Se fôssemos norte-americanos, certamente que com uma música desse quilate em mãos, alcançaríamos o sucesso mainstream. Mas aqui, a mentalidade acintosamente em favor da estética do Pós-Punk, deixara o mercado, obtuso.
Sem abrir para outras vertentes, o nicho do Rock ficou fechado para essa estética, e salvo raras exceções ("Inox" e o "Metalmania" de Robertinho do Recife e mesmo assim com inúmeras ressalvas), ninguém que não comungasse da cartilha do Pós-Punk, reuniria chances. E no caso dos dois artistas que citei, acho que nem o fato deles terem sido lançados por gravadoras majors, quis dizer muita coisa, pois não foram trabalhados por elas, no quesito da divulgação. 
 
Os seus álbuns foram gravados por essas companhias multinacionais e fortíssimas, mas tal suposto lastro, em nada ajudou-os a romper o bloqueio velado criado para estéticas diferentes e apesar do status que ostentaram por serem contratados dessas instituições poderosas, na prática, mais atuavam no patamar underground, como qualquer banda independente, como foi o nosso caso.
Ao ir além, estar em uma gravadora de grande porte, mas que não faria nada por você, além de bastante frustrante, estimulava-nos a pensar que se permanecêssemos a trabalhar como pequenos artistas independentes, ou mesmo a continuar a trabalhar com uma gravadora pequena, mas que crescia e fora a nossa casa, como a Baratos Afins, teria sido uma opção melhor. 
 
Conjecturas a parte, reitero que "Sun City", tinha mesmo que estar nessa segunda Demo-Tape, pois a despeito da resistência sistemática pela qual a sonoridade em que atuávamos, persistisse por parte das gravadoras, ela tem certamente um grande potencial, e não somente em nossos shows, a julgar pela reação do público, mas por considerarmos que tal canção tornar-se-ia um grande êxito na carreira da banda, sem dúvida alguma. Falo sobre a Demo-Tape, a seguir.

Sobre a gravação da Demo, ela foi feita sob um clima de muita tranquilidade e descontração. Primeiro, por que a ideia em termos tempo livre, foi algo sensacional e inédito, pois os dois discos anteriores, e as três demos que fizemos (as de 1983 e 1984, absolutamente caseiras, portanto tivemos tempo, mas trabalhamos sob condições precárias, sem a estrutura de um estúdio profissional), foram com os olhos atentos aos ponteiros do relógio, que insistiam em voar.  
 
Segundo, por que estabelecemos uma amizade muito boa com o técnico contratado do Studio V, o Clóvis Roberto da Silva, um rapaz muito solícito e que também afeiçoou-se à nossa banda e ao som que produzíamos. O terceiro ponto, foi que tratamos esse trabalho com muita esperança, como se fosse realmente o nosso passaporte para dias melhores em nossa trajetória.
A metodologia de gravação foi diferente, portanto. Com mais tempo para trabalhar, gravamos no método tradicional do "um-por-vez". Particularmente, gosto mais dessa estratégia, pois evita climas psicológicos decorrentes da pressão de se gravar mais de um instrumento ao mesmo tempo e portanto, uma possível irritabilidade ser gerada com os erros, uns dos outros, a postergar o trabalho e obrigar a banda a realizar muitas tomadas. 
 
Não há nada mais frustrante do que alguém errar e a sua performance pessoal que estava impecável até então, ter que ser regravada por conta do erro alheio, e vice-versa, quando erramos e vemos companheiros desolados em ter que gravar novamente, quando as suas respectivas performances em particular, haviam sido inspiradíssimas. 
 
Sobre as escolhas, como eu disse em parágrafo anterior, optamos por repetir quatro canções da Demo-Tape gravada em abril, por que acreditávamos no potencial Pop de músicas como: "Solange" e "Saudade". Sobre "O Que Será de Todas as Crianças?" e "Sun City", eu já explanei sobre isso, anteriormente. E acrescentamos duas novidades não gravadas na Demo-Tape produzida em abril: "Trago Você em Meu Coração" e "Desilusões".
O corte da canção, "O Cometa", que não figurou nessa nova Demo-Tape, ocorreu por considerarmos que uma opção mais Pop, e com letra "romântica", seria mais adequada. Hoje, digo que se a intenção fora boa enquanto estratégia de marketing, a privilegiar o Pop radiofônico, eu lamento a sua não inclusão, pois "O Cometa", tratava-se de uma canção mais forte, em meu entender. 
 
Somente em relação à "Forças do Bem", cortada, eu concordei na ocasião, e ainda sustento a minha opinião, pois esse som, constituía-se em um praticamente, "Heavy-Metal", e assim, teria sido uma peça a gerar anticlímax, para abordar-se uma gravadora major. Mesmo a seguir o padrão de arranjos muito próximos da Demo-Tape anterior, as músicas repetidas sofreram algumas modificações sutis, ao meu ver, para melhor. 
 
Pequenas mudanças no solo e contra-solo do Rubens, são realmente sutis. Ele deu-se o direito ao improviso, é claro, mas a grosso modo, havia fechado os seus arranjos pessoais há meses, e também já estava a executá-los ao vivo, no caso de algumas músicas, portanto, estava tudo bem resolvido em sua resolução, naturalmente.

Abaixo, "Sun City", nessa versão de outubro de 1986.
Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=8wAxNoyMEf8


Sobre "O Que Será de Todas as Crianças?" o andamento foi executado um pouco mais para trás, entretanto, ainda muito rápido no meu entendimento. Na época, achava-o empolgante, mas hoje eu penso que foi o fator que inviabilizou a canção, comercialmente a falar. Mais lenta, ficaria sem o ranço "Heavy-Metal" do Riff inicial, muito acelerado, e resultaria em mais balanço maior nas partes A e B, mas sobretudo no refrão, a dita parte C da canção.

Abaixo, o link para ouvir no YouTube: "O que Será de Todas as Cranças?" nessa versão de outubro de 1986

https://www.youtube.com/watch?v=STAy5CnJKqQ

Em "Saudade", o Rubens acrescentou um belo contra-solo inicial em dueto, a enriquecer muito a canção, sem dúvida, além dos Backing Vocals que acho que ficaram mais caprichados. Há um excesso de Flanger geral na bateria, após o solo. Eu teria deixado nos pratos apenas, e em poucos trechos, não o tempo todo, a pensar hoje em dia.  
 
Abaixo, o Link de "Saudade", dessa versão de outubro de 1986
http://www.youtube.com/watch?v=ahPbnBv4Tds

Sobre "Solange", o arranjo seguiu, ipsis litteris, baseado na versão de abril. E mais uma vez, o solo foi feito pelo Beto, a usar uma guitarra, Gibson Les Paul. Acho que tem uma falha terrível, no entanto, no "fade out" do solo, a cair muito bruscamente e assim ter motivado a perda do último harmônico, da nota executada.

Abaixo, o link para ouvir "Solange", nessa versão de outubro de 1986.

https://www.youtube.com/watch?v=41mO3FoDAQ

Cáspite! Os quatro componentes da banda, mais o técnico... milhares de audições em cada fase do processo, a mixagem inteira, e isso não foi notado? Inacreditável!

No caso de "Desilusões", a aposta no Pop, via "Rádio Táxi", foi visível. Mas mesmo assim, um maneirismo não detectado na época, causa-nos uma contradição. Se em "Saudade", simplificamos muito a cozinha, ao tocar de forma reta, nesta canção, há um excesso de quebradeiras, um resquício de nossas influências do Jazz-Rock. 
 
É muito bom o arranjo, se encarado sem preocupações mercadológicas, a pensar-se apenas na arte livre, mas se o objetivo foi soar "Pop" e impressionar marqueteiros de gravadoras majors, foi obviamente um tiro no pé.

Abaixo, o link para escutar a canção, "Desilusões", proveniente da Demo-Tape de outubro de 1986

http://www.youtube.com/watch?v=fbRr8Wey21Q

Ainda sobre "Desilusões", essa canção, a despeito desse título que a denunciava como clara tentativa para buscar-se a via "romântica", ela possui uma melodia agradável mediante o seu potencial Pop, por conseguinte. Gosto de algumas passagens desdobradas, onde há uma inserção que lembra vagamente a psicodelia sessentista, que é muito interessante. Mas claro que foi apenas uma coincidência, pois a despeito de eu amar a psicodelia sessentista, nem eu cogitaria buscar tal opção de caminho, ali no meio dos anos oitenta, quando esse tipo de manifestação seria passível da fogueira, sob condenação certa por parte da "inquisição" nillista dos Post-Punkers... 
 
Abaixo, o link para ouvir a música: "Trago Você em Meu Coração", outra faixa oriunda da Demo-Tape de outubro de 1986

http://www.youtube.com/watch?v=Y1Ds3TxzvX4

 Abaixo, o link para escutar a Demo Tape gravada em outubro de 1986, na íntegra.

http://www.youtube.com/watch?v=fMC3K4z9I-s 

Em "Trago Você em Meu Coração", enveredamos pelo estilo do Hard-Rock oitentista. Parece bastante com o trabalho do "Whitesnake", quando essa banda britânica também buscou tal caminho de modernização de seu som, na mesma época, e esta fora uma espécie de farol internacional a ser seguido, naturalmente, pois a nossa similaridade com tal banda, residira no histórico semelhante, isto é, éramos também uma banda nascida sob padrões setentistas, mas a procurar uma adequação ao mercado, e assim, tentávamos mudanças, como eles também haviam passado pelo mesmo processo, ao tentar sobreviver em meio ao ambiente oitentista hostil. 

Sobre o teor das letras, todas as canções, com exceção de "Sun City" e "O Que Será de Todas as Crianças?" foram músicas que usaram motivação romântica a explorar os meandros clássicos da relação Homem-Mulher, portanto, a aproximação que estabelecemos com bandas como o Rádio Táxi, por exemplo, que usava e abusava de tal expediente, poderia ser muito perigoso para a nossa imagem.

Recentemente, ao ler comentários da parte de usuários do canal YouTube, na postagem da música, "Solange", um rapaz desconhecido declarou que conhecera a banda há pouco tempo, e estava a gostar por conhecer o nosso trabalho, mas achava as letras muito próximas do "sertanejo" em voga, dos anos 2000. 

De fato, ele foi bastante complacente, mas espelhou a verdade, pois realmente, tais canções dessa fase da nossa banda, safra de 1986/1987, de nossa produção, são exageradamente populares e melosas. Se ao menos tivéssemos alcançado o sucesso retumbante no patamar mainstream, justificar-se-iam, mas é curioso ouvi-las sob tal perspectiva de que a banda não atingiu o que aspirara naquela época e sob tal parâmetro do que havíamos produzido anteriormente, de certa forma maculam a imagem da nossa obra pregressa, principalmente dos primórdios da banda em 1982/1983. 

A respeito do áudio, acho que a condição melhor do estúdio mais novo e dotado por um equipamento superior ao anterior, que usamos para gravar a Demo-Tape de abril, não ajudou-nos decisivamente a termos um produto mais bem acabado, em mãos.

Nem mesmo a atenção do técnico, Clóvis, sempre solícito para conosco, além do advento de contarmos com um tempo hábil absolutamente livre, infinitamente mais elástico do que tivéramos em relação à gravação da Demo-Tape anterior, a motivar que caprichássemos mais, evitou erros que havíamos cometido na oportunidade anterior. 

A grosso modo, a mixagem geral das quatro músicas, ficou muito estridente, com excesso absurdo de agudos. Mediante vozes e guitarras muito altas, perdeu-se a definição do baixo, e consequentemente, o apoio dos graves em geral, incluso o bumbo da bateria. 

Em alguns momentos, chega a irritar os solos altos em demasia, somados aos agudos estridentes e o mesmo em relação à voz. Faltou peso no bumbo da bateria, com pratos e chimbau a prevalecerem. 

Também acho que a concepção das linhas melódicas (que são boas, pois o Beto foi bastante criativo ao concebê-las), prejudicou-se com o registro muito alto para a sua voz. Ao começar a parte "A", já bem alto no alcance vocal da oitava, quando chegava-se ao ápice do refrão, ele subiu ainda mais, e assim a extrair muito do potencial que as músicas teriam, se cantadas em um tom mais baixo. 

Outro erro, ao meu ver, foi a pouca utilização de Backing Vocals. É bem verdade, que nesse quesito, o Beto exortava-nos muito a empreendermos mais participações vocais e assim encorparmos a vocalização da banda, como consequência. Ele tinha razão, certamente, pois teria ficado muito melhor se tivéssemos participado mais desse detalhe, no arranjo.

De minha parte, a minha relutância em cantar, foi por dois motivos:
1) Achava (ainda acho) que minha voz tinha timbre feio.
2) Não queria ficar preso em um pedestal de microfone para ter que cantar durante o show inteiro, pois eu privilegiava (e valorizava) a movimentação frenética, no mise-en-scène de palco.

Só a partir do projeto, "Sidharta", em 1997, forcei-me a cantar com regularidade, e depois já com a "Patrulha do Espaço", de 1999 em diante, foi que eu tomei o gosto por fazer Backing Vocals com regularidade e de fato, melhorei muito nesse sentido. 

Mas calma, leitor, estou a descrever sobre os aspectos negativos dessa Demo-Tape, para ser muito sincero e dessa forma, a minha autobiografia ter senso crítico, assegurado. No entanto, é claro que também existem os aspectos positivos dessa gravação.  

Pequenos erros a parte, as canções contém os seus méritos musicais e no quesito das letras, duas pelo menos, também são apresentáveis, embora questionáveis em alguns aspectos ("Sun City", por exemplo, "se auto carimbou", ao se datar). 

São melodias e riffs com bom nível e solos, sem concessões, a deixar a marca Rocker sob um contraponto com o Pop. A cozinha bem tocada e mesmo nos momentos comedidos, saliente etc.

Lamento mesmo o excesso de agudo, na mixagem final e a voz exageradamente alta, que incomoda-me, em alguns momentos. A ideia do técnico, Clóvis, e nossa também, pelo objetivo que almejávamos com esse trabalho, foi nutrida pela concepção de se alcançar o clássico padrão da MPB tradicional, onde a voz do cantor principal é colocada absurdamente alta, a privilegiar a cultura tupiniquim de se valorizar a melodia e a interpretação de cantores, e tratar todo o arranjo instrumental como algo secundário, ou para usar a palavra usada popularmente, como um mero "acompanhamento". Ou seja, o detalhe para dar suporte para cantores.

Tudo bem, como eu já disse, tal prerrogativa fora uma tática para buscarmos uma vaga no patamar mainstream da música, porém, no caso dessa Demo-Tape em específico, acho que exageramos na dose. 

Claro que esta minha análise, feita tantos anos depois, tem o peso da experiência adquirida e o distanciamento histórico o suficiente para enxergar com maior clareza os fatos. Mas no momento em que ficou pronta essa fita, nada disso ocorreu-nos, e achávamos que tínhamos um produto bom em mãos, e por conseguinte, pronto para servir-nos como cartão de visitas do nosso trabalho, graças aos esforços do Studio V, para colocar-nos dentro do elenco de uma gravadora major e fim de conversa... e não diga, não!

Outra proposta para um show, surgira, oriunda de um contato proveniente do nosso mundo Rocker, do underground. Tínhamos um novo compromisso a cumprir, mesmo com as nossas atenções voltadas à produção da Demo-Tape em estúdio. 

Desta feita, seria uma nova participação em mais um festival, nos moldes mais ou menos do que fizéramos em agosto, por conta do evento batizado como: "Baila Bala na Baleia". Esse, chamou-se: "Outubro Music Festival" e teve também a proposta de ser híbrido, a misturar bandas da cena Pós-Punk, com bandas Hard-Rock.

Nesse contexto, tocaríamos com o "Golpe de Estado", como exemplo de banda mais pesada e ligada ao tradicionalismo pré-1977, e do lado dos Post-Punkers, bandas como: "Vultos", "Ghetto" e "Prysma". 

É verdade, no entanto, que muito da animosidade da estética Pós-Punk, estava a arrefecer-se no caminhar da segunda metade da década de oitenta. A agressividade arrogante das bandas que fizeram tal estética prevalecer no início da década de oitenta, estava a diluir-se através de uma nova safra, que ainda era oriunda dessa tendência, mas apresentava mais docilidade e preocupação em ater-se à parte musical, com um pouco mais de afinco, para deixar de lado a tosquice punk e a sua inerente ruindade musical indecente, que norteara os seus inspiradores mais remotos, ou seja, os punks de 1977. 

Bandas como as que tocariam nesse festival, e posso acrescentar nesse bojo, o "Muzak", "Nau" e até o "Violeta de Outono" (que na verdade era uma banda psicodélica sessentista, até a sua medula, mas nessa época, camuflava-se como uma banda Pós-Punk moderna, para sobreviver nesse meio), são exemplos de como tal cena também estava em processo de mudança, mesmo que ainda fosse algo sutil, quase imperceptível.

Quanto ao festival em si, este foi realizado em um clube localizado bem além do Autódromo de Interlagos, no extremo da zona sul de São Paulo, às margens da represa Guarapiranga e chamava-se: "Clube Sete Praias".
Fez um frio considerável naquela noite, apesar de já estarmos na primavera e embora não tenha tido a mesma organização e as atrações extra musicais do outro festival em que participáramos ("Baila Bala na Baleia", em agosto), este atraiu um público razoável em suas dependências bucólicas, e geladas pelas circunstâncias daquela noite.
A nossa performance foi excelente. Estávamos muito afiados, empolgados com as perspectivas etc.
 
Sonia e Toninho também estiveram presentes nessa noitada e mais uma vez impressionaram-se com a nossa energia, e a reação do público, que foi ótima, apesar de ter sido híbrido em essência, como já observei, e por isso, ao existir ali, gente não exatamente simpática para com o som de bandas tradicionalistas, como nós e o Golpe de Estado.
Não teríamos mais shows em outubro e o mês de novembro também não previa mais nenhum compromisso agendado, mas por outro lado, seria um mês muito intenso para a nossa banda, com muitos acontecimentos a histórias a serem geradas. Então, para fechar o mês de outubro, ainda tenho um fato a narrar.

Como última ocorrência a relatar sobre o mês de outubro de 1986, cito o lançamento de mais uma edição do fanzine do nosso Fã Clube, desta vez, em sua edição de número seis. Nesta altura, já tínhamos a estrutura do Studio V, e nosso roadie, Eduardo Russomano, a trabalhar conosco, também nos afazeres do fã-clube. Portanto, ele colaborou bastante na elaboração deste número, mas a despeito disso, nada avançamos em relação ao lay-out do jornal.
Esperávamos uma avanço nesse sentido, com o Studio V a auxiliar-nos para que usássemos um serviço de copy-desk profissional, quiçá para ser rodado em gráfica, com a qualidade a ser oferecida aos nossos associados, infinitamente superior, mas a Sonia alegou que não seria o momento para dar-se esse salto, mas que no futuro, certamente que realizar-se-ia como uma necessidade premente aos planos de expansão da banda... claro, claro... portanto, o jornal saiu nos mesmos moldes caseiros e bem simples, com o qual estávamos habituados a prepará-lo para distribuir aos nossos fã/associados

Talvez a única novidade, tenha sido a inclusão do logotipo do Studio V na capa do jornal, como uma marca de nossa ligação profissional com tal produtora, mas quase três décadas depois (escrevi este trecho em 2015, portanto, vinte e nove anos distante do fato que narro), chega a ser irônico constatar que o escritório prometia-nos "mundos & fundos", entretanto, na prática, nós é que o promovíamos, com nossos parcos recursos. 

Sobre o jornal em si, logo no primeiro box, anunciamos justamente a nossa união com tal produtora.

1) Chave Empresário - Em tom solene, alardeamos que trabalharíamos com empresários sob um "alto gabarito", ao citá-los nominalmente, inclusive, com o acréscimo de um elemento que não fora muito presente nesses primeiros meses em que ficamos associados ao escritório, mas que a partir de dezembro, tornar-se-ia mais próximo, o publicitário, Arnaldo Trindade.

2) TV - Falamos sobre o comercial da "Mesbla Alternativa", que Rubens, Beto e Zé Luiz haviam feito meses atrás, e a aparição em um programa jornalístico da TV Pioneira (afiliada da TV Bandeirantes), em Teresina, Piauí.

3) Rádio - Comentamos sobre a sétima vez em que participamos do programa, "Balancê", da Rádio Globo/Excelsior de São Paulo. E nessa altura, este já não contava com a apresentação de Fausto Silva, mas de Oscar Ulysses, locutor esportivo que despontava na época - hoje é bem famoso em São Paulo- e irmão do também famoso, Osmar Santos). 

Citamos o fato de que a música veiculada na entrevista, fora "Saudade", a demonstrar que as canções novas da demo-tape norteavam os nossos esforços para empreender a massificação naquele instante. No programa de Sonia Abrão, na Rádio Tupi, tocamos "Sun City". No Riff Raff, programa pesado da 97 FM, demo-nos ao luxo de executar três músicas extraídas de uma fita K7, de um show ao vivo: "Pesadelos", "Ufos" e "Que Falta me Faz Baby", ao denotar uma intenção em soar mais pesado aos ouvintes mais fechados em um nicho específico. E a entrevista na emissora, Poty FM de Teresina, a dar ênfase à nossa primeira visita ao Nordeste do Brasil.

4) Revista - Comentários sobre as últimas publicações que haviam sido lançadas nas bancas de jornais, a falar de nós, e comentários sobre publicações que estávamos a esperar e nesse quesito, invariavelmente frustrávamos nossos leitores e a nós mesmos, pois muitas não vingavam, caso da "Bizz Heavy", cuja história já relatei anteriormente.

5) Repertório - Falávamos sobre o fechamento de novas músicas, a destacar-se, "Pesadelos", uma música pesada que não constou da nova demo e não figurou muito do set list dos shows ao vivo, posteriormente, além de "Desilusões", que fez parte da nova demo e a considerávamos "com balanço", e "Lírio de um Pantanal", que acabou por tornar-se uma das mais queridas do público, e justificou-se tal sucesso quando foi incluída no LP "The Key", que gravaríamos no ano de 1987.

6) Fofoca - Mais demonstrações de bravatas ao estilo, "Zeca Jagger", a enfocar os componentes da banda em situações extra-musicais, principalmente: Beto andara em uma limusine quando de sua viagem à Nova York, no primeiro semestre, Rubens estava para anunciar a aquisição de mais uma guitarra e eu, Luiz, frequentava shows de Rock de outras bandas. Zé Luiz, bem mais modesto nesta sessão glamorosa, arrebentava em sua nova atividade paralela como professor de bateria, e os quatro, juntos, foram juntos à exposição de Salvador Dali, no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo). Foi tudo verdade, ainda que eu glamorizasse, a aumentar certas nuances...

7) Shows que rolaram - Uma geral sobre os shows que fizéramos de julho até ali, e já relatados aqui.

8) Fãs - Mais fãs que enviavam-nos solicitações de amizade com outros fãs, e seus respectivos endereços residenciais para receber correspondência.

9) Perfil de Chave - A sessão criada para trazer mais particularidades de cada membro da banda, apresentou desta vez, o Beto Cruz, como enfocado da edição. Falamos sobre sua viagem à Nova York, e os shows que lá assistira, ao lado dos músicos da banda brasileira, "Cérbero", que lá estavam a tentar a sorte, bravamente, no mercado musical norte-americano. Sobre os shows, Beto de fato foi acompanhado desses rapazes do Cérbero, quando comparecem juntos aos shows de bandas norte-americanas pesadas como "Raven" e "Anvil". Falamos também sobre equipamentos que ele trouxe da América do Norte.

10) Fã-Clubes - Tradicional seção onde destacávamos a colaboração de alguns fã- clubes e fanzines que apoiavam-nos, e ao divulgarmos os seus respectivos endereços postais, retribuíamos a gentileza. Predominavam fã-clubes de Heavy-Metal, como a "Associação Demolition", que mediante tal denominação, poderia ser confundida com uma empresa de demolições prediais

E assim, ficou o conteúdo desse fanzine número seis, lançado em outubro de 1986. Ainda bem modesto em seu lay-out, mas escrito e produzido sob intensa euforia, de nossa parte. Eu escrevi todo o texto, e Zé Luiz mais uma vez cuidou do lay-out geral, mas com a providencial ajuda do Eduardo Russomano, nosso funcionário a auxiliar-nos bastante. 

Um toque subliminar, salta-me aos olhos, por explicar fatos desagradáveis que aconteceriam muitos meses depois, na metade de 1987: o fato do Zé Luiz, mesmo a estar empolgadíssimo como todos nós estávamos, ter anunciado estar a ministrar aulas particulares, demonstrou que houvera uma pressão familiar, que pesara-lhe nos ombros. A necessidade de ganhar dinheiro, mais rapidamente do que achávamos que iríamos ganhar com um "quase certo" estouro na carreira, obrigou-lhe a tomar tal providência. Não havia nada de errado nisso, a priori, mas pareceu um prenúncio de que a nossa euforia quebrar-se-ia, a seguir...

Quando novembro chegou, a nossa primavera não poderia estar mais florida. Com a nova demo-tape finalizada, assim como o material gráfico e fotográfico, agora estava nas mãos do Miguel, tomar as providências cabíveis para que nós mudássemos de vida, ou para dizer melhor, começássemos a mudar, de fato. Ele certamente tomou as suas providências, e assim, os tais telefonemas estratégicos que havia arrolado em sua agenda, foram efetuados.

A primeira investida dele foi com Rita Lee, conforme concordamos em comum acordo. Entretanto, não foi na primeira tentativa que ele conseguiu lograr êxito, ao ter que suportar uma sucessiva postergação da parte da "Rainha do Rock", para atendê-lo. 

Foram diversos telefonemas realizados, e sempre a esbarrar no filtro de uma assessora/produtora, e nunca a falar diretamente com a ruiva. 

Até que enfim, ele conseguiu que Rita retornasse-lhe em pessoa, mas a resposta que ela lhe forneceu, o frustrou e logicamente à todos nós, por conseguinte. Ao alegar estar em um momento difícil, com a recente perda de sua mãe, disse estar sem ânimo para fazer nada, e que sua carreira estava em estado de suspensão, até segunda ordem, por motivo de luto. Bem, tal justificativa para não auxiliar-nos naquele instante dos anos oitenta, foi justo, logicamente. 

Visto pelo lado prático, lamentamos, pois ela mantinha um prestígio midiático e popular, enorme. Portanto, a sua intervenção, como boa vendedora de discos que era naquele ponto, teria sido um reforço e tanto para as nossas pretensões.

Sem Rita como madrinha, partiríamos para o "plano B", de pronto, no entanto, Miguel mudou a sua estratégia, e assim decidiu abordar, André Midani, diretamente ao temer que pudéssemos perder ainda mais tempo, se Erasmo Carlos também demorasse a pronunciar-se, para definir se aceitaria ou não, apadrinhar-nos. 

Então, ao ligar para o mandatário máximo da Warner no Brasil, ele agendou encontro da banda com ele, quando o material seria analisado, enfim. Empolgadíssimos ficamos, é claro...

Após diversas tentativas que fizéramos, desde 1984, e ao errarmos na abordagem, é bem verdade, finalmente chegaríamos com um material em condições, e agora, com uma mão pesada a introduzir-nos, na figura de um empresário com entrada nos bastidores da mídia e indústria fonográfica. 

Mais que isso, Miguel era amigo pessoal de Midani, e certamente que tal fator seria um agente facilitador nesse processo em prol de nossa admissão, enfim, em uma gravadora multinacional de grande porte. Estaríamos com grande possibilidade para adentrarmos uma gravadora multinacional, finalmente? 

Foi o que nós dimensionamos e logicamente, tal perspectiva contagiou-nos de uma forma contundente, eu diria. Como não acreditar que nossa hora chegara, ante tantas evidências alvissareiras? 

Então, Miguel deu ordens para Sonia e Toninho preparar toda a logística de nossa ida ao Rio de Janeiro. A ideia seria Sonia e Toninho acompanhar-nos nessa missão, e dessa forma, a viagem foi planejada.

A viagem ocorreu logo após o feriado de finados, e nessa comitiva, além dos componentes da banda, seguiram juntos, Sonia & Toninho. O fato de nós irmos juntos aos nossos representantes, decorria da possibilidade da primeira abordagem gerar uma "queima de etapas", dada a amizade entre Miguel e André, portanto, seria muito possível que convocassem-nos para uma abordagem direta, e nós estaríamos a postos, in loco, no Rio de Janeiro. 

Seguimos em dois carros (o do Rubens, e o do Beto), divididos em dois trios. O casal de produtores seguiu com o Rubens e no carro do Beto, seguimos juntos, eu e Zé Luiz.

O nosso primeiro erro nessa comitiva, foi marcado pela imprudência. De forma infantil, não consideramos que poderíamos nos perdermos um do outro durante o trajeto, no comboio que pretendíamos estabelecer. 

Um reles pedaço de papel teria evitado um imbróglio, mas ninguém pensou nessa medida de segurança, e o pior aconteceu. Bem, quando saímos em comboio do escritório do Studio V, somente a Sonia possuía o endereço e o telefone do Apart-Hotel onde hospedar-nos-íamos. 

Na ingênua ilusão de que os passageiros de um carro não perderiam os outros de vista, durante o percurso São Paulo/Rio de Janeiro, ninguém teve a ideia prudente de copiar tais dados em um reles pedaço de papel de rascunho, ou seja, uma medida básica de segurança que qualquer criança que participa de uma excursão escolar, adota. 

Em 1986, claro que ninguém sonhava com telefones celulares, portanto, em algum ponto da estrada, o Gol GT do Rubens, sumiu de nossa visão, que estávamos a bordo do Opala azul do Beto. Parar em algum posto de gasolina e ligar para o escritório do Studio V, em São Paulo, pareceu-nos ser a única providência cabível naquele momento. 

A esperança seria que alguém de lá informasse-nos o endereço da nossa hospedagem, ou mesmo que a Sonia tivesse ligado também, com o mesmo intuito. Ocorreu que realmente nós tentamos tal expediente, mas nesse horário mais avançado, obviamente que não havia mais ninguém no escritório. 

Saíramos de São Paulo, após o horário do "rush" e quando percebemos que havíamos perdido o carro do Rubens de nosso alcance visual, já apresentava-se um horário inconveniente para abordagens. A nossa última esperança seria a de que o carro do Rubens estivesse parado em algum posto rodoviário, por motivo de segurança, ao esperar que passássemos. Continuamos a rodar em direção ao Rio, com essa esperança ínfima e o nosso único apoio concreto, foi uma pálida lembrança de que Sonia dissera-nos que ficaríamos em um Apart-Hotel, localizado na Avenida Sernambetiba, no bairro da Barra da Tijuca.

Vista da Avenida Sernambetiba, na Barra da Tijuca, zona sul do Rio de Janeiro. Seria como procurar uma agulha no palheiro, sem o correto número do estabelecimento, que buscávamos...    

Com essa pálida pista que dispúnhamos, seguimos para o Rio. 

É lógico, mesmo naquela época, já existiam muitos estabelecimentos dessa ordem em tal avenida beira-mar, daquele bairro carioca da zona sul. Seria uma loucura procurar um por um, na alta madrugada, e diante desse cansaço iminente, rendemo-nos às evidências e resolvemos dormir no carro, com a determinação de que na manhã seguinte, teríamos a informação do paradeiro dos demais membros de nossa comitiva. 

Sabíamos de antemão que a reunião com Midani na sede da gravadora Warner, estava marcada para o período da tarde, às 14 horas. Portanto, certamente que encontrar-nos-íamos com eles, muito antes desse horário determinado.

E assim foi quando finalmente ao ligarmos para São Paulo, soubemos que Sonia ligara e ao demonstrar grande preocupação, deixara a incumbência para Maria Amélia, a secretária do Studio V, passar-nos as coordenadas e também ser avisada imediatamente sobre o nosso paradeiro. 

Susto dizimado da parte de todos (pois claro que também cogitamos acidentes, violência urbana ou problemas mecânicos do automóvel para eles, também), finalmente soubemos que os três esperavam-nos em um restaurante do bairro do Leblon, o La Mole.  

Fácil de achar-se, fomos para lá e finalmente todo o temor e aborrecimento decorrente dessa confusão encerrou-se, com direito a muitas piadas sobre o ocorrido, além de acusações contra o Rubens, que gostava de pressionar o seu pé contra o acelerador, e daí, possivelmente ter causado o imbróglio todo. Mas não fora verdade, totalmente, pois a falta de um mísero papel de anotação com o endereço do apart-hotel, teria poupado-nos disso. Fora o fato de que ficamos sem dormir decentemente e tomarmos banho. Se chamassem-nos para uma reunião de súbito, somente o Rubens estaria apresentável, portanto.  

Angústias e brincadeiras a parte, estávamos muito contentes com a perspectiva da reunião marcada para as 14:00 horas e quando reunimo-nos com Rubens e nossos representantes do Studio V, essa foi a tônica entre todos, durante o almoço. Dali seguimos para a sede da Warner, no Jardim Botânico, bairro próximo.

Ao chegarmos na rua onde ficava localizada a sede da gravadora Warner, ficamos em um bar próximo, a aguardar a volta de Sonia e Toninho, que foram encontrar-se com Midani. Ao fugir de nossas mais otimistas expectativas, a reunião foi longa, ao considerar-se o padrão desse tipo de abordagem entre produtores de bandas emergentes e mandatários de gravadoras majors.
Geralmente a alegar tempo escasso, o normal teria sido uma conversa muito superficial sobre os atributos do artista oferecido em questão e a entrega do material para ser analisado a posteriori. O fato disso ser feito em uma reunião agendada, poderia ter sido considerado um grande avanço nesse meio, pois o grosso dos artistas aspirantes, nem chega nesse passo e ao deixarem os  seus materiais na portaria de tais instituições, depositavam nessa incerta predisposição, todos os seus sonhos, e nesse caso, a realidade seria a de que a chance de tal material chegar à mesa de um avaliador, fosse tão ou mais difícil que a análise combinatória de um jogo de loteria em relação ao bilhete sorteado.

Portanto, essa fora de longe, a mais concreta chance que tivemos, ao comparar-se com as vãs tentativas que efetuáramos anteriormente. Quando Sonia e Toninho deixaram a sede da gravadora e encontrou-nos na rua, aproximaram-se a sorrir e assim a demonstrar grande entusiasmo para relatar-nos como fora a conversa com Midani. 

Bem, segundo Sonia, o Midani, fora muito receptivo, e além de ouvir atentamente a argumentação dela e Toninho, perdeu um bom tempo a olhar o portfólio e o álbum com as fotos da banda  

O som da Demo-Tape, ecoou na sala, mas com volume baixo, sem que ele prestasse a devida atenção. Aliás, nem seria a sua atribuição, nesse caso. O normal, seria um diretor de repertório realizar tal análise, e nesse caso, provavelmente seria o Liminha. 

A sua atenção, portanto, esteve mais centrada sobre nós, em termos de fotogenia e dados pessoais, pois muitas perguntas foram feitas por ele, sobre nós. Por exemplo, ele quis saber sobre a nossa condição sócio financeira, se tínhamos instrumentos e equipamentos com qualidade, quis saber também sobre o nosso figurino para shows e eventual guarda-roupa do cotidiano etc. 

E sobre a aparência dos componentes, destacou que achara-nos bem-apessoados, todavia, ressaltou que o Rubens chamava a atenção como o mais bonito, e certamente com "presença de "galã". 

Com essas informações, ficamos com a certeza de que Midani mais preocupava-se mais com o gerenciamento geral de carreira, sem ater-se à parte musical, que certamente era cuidada pelo Liminha. 

Por suas colocações, pareceu-nos que havia nos aprovado, e mais que isso, não demonstrara ter nenhum comprometimento pessoal com a estética do Pós-Punk, e para sermos até otimistas, eu diria que isso não importava-lhe de forma alguma. 

Nesse caso, as nossas longas cabeleiras setentistas e o visual mais próximo dessa mesma prerrogativa do que com a estética em voga, pareceu não incomodá-lo em nenhum aspecto.    

A sua primeira preocupação demonstrada pela conversa, mas sobretudo pelas perguntas, foi de outra ordem. Seu interesse seria saber se tínhamos uma "boa aparência", como raciocinam executivos de TV, quando pensam em contratar atores, e notadamente, atrizes. 

E sob uma segunda instância, se reuníamos condições técnicas boas para enfrentar uma série de shows, decorrentes de um eventual impulso que a gravadora poderia proporcionar. De nada adiantava sermos bons, se na hora de apresentarmo-nos ao vivo, não reuníssemos condições mínimas de trabalho, a causar vexames inadmissíveis, ao adequarmo-nos ao padrão de um artista mainstream.

Bem, não nadávamos em dinheiro, tampouco tínhamos uma coleção de instrumentos e um backline (equipamento de palco), digno de uma banda internacional. Todavia, não havia nenhuma dúvida entre nós quatro componentes, que tirante situações prementes de cada um, individualmente, claro que ao entrarmos em uma situação mais avantajada, municiada por uma agenda decorrente da exposição massiva, correríamos para uma boa loja de equipamentos e reforçaríamos o nosso arsenal. 

No cômputo geral, Sonia e Toninho estavam muito otimistas, a dizer-nos que Midani gostara da banda. E nós, também ficamos muito certos de que tínhamos uma chance, apesar de todas as adversidades estéticas que tanto elenquei, mediante longa explanação feita ao longo de vários capítulos. 

A resposta, no entanto, demoraria alguns dias a ser fornecida, oficialmente, pois a decisão final não cabia à ele, Midani, tão somente. Ficaríamos mais um dia no Rio de Janeiro, pois a Sonia agendara uma visita à redação do Jornal do Brasil, onde possuía contatos. 

E também uma reunião informal com uma amiga pessoal dela, que dizia ser uma colaboradora de longa data, e "formadora de opinião". Então, no período da noite, fomos à residência dessa senhora, onde seríamos recebidos por um cocktail de queijo & vinho. No meu caso, claro que eu preferi ir com Coca-Cola... 

O ponto vermelho nesse mapa da cidade do Rio de Janeiro, mostra onde localiza-se o bairro de Lins de Vasconcelos

Nessa reunião com a amiga da Sonia e o seu marido, fomos muito bem recebidos, não posso negar, e a noitada foi agradabilíssima, pois o casal anfitrião revelara-se Rocker da "velha guarda", portanto, o som com qualidade permeou tal visita, com discos de vinil a ecoar clássicos das décadas de sessenta e setenta, no apartamento em Lins de Vasconcelos, na zona norte do Rio. Vários tipos de queijos saborosos, pão italiano, muitos antepastos e bom vinho importado (em meu caso, interessou-me a Coca-Cola, naturalmente), propiciou o bem-estar geral.

  
Mas cabe uma análise crítica, a despeito da excelente hospitalidade desse casal: a Sonia vendera-nos a ideia de que tal recepção seria uma missão a mais em nossa estadia carioca, com sua amiga a representar uma importante "colaboradora e formadora de opinião". Até que poderia ser o caso, mas ficou claro, no entanto, que na verdade, foi uma armação dela para visitar uma velha amiga, e assim poder usufruir da oportunidade de estar no Rio, com despesas pagas pelo escritório.

Se dissesse-nos isso abertamente, não ficaríamos bravos, e de fato, foi uma noite agradável. Mas definitivamente, aquela noite não foi um compromisso formal da banda, mas algo meramente sócio-retroativo. No dia seguinte, aí sim, tivemos um compromisso oficial e produtivo e graças aos contatos dela, reconheço.   

Visitamos a redação do Jornal do Brasil, localizada na zona portuária do Rio, próximo à Praça Mauá. 

Quando chegamos nessa enorme instalação, tivemos um contratempo, pois na informalidade que norteia os costumes cariocas e ainda mais ao justificar a alta temperatura costumeira, não poderíamos supor que cobrassem-nos formalidades no vestuário. Não seria o caso de nós três (refiro-me ao Rubens, Beto e eu mesmo), mas o Zé Luiz foi trajado de uma forma mais despojada, ao usar uma camiseta ao estilo "regata" e foi barrado na recepção, sob a alegação de que tal traje não seria permitido nas dependências daquela instituição. 

O Zé Luiz tentou alegar que fazia calor normalmente no Rio, portanto a informalidade seria histórica como cultura local, mas a recepcionista contra-argumentou que não haveria nenhuma possibilidade dele entrar trajado dessa forma, e que na semana anterior, um outro artista também fora barrado nas mesmas circunstâncias, no caso, um rapaz mineiro, chamado, Milton Nascimento... 

A solução foi que ele improvisasse um arranjo de última hora, ao usar uma peça de roupa por cima da camiseta, emprestada de um de nós, e que por acaso, estava disponível no carro. Não lembro-me ao certo a quem pertencia, e nem mesmo o que era, mas arrisco-me a dizer que tratou-se de um colete, que abotoado, disfarçou a ausência de ombros da camiseta regata. 

Uma vez lá dentro, Sonia apresentou-nos ao seu contato, o jornalista, Luiz Carlos Mansur, famoso crítico musical do jornalismo brasileiro de então. Na conversa, falamos-lhe que havíamos abordado a gravadora Warner, e ele já sentou-se à máquina de escrever para preparar uma nota, quando explicamos-lhe que seria ainda um contato preliminar, portanto, não havia nada além de uma abordagem inicial. 

Claro, demos-lhe uma cópia para a sua avaliação e na minha lembrança, foi um contato muito prazeroso, com o jornalista em questão, ao tratar-nos muito bem. Não haveria nada mais agendado para cumprirmos no Rio, pois a resposta oficial da Warner demoraria alguns dias para ocorrer. 

Almoçamos em um restaurante de Copacabana, cujo dono era amigo dela, Sonia, e tratou-se de um rapaz bastante hospitaleiro, que serviu-nos um excelente almoço, apesar de insistir em contar-nos piadas sem graça ("a política em São Paulo, vai de norte a sul, de leste a Orestes" ao fazer uma alusão ao então candidato a governador, Orestes Quércia), bem não dava para ser perfeito o tempo todo. 

Voltamos para São Paulo, então, muito mais esperançosos de que havíamos alcançado o nosso objetivo, pois o contato com a Warner, via André Midani, pareceu-nos auspicioso. Para encerrar esse relato da viagem ao Rio, não posso deixar de registrar que o bem-estar decorrente dessa sensação foi marcante por ocasião de nossa estada no Apart-Hotel da Barra da Tijuca. Inebriados por essa atmosfera de sucesso, em que nossa empreitada carioca pareceu-nos conduzir, a propiciar uma ótima sensação permeada pela euforia, e não refiro-me à minha percepção pessoal única, mas certamente entre os quatro componentes da banda.

Ali, tudo misturou-se... tal sensação subliminar, associada à mordomia de um bonito hotel, com paisagens inacreditáveis e paradisíacas, proporcionou-nos a gostosa, porém imprudente sensação da vitória antecipada. 

Ouso dizer, que a despeito de outras coisas boas que ainda aconteceriam nos próximos meses, esse pequeno momento de uma quase epifania, vivida na sacada do hotel, sob um visual cinematográfico da praia à nossa vista, foi a última percepção de sucesso mainstream a vista, palpável, para a nossa banda. 

Digo isso a deixar muito claro, que hoje em dia encaro a carreira da banda como amplamente vitoriosa, artisticamente, e até mesmo em termos de projeção, embora circunscrita ao métier do Rock underground. 

Todavia, a nossa não chegada ao mainstream, passou por essa noite a olhar para o mar, em um andar alto de um prédio de luxo da Barra da Tijuca, sem dúvida, na medida em que ali, fora a nossa última sensação real em estarmos quase a chegar... é triste falar isso, pelo lado da análise técnica dos fatos históricos, mas também é poético, eu diria. 

Tal momento chegara a ser mágico de tão bonito que foi, mas não passou disso, isto é, um insight, uma epifania, para nós naquele instante, e para a maioria dos pleiteantes, que sonharam e não chegaram a obter, como nós...  

De volta a São Paulo, Miguel informou-nos que mesmo antes de ter a resposta da Warner, voltaria a insistir em uma estratégia paralela, em relação à busca de um padrinho para famoso para nós. Uma coisa não desabonaria a outra, independente se entrássemos ou não naquela companhia fonográfica, embora ele desse como certa tal prerrogativa, mas ele enfatizara que seria muito importante para nós, termos um padrinho famoso, para todo tipo de situação e não só para ajudar-nos a ingressar em uma gravadora multinacional. 

Tudo bem, aprovamos certamente tal determinação da parte dele, e daí, telefonemas foram disparados para o Rio de Janeiro, ao buscar-se o contato com Erasmo Carlos.  

Mais uma cartada de esperança para nós: Midani e Erasmo eram amigos, e ambos, amigos do Miguel... 

Gostávamos dele, sem dúvida e eu, em particular, gosto muito de sua obra e dele como artista, e mesmo ao não conhecê-lo pessoalmente, tenho ótimas referências dele como pessoa, passadas por amigos meus que o conhecem e atestam ser de fato, um tremendo (ão) sujeito de boa índole, sem afetações, estrelismos e afins. 

Estava, portanto, aprovadíssima tal escolha e seria um prazer ter o Erasmo a ofertar-nos as suas bênçãos artísticas. Para ir além na minha análise pessoal, apesar dele ter seu ganha pão na seara do Pop romântico, através de suas parcerias com Roberto Carlos, a sua carreira solo é sensacional ao meu ver, e seu lado Rocker, muito intenso. 

No meu conceito, em meio a muitos artistas bastante duvidosos surgidos dentro da "Jovem Guarda", Erasmo foi um dos um dos poucos Rockers genuínos ali inseridos, ao lado de Eduardo Araújo, Os Incríveis, Leno, Ronnie Von e outros poucos. 

Todavia, demos azar também com o "Tremendão". Após muitas tentativas de estabelecer um contato telefônico, finalmente o Erasmo falou com o Miguel e declinou do convite, ao alegar estar a passar por uma fase difícil, com problemas particulares. Bem, artista também é humano e passa por intempéries na vida, como todo mundo. 

Uma investida em um eventual terceiro nome da lista, não foi cogitada, logo a seguir. Talvez Miguel tenha esperado sair o resultado da gravadora, se aceitavam-nos ou não, e adiou essa busca paralela, momentaneamente. Contudo, isso nunca mais ocorreu de fato, e tal conversa sobre "apadrinhamento", não foi mais mencionada dentro do casarão. 

Entrevista que concedemos ao jornalista, Antonio Carlos Monteiro, para a revista "Roll", já realizada nas dependências do casarão do Studio V, e publicada em setembro de 1986

Enquanto esperávamos a resposta da Warner, claro que estávamos ansiosos e foi um raro momento naqueles meses permeados pela euforia total, que pensamentos nem tão positivos acometeram-nos. 

Por alguns dias, sem perspectivas de shows em vista, e sem a resposta da gravadora, relaxamos um pouco na nossa rotina de ensaios. 

Com a Demo-Tape gravada, e sem shows marcados em um curto prazo, a nossa ansiedade contaminou-nos um pouco, a tirar-nos ligeiramente da nossa clássica obstinação para ensaiarmos. Outro ponto, foi que o repertório estava gigantesco. Dessa forma, chegamos a conclusão que deveríamos estabelecer um verdadeiro "controle de natalidade", pois já tínhamos material suficiente para um álbum triplo, caso fôssemos contratados para gravar um disco oficial. Não havia, portanto, a necessidade de compor-se mais músicas naquele instante. 

Não obstante tal constatação, o Beto ainda sinalizava estar em grande fase criativa e continuava a dizer-nos que tinha prontos, mais riffs, ideias para melodias e letras para apresentar-nos. Ainda em novembro, e antes da Warner manifestar-se a Sonia anunciou-nos duas entrevistas. Eu diria que toda oportunidade para aparecer na mídia é importante para qualquer artista, independente do órgão ser da grande imprensa ou pequeno. 

E muitas vezes, independente do seu tamanho, é preciso considerar se ele mostra-se adequado ao tipo de exposição que o artista necessita para expandir-se. Por exemplo: eu nunca recusei solicitação de entrevista para ninguém, mas questionaria, internamente a falar, a eficácia de se aparecer em uma publicação com pouca ou nenhuma identificação cultural, mínima que fosse. Feitas tais considerações, agora fica mais fácil para o leitor entender aonde eu quero chegar.

Ocorreu que a Sonia agendou-nos uma entrevista em um jornal esportivo, chamado: "A Gazeta Esportiva". Não era um órgão pequeno, pelo contrário, tratava-se de um dos maiores jornais esportivos do país e com larga tradição no mercado editorial brasileiro. 

Não era, no entanto, um total disparate ser entrevistado ali, pois a despeito de ser uma publicação dedicada ao esporte em geral, e com ênfase quase total ao futebol, havia uma pequena seção cultural, onde artes, espetáculos & cultura em geral, eram tratados. 

Fomos à redação da Gazeta Esportiva, que ao contrário do que poder-se-ia imaginar, não ficava no histórico prédio da Fundação Cásper Líbero, na Avenida Paulista, mas nessa época, usava uma ala da redação da Folha de São Paulo, no bairro Campos Elísios, bairro central da capital paulista. 

E por estar instalado ali, gerou uma fantástica história, que tenho o orgulho em contar. 

Naquela época, a Folha de São Paulo, tinha a sua gráfica instalada no mesmo espaço, na Alameda Barão de Limeira. Só anos mais tarde, nos anos noventa, inauguraria um parque gráfico gigantesco e moderno, em um bairro afastado da periferia da cidade. 

Portanto, a Gazeta Esportiva também era produzida ali na antiga gráfica da Folha. Chegamos à redação, um pouco adiantados em relação ao horário marcado para encontrar o jornalista que entrevistar-nos-ia. Enquanto esperávamos para sermos introduzidos à sala de entrevista, um rapaz da gráfica, chamou-me. 

Com seu uniforme sujo de graxa, pois estava a trabalhar a todo vapor, perguntou-me se eu e meus companheiros aceitaríamos conhecer o seu ambiente de trabalho. 

Era um rapaz simples, mas a sua educação e simpatia cativou-nos, e liberados pela Sonia, que sabia que ainda teríamos alguns minutos livres, fomos com ele, ao andar da gráfica. Ao chegarmos lá, fomos surpreendidos, pois o rapaz apresentou-nos aos seus colegas, ao dizer em voz alta: -"amigos, estes rapazes são componentes da melhor banda de Rock do Brasil... A Chave do Sol!" Pois o rapaz era um fã da nossa banda, e não havia acreditado que estávamos a circular pelos corredores das instalações da Folha de São Paulo

Foi surpreendente e comoveu-nos muito, não só pela iniciativa que ele teve em fazer tal reverência para nós, mas também pelo fato de que os nossos esforços ao longo de quatro anos de trabalho, haviam proporcionado-nos perder a noção real do alcance de nossa popularidade. 

Tínhamos fãs espalhados em muitos lugares e aquele rapaz fez com que entendêssemos essa questão com maior profundidade, ao produzir o sentimento de orgulho, por todo o nosso esforço empreendido até então. 

E ele também esteve de parabéns, por que teve uma bela atitude, ao presentear-nos daquela forma, com uma carga de emoção e humanidade, muito tocantes. Despedimo-nos dele e seus colegas, e voltamos à sala de entrevistas para conversar com o repórter. 

Essa foi, que eu lembro-me, a única entrevista que concedemos, a levar em consideração aquela ridícula determinação imposta pela Sonia, para que mentíssemos sobre as nossas respectivas idades cronológicas. 

Não tivemos escapatória nesse caso, pois a Sonia acompanhou a entrevista de perto, sentada em uma poltrona próxima de nós e o repórter, setorista de cultura do jornal, já vinha com esse cacoete editorial, provavelmente instruído por seu editor e certamente amparado pelo fato de ser um setorista acostumado a entrevistar atores e atrizes de TV, onde tal dado, era (é) considerado importante. 

Absolutamente ridículo, na época, eu tinha vinte e seis anos completos, e disse ao repórter ter vinte e quatro. Senti-me realmente constrangido em mentir, e pior, para sustentar uma bobagem sem tamanho, pois que diferença faria ao leitor, que eu tivesse dois a anos a menos que a minha realidade cronológica? 

Que diferença faz para a imagem de um artista de vinte e seis anos de idade, fazer com que o público acredite que ele possua, vinte e quatro? 

Bem, claro que nenhuma, e ainda bem, paramos de obedecer a Sonia, nesse quesito, ao libertarmo-nos desse paradigma idiota. Fora essa bobagem, a entrevista foi bem trivial, como seria para esperar-se em um órgão não especializado em música. 

Para aproveitar o assunto, escrevi isso em junho de 2015, ao faltar um mês para eu completar cinquenta e cinco anos de idade, deixo claro, aqui. E minha idade mental está congelada nos quinze anos...

Eu, Luiz Domingues, aos 15 anos de idade, em 1975, época em que enlouquecia ao ouvir o programa radiofônico, "Kaleidoscópio", e igualmente viajava com a leitura da Revista "Rock, a História e a Glória"... e que de certa forma, mesmo ao ostentar cinquenta e cinco, em 2015, permaneço o mesmo sujeito em termos de ideais.

A resposta da Warner ainda não havia saído, quando a Sonia veio contar-nos de uma maneira eufórica, que reencontrara um velho amigo seu, ator e comediante famoso, que estava a desligar-se da Rede Globo, após ter cumprido um longo período de contrato com aquela emissora, e sem agente no momento, acertara sua ligação com o Studio V. Eu já havia ventilado superficialmente tal assunto, alguns parágrafos atrás. 

Antes que pronunciássemo-nos, já advertiu-nos que não deveríamos nutrir ciúmes desse artista, pois a entrada nele no elenco da produtora, não diminuiria os seus esforços para promover-nos e que pelo contrário, com um artista tão famoso na mesma produtora, a tendência seria que mais portas abrir-se-iam, e nós seríamos beneficiados, também. 

Não estávamos preocupados com isso, e de fato, ao contrário do obscuro cantor português que realmente não acrescentava nada e talvez até subtraísse, por conta da sua ruindade artística e arrogância diametralmente oposta, expressa em seus modos mal-educados, talvez ela tivesse razão de certa forma e tal comediante pudesse de fato agregar algo ao Studio V e isso culminar em benefício, mesmo que em pequena escala, para nós.  

Tratou-se de Agildo Ribeiro, realmente um comediante e ator que tinha gabarito, e um currículo significativo, disso não havia dúvida. 

E assim que tal artista agregou-se ao nosso mesmo escritório, Sonia, na contramão do que exortava-nos a não nutrir ciúmes, deu-nos margem para tal, pois dali em diante, passou a acompanhar o comediante, vinte e quatro horas por dia, e passou a deixar-nos de lado. Cabe no entanto, uma reflexão mais apurada, agora, com a distância histórica, aliada à experiência adquirida.   

Como o leitor mais atencioso já deve ter concluído, nesses meses em que nos associamos ao escritório, o nosso embalo próprio, construído pelos nossos esforços empreendidos em quatro anos de trabalho, resultaram em uma avalanche de oportunidades, portanto, antes mesmo do escritório esboçar mexer um dedo para fazer algo ao nosso favor, uma série de chances, já estavam a acontecer, sem a sua interferência. 

O pouco que fizeram em nosso favor, fora insignificante em termos de mídia. O melhor que proporcionaram-nos, havia sido o uso do estúdio para produzirmos uma nova Demo-Tape. Não vou relativizar isso, pois fora uma ajuda e tanto, reconheço, é claro. 

Todavia, Sonia e Toninho não tinham nada a ver com esse fato, diretamente. O estúdio e toda a sua estrutura física, incluso o salário do técnico, Clóvis, contas da eletricidade, gás, água, IPTU do imóvel e demais despesas operacionais de sua manutenção, incluso outros funcionários, como a secretária, Maria Amélia, a faxineira e o rapaz da segurança/estacionamento, era bancado pelo Miguel.  

No que tangia aos esforços da dupla, Sonia & Toninho, salvo pequenas entrevistas agendadas em órgãos menores e nossa inserção no constrangedor cocktail do cantor lusitano, nada de significativo houvera sido efeito, até aquele momento. 

Talvez o contato com Midani no Rio (mas aí fica a ressalva que tudo fora armado e bancado pelo Miguel, e eles só agiram como funcionários a cumprir missões com trabalho de campo), e o contato com Luiz Carlos Mansur na redação do Jornal do Brasil, que rendeu uma pequena nota nesse jornal, tenham sido as suas melhores ações em nosso favor. 

Sendo assim, o fato de que esfriaram os seus esforços em nosso benefício, a privilegiar os interesses do Agildo, não mudaria muito a nossa vida, ao pensarmos nesses termos.

Por outro lado, todas as conversas preliminares, a dar conta de que possuíam muitos contatos na mídia e que "estourar-nos-iam", sem fazer muito esforço (ao denotar nesse instante, uma bravata, somente). 

Ao reforçar tal pensamento, as inúmeras entrevistas, oportunidades no rádio e TV, shows com público recorde em teatros pela cidade, além de shows fora do estado, foram nossos frutos colhidos, que colocávamos gratuitamente sob seus colos. 

Para piorar, a taxa absurda que ganhavam nesse contrato, não justificava tão poucas oportunidades oferecidas, e pelo contrário, moralmente estavam em débito, pois tal montante que cobravam-nos de sua comissão, significava o dobro da praxe do mercado, portanto, tinham mais é que trazer-nos o dobro do que nós tínhamos por conta própria, e com muito maior repercussão midiática. 

Mas na prática, estávamos em novembro, e nenhum show sequer, havia sido vendido por eles, tampouco produzido. Portanto, não tratava-se de ciúmes do comediante contratado, mas começamos a aborrecer-nos com as bravatas e a conversa infrutífera que contrastava com a inércia do casal, principalmente, embora na prática, o empresário que de fato levar-nos-ia ao topo das oportunidades, seria o Miguel, nessa equação. 

Começamos a cobrar-lhes, portanto, nesse sentido, e aí, desculpas clássicas começaram a aparecer, tais como: -"melhor esperarmos a definição em relação às gravadoras" ou -"o final do ano aproxima-se, e agora é um período péssimo para vender-se shows". 

Independente dessas desculpas, começamos a pressioná-los para mostrar mais serviço e fruto dessa pressão, uma sinalização apareceu ao final do ano, para os últimos dias de dezembro. Antes disso, porém, mais uma entrevista para jornal, surgiu e mais uma vez, por um contato nosso e não da parte deles.

A nova solicitação de entrevista que recebemos não fora de um órgão de grande porte, mas pelo contrário, um jornal de bairro. Claro que aceitamos de bom grado, e assim, concedemos entrevista à Gazeta de Moema, simpático jornal desse bairro da zona sul de São Paulo, pelo qual eu mesmo tinha carinho, pois morei ali naquele bairro entre 1973 e 1975 e o frequentava regularmente desde 1963, por conta de ali morarem os meus padrinhos/tios. 

Isso sem contar que também havia morado na Vila Olímpia, bairro vizinho, onde habitara entre 1967 e 1971, portanto, nessa somatória, conhecia aqueles quarteirões entre os dois bairros com desenvoltura, estudara no mesmo colégio, nas duas passagens que tive entre os dois bairros e muito da minha formação musical e identidade Rocker, fora forjada naquelas ruas, por onde tanto caminhei. 

O primeiro exemplar da revista: "Rock, a História e a Glória", que comprei, foi na banca de jornais e revistas, da esquina da Avenida Pavão, com a Avenida Santo Amaro, por exemplo, no lado de Moema, em 1975 

Mas por ironia do destino, justo nessa entrevista para tal jornal, que representava um bairro em que eu possuía um carinho e muitas memórias pessoais, não houve uma entrevista conduzida pessoalmente na redação do referido órgão. 

Portanto, ninguém esteve in loco e a condução da mesma ocorreu via telefone, apenas com o Rubens, como o nosso porta-voz, mas sem prejuízo algum à banda, naturalmente, pois o Rubens expressava-se muito bem.

E teve um mote nessa escolha pelo Rubens: como morador de outro bairro vizinho e também às margens da Avenida Santo Amaro, a Vila Nova Conceição, ele foi considerado um morador de Moema pelos responsáveis pelo jornal. 

Por ser um veículo de bairro, deu-nos um espaço generoso, com uma página inteira, apesar da pequena tiragem e penetração circunscrita a um bairro apenas da cidade e mesmo que consideremos que bairros paulistanos tem porte de cidade, pelo tamanho e infraestrutura própria, claro que uma entrevista em jornal de bairro, não poderia ter a mesma repercussão como a de um grande periódico com circulação nacional, ostentaria. 

Por outro lado, como eu já disse várias vezes neste capítulo sobre A Chave do Sol, e também em outros desta autobiografia, eu aprecio bastante a ação dos jornais do bairro.

A matéria/entrevista, foi bastante simpática e a outra grande vantagem dos dois jornais pequenos, foi que não estavam fechados em linha editorial rígida e muito menos comprometidos com estéticas artísticas, A; B ou C, portanto, atuavam com maior liberdade e assim, davam espaço para os entrevistados, sem deturpações, juízo de valor e perguntas capciosas para derrubar o entrevistado. 

Também não tiravam frases bombásticas do contexto geral da entrevista para compor manchetes (e subtítulos) sensacionalistas, que mudavam completamente o rumo da entrevista, a comprometer o entrevistado. E foi o caso desta publicação da Gazeta de Moema, que foi bastante simpática para com a banda.

Foi conduzida por um (então) jovem jornalista chamado, Paulo Mahylovski, e publicada no dia 1º de novembro de 1986. Perguntas clássicas somaram-se a outras, até surpreendentes, quando por exemplo, enveredou por aspectos políticos, sociais e sobre o papel da mídia em relação ao Rock, naquele panorama de final de 1986.  

Mais ou menos na metade de novembro, finalmente uma secretaria de André Midani ligou ao nosso escritório e deu o veredicto: estávamos rejeitados pela Warner.  

Uma resposta padrão, amena, deu conta de que Midani "adorara o material", mas o som que fazíamos, não era o que estavam a procurar naquele momento. 

Um ano depois, o Ultraje a Rigor mudou completamente a sua orientação estética e sonora, quando passou a posar como banda Hard-Rock oitentista, inclusive no visual, com seus componentes a ostentarem enormes cabeleiras, e no uso de figurinos iguais à de bandas como o "Ratt", "Motley Crüe","Van Halen", "Poison" etc...

Cáspite, nas outras oportunidades em que fomos desprezados por essa gravadora, não sentíramos tanto o impacto, e não foi para menos. Nas outras ocasiões, foi muito previsível que não nos aprovassem por uma somatória de questões e que inclusive, já foram amplamente descritas e analisadas nesta minha autobiografia. 

Mas desta vez, em nossa avaliação, havíamos pensado em detalhes que iam além da parte musical, apenas. Contudo, novas falhas saíram de nosso controle

Tínhamos muita esperança no poder de persuasão do Miguel, mas no momento decisivo, percebemos que ele não o usara o suficiente. Talvez por excesso de confiança de sua parte, ainda a basear-se nos seus anos de sucesso, nessa indústria, e por não considerar que agora estaria possivelmente defasado no mercado.

Outros fatores pesaram, e claro que o principal, por mais que tivéssemos simplificado o nosso som, principalmente no quesito das letras. 

O apelo Pop que achávamos evidente, muito provavelmente estava fora do padrão para eles. Por mais que a cozinha d'A Chave do Sol tivesse simplificado as suas criações, ainda assim, apresentava-se "complicada" demais para o padrão deles, que ainda reagia sob os parâmetros musicais paupérrimos do Pós-Punk. 

O excesso de solos de guitarra, em moldes tradicionalistas, certamente incomodara-os, também. Por outro lado, músicas como "Solange", "Saudade", "Desilusões" e "Trago Você em Meu Coração", não despertara-lhes o sentimento de soar Pop, suficientemente e sob um contraponto, nós pensávamos que havíamos adotado um padrão nesse sentido, tal qual uma banda como o "Rádio Táxi", que povoava as emissoras de ondas AM e FM, com canções semelhantes. Não teriam as quatro canções citadas, potencial para fazer parte de trilhas sonoras para as novelas Globais?

Outro fator: naturalmente que na hora em que as regravássemos oficialmente, tais canções sofreriam muitas modificações por parte dos produtores e nesse caso, nem assim vislumbraram que ao cortar os excessos que julgassem indevidos, poderiam moldá-las, ao "pasteurizá-las?"

Até mudanças de andamento e tonalidade, poderiam ser feitas, e certamente que insistiriam com o Beto, para ele cantar em tons mais baixos. Seria apenas deixar de raciocinar como o Robert Plant e adotar a postura de vocalistas do BR-Rock 80's, que em sua maioria esmagadora, cantavam para baixo. 

Não é preciso estabelecer um grande esforço mental para citar alguns exemplos: Renato Russo; Bruno Gouveia, do Biquini Cavadão, Herbert Vianna, e até mesmo o Cazuza. Enfim, ficamos chocados em termos sido rejeitados mais uma vez, por esses fatores que citei e outros, também.

Vida que seguiu, pensamos que uma rejeição não inviabilizaria novas tentativas em outras companhias. O discurso do escritório fora claro no início: -"temos contato e amizades em todas, escolham uma"... portanto, se a primeira tentativa não lograra êxito, iríamos com tudo para o plano B, certo? Mas não foi o que aconteceu.  

Na época, não ficou nada claro, no entanto. Ninguém mencionou conosco que haveria mudança de planos na estratégia e convenhamos, haviam prometido-nos o céu como limite, mas não haviam proporcionado-nos nada maior ou melhor do que nós já tínhamos conquistado, com o nosso suor, e pior que isso, asseguravam para si, 40% do cachê de shows que nós mesmo fechávamos. 

Portanto, essa equação não estava por apresentar uma lógica plausível e agora, para piorar as coisas, pareceu-nos que logo na primeira tentativa esmoreceram ante a primeira porta cerrada. Onde estavam os contatos, as propagadas favas contadas? 

A nossa maior comunicação sempre fora com Sonia e Toninho, mas agora, estavam a trabalhar quase em regime de exclusividade com o comediante já citado e o Miguel não deixava-se pressionar, ao impor uma distância regulamentar que permitia-lhe só falar conosco em reuniões formais e convocadas por ele, isto é, só quando ele desejava, em suma. 

Foi nesse ínterim que um outro elemento começou a interagir mais conosco. Esse rapaz chamava-se, Arnaldo Trindade, e sua formação era como publicitário. Havia sido contratado pelo Studio V, para orientar a estratégia de marketing da empresa. Ao contrário da histriônica, Sonia e do aristocrático, Miguel, Arnaldo era um sujeito com postura "zen", a mostrar-se ponderado, sensato, e talvez fosse a pessoa ideal para começar a lidar mais conosco, naquele momento em que sinais ainda subliminares, indicavam uma queda na avalanche gerada pelas boas novas que tínhamos graças aos nossos esforços, em contraponto com os resultados pífios apresentados pelos esforços do escritório, e isso sem contar o baque que havíamos tido com a recusa da gravadora, Warner, onde a desilusão que tivemos com a real força do escritório e principalmente em termos do prestígio do Miguel, ficara abalado em nossa percepção.  

Nessas conversas preliminares, que tivemos, falou-nos bastante sobre estratégias de marketing e tratou de acalmar os nossos ânimos que começaram a exaltar-se com a falta de empenho do escritório em mostrar mais serviço, principalmente no quesito da marcação de shows, visto que a rejeição da gravadora, Warner, para conosco, não poderia ser creditada a eles, como culpa, segundo ponderava-nos. 

Ao analisar hoje em dia (escrevi este trecho em 2015), eu questiono muito a abordagem feita pelo casal, Sonia e Toninho ao André Midani. Talvez eles tivessem boa desenvoltura para vender atores para a formação de elenco de novelas, ao atuar como agentes desse tipo de artistas, ao abordar diretores de TV, mas será que foi acertado que eles representassem-nos e ao Miguel, em uma reunião com o Midani? O mundo da música era completamente diferente e a falta de traquejo de ambos para lidar com tal situação, deve ter sido total! 

Especificamente a falar sobre Rock, então, ainda piorava mais o abismo cultural entre as partes, para uma discussão em alto nível, ao usar a mesma linguagem.

Portanto, o ideal, ao meu ver, teria sido o Miguel em pessoa ter ido ao Rio. O dinheiro que o escritório gastou para bancar seis pessoas hospedadas em um Apart-Hotel de luxo, mais restaurantes caros da zona sul do Rio, muito provavelmente teria sobrado pela metade, com o Miguel a promover uma viagem sozinho e ele mesmo a encontrar-se com o Midani. 

Mesmo defasado do mercado, ainda assim, Miguel conhecia os meandros da indústria musical, mil vezes mais que o casal, somado, e poderia tirar vantagem disso, ao usar uma argumentação mais plausível, que teria influenciado o Midani de uma outra forma. 

E quem sabe, com essa afeição que tinham um pelo outro, pela longa amizade estabelecida, Midani não tivesse bancado a nossa contratação, mesmo que os produtores rezassem por outra cartilha estética, e antagônica? Em minha visão de hoje em dia (2015), isso teria sido muito plausível. Enfim, foram mais erros cometidos da parte de todos, incluso o Miguel, o mais experiente dessa equipe toda, em tese. 

Nesse novo panorama, onde as bravatas não soavam mais pelos corredores do escritório, começamos a substituir a nossa euforia pelas apreensões. Sonia e Toninho só pensavam no comediante famoso, Miguel evitava-nos e somente Arnaldo Trindade, dava-nos atenção e conselhos ponderados. 

Arnaldo era um sujeito muito agradável no trato social, não nego, mas dentro daquela hierarquia, não tinha o poder de comando, e na realidade, agia mais como um psicólogo, quiçá padre, ao ouvir as nossas queixas e tratar de apaziguar os nossos ânimos, portanto mais preocupado em coibir possíveis tumultos, ou mesmo motins que pudéssemos gerar ali dentro. 

Contra o comediante, não tínhamos absolutamente nada contra ele. Particularmente, eu era seu fã, pelos seus personagens engraçados, encenados em programas humorísticos da TV, que eu assistira desde a tenra infância. E quanto ao cantor português e afetado, nessa altura dos acontecimentos, ele mal frequentava mais as dependências do casarão. 

Lembro-me que chegaram a vender um show desse cantor em Curitiba, onde a Eliane Daic viajou junto, em tal comitiva, quando trabalhou como produtora executiva nessa ocasião e claro, segundo apuramos, tratou-se de uma apresentação pífia, sob a vergonhosa ação do Playback, em uma casa noturna, da capital paranaense. Enfim, que o gajo tivesse boa sorte em sua carreira. 

Dessa forma, queríamos que mostrassem mais serviço, visto que estávamos cansados dever a falta de resultados significativos, a não ser pequenas entrevistas agendadas em órgãos pequenos na imprensa ou do mundo popularesco, e tais pequenas ações, já não poderiam contentar-nos. 

Dessa forma, enfim sinalizaram com algo concreto, que pareceu-nos ser uma boa oportunidade para testar a sua capacidade de produzirem um espetáculo e não ficarem sentados a esperar os nossos contatos próprios que cedíamos-lhes desde que entráramos naquele escritório. Queríamos que eles gerassem-nos uma agenda e talvez isso enfim ocorresse, ante a perspectiva que sinalizaram-nos.

A sinalização veio da Sonia, que disse-nos que o lendário TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), estaria disposto a ceder-nos uma de suas cinco salas de espetáculos, para nós produzirmos um show. 

Histórico templo do teatro paulista e brasileiro, tinha (tem), uma trajetória espetacular nesse campo, mas pouca tradição em shows musicais, a não ser eventualmente peças de teatro com teor musical. Mas show musical, propriamente dito, não. 

Certo, animamo-nos, pois seria muito elegante e sob um palco histórico a serviço da cultura nacional, onde uma série incrível de montagens teatrais e atores famosos atuaram com grande brilho. 

Finalmente, uma ação concreta do Studio V, em termos de show, e da Sonia, que tanto alardeara ter muita experiência no meio teatral, mas que na prática, só havia arrumado-nos pequenas entrevistas e notas na mídia impressa e uma entrevista de rádio, até então. 

Hora boa também, para testar o poder de fogo do Studio V, no que eles supostamente possuíam como ponto mais forte: a influência de Miguel como grande radialista que fora, outrora, portanto, ao usar de seu prestígio para alavancar uma divulgação exemplar, na base da amizade & conhecimento com custo, praticamente zero.

E hora também da Sonia somar, com os seus conhecimentos de outro tipo de mídia, baseada em sua experiência no meio teatral, mundo da TV etc. 

Dessa forma, reanimamo-nos, para apaziguar um pouco a queda de euforia que sofrêramos por conta da rejeição não digerida por parte da Warner, rejeição de Rita Lee & Erasmo Carlos em apadrinhar-nos, desconfianças sobre o desempenho do Studio V etc. 

Nesse ínterim, fomos conhecer finalmente o Agildo Ribeiro, em seu camarim, logo após o encerramento de um monólogo seu (hoje em dia, gostam mais em referir-se a esse tipo de espetáculo de humor, sob a sua alcunha norte-americana: Stand Up Comedy). 

Ele estava em cartaz em uma das salas do próprio TBC, e claro que isso explicou o porquê da Sonia aventar uma data para nós, nesse histórico teatro. 

Agildo foi extremamente simpático para conosco. Claro, foi um momento breve, pois tínhamos o discernimento, por sermos artistas, também, de sabermos que no pós-show, era (é) de bom tom não abusar de uma visita ao camarim, quando o artista está esgotado após a performance e precisa recompor-se. 

Fato, seja lá qual for a área, o palco esgota, mesmo que a performance seja comedida, caso de músicos eruditos que tocam sentados a lerem partituras. O simples fato de existir público, já gera uma energia permeada pela expectativa, e que repercute e muito no emocional e no físico de qualquer artista. 

Quando não há sinergia, então, essa energia é ainda mais desgastante, ao sugar, literalmente a vitalidade de quem apresenta-se. Não vimos o espetáculo, mas em janeiro, convidados por ele mesmo, o assistimos, desta feita encenado em um teatro de menor porte, mas conto sobre isso depois. Agora, o empenho final de 1986, seria esse teste múltiplo que teríamos, pois alguns fatores seria analisados :
 
1) A capacidade do Studio V em produzir o espetáculo.

 
2) A viabilidade do TBC transformar-se em um novo ponto de shows de Rock, na cidade.

 
3) Se conseguiríamos demonstrar reação ao baque sofrido pela rejeição em relação a uma gravadora major.

Seria um alento para continuarmos a confiar no Studio V e isso amenizara a sombria desconfiança de que eles também houvessem possivelmente desanimado com o resultado da Warner e não tentariam abordar outras companhias.

Montamos o show que faríamos no TBC com a perspectiva de termos tempo livre. Sem ter que dividir o espaço com outras bandas, em situações de festivais, tampouco existir uma banda de abertura para gastar um pouco de tempo, resolvemos tocar bastante. 

Seria uma oportunidade para experimentarmos uma série de músicas novas, a mesclarem-se às músicas da Demo-Tape, recém lançada, a as tradicionais do repertório, incluso algumas que não executávamos ao vivo, há um certo tempo, casos de "Um Minuto Além" e "Crisis (Maya)". 

Em termos de divulgação, não houve verba disponível para algo espetacular, mas como alertei em parágrafo anterior, foi também um teste subliminar em que observaríamos em silêncio, pois queríamos ver até onde existia de fato, o prestígio pessoal de Miguel & Sonia, cada qual com contatos em mundo diferentes do meio artístico, portanto a trabalharem com setores diferentes da mídia cultural. 

E assim, chegamos às vésperas do show com ensaios mais animados, ao verificarmos algumas notas que foram publicadas na imprensa. Não foram, no entanto, espetaculares, a não ser um tijolo de pequeno porte, pago pelo escritório e publicado no jornal, Folha de São Paulo. 

Certo, jornal mainstream, não deve ter custado exatamente barato, mas também a julgar pelo seu porte tímido, não fora nenhuma exorbitância, certamente. No dia do show, talvez os melhores resultados apresentados em termos de divulgação, ao lado do já mencionado "tijolo pago", na Folha de São Paulo, deu-se em termos televisivos. 

A primeira manifestação nesse sentido, aconteceu na maior emissora do país, portanto, ponto para o Studio V. No dia do show, o programa jornalístico, "SPTV 3ª Edição", da Rede Globo de TV, exibiu reportagem do nosso show. 

Claro que foi uma matéria rápida e no noticiário de menor audiência dessa emissora, veiculado tarde da noite, mas foi na Globo, e por isso, lógico que teve repercussão, apesar de nada agregar para divulgar o espetáculo em si, pois os telespectadores viram a reportagem com ele já encerrado. Portanto, valeu por ajudar-nos na divulgação em caráter geral, para espalhar ainda mais o nosso nome e trabalho. 

E também no mesmo dia do show, mais um trunfo que o Studio V apresentou nesse setor de divulgação, com a presença in loco de outra equipe de reportagem de TV, que apareceu para cobrir a posteriori, para ser exibida no dia seguinte, e assim, como no caso do jornalismo da Globo, a agregar como divulgação generalizada, mas com nada a contribuir para atrair público ao show, propriamente dito. 

Então, nesse caso, não agregou como agente de divulgação do show em si, mas certamente que ficamos contentes com a sua presença, e a matéria auxiliou-nos como exposição extra, ao difundir a banda em outros termos, é claro. Tal equipe jornalística, adotou uma linha de reportagem em que cobriu não só o trabalho da banda, com direito a imagens do show ao vivo, mas também com entrevistas de fãs na porta do teatro, no afã de colher opiniões e medir a expectativa gerada pela apresentação de nossa banda.  

O guitarrista, Yves Passarell, em foto mais recente, a atuar com o "Capital Inicial"

Sob uma coincidência incrível, o rapaz que escolheram para entrevistar, já era relativamente famoso como artista, na época, mas dentro do mundo underground, onde habitávamos, também. Por isso, ficou despercebido para a produção dessa equipe de jornalismo, tal informação e ele foi tratado e caracterizado na edição final, apenas como um fã, quando na verdade, tratava-se de Yves Passarell, guitarrista do "Viper", na ocasião, e hoje em dia, muito mais famoso, por ser o guitarrista do "Capital Inicial", banda oitentista que perdura-se em atividade até os dias atuais. 

Tal reportagem ignorou a já adquirida notoriedade de Yves na ocasião, deu-se no programa jornalístico, "Cidade 4", exibido pelo TVS, hoje em dia, SBT. 

Sobre o show em si, foi mais um caso onde a sinergia não foi estabelecida, mas desta vez, houve um motivo plausível e não algo formulado por conjecturas subjetivas. 

Exageramos na metragem do show, com o excesso de músicas, que o tornou longo. Não dimensionamos um mapa com altos e baixos emocionais, como qualquer artista monta seus espetáculos, normalmente. Fazíamos isso, naturalmente, mas nesse dia em específico, não preocupamo-nos em causar emoções nas pessoas, mais preocupados em tocar muitas músicas novas, para testá-las.

Erramos feio, portanto. Mesmo ao considerar-se que o público era teoricamente nosso, formado por nossos fãs habituais que acompanhavam-nos em qualquer espaço que usávamos. 

A ideia de tocarmos muitas músicas novas, tornou o show longo e mais que isso gerou o anticlímax da novidade não reconhecida e absorvida pelo subconsciente dos ouvintes. Ninguém faz isso normalmente, pois aborrece o público ao gerar apatia, portanto, a quebrar a sinergia com o artista. 

Artistas consagrados de porte mundial, não fazem isso. Em uma nova turnê, os Rolling Stones montam o set list do show com no máximo três músicas do novo disco, e pelo menos vinte clássicos do repertório antigo. E pode observar, amigo leitor, por melhores que sejam tais canções novas, estas causam momentos de apatia no público, a quebrar a euforia que as músicas consagradas geram, normalmente. Portanto, não é aconselhável tocar muitas músicas novas em um show, sob o risco de estragá-lo. 

E nós cometemos tal erro, talvez no afã de mostrar logo tantas novas criações ao público, mas também para testá-las ao vivo. Não foi necessário, e causou-nos um prejuízo, certamente. Outro elemento, a data desse show foi bem difícil para trabalhar-se: 29 de dezembro...

É sempre muito salutar para o artista, tocar em qualquer data, mas sob o ponto de vista do marketing e da produção musical, tratou-se de uma data muito difícil para ser trabalhada. Todos conhecem a cultura brasileira, quando já a partir do final de novembro, a energia geral tende a diminuir em todos os setores da sociedade. 

Quando se chega na semana que antecede o natal, tudo para a não ser o comércio que lida com a festa em si, em vários aspectos. Do natal ao Reveillon, ocorre uma espécie de ressaca e novos preparativos para mais uma festa pantagruélica e que não deixa ninguém pensar em outra coisa.  

Acima, um raro trecho do show que realizamos no TBC, em 29 de dezembro de 1986. A canção, "Profecia", ao vivo, em filmagem de Ricardo Batalha, na época e pós-produção em 2016, por Will Dissidente 

Eis o Link para assistir no YouTube:

Sabíamos de tudo isso, mas queríamos muito ter essa tour de force com o Studio V, portanto, não esmorecemos e demos o nosso melhor, para ser um sucesso. Todavia, apenas duzentas pessoas compareceram ao TBC, no bairro do Bexiga, zona central de São Paulo. 

E houve também esse fator subliminar, isto é, por não existir tradição em promover shows musicais em São Paulo, o TBC era (é), um reduto muito tradicional para seguidores de teatro, mas desconhecido por frequentadores de shows musicais em geral, notadamente shows de Rock. 

O equipamento de PA contratado pelo nosso escritório, foi bom, e adequado às necessidades acústicas do teatro. O nosso técnico do Studio V, Clóvis, operou o som, e conhecia bem o nosso show, pois operara todos os ensaios, além da gravação de Demo-Tape que produzimos em outubro. 

Ainda eco de uma boa fase com exposição midiática da qual usufruíamos, em dezembro de 1986, foi publicada uma entrevista que eu havia concedido à revista, "Mix", Tratou-se de uma publicação do mesmo grupo editorial que fora responsável pelas revistas "Roll" e "Metal". 

Conduzida pelo jornalista, Antonio Carlos Monteiro, a sua abordagem girou em torno de aspectos técnicos do meu instrumento e equipamento. Falarei mais detalhadamente sobre essa entrevista, no próximo capítulo. 

O iluminador do teatro, fez um trabalho digno, apesar de não conhecer-nos e nem ter recebido em mãos, um mapa de luz profissional do nosso espetáculo. Tecnicamente a falar, o show foi bom, portanto. 

Mas faltou sinergia, com o público mais estático, sem vibrar como normalmente acontecia em nossos shows, em outros espaços e situações. 

Miguel assistiu e dias depois, em reunião convocada por ele, fez críticas ao excesso de músicas novas, que entediou o público, criticou também a longa duração do espetáculo e obviamente isso fora decorrência da primeira queixa que formulou. 

Mas foi além e criticou a estridência das guitarras (Beto tocou bastante, principalmente nas músicas novas), o excesso de peso no som, e até o tamanho de nossas cabeleiras, "exageradas", em seu entender. 

Bem, fora cabelos longos em demasia, todos os outros itens que ele relacionou como daninhos, tiveram fundamento. 

Questionável em termos, contudo, foi falar sobre o peso e estridência das guitarras, por ser uma questão técnica, embora para o padrão Pop, fazia-se mister que aparássemos ainda mais certas peculiaridades típicas do Hard-Rock (se bem que naquele exato momento, o "Sepultura" estava estourado ao fazer um som na linha do Heavy-Metal extremo e radical, com cem mil vezes mais peso do que jamais faríamos, portanto, fora um conceito muito relativo da parte dele).

Mas acho que estava 100% certo em ter detectado um excesso de músicas novas, que realmente alongou indevidamente o show e pior, tornou-o entediante, até para os mais fanáticos fãs de nossa banda. 

Fato lamentável, não tenho nenhuma foto, a não ser um "still", oriundo do único vídeo que surgiu, ao menos por enquanto. Ele foi amplamente fotografado, mas eu nunca tive acesso aos negativos, infelizmente. Uma pena, pois o palco era histórico, e estava bonito. 

Assim foi a nossa apresentação no TBC, que nunca mais abriu as suas portas para shows de Rock, que eu saiba. Aconteceu em 29 de dezembro de 1986, uma segunda-feira (outro fator de dificuldade, certamente) e com cerca de duzentas pessoas na plateia. 

E também caracterizou a única experiência de produção de um show da nossa banda, pela chancela do estúdio V. Em janeiro de 1987, ainda haveria um outro show, oriundo dos esforços pífios da parte deles, mas não como produção própria, mas vendido a um contratante. Encerramos o ano de 1986, e cabe uma análise geral, a seguir.  

O ano de 1986, começou na verdade para nós, em outubro de 1985. Com a saída do ex-vocalista, Fran Alves, não perdemos apenas um ótimo vocalista, mas também uma identidade forjada em torno de uma estratégia errônea, que precisava ser mudada rapidamente 

Claro que o Fran não teve culpa disso, absolutamente, não! Mas a sua voz potente e rouca, ficara estigmatizada no trabalho da banda, justamente em um momento em que fizéramos uma aposta que em poucos meses revelou-se equivocada. 

Com a sua saída, já tínhamos em mente que não só precisávamos encontrar um substituto para a sua vaga, mas empreender uma terceira e de certa forma dramática, nova mudança em toda a estrutura sonora da banda.

Nesse contexto, tivemos a sorte de encontrarmos rapidamente o Beto Cruz, que trazia com exatidão em sua mente, a mesma ideia a ser adotada. 

Portanto, com a sua chegada à Chave do Sol, nós mergulhamos fundo na tarefa de renovar inteiramente o repertório, e nesse caso, ele teve participação decisiva e criativa, pois por ser também guitarrista e compositor, tornou-se o dínamo da banda, nessa remodelação. 

Os primeiros meses de 1986, foram marcados por um curioso hiato de shows, no entanto. Fato raro na história da banda, pois desde os seus primórdios, havíamos estabelecido uma agenda boa com apresentações e logicamente que desde 1984, para frente, ainda mais, por conta do crescimento da banda, motivado cada vez mais pela sua proeminência na mídia. 

No entanto, a partir da metade de março em diante, uma verdadeira avalanche com oportunidades começou a surgir e nesse momento promissor, aproveitamos cada gota que pingara sobre nós.

Shows, muitas entrevistas na mídia escrita, convite para filmar dois vídeo-clips, aparições na TV, entrevistas em emissoras de rádio, as nossas respectivas faces estampadas em um poster nas bancas de revistas, gravar uma Demo-Tape, com seis músicas inéditas, a concretização de um dos clips, enfim, tocar no Rio de Janeiro e desmaiar no palco, abordar e ser elogiado por Rita Lee... e ao sugerir-se ser o ápice dessa fase boa em que entramos, o convite para sermos contratados por um escritório de empresários, com supostamente, muito poder de fogo em mãos. 

Mais uma avalanche de convites para entrevistas, ser ajudado por Charles Gavin e Os Inocentes, ser convidado para tocar no Nordeste, tocar em teatros superlotados e bater recordes de público; abrir apresentação do infame, Menudo, no Anhembi de São Paulo. 

Gravar mais uma demo-tape com mais duas músicas inéditas, abordar uma gravadora major com chance real de ingresso. 

Portanto, a análise final de 1986, mostra que a banda atingira o seu pico de popularidade, e aliado a isso, havia considerado estar enfim, com um plano de carreira em vias de fazer com que subíssemos ao degrau da primeira divisão da música.

A presença de tal escritório, no qual depositamos concretas esperanças de que promoveriam tal gerenciamento seguro, fora baseada não somente em sua suposta competência profissional no meio e nem mesmo sobre seus contatos nos bastidores, mas também pelo nosso momento próprio, que demonstrava ser excepcional, fruto de quatro anos com trabalho duro de nossa parte, ao abrirmos caminhos em meio a selva do mundo musical, com nossas próprias mãos, ao criarmos trilhas até surpreendentes, em meio a mata fechada, ao considerar-se estarmos sozinhos, sem ajuda alguma (refiro-me a empresários ou investidores financeiros, pois claro que tínhamos apoio de muita gente boa, incluso, o abnegado, Luiz Calanca). 

Portanto, a nossa percepção fora de absoluta euforia, baseada na quase certeza de que nessa seguinte somatória: entre o nosso pico de popularidade + o novo trabalho melhor coadunado com os parâmetros Pop + a ação desse escritório de empresários e seus atributos, seria uma alavanca natural para o sucesso em larga escala. 

E assim, o segundo semestre seguiu-se, com um crescente de euforia, expectativa e epifanias 

Todavia, quase no final do segundo semestre, um golpe provocou-nos um revés, a diminuir a nossa euforia. Não seria o caso para se arrefecer tão violentamente o nosso ânimo, pois uma porta fechada não significaria necessariamente o fim das tentativas e pelo contrário, a luta haveria por continuar, quando todos os sinais positivos ainda existiam com força. 

Mas algo inexplicável minou-nos de certa forma, pois a confiança no tal escritório começou a gerar questionamentos sobre a sua real eficácia e pior que isso, um pensamento subliminar de que sob um vacilo, nós estaríamos a arriscar perder o nosso grande "momentum" natural, pelo simples fato do escritório não ter tido a capacidade em segurá-lo devidamente. 

Nesse caso, quantas vezes uma porta abre-se para um artista? Momento de muitas dúvidas a parte, não estávamos a encerrar 1986, do jeito que poucos dias antes, acreditávamos piamente que ocorreria. Portanto, a luta haveria de continuar, mas no virar para 1987, um pouco da energia gerada houvera sido desperdiçada, por conta de uma derrapagem que obrigara-nos a perder algumas posições na corrida.

Continua...

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