Aconteceu no tempo do Boca do Céu, em 1976...
Sabe aquela
clássica cena da Árvore de Natal estilizada como se vivêssemos tal data sob o
frio rigoroso do inverno europeu?
Pois é, a
síndrome do brasileiro tropical ao querer imitar signos naturais que não
correspondem a nossa realidade geográfica, estigmatizou-se em diversos aspectos
da nossa cultura. Se nos
estados do sul ainda seja possível se experimentar um gostinho de inverno parecido minimamente
com o rigor europeu, a verdade é que na maior parte do território de Pindorama,
o calor abrasador é que embala o nosso natal, em pleno verão tropical.
São Paulo
era considerado um estado da região sul, mas a geopolítica mudou em um dado
momento da história quando o
nosso estado
foi retirado dessa região e passou a ser considerado da região
“sudeste”. Não
cabe esmiuçar aqui os aspectos pró e contra de tal mudança forçada pelas
autoridades federais, mas psicologicamente, digo que o sentimento
paulista foi
sempre o de sentir-se sulista, em muitos aspectos e aqui, o que importa
neste
relato é falar sobre a nossa condição climática e o efeito cultural que
isso trouxe-nos, principalmente a se abordarem os paulistanos, pois como
é sabido, as
cidades interioranas do nosso estado, são tradicionalmente muito
quentes.
E ao se pensar
que por séculos, antes dos eventos causados pelo fenômeno do “El Niño” e do
surgimento da imensa selva de pedra em que a cidade transformou-se, o clima
típico da cidade de São Paulo era de frio na maior parte do ano, com garoa
forte toda noite e com direito a névoas, sentíamo-nos mais próximos da
realidade de Londres do que das paisagens tropicais típicas do litoral
brasileiro.
Portanto,
aliado às tradições culturais múltiplas que recebíamos dos europeus (e
reforçado pelo fato da cidade ser um celeiro de imigrantes, com colônias
espalhadas pelos bairros da cidade), quando o cinema passou a influenciar-nos
ainda mais fortemente, isso acentuou-se.
Passadas mais algumas décadas e o Rock
também passou a impressionar-nos com contundência e assim, ao assistirmos os filmes e
fotos, víamos que os Rockers muitas vezes usavam roupas pesadas de inverno, o
normal para o padrão dos europeus e norte-americanos, a lhes preservar o calor do corpo e consequentemente
da sua saúde, mas para o nosso imaginário, o aspecto da moda inerente que isso
causara, saltava-nos aos olhos.
Rockers
a usarem roupas de couro na década de cinquenta, dava-lhes um aspecto de
elegância inerente, é verdade. Depois vieram os "Mods" britânicos e a sua elegância
em terninhos de tweed etc.
Quando a Era
hippie chegou, a explosão total de cores mergulhou-nos em meio a um caleidoscópio de
infindáveis possibilidades visuais, as mais atrativas, e quando o inverno
apertava para os Rockers do meridiano norte, os casacões estilosos surgiam, para que eles usassem até
capotes militares (alguns a exagerarem ao fazerem uso de fardas “vintage” de séculos
passados), ou vestimentas de peles, para se aludir à moda da Idade Média, fora a
influência brutal de culturas exóticas do oriente, notadamente da Índia.
Portanto,
nessa transição entre o fim dos anos sessenta e início dos setenta,
acostumamo-nos a vermos filmes e fotos de bandas de Rock, com
vestimentas pesadas de
inverno, super estilosas, o que convencionou-se no mundo da moda a ser
designado como um estilo “Hippie Chic”.
Dessa forma,
ali no início e na metade da década de setenta, foi o padrão que gostávamos e
queríamos seguir, a driblarmos as adversidades climáticas que não favoreciam-nos, exatamente
por estarem fora dos nossos padrões naturais.
Eu e muitos
amigos queríamos usar casacões o tempo todo e mesmo em dias que não foram
exatamente gelados, embora naquela época, ainda existisse a incidência da garoa diária em São
Paulo e o outono e inverno fossem bem rigorosos, ao menos para os nossos
padrões.
O primeiro
vocalista da minha primeira banda, o “Boca do Céu”, foi um desses que usava
diariamente um casaco pesado e bem bonito, mas nem sempre necessário e dessa
maneira chamava a atenção por isso. Bernardo,
conhecido como “Janjão” entre todos na escola que frequentávamos, fora mais um
desses jovens Rockers que queria seguir tal padrão, mas que no Brasil,
infelizmente para nós que gostamos do frio intenso, não era possível ser usado
por muito tempo.
Eu também
tinha uma dessas vestimentas pesadas, que aliás não era minha exatamente, mas do meu pai. Tratara-se de um “sobretudo” de lã,
preto, muito estiloso, daqueles que víamos aos montes em filmes franceses cinquentistas. O meu
pai o comprara-o na década de cinquenta e o usou muito. Quando tornei-me
adolescente e coube nele, passei a pegá-lo emprestado para usar nas noites
frias e sentir-me elegante na porta de shows de Rock que frequentava
Vendo que eu
gostava dele, o meu pai doou-me a peça ainda nos anos setenta e tal casaco acompanhou-me
até meados dos anos 2000, quando já não houve mais jeito que o alfaiate pudesse dar
para reformá-lo.
Eu nunca conformei-me com modismos posteriores, acintosamente propostos para afrontar e
destruir ícones sessenta-setentistas. Entre outras coisas, abomino as bermudas, as quais
considero anti-Rock, mas fazer o que? Essa mania impregnou-se nas gerações
posteriores.
Sou do tempo
em que o Rock era luxo e não lixo, simples assim...
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