Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack, por volta de 1995
Pedidos
para ajudar estudantes a compor trabalhos como o TCC (Trabalho de
Conclusão de Curso), para uma faculdade e até tese para mestrado, sempre
foram comuns para diversos artistas. Isso por que em nosso caso, muitas
pessoas escolhem temas ligados ao Rock, sob diversas nuances para
estudar e assim, há muitos anos eu acostumei-me com tal dinâmica e de
fato, nesse espaço de tempo todo da minha longa carreira, foram muitas
as abordagens que eu recebi e posso afirmar, sempre foi um prazer
prestar depoimentos para tais estudantes à cata de informações para
compor as suas respectivas pesquisas.
Entre
tantas solicitações dessa monta, lembro-me que no tempo em que eu fui
componente do Pitbulls on Crack, um rapaz nos abordou para pedir um
depoimento e o seu trabalho de pesquisa seria baseado em seu anseio para
mapear o panorama do Rock noventista no Brasil.
Tema
amplo, certamente, e prejudicado pela visão comprometida pelo seu óbvio
imediatismo, eu não escolheria algo assim para fazer um trabalho de
conclusão de curso, porém, o problema não foi meu e assim, aceitei de
pronto auxiliá-lo. Não estive sozinho nessa tarefa, o guitarrista da minha banda, Deca, participou, também.
Marquei a entrevista com o rapaz para um sábado à tarde em minha residência e ele chegou munido de uma câmera, pois alegou que seria mais fácil para coletar as nossas falas dessa forma, e que iria decupar a posteriori tal material e extrair as informações que lhe interessavam, para o seu trabalho.
Tudo bem, sem restrições de minha parte e do Deca, ele
preparou o seu equipamento e nos disse que não faria nenhuma pergunta,
ao nos deixar livres para falarmos à vontade. Que assim o fosse,
passamos a falar livremente conforme o solicitado.
Foi então que o rapaz deu uma pausa na máquina e nos pediu para falarmos mais naturalmente, como se estivéssemos a conversar informalmente no ambiente de um bar ou algo semelhante, pois considerou que estávamos a falar mecanicamente, de forma engessada.
Ora, não seria um depoimento apenas para lhe passar informações sobre como enxergávamos a cena do Rock noventista no Brasil em voga? Por que a preocupação para que a nossa expressão fosse despojada? Então não seria uma pesquisa estudantil para a elaboração de um TCC, mas um depoimento para fazer parte de um documentário ou algo do gênero?
É
interessante dizer ao leitor, também, que não existia o YouTube e
nenhum portal semelhante ainda na Internet e muito menos as redes
sociais, portanto, qual teria sido o objetivo real do rapaz ao nos
filmar e sobretudo ao fazer uma cobrança de postura desse nível?
Bem, ao percebermos que aquela abordagem ficara bem estranha ao fugir do seu suposto interesse estudantil em torno de uma pesquisa, eu e Deca passamos a conversar de uma forma bem despreocupada em passar informações para o tema e fomos longe a divagar, para ver até quando o rapaz interviria para cobrar mais foco de nossa parte, contudo, para a nossa estupefação velada, não, ele ficou ali a gravar por quase duas horas, sem falar nada e nos deixou à vontade, mesmo ao ter ficado nítido, até para nós mesmos que falávamos, que havíamos fugido muito do assunto em meio a um devaneio que para o tema que ele quis pesquisar, ficou realmente muito distante e deveras desinteressante.
Ao final, ele nos agradeceu e partiu, não sem antes nos avisar que deixar-nos-ia informados sobre o destino de sua pesquisa e possivelmente haveria por providenciar uma cópia daquela filmagem para nós.
E quando estivemos a sós, eu e Deca, lembro-me que comentamos sobre estarmos ambos acometidos pela sensação de estupefação ante o ocorrido. O que teria sido aquela filmagem, afinal de contas? Cogitamos até a hipótese de que o rapaz, por alguma razão pessoal, tenha desistido de colher o nosso depoimento por considerá-lo irrelevante por alguma razão e constrangido por estar ali e a nos fazer perder tempo, fingiu filmar, para não criar um embaraço descortês.
Ora, se fosse o caso, ele teria ficado com os cinco minutos iniciais da filmagem, quando eu e Deca falamos focados no tema que ele havia proposto. E mais um detalhe, a luz vermelha da câmera esteve ligada o tempo todo, portanto, descartamos a hipótese de que ele tenha simulado a filmagem e mais um dado, por que aguentaria ficar ali por duas horas a nos filmar a falar sobre questões irrelevantes à sua pesquisa?
Em suma, esta história entrou para o rol daquelas que se apresentaram para o campo dos enigmas jamais esclarecidos, mesmo por que, o rapaz nunca mais nos procurou e assim, ficamos sem saber o que isso significou, realmente.
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