Neste meu Blog 3, dedico todo o espaço para cuidar da minha carreira musical. Além do texto na íntegra, do meu livro autobiográfico : "Quatro Décadas de Rock", apresento também material em geral de todas as bandas por onde atuei e atuo, sob permanente construção.
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terça-feira, 1 de março de 2016
Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada - Capítulo 2 - A Psicodelia Acontece ao Vivo - Por Luiz Domingues
Algum tempo decorreu desse contato inicial com o Ciro Pessoa e o primeiro
ensaio concretizado.
Toquei muitas vezes com Os Kurandeiros, antes de haver alguma
sinalização de que houvesse um ensaio a vista. Dessa forma, tive tempo para preparar as músicas com relativa calma. Surpreendi-me
com as possibilidades psicodélicas de algumas, inclusive.
Músicas como "Anis",
"Planos", "Em Dia com a Rebeldia", "Praia de Marfim", "Gruta Solar",
Minha Mulher Ampulheta", "Até os Anos 70" e "Despejar", apresentavam muitas
características dessa monta, e certamente que se dependesse de meus esforços, assumiriam
ainda mais tais acentos sessentistas.
Houve também a inclusão de duas músicas
significativas do repertório oitentista da carreira dele. Uma delas, foi:
"Sonífera Ilha", sucesso dos Titãs e a se tratar de uma música da sua autoria, quando ainda foras
componente dessa banda. Para preparar a música, eu recebi a versão dos Titãs, com aquele arranjo ao estilo "Ska", super oitentista em sua concepção.
Entretanto, o Ciro me tranquilizou, logo a dizer que também detestava aquela
versão e quando compusera a canção, a sua real intenção fora de encontro a um arranjo
"Bubblegum", ao sabor dos anos sessenta, estilo Jovem Guarda. Todavia, em 1983, claro que a predisposição verteu para aquele Ska, sob o viés pós-punk, típico.
E a outra música, foi um sucesso de sua outra
banda oitentista, "Cabine C" e desta feita, não houve escapatória, se tratou de um pós-punk duro
e robótico, exatamente como foram aqueles anos sombrios, chamada: "Pânico e Solidão".
A
canção não era ruim, mas com aquela carga oitentista cinzenta e
depressiva, realmente destoara da psicodelia colorida e lisérgica do
restante do trabalho. Duas outras músicas com esse aspecto oitentista foram sugeridas e eu as preparei, também, embora no momento decisivo, quando
começaram os ensaios para valer, estas foram descartadas.
Uma delas se chamava: "Tão
Perto" e a outra, "Dona Nenê". Essa "Dona Nenê" aliás, era um Punk-Rock gravado pelos Titãs.
Sob uma troca de e-mails, o Ciro sugeriu duas
releituras interessantes, que eu apreciei executar: "Ando Meio Desligado" dos
Mutantes, e "I'm the Walrus", dos Beatles. Sendo assim, esteve fechado o repertório oficial. O primeiro set list que foi solicitado para eu preparar, foi esse:
1) Em Dia com a Rebeldia
2) Gruta Solar
3) Minha Mulher Ampulheta
4) Praia de Marfim
5) Anis
6) Despejar
7) Astrolábio
8) Boliche Sideral
9) Ando Meio Desligado - Mutantes
10) As Formigas estão vendo tudo
11) Pânico e Solidão
12) Girando na Órbita Zen
13) Até os Anos 70
14) Sonífera Ilha
15) Planos
16) I'm the Walrus - The Beatles
Eu tive um grande prazer para preparar as músicas comprometidas com as raízes
psicodélicas, e até com elementos progressivos. Tive tempo para criar
pequenas modificações em suas respectivas linhas de baixo,
ao acrescentar elementos psicodélicos mais condizentes com a intenção deliberada do próprio autor, conforme havia combinado com o Ciro, diretamente.
Fui
informado que em cada faixa de seus discos solo, baixistas
diferentes atuaram na gravação. De fato, faixas gravadas pelo saudoso,
Osvaldo Gennari, popular "Cokinho" (o primeiro baixista da Patrulha do Espaço), são muito bem executadas, lógico. Contudo,
outras, gravadas por músicos oriundos ou influenciados pela estética do
Pós-Punk, deixavam a desejar, exatamente pela falta de recursos, e
sobretudo pela falta de entendimento intelectual sobre como funcionara a psicodelia sessentista.
Capa do LP "A Saucerful of Secrets" do Pink Floyd, lançado em 1968. Fonte: Internet
Na prática é algo simples... se o músico nunca ouviu Pink Floyd e outros tantos artistas congêneres que atuaram nessa década,
ficaria difícil expressar com fidedignidade a psicodelia sessentista, como se espera.
E essa turma do Pós-Punk detinha um agravante: não
obstante o fato de serem músicos, tecnicamente fracos (houveram exceções, eu sei!), pelo fato de jamais terem se preocupado em estudar (por conta de acreditarem naquela mentira deslavada em torno do lema: "Do
It Yourself"), os que viveram a época, principalmente, mantinham como paradigma arraigado,
detestar as vertentes sessentistas, pela predisposição oriunda da falsa
propaganda de Goebbels, digo, Malcolm McLaren...
Enfim, as
canções psicodélicas do Ciro eram muito boas e apresentavam
possibilidades interessantes para acréscimos além do arranjo oficial,
ainda que sutis, pois não convinha se elucubrar mudanças radicais por uma
questão de respeito à obra, é lógico.
Houveram também alguns números da carreira do Ciro com o Cabine C e os Titãs, conforme eu já mencionei.
Foto promocional do grupo Pós-Punk, Cabine C, nos anos oitenta. Fonte: Internet
Preparei-me e claro que tocaria tais temas fora do meu agrado com
muita dignidade ao vivo, todavia, alguma coisa mais gutural, na base do Punk-Rock eu achava desnecessário sob o ponto de
vista estético, embora fosse claro que por se mostrarem como importantes na carreira
dele, Ciro, é claro que essas músicas precisavam ser executadas no show, pois muito
provavelmente as pessoas que o acompanhavam, gostariam de ouvi-las.
É
claro que nem todo fã dos Titãs ou Cabine C, que cresceu a acompanhar
esses trabalhos oitentistas dele, aprovavam a guinada para a trincheira
oposta, mas a rigor, os tempos haviam mudado e o radicalismo havia perdido força, igualmente, portanto, creio que o meu temor não encontrava guarida, também.
Syd Barrett, o louquíssimo primeiro guitarrista do Pink Floyd nos anos sessenta. Fonte: Internet
Syd Barrett poderia ser intragável para algum Punk/Post-Punker mais radical, na mesma medida que Syd Vicious não nos interessava, em via de regra.
Foi o caso de "Sonífera Ilha", também. Particularmente, acho a música boa,
mas aquele arranjo oficial dos Titãs, em ritmo "Ska", e com aqueles timbres tão fortemente estigmatizados com a estética Pós-Punk dos anos oitenta, realmente não me agradavam.
Portanto,
mais que aliviado, fiquei contente quando o Ciro me relatou
pessoalmente, que detestava aquele arranjo Ska e quando compôs a canção,
pensava em Bubblegum sessentista quando a compôs! Pois seria assim que ela soaria, doravante!
A capa do CD "No Meio da Chuva eu Grito Help". Fonte: Internet
Apesar de uma certa demora para a marcação de ensaios, eu estava
bastante motivado para fazer parte desse trabalho e pelo que já descrevi
anteriormente, acho que os meus argumentos já foram suficientes para o
leitor identificar as minhas razões.
Houve uma certa expectativa
de minha parte, no entanto, em relação aos demais integrantes da banda.
Sabia que o Ciro renovara a banda completamente e com isso, estava
por afastar a hipótese de trabalhar com músicos oriundos da cena do
Pós-Punk oitentista, fator primordial para a sua proposta estética e
sonora ser melhor lapidada. O Kim também detinha essa expectativa e
só fomos conhecer os demais componentes, posteriormente, no dia do
primeiro ensaio oficial.
A bela e muito competente cantora, Luciana Andrade. Fonte: Internet
A única pessoa da antiga formação que permanecera na
banda, foi a vocalista, Luciana Andrade, que se revelou em minha percepção, uma
grata surpresa, quando começamos a interagir de fato, nos ensaios
elétricos. Falo sobre tal particularidade, depois, no entanto, para não desviar o foco neste instante.
Em casa, a ouvir as canções,
cheguei à conclusão de que elas soariam muito bem se eu usasse um baixo
Rickenbacker, a buscar aqueles agudos que só o RK proporciona.
O baixista, Roger Waters nos primórdios do Pink Floyd a usar um Rickenbacker
Eu poderia
optar pelo Fender Precision, também e teria sido ótimo. Mas decidi apostar
na sonoridade do Roger Waters nos primeiros tempos do Pink Floyd, em detrimento do seu
som clássico com Fender Precision, que ele adotou depois que o Syd Barrett
saiu da sua banda.
E quando os ensaios começaram de fato, todos elogiaram a minha escolha, incluso o Ciro.
Um baixo Rickenbacker na primeira ilustração e Ciro Pessoa abaixo. Fonte: Internet
Finalmente
recebi um e-mail a confirmar a marcação de um ensaio.
Já estávamos no final de
setembro de 2011, e nessa comunicação passada pelo Ciro, ele escolheu a
metade das músicas arroladas para começarmos a ensaiar, e para a segunda
data agendada, as demais canções.
Gostei dessa logística, e concentrei as minhas baterias nessa metade, a facilitar o processo.
Finalmente eu iria conhecer os demais integrantes da banda e iniciar um processo de integração, com eles.
Kim Kehl em foto ao vivo com Os Kurandeiros em maio de 2011, três meses antes de eu entrar na banda. Click: Lara Pap
Com o Kim, eu já estava habituado a tocar, portanto, creio que seria fácil essa adaptação inicial.
Foto
promocional do grupo "Lavoura", banda em que Paulo Pires (na parte de baixo na
foto, a usar jaqueta preta e Caleb Luporini, ao seu lado), foram componentes. O ensaio
estava marcado para um estúdio de um amigo do Kim, localizado na Lapa,
zona oeste de São Paulo. Ao chegar lá, já estava presente o baterista,
Paulo Pires, que eu não conhecia, e o Kim, que também não o conhecia
anteriormente.
Alguns
minutos depois, chegou o Ciro, e com aquele seu jeito brincalhão,
a demonstrar bastante animação. A nossa conversa preliminar, enquanto
arrumávamos nossos os respectivos equipamentos, foi muito agradável,
a versar sobre o Rock sessentista, principalmente, nossa paixão mútua.
Caleb Luporini, tecladista e baixista, além de envolvido com música eletrônica experimental, também. Fonte: Internet O último a
chegar, foi o tecladista, Caleb Luporini e a sua personalidade super esfuziante,
contagiou a todos pela sua espontaneidade. Gostei muito de conhecer o
Caleb e o Paulo e com a presença do Kim, me assegurei que a minha
participação nesse trabalho, seria muito prazerosa.
Quanto ao
som em si, esse primeiro ensaio me forneceu enfim a noção de que essa banda
soaria mais fidedignamente com a proposta estética que o Ciro pretendia,
mais do que realmente ele tenha obtido em estúdio, quando nem sempre pode contar
com músicos adequados para trabalhar sob tal linguagem.
Apreciei muito a pegada da banda. O
baterista, Paulo Pires, era bastante firme, apesar de nesse primeiro
ensaio, ter se mostrado um pouco sisudo, mas com o decorrer dos nossos
demais ensaios, ele soltar-se-ia e de fato, se mostrara como um rapaz super gentil e
grande colecionador de discos, a demonstrar entender e muito de Rock e música em
geral.
Kim Kehl em ação! Click de Leandro Almeida
O Kim criou tessituras lindas para diversas músicas, além dos solos muito inspirados e intervenções psicodélicas incríveis.
E o
tecladista, Caleb, me revelou ser baixista também, que possuía um baixo
Hofner e que oriundo era de São Carlos-SP, e conhecia amigos em comum que mantemos naquela
cidade do interior de São Paulo.
Com um
módulo de efeitos e a usar bastante tecnologia, ele conseguia garantir
timbres vintage de órgão Hammond, Mini-Moog e outros teclados vintage,
muito fidedignos.
Haveria
também a participação da cantora, Luciana Andrade, mas segundo o Ciro,
ela só participaria dos ensaios na reta final, às vésperas dos primeiros
shows. Eu estava
curioso para conhecê-la, pois havia visto alguns vídeos com as suas
participações com o Ciro em shows anteriores, e ficara impressionado
positivamente com a sua performance vocal, muito boa.
Em suma, o
primeiro ensaio me tranquilizou ainda mais sobre o futuro dessa banda,
ao proporcionar que eu me sentisse em casa, ou como ele mesmo diz em uma das suas canções: "Até os Anos
Setenta!"
Na primeira ilustração, a capa do CD "Em Dia com a Rebeldia", do Ciro Pessoa. Na segunda imagem, cartaz a anunciar a programação do Café Noir, com a nossa participação. E na terceira, still de um vídeoclip do Ciro. Fonte: Internet
Uma semana depois, estivemos novamente reunidos para o segundo ensaio.
Desta feita, tocaríamos a outra metade do set list, proposto pelo Ciro. E
uma outra mudança dar-se-ia, com a troca de estúdio de ensaio.
Sem
dúvida, o estúdio do amigo do Kim era bem equipado, mas todos acharam melhor
que nós fôssemos para um outro, mais centralizado em relação à residência de cada um. Dessa
forma, passamos a ocupar uma das salas de um concorrido estúdio de
ensaio no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
Ali, foi engraçado ver as mais de dez salas disponíveis, com avisos de tempo para cada uma,
a parecer um sinal escolar e bandas a entrar e sair, como se fossem
estudantes nas dependências de um colégio.
O nosso segundo ensaio foi
mais seguro e pelo fato desse estúdio deter mais equipamento do que o
primeiro em que ensaiamos, pudemos sentir o som com maior pressão e
qualidade.
Particularmente, fiquei muito contente por constatar
que o Rickenbacker fora uma escolha acertada para tocar com o Ciro, pois
o seu timbre peculiar, se encaixou como uma luva naquela psicodelia
sessentista do seu trabalho.
Não sou um entusiasta da inclusão de covers no repertório, mas
as duas músicas escolhidas pelo Ciro, como releituras, soaram muito bem.
"Ando Meio Desligado" e "I'm the Walrus", me surpreenderam.
Mais
uma vez não contamos com a presença da vocalista, Luciana Andrade, mas o
Ciro nos contou que ela participaria na reta final dos ensaios, a visar
o apronto final para os shows.
Nesse ensaio, nós cumprimos a
primeira etapa dessa preparação e a partir do próximo, já tocaríamos
todas as músicas do show, nesta altura com poucas dúvidas no tocante à harmonia,
mapa, convenções etc.
No terceiro ensaio, as dúvidas foram mínimas da parte de cada um e a banda já soava com bastante energia.
Chamou-me
a atenção, a entrega do Ciro na interpretação, pois ele se entregava à
emoção, como se estivesse a se apresentar ao vivo e isso eu admirava bastante.
Performático, se portava de uma maneira bem dramática e intensa, a me gerar a impressão de que ao vivo, teria ainda mais um grau de energia para incrementar a
sua mise-en-scène.
Tiramos todo o ranço ska e oitentista da
música, "Sonífera Ilha", o que a tornou bem mais palatável, mas em
"Pânico e Solidão", essa missão não logrou êxito em 100%, no sentido em
atenuar a aspereza Pós-Punk da versão original, todavia nesse caso, convenhamos que haveria de ser uma missão praticamente impossível pelo seu esqueleto rítmico e harmônico. Ela
fora concebida nesses termos e uma mudança radical a descaracterizaria
tanto, que possivelmente frustraria os fãs desse trabalho, que o Ciro arregimentara no
passado.
Já o
tecladista, Caleb Luporini, usava bastante tecnologia "midiada" nos
teclados e assim, mediante tais módulos acoplados a softwares, introduzia muitos
efeitos loucos, absolutamente psicodélicos.
Enfim, a banda estava
a soar exatamente como o Ciro planejara e com o som mais firme,
restava um apronto final com a cantora, Luciana Andrade, para podermos
cair na estrada, finalmente. Dessa forma, marcamos mais dois ensaios no mesmo estúdio e estes foram os derradeiros antes da estreia dessa nova formação. Eu estava a gostar e ansioso para tocar aquela psicodelia toda, ao vivo!
Na primeira ilustração, o cartaz do filme "Psych-Out", lançado em 1968. Abaixo, foto promocional de Luciana Andrade. Fonte: Internet
Chegou
enfim o momento do quarto ensaio e nesse dia, eu tive enfim o prazer de
conhecer a cantora, Luciana Andrade, que pela primeira vez participou de
um ensaio conosco. A banda estava bastante segura, já a tocar sem maiores preocupações com a harmonia das músicas. A
Luciana foi o toque de classe, naquele momento, pois a sua voz era muito
afinada, com extensão e um lindo timbre, límpido e feminino.
Luciana Andrade e a sua simpatia. Fonte: Internet
Uma graça
de pessoa, ela se revelou bastante simpática, solícita, e demonstrava gostar
de interpretar as letras plenas de imagens psicodélicas, escritas pelo Ciro. Com a sua presença, o som ficou ainda mais bonito, e acredito que estávamos prontos para a estreia, a nos animar.
Desse
ensaio em específico, eu me lembro de haver mantido uma longa conversa com o Ciro, com ambos sentados na
porta do estúdio, na Rua Teodoro Sampaio, e ali, ele me disse estar
muito confiante no resultado positivo dessa nova formação.
De fato, a
sonoridade da banda estava muito animadora, e mesmo nos ensaios, foi possível sentir a verve psicodélica que geramos, a imprimir uma aura "Floydeana", para lá de
estimulante. Contudo, o Ciro ainda marcou mais um ensaio, por segurança e estávamos por nos aproximarmos do final de novembro de 2011.
Veio então o último ensaio, marcado para o mesmo estúdio localizado em
Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, em meio à famosa Rua Teodoro Sampaio,
a maior concentração de lojas de instrumentos e equipamentos do Brasil. O
ensaio final consolidou a confiança na banda a estar conquistada.
Particularmente, após cinco ensaios, eu me senti muito bem ambientado com
todos os membros e o astral esteve leve, na base da camaradagem e conversas
agradáveis.
Quanto à sonoridade alcançada, estava muito condizente com a vibração
sessentista, explícita. Tirante músicas dos Titãs e do Cabine C, que eram
difíceis para se extrair o ranço oitentista (mais a canção "Pânico e
Solidão", do Cabine C, pois "Sonífera Ilha" estava agradável sob os nossos
auspícios Rockers, sem aquele Ska proposto pela gravação original), todas
as demais soavam "Floydeanas", até a medula.
O Kim havia elaborado arranjos pessoais muito ricos, com arpejos e solos bem inspirados. A
voz da Luciana fora um ornamento e tanto para as canções, e o Ciro
sabiamente lhe concedera momentos de brilho solo durante o show, espaço pelo qual ela
realmente impressionava pela voz bonita e muito afinada.
Nesse
derradeiro ensaio, o Ciro confirmou que já tínhamos uma data fechada para um
Café Teatro, chamado: "Clube Noir", para o início de dezembro de 2011. Habemus estreia! Que viesse a psicodelia!
Na primeira ilustração, um cartaz sessentista do Pink Floyd. No segundo: still de um vídeoclip de Ciro Pessoa. Fonte: Internet
E o primeiro show esteve enfim a chegar. A data foi o dia 9 de
dezembro de 2011, uma sexta-feira.
O local, foi um café teatro charmoso,
na região do "baixo" Augusta, chamado: "Club Noir", frequentado
principalmente por pessoas do meio teatral, mas com a presença de
músicos, artistas plásticos e intelectuais em geral.
A fachada do Club Noir da Rua Augusta, em São Paulo. Fonte: Internet Em
princípio, mesmo ao não conhecer a casa, fiquei com a impressão de que
seria um ambiente interessante por demonstrar uma afinidade com o
trabalho do Ciro, todo calcado em surrealismo e psicodelia sessentista,
principalmente. Ficamos animados, claro, mesmo com a ressalva de sabermos que
se tratava de uma casa pequena, no entanto, foi um início para esse trabalho, portanto projetávamos assim uma continuidade e sobretudo, uma ascensão a visar
patamares melhores, quando desfrutaríamos de uma infraestrutura mais
adequada para o trabalho ser executado, como merecia, ou seja, com
condições boas de som, iluminação, cenografia etc.
Fachada noturna do Café Noir de São Paulo. Abaixo: Ciro Pessoa em momento de entrevista. Fonte: Internet
Chegou o dia do primeiro show e mesmo ao saber que seria realizado em um espaço
intimista e longe de possuir uma infraestrutura que o trabalho do Ciro
merecia ter, eu estive animado. Mantinha comigo o sentimento que esse
primeiro show representaria a oportunidade de vir a ser um agente em condições de precipitar a posteriori, uma série de
outros shows e notadamente para um circuito mais estruturado.
O
Club Noir era charmoso, sem dúvida, mas o espaço destinado aos shows
musicais, era bem discreto, para ser bastante tolerante em minha afirmativa, eu diria.
O
curioso, foi que na parte traseira da casa, havia um pocket Teatro, com
estrutura muito melhor.
Com um pequeno auditório, a demonstrar visão
muito boa para o público, presença de estrutura de iluminação, palco muito maior,
camarim e o básico do básico: a presença de vários pontos de "AC"
(a trocar em miúdos: tomadas elétricas!), ou seja, por que os shows não aconteciam ali?
A
resposta veio rápido, só pela reação histriônica de uma produtora da
casa, que ao nos ver a circular pelo teatro em questão e sobretudo por notar a nossa perplexidade pela
proibição em obtermos o nosso show realizado ali, foi ríspida, a nos pedir
para que saíssemos imediatamente, pois ali era um "templo sagrado do teatro"... tudo bem... ficara entendida a proibição esdrúxula.
Eles só usavam aquele equipamento para apresentações
teatrais, e deviam ter problemas de isolamento acústico,
consequentemente, não podiam promover shows musicais, principalmente
bandas de Rock.
Os bons entendedores, principalmente os cinéfilos, vão compreender o "still" de um filme clássico que eu coloquei acima para ilustrar. Fonte: Internet
E o restante desse colóquio desagradável, ficou na conta do esnobismo tolo da mocinha e de seus delírios como "Diva do Teatro"... pois que continuasse a atender a demanda de seus Deuses do Teatro, pois nós tínhamos os nossos, também, os Deuses do Rock.
Conformados
com essa regra da casa, fomos montar o palco e ali o sofrimento foi
grande, pois a absoluta falta de estrutura do outro ambiente do estabelecimento, nos obrigou a
realizarmos tarefas que não seriam de nossa atribuição natural como músicos.
Entretanto,
diante de tais circunstâncias, não tivemos nenhum pudor de trabalharmos
como roadies, carriers & técnicos, para fazer o show acontecer, ao demonstrar que
todos estavam animados e não queríamos deixar margem para que as dificuldades
técnicas atrapalhassem o espetáculo.
Bem, o esforço foi grande e
me lembrou de certa forma os meus tempos com o "Terra no Asfalto", minha
banda cover do início dos anos oitenta, quando tínhamos que fazer tudo
absolutamente sozinhos, inclusive ao ter que nos preocuparmos em locar
equipamento de PA, fator que sob um regime profissional, se mostrara como ultrajante, entretanto, a falar sobre esse show do "Nudes", como resultado final, valeu muito a pena!
Na primeira foto, Ciro & Nudes ao vivo com essa formação nova que estreou em 9 de dezembro de 2011! Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap Feito esse sacrifício de se montar às pressas, absolutamente tudo, e realizarmos um
"autosoundcheck", tivemos pouco tempo para um relaxamento pré-show, e por se tratar de uma casa noturna, logicamente que não houve estrutura dotada de camarins,
portanto, a solução foi permanecermos de forma despojada no próprio ambiente a esperar pelo show,
e assim nos confraternizarmos com as pessoas da plateia.
Em princípio, achei
interessante verificar que o público presente foi heterogêneo. Houveram
fãs da carreira oitentista do Ciro, mas também de sua carreira solo
e fãs da carreira da vocalista, Luciana Andrade, que convenhamos, por
ter passagem com um grupo vocal Pop que teve sucesso no âmbito mainstream dos
anos 2000 ("Rouge"), atraía naturalmente o seu público particular, mesmo que não fosse um trabalho
seu, propriamente dito.
Cantora da pesada; bela e muito gentil: Luciana Andrade. Fonte: Internet
Achei tal predisposição muito interessante, pois
denotou o forte poder da mídia em um trabalho popular, que lhe proporcionou seguidores fiéis de seu trabalho, aonde quer que ela estivesse a atuar, mesmo a fazer
com o Ciro, um trabalho muitíssimo mais hermético do que o som popular
do "Rouge".
Essa fidelidade de seus fãs, a respeitarem essa sonoridade com
a qual não tinham familiaridade, só para prestigiá-la, certamente que eu achei
fantástica.
Conheci alguns fãs dela e do Ciro nessa noite, e
apreciei muito essa possibilidade de estar a me embrenhar em um mundo novo,
ainda que a tocar um som que me remetia aos meus ícones do Rock e da
contracultura, que fazem parte de minha formação básica.
E nesses
termos, foi muito estimulante para a minha trajetória, estar a tocar um som fortemente
influenciado pela psicodelia sessentista, com toques generosos de
surrealismo, e a contar com fãs dos "Titãs"/"Cabine C" e "Rouge" na plateia, ou seja,
uma salutar mistura que fora por demais estimulante, ainda que estranha.
Flagrante do Show de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Club Noir de São Paulo em 9 de dezembro de 2011 e abaixo, o cartaz promocional do show. Foto: Acervo e cortesia de Kim Kehl e click de Lara Pap. Cartaz: Internet
Apesar das condições inóspitas para um show de Rock, devido à falta de
infraestrutura, a casa era bem decorada e
charmosa.
Nesses termos, o público foi a se acomodar e aproveitar o ambiente, alheio às suas dificuldades técnicas para nós oferecidas. Menos mal,
ninguém ali presente demonstrou no semblante, algum incômodo extra por isso, além
de nós mesmos, os músicos.
Flagrante
do Show de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Club Noir de São
Paulo em 9 de dezembro de 2011 Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap
O show começou enfim, com a nossa
preocupação em estabelecermos uma dinâmica forte, a visar a adequação ao
PA improvisado. Em nome da inteligibilidade das vozes, tomamos esse
cuidado salutar. Embora comedido, o "punch" da banda foi bem
agradável e de minha parte, o meu baixo, Rickenbacker soou bonito nas canções
mais psicodélicas.
Flagrante
do Show de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Club Noir de São
Paulo em 9 de dezembro de 2011 Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap
A performance do Ciro, foi exatamente o que eu imaginara, pois nos ensaios a sua entrega fora praticamente igual.
Paulo
Pires e Caleb Luporini também atuaram com bastante segurança e o Kim
Kehl se destacou pelas belas sonoridades extraídas de sua Gibson Les Paul.
Veja abaixo, o vídeo da música "Anis" nessa noite no Club Noir
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=FrA8KyFi3Bc
Não me surpreendi (pois havia verificado nos ensaios), mas a Luciana
Andrade teve uma atuação excelente. A sua linda e potente voz ornou para o
trabalho de uma forma muita significativa. De fato, ela era muito mais
que uma backing vocalista, mas uma cantora atuante e fundamental para o
trabalho.
"Em Dia com a Rebeldia", ao vivo no Club Noir, com Ciro & Nudes
Eis o Link para assistir no You Tube:
https://www.youtube.com/watch?v=fMSUbMdNRbo
"Até os anos 70", extraída do mesmo show no Club Noir
O Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Spz2wZlMp6E
Existem dois ou três vídeos postados por amigos que
estiveram presentes. Neles, claro que o palco improvisado, a condição
prejudicada do som e principalmente a ausência de iluminação, chamam a atenção.
A versão de "Sonífera Ilha" nesse mesmo show de estreia da nova formação do "Nudes" em 2011:
O Link para Assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=71uKE8izHQM
Contudo, são registros importantes, sem dúvida.
Um fato engraçado ocorreu, no pós-show, mas que na hora, não foi assim tão divertido...
Flagrante
do Show de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Club Noir de São
Paulo em 9 de dezembro de 2011 Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap
O momento do pós-show foi bastante animado, com cumprimentos efusivos dos
presentes. Apesar das dificuldades técnicas já salientadas, eu saí
bastante satisfeito com a performance e com a certeza de que em
condições melhores, essa banda renderia muito.
Um episódio
prosaico aconteceria alguns instantes depois, mas sem absolutamente
nenhuma relação com o show em si. Tal evento, me proporcionou uma quase
cena de pastelão explícito, em plena madrugada da Rua Augusta.
Foi
o seguinte: passados os momentos permeados pelos cumprimentos e conversas do
pós-show, começamos a desmontar o palco nós mesmos, pois se tratara de uma
produção muito simples, sem a presença de uma equipe técnica
profissional, que cumprisse tal tarefa.
Até aí, tudo bem, ninguém ali era uma "Diva" que se recusasse a cumprir tais tarefas.
Desmontado
tudo, cada um foi buscar o seu respectivo carro e tratar de carregar o seu
equipamento pessoal, quando um súbito tormento, me assolou!
Enquanto
ajudava o tecladista, Caleb Luporini, a carregar o seu automóvel, vi um
guincho do CET (Companhia de Engenharia de Trânsito, órgão da prefeitura
que comanda o trânsito em São Paulo), passar com o meu carro na sua
caçamba...
Tive então a reação instintiva de sair a correr atrás e
gritar para o motorista do guincho parar e me atender, mas o sujeito nem
olhou no seu retrovisor.
Fiquei desolado, já a projetar mentalmente o
inferno burocrático que enfrentaria nos dias posteriores para resgatar o
meu automóvel, quando eu tive o instinto de ir ao local onde estacionara,
para verificar se fora mesmo o meu carro que houvera sido guinchado.
Quando
me aproximei do local, na Rua Augusta mesmo, mas cerca de duzentos metros
adiante do Club Noir, tive a refrescante sensação de alívio ao vê-lo
ali, estacionado e incólume!
O carro que eu vira a ser guinchado, fora naturalmente
outro, mas por ter sido do mesmo modelo, ano e cor, iguais ao meu, me disparou a
sensação de insegurança por ter estacionado em um local onde eu tive dúvidas
se seria permitido ou não, por uma questão de horário mencionado na placa
de trânsito, ali presente. Como faltavam poucos minutos para que fosse
permitido, no momento em que estacionei, pairou a dúvida no ar.
Passado
esse susto (nunca esquecer-me-ei de minha sensação ao ver meu carro,
supostamente sobre uma caçamba do CET e a minha reação ridícula de sair
atrás desse guincho, a gritar como um louco, pela rua), eis que a boa nova anunciada pelo Ciro, foi que já tínhamos
uma nova data em vista, e seria bem próxima, ao nos dar a ideia de uma
sequência animadora para o trabalho.
Foto 1: Promocional de Ciro Pessoa. Fonte: Internet. Na segunda foto, flagrante
do Show de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Club Noir de São
Paulo em 9 de dezembro de 2011 Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap
Após a primeira apresentação, estávamos animados com a perspectiva de
uma nova data bem próxima, pois seria a oportunidade para entrosar ainda
mais a banda e assim prepará-la para apresentações sob uma maior
envergadura.
Todavia, o Ciro nos advertiu que a próxima
apresentação ainda seria difícil pela logístic parecida com os mesmos moldes da primeira.
Como
estávamos animados com o trabalho e reforçado pelo sucesso artístico da primeira apresentação,
claro que aceitamos, e assim, foi marcado.
Fachada do mini centro cultural, "Coletivo Galeria", em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Fonte: Internet
Sendo assim, fomos nos apresentar em um pequeno centro cultural, chamado: "Coletivo Galeria", que
continha uma pequena galeria de arte no andar superior da sua sede e na parte inferior
da casa, se produziam shows musicais sob pequeno porte.
Pelas condições
estruturais ali presentes, o ideal seria usar o espaço somente para
apresentações intimistas, com artistas a se apresentarem na base do minimalista combo a conter voz & violão, tão somente, mas
o fato fora que bandas se espremiam ali naquele palco minúsculo e até shows de Punk-Rock e Heavy-Metal,
aconteciam, normalmente em suas instalações.
O grande, Miguel Barela, em foto dos anos oitenta. Fonte: Internet
Haveria
uma presença a mais nessa noite, que o Ciro convidara para tocar
conosco em duas músicas. Tratou-se de Miguel Barela, guitarrista que
fora famoso nos anos 1980, por ter sido componente das bandas: "Gang 90" e "Voluntários da Pátria".
No caso de ambas, apesar
de terem sido bandas inseridas na cena do Pós-Punk daquela década, eu me lembro bem
que no caso específico do "Voluntários da Pátria, esta fora diferenciada, pois os seus membros eram músicos com alto gabarito
musical e que mesmo por estarem ambientados naquela estética, possuíam raízes
setentistas de ótimo nível, em meio às escolas do Jazz-Rock, Prog-Rock, música
experimental, Jazz etc.
O genial guitarrista britânico, Robert Fripp, líder do King Crimson, em fotos dos anos oitenta. Fonte: Internet
Parecia
até contraditório estar
a atuar com aquela turma, cujo paradigma principal fora o niilismo sob caráter revanchista, contra
os valores setentistas, mas na verdade, eles transitavam sem
indisposições com seus pares, a se espelharem principalmente no King
Crimson reformulado dos anos 1980, que se apresentava todo "modernoso" e
aparentemente a se coadunarem com tribos oriundas da mentalidade do
Pós-Punk.
Entretanto, no caso de Miguel e de seus colegas, estes foram admiradores da música de qualidade. As
aparências enganam e se por um lado eu demorei a perceber tais sutis
diferenças em certos músicos que trabalharam com bandas fechadas em tais ditames que eu descrevi acima, ainda
nos 1980 (que fique bem explicado), creio que da parte dele, também houve
margem para enganos.
Miguel Barela em foto mais atual, próximo de 2011
Em conversa muito agradável que travamos
durante o soundcheck, ele demonstrou se lembrar de minha pessoa, por causa da
minha atuação com A Chave do Sol, naquela década e se surpreendeu positivamente por ver que eu gostava de King Crimson, quando nos ajustes de
seu equipamento, ele tocou alguns riffs do grande Rei Escarlate, e eu o elogiei pela
execução preciosa do mestre Fripp, que ambos admiramos de longa data.
Foi o tal
negócio, ele deve ter passado a década de oitenta a deduzir que eu gostava
do "Iron Maiden", pelas fotos que deve ter visto nas revistas de música
da época, e em contrapartida, eu posso ter achado que ele compactuava
com aquele pessoal entusiasta da interpretação equivocada do niilismo do Pós-Punk, sob um ledo engano de via
dupla.
Tremendo músico, foi um prazer enorme tocar com ele, naquela noite, ainda que sob uma participação curta, com apenas duas músicas no set list da ocasião.
Miguel Barela em uma foto fora do contexto deste relato. Fonte: Internet. Na segunda foto, um flagrante da apresentação dos Nudes no "Coletivo Galeria" em dezembro de 2011. Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap Antes, porém, de tocarmos, tivemos uma notícia surpreendente e
desagradável, que teve o contorno de arbitrariedade. Fomos informados que
haveria uma banda de abertura, perspectiva essa não esclarecida
previamente.
Foi um verdadeiro trabalho hercúleo preparar o tímido palco da
casa, a tentar ajustar o equipamento pobre de PA que ali havia disponível, ao
nosso backline, ao estabelecer uma ginástica contorcionista para caber todo
mundo, mas sobretudo, fazer com que a banda soasse dignamente, sob tais condições inóspitas.
E tudo piorou quando alguém da casa veio nos comunicar laconicamente, aliás, que uma outra banda tocaria na abertura e isso
fora uma condição imposta à nossa revelia, porém em caráter sine qua non e inquestionável, da parte da casa.
Bem, ali as soluções possíveis foram: estressar e cancelar nossa apresentação ou nos resignarmos e dessa forma aguentarmos o incômodo.
Optamos
pela solução "B" e dessa maneira, tratamos por afastar o nosso
equipamento para a outra banda colocar o seu e tocar. Nada contra os
rapazes, mas o sujeito que impôs essa sandice, certamente não tem
nenhuma noção de como funciona o soundcheck de uma banda de Rock.
Enfim, foi
um fardo cumprir tal tarefa e ainda se tornou pior remontar o palco, a tentar
buscar o mesmo ajuste, com a agravante de já haver público na casa e sob a
pressão inexorável do relógio.
A tal banda era um combo instrumental e
"indie", como habitualmente ocorre nesse espectro de casas que lidavam com as
benesses da mídia que os adorava. Esses colegas não eram maus músicos, no entanto, como
geralmente ocorre para quem professa tal estética, em uma espécie de praxe do mundo "indie".
Todavia,
o seu som era repetitivo, maçante mesmo, e entediou o público que ali comparecera
para ouvir o trabalho do Ciro. Se dependesse de nós, jamais chamaríamos
uma banda dessas características para abrir o nosso show, mas a revelia, a casa adotou tal postura deselegante.
Aspecto da galeria de arte alojada no andar superior do Coletivo Galeria. Fonte: Internet
Enquanto
esperávamos pelo término do longo show de abertura (outro aspecto do
abuso), permanecemos no andar superior da casa, onde funcionava uma mini
galeria de arte. Aproveitamos a exposição ali instalada e o artista em
questão estava presente e conversou conosco, a nos falar de sua obra etc.
Sinceramente não me recordo de seu nome e não achei o cartão de
visitas que esse artista me ofertou na época, para registrar esse evento, com a sua
devida nomeação.
Encerrado o longo set da banda de abertura, descemos e
tivemos o incômodo trabalho para preparar novamente o palco, indevidamente
desarrumado por conta desse empecilho inesperado. Tudo bem que a casa se mostrava muito despojada e havia pouco público presente, mas se assim não o fosse, teria
sido bastante embaraçoso ter que arrumar o palco na frente do público,
ao considerar que estávamos sem uma equipe de roadies à nossa
disposição.
Ciro Pessoa em um "still" de um vídeoclip seu. Fonte: Internet. Na
segunda foto, um flagrante da apresentação dos Nudes no "Coletivo
Galeria" em dezembro de 2011. Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara
Pap
Passado esse constrangimento inicial, iniciamos enfim o show, a observar
o mesmo set list que usáramos alguns dias antes, no show anterior.
Por se tratar de uma segunda apresentação, foi óbvio que demonstramos um
melhor entrosamento e se tratara de uma lógica natural que eu esperava ocorrer dali em
diante, isto é: que se aumentasse o entrosamento em um novo show, e assim a se vislumbrar uma desenvoltura cada vez maior.
O show foi
bastante energético e apesar do palco se mostrar muito pequeno, o Ciro
não deixou de adotar a sua atuação performática habitual e movida à pura
emoção e loucura.
Claro que as condições sonoras não foram nada
boas e a completa ausência de uma iluminação minimamente profissional,
esteve aquém do trabalho do Ciro, mas de forma digna, nem ele, tampouco
a banda, deixou o astral cair.
A participação especial do
guitarrista, Miguel Barela, foi muito rica. Seu estilo se revelara cerebral,
muito influenciado pelo Robert Fripp, e dessa forma, eu logicamente apreciei demais as suas
intervenções muito técnicas e sob um estilo único, raro entre guitarristas
brasileiros.
Lembro-me bem que ele fez uma intervenção belíssima em "Despejar", uma música que eu gostava muito de tocar ao vivo.
Mais
uma vez, a vocalista, Luciana Andrade deu um show de vocalização, através de lindos vocalises, que só enriqueciam o trabalho do Ciro.
Ao
final, mesmo por termos tido um pequeno público presente, a sensação foi de que nem as
adversidades oriundas de um equipamento de som e iluminação inadequados, derrubou o trabalho. Tal show ocorreu no dia 16 de dezembro de 2011, com vinte pessoas presentes na casa, chamada: "Coletivo Galeria".
Versão de "Ando Meio Desligado"ao vivo, no Coletivo Galeria
Encerrado o ano de 2011, tínhamos muita esperança de que em 2012,
tocaríamos bastante com o "Nu Descendo a Escada".
O trabalho estava bem
ensaiado, a banda motivada e a performance ao vivo assegurada da parte
de todos, pois os dois shows que fizéramos em 2011, havia, nos ofertado a
confiança para tal.
Dependia exclusivamente do gerenciamento da
carreira do Ciro, naquele momento e havia a perspectiva para tal, com uma
produtora a trabalhar em campo.
Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Café Noir de São Paulo em 9 de de dezembro de 2011. Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap
O Ciro por sua vez, estava
contente com a banda e planejava realizar reuniões para composição de
novas músicas e com o Kim e eu (Luiz) a participarmos do projeto. Segundo ele
mesmo enfatizara, a ideia seria trabalharmos em grupo e não como uma mera banda
de apoio, portanto, a fornecer um novo sabor ao processo e consequente maior motivação
para todos.
Particularmente, eu estava a gostar muito de tocar com ele e
também com a banda toda. Mais soltos e ambientados uns com os
outros, a amizade se solidificar, naturalmente.
E assim entrou 2012, para Ciro Pessoa e Nu Descendo a Escada!
Todavia, o ano começou diferente em relação ao que projetávamos.
A produtora que trabalhava
em prol da carreira do Ciro, não sinalizou nenhuma data, e os meses iniciais do ano novo passaram incólumes em termos de agenda.
Quando se aproximou a época da "Virada Cultural", o
Ciro nos disse estar em negociação com a produção do evento.
Particularmente, eu imaginei que não haveria nenhuma dificuldade dele em ser
escalado, pelo nome e currículo que possuía, e principalmente pelo fato de
que seu passado ligado ao movimento oitentista, coadunado com artistas egressos da estética do
Pós-Punk e certamente que tal conexão abrir-lhe-ia portas e simpatias óbvias, para se levar
em conta os evidentes tentáculos que tais pessoas ligadas a essa ordem,
ainda exerciam nos bastidores do show business e na mídia, sobretudo.
Todavia,
justamente pelo contrário, o Ciro entrara em desgraça com certas
pessoas dessa engrenagem, pois já fazia um tempo que o seu direcionamento
estético pró-psicodelia sessentista o marginalizara entre os seguidores
de Malcolm McLaren.
Sendo assim, não sem muita troca de insultos (incluso publicamente, via Internet), o Ciro não entrou na escalação da Virada Cultural de 2012 e
ficou bastante chateado com tal resolução da produção do evento. Nós
também, é claro.
Restara-nos aguardar os resultados dos esforços da produtora que mencionei acima.
Passada
a Virada Cultural e a não escalação do Ciro, ficamos no aguardo de
novidades, até que o Ciro nos sinalizou com uma boa nova no mês de junho,
aproximadamente.
Haveria um show para fazermos no interior de São Paulo, no início de agosto de 2012!
O cartaz oficial do Festival "Rock na Estação" em que Ciro Pessoa & Nudes participariam na cidade de São Carlos-SP em 11 de agosto de 2012
Seria
um show na cidade de São Carlos-SP e além da perspectiva para novamente
tocar com Ciro e Nu Descendo a Escada, São Carlos-SP era uma cidade aonde eu
tinha muitas lembranças boas por conta de minhas passagens por lá, a bordo
da nave da Patrulha do Espaço.
Dessa forma, eu sabia muito bem que se tratava de uma
cidade sensacional, com grande público Rocker local, ambiente universitário e
ótima infraestrutura.
Tratou-se de uma produção do Sesc, que eu
conhecia bem, por ter tocado lá com a Patrulha do Espaço em 2002, mas
houve uma diferença: não realizar-se-ia nas instalações do Sesc, mas
sim na estação ferroviária da cidade.
Garota a usar camiseta com o logotipo do Festival Express de 1970. Fonte: Internet
A ideia foi montar o palco na
plataforma da estação, o que abriu a perspectiva de ser algo muito
inusitado. Na hora em que eu soube dessa característica, me lembrei de imediato do "Festival Express'1970", quando grandes
figuras do Rock de então, tais como: "Janis Joplin", "The Band" e "Grateful Dead", entre outros,
excursionaram juntos em um trem pelo Canadá, a fazerem shows pelas estações
ferroviárias.
Neste caso, seria um show apenas, mas que prazer
passar por uma experiência semelhante, ainda mais com o som do Ciro pessoa, tão
inspirado nos anos sessenta.
Tive um encontro prévio com o tecladista,
Caleb Luporini, em uma estação de Metrô de São Paulo, quando assinei a papelada
burocrática, e ali soube que seria um festival com bandas locais, e o Ciro
evidentemente fecharia a noite, como atração principal, certamente amparado pelo status de ser um ex-componente dos Titãs.
Ótimo, seria muito
divertido, eu tive certeza.
Então, foram marcados dois ensaios para
o mês de julho e o repertório sofreria pequenas mudanças em relação ao
set list que havíamos tocado nos dois shows que fizemos em 2011.
Mas a
grosso modo, seriam mesmo as velhas conhecidas e psicodélicas canções
"Floydeanas" de sua obra solo.
Desta feita, teríamos uma baixa e tanto para a nossa banda. A
excelente vocalista, Luciana Andrade, não acompanhar-nos-ia em nossa nova
jornada psicodélica. Com o hiato de shows que tivemos, nesse ínterim ela
recebera a proposta para avançar em sua carreira solo e claro que abraçou
tal oportunidade.
Como
ex-componente da banda, "Rouge", uma banda vocal que continha forte apelo
popular na mídia mainstream, a sua carreira solo teve tudo para engrenar,
com uma agenda sustentável para shows e espaço na mídia, obviamente.
De fato,
eu a vi pela internet, a promover os seus shows e observei que formara uma
banda de apoio, com guitarra, baixo & bateria, com ela mesmo a fornecer apoio
harmônico, ao tocar violão, também.
Enfim,
fiquei contente por vê-la a direcionar um rumo promissor em sua carreira e se por um
lado lamentei que ela não estivesse mais conosco, a enriquecer o nosso som, fiquei
feliz por vê-la bem.
E de fato, nos falamos através das redes sociais da internet com certa frequência naqueles momentos imediatos à sua saída do "Nudes" e eu pude constatar que ela estava em ótima fase.
Nos
ensaios, mesmo desfalcados da Lu Andrade, a banda se mostrava mais entrosada e o
clima de descontração foi muito bom, pois já não houve nenhum gelo
entre nós, após termos feito dois shows e apesar do hiato forçado por alguns
meses de ausência.
O Ciro propôs algumas pequenas modificações no set list, que faríamos na cidade de São Carlos-SP...
Por ter sido um show com características de choque, em um festival local, o
Ciro quis fazer um show menos intimista como houvera sido nas duas
oportunidades anteriores quando estivemos juntos em 2011. Fez sentido, é claro e assim, incorporamos músicas com características mais próximas do Rock'n' Roll no set list.
Os
ensaios aconteceram sob um clima ameno, através da camaradagem como eu já salientei, e
no dia do show, partimos para São Carlos-SP, bem cedo, na manhã do sábado,
dia 11 de agosto de 2012.
A viagem foi agradável, com exceção do
fato do motorista da van disponibilizada pela produtora, ter sido bastante impetuoso, eu diria, pois veladamente, quis estabelecer um novo recorde de tempo para a
história do percurso entre São Paulo e São Carlos, acredito...
Visão noturna da cidade de São Carlos-SP
Chegamos à
simpática cidade interiorana ainda no período da manhã, portanto deu
tempo para buscar um sono básico no hotel onde nos hospedamos e que
se localizava muito perto da estação ferroviária local, onde o show realizar-se-ia.
Acordamos e fomos almoçar em um excelente
restaurante, no qual a produção do show nos conduziu, a denotar que tudo
correria muito bem. Lembro-me que nesse dia, estava a ser exibida na TV, a final do torneio de
futebol dos Jogos Olímpicos de Londres e o time do Brasil mais uma vez perdeu, a manter uma tradição
nessa competição, e ainda por cima para o time do México que estava a se constituir em um bom
algoz para o arrogante time da CBF, nos últimos anos.
Enfim,
durante o almoço a conversa girou em torno dessa derrota e a vitória da
equipe de vôlei feminino, que acontecera quase no mesmo horário, nos mesmos jogos.
Fachada da estação ferroviária de São Carlos-SP
Voltamos
ao hotel e apanhamos os nossos instrumentos rumo à Estação Ferroviária, de
onde já ouvíamos de longe os testes de som preliminares realizados pela equipe
técnica contratada para dar suporte ao Festival, e que já estava
a afinar o PA.
Flagrantes do soundcheck com o palco montado em plena plataforma da estação ferroviária. Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Festival Rock na Estação de São Carlos-SP em 9 de agosto de 2012. Click, acervo e cortesia: Pedro Paulo Machado
A primeira reação que eu tive ao ver o palco montado, foi com ânimo, no sentido de que não se tratara de um
palco espetacular, nem o equipamento disponibilizado fora algo excepcional, contudo,
vê-lo montado ali naquela plataforma charmosamente retrô de uma antiga estação ferroviária, foi uma ideia incrível dessa produção!
Outro detalhe da estação ferroviária de São Carlos-SP, e pelo visto na foto, uma edificação construída em 1908. Fonte: Internet
Então, ficamos muito animados com a perspectiva do
show, pois a ideia da organização fora muito criativa e visualmente a descrever,
teve tudo para lograr êxito. E também ficamos perplexos quando uma pessoa da
produção nos informou que a passagem dos trens não seria interrompida,
portanto, aquelas composições gigantescas, mediante trens de carga pesadíssimos,
a transportar produtos agrícolas e minérios, passariam durante todo o
festival.
De fato, ainda antes do soundcheck, vimos um deles
a passar, com mais de sessenta vagões, a produzir um barulho ensurdecedor, além da sua
buzina, que se mostrara inacreditavelmente, escandalosa.
Fomos bem tratados pela equipe do som e iluminação terceirizada e o soundcheck foi realizado com muita tranquilidade, a nos deixar satisfeitos.
O
único ponto negativo dessa tarde, não teve nada a ver conosco,
ao se revelar como um fato isolado, mas foi bastante desagradável, eu devo registrar.
Enquanto
fazíamos o soundcheck, vários funcionários da estação e outros
terceirizados pela produção do evento, trabalhavam, a andarem para todos
os lados, quando carregavam materiais e assim promover a limpeza e outras arrumações.
Foi
quando ouvimos um grito dilacerante que veio da lateral do palco, onde uma
pequena via estava liberada só para a produção, como opção logística de locomoção de funcionários.
Pois foi então que uma senhora que devia ser copeira e transportava uma caixa com copos de
plástico (que devia estar a conduzi-los à cozinha que daria suporte a venda de
lanches e bebidas no festival), caiu com violência de uma escada, e aos berros dizia
ter quebrado a perna.
Vi uma correria para socorrê-la e até o
nosso tecladista, Caleb, foi prontamente se oferecer para o socorro e depois nos contou que de fato, a perna da senhora estava quebrada, com um aspecto
assustador.
Bem, acidentes acontecem em ambientes de trabalho,
todos os dias, mas claro que aquele ocorrido nos impressionou
negativamente. Ainda bem, o socorro da própria estação foi muito rápido,
ao tratar por sedá-la e providenciar o seu encaminhamento ao hospital mais
próximo.
Passado esse momento angustiante, e sem nada para
fazermos para amenizar a dor alheia, encerramos o soundcheck e
percebemos a movimentação de uma banca de vinis ao ser instalada na
plataforma, cerca de cem metros longe do palco. Aproximamo-nos e
ficamos a ver os discos que estavam por ser colocados em sua bancada.
Foto da banca de vinis que estou a citar, no dia do evento e que achei na Internet. O rapaz a usar camiseta branca era um dos seus proprietários, chamado: Pedro Paulo Marcondes e que nos cedeu tempos depois um raro e bom material fotográfico sobre o nosso show e bastidores, Acervo e cortesia: Pedro Paulo Machado. Click: desconhecido
Através de uma
rápida conversa, soubemos se tratar de um casal que havia obtido permissão
da produção para expor a sua bancada com vinis e tal predisposição foi bastante
enriquecedora para o evento, sem dúvida.
Foi quando eu achei o EP
d'A Chave do Sol, de 1985, em meio aos LP's ali disponibilizados e brinquei com os
donos da barraca, a lhes dizer algo do tipo: -"recomendo este disco e esta
banda"...
Capa do EP da Chave do Sol, de 1985
Percebi que eles não me reconheceram e deixei para lá,
evidentemente. Lembro dos companheiros do "Nudes" acharem graça do fato dos donos
da barraca não terem percebido que eu fora um componente dessa banda em
questão, presente nesse disco.
Passado esse momento lúdico, fomos para o hotel descansar e nos arrumarmos para o show.
Enquanto no quarto que eu dividi com o Kim, reinava a paz monástica, foi possível
ouvir a euforia instaurada no quarto ao lado, ocupado por Ciro e
Caleb e tudo se agravou quando um grupo de jovens pediu permissão e o
Ciro autorizou que eles o visitassem.
Esse grupo de visitantes foi formada por fãs não só da obra musical do
Ciro e de suas bandas pregressas, mas também de literatura e nesses termos,
a conversa foi animada, ao transformar o recinto, em um verdadeiro Sarau.
Já
estava por escurecer quando começamos a ouvir as primeiras bandas a se apresentarem. Realmente, o Festival podia ser charmoso pela sua
localização em uma plataforma ferroviária, mas a propagação do som
certamente estragou o sábado de muitas pessoas, cujas residências
se localizavam nos arredores...
Aspectos da estação ferroviária de São Carlos-SP em fotos antigas extraídas da Internet
Chegamos à estação e fomos conduzidos por um caminho reservado e especial que havia
sido providenciado pela organização, a evitar o contato com o público, exatamente para facilitar a locomoção de artistas e técnicos
envolvidos na produção.
Um camarim improvisado como tenda, foi
montado atrás do palco e nós ficamos ali a aguardar a chamada para o show,
enquanto ouvíamos as bandas locais a se apresentarem.
Não pude acompanhar
com muita atenção as bandas e eu sempre gosto de apreciar o trabalho de
novos artistas. Pelo que ouvia mediante a incidência do som atrasado pelo delay que
chegava ao camarim, a maioria das bandas transitava entre o Punk-Rock e o
Heavy-Metal, definitivamente, duas vertentes que não me interessam, mas
eu me recordo de uma em especial que aparentou realizar um som mais agradável para os
meus ouvidos, mas fico a dever uma descrição melhor de sua sonoridade.
Antes de irmos para o palco, posamos para algumas fotos naquela ambientação de
estação ferroviária, mas que eu saiba, ninguém as disponibilizou na
internet, portanto, nunca a vi.
Quando enfim chegou a nossa hora para atuarmos, subimos ao palco e deu para
notar haver a presença de fãs dos trabalhos anteriores do Ciro na plateia, pela sua
manifestação de alegria em vê-lo ali pronto para a ação.
Foto de Internet com a perspectiva do público na plataforma da estação ferroviária de São Carlos, naquela noite. Fonte: Internet
O show começou com energia, mediante a execução de músicas pesadas, a se revelarem Rocks absolutamente
crus, a beirar o Punk-Rock explícito, como: "Days.e", de seu álbum solo, "No Meio da Chuva eu Grito Help", por exemplo.
Flagrantes da apresentação de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Festival "Rock na Estação" em São Carlos-SP no dia 9 de agosto de 2012. Clicks, acervo e cortesia: Pedro Paulo Machado
O
público respondia bem, mas na medida em que o show caminhou para a
metade, a energia se pôs a baixar, pois os fãs mais fieis queriam ouvir
mais material do Cabine C e Titãs, bandas Pós-Punk em que o Ciro foi
membro, naturalmente, e pelo que percebi, não conheciam com profundidade
as músicas de seus CD's solo.
Mesmo assim, tivemos momentos
muito bons, como em: "Até os Anos 70", "Mulher Ampulheta", "Praia de
Marfim", "As Formigas estão Vendo Tudo" etc.
Flagrantes
da apresentação de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Festival
"Rock na Estação" em São Carlos-SP no dia 9 de agosto de 2012. Clicks,
acervo e cortesia: Pedro Paulo Machado
O fato, foi que aquele
esteve a se constituir do nosso primeiro show perante uma grande multidão e amparados por um
equipamento de som e iluminação com maior envergadura, sob pressão de show de Rock, visto que os dois
anteriores que havíamos feito em 2011, ocorreram em casas noturnas a nos disponibilizar condições muito
aquém das adequadas.
E a despeito de termos perdido o
apoio de voz da Luciana Andrade, uma cantora sensacional, o show em São
Carlos-SP não foi tão psicodélico como os anteriores, mas muito mais Rock'n'
Roll, com movimentação de palco e mise-en-scène, a se aproveitar o fato de
ter sido um palco com tamanho mais avantajado e a óbvia presença de
iluminação, o que tornava tudo melhor para qualquer artista.
No entanto, como um fato inusitado, houve um momento que reputo ter sido mágico nesse show!
"Days' e" no show de São Carlos-SP:
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=j9RB3BPX01w
Por
conta de estarmos em uma plataforma da estação ferroviária local e pelo
fato dos trens não interromperem a sua passagem, visto que eram trens de
carga, e não parariam para apanhar ou deixar passageiros, durante todo o
período da tarde e a noite, eles passavam solenemente e a fazer um
barulho incrível.
"As Formigas estão Vendo Tudo" no show de São Carlos-SP:
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=10gocX6Q8Jw
Enquanto esperávamos a nossa vez para tocar, com
as bandas de abertura a se apresentarem, não me lembro sobre haver passado um
trem daquele porte, mas quando estávamos quase a encerrar o nosso show,
um desses comboios gigantescos se aproximou.
Mesmo com a pressão do PA, sentimos a vibração
do enorme trem, através do ruído que progressivamente se pôs a aumentar
nos trilhos.
Flagrante
da apresentação de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Festival
"Rock na Estação" em São Carlos-SP no dia 9 de agosto de 2012. Fonte: Internet
Estávamos a executar a canção: "Planos", que é uma música fortemente
influenciada pelo Pink Floyd, e o trecho que tocávamos quando da
aproximação do trem, se mostrava épico, a evocar as melhores tradições de
Gilmour/Waters/Wright/Mason/ Barrett e o público foi induzido a entrar na hipnose
proposta pelo "looping" harmônico da canção, todavia, por também perceber que o trem se aproximava, gerou um momento de catarse coletiva incrível.
Lembro-me
que eu e o Ciro nesse momento, entramos juntos em uma sincronia de movimentos de uma forma absolutamente intuitiva, pois não havíamos combinado nada previamente e
no meu caso, mesmo ao ter que tocar simultaneamente, consegui soltar os
braços também, nos intervalos entre as notas e pareceu que estávamos
a flutuar com a música.
Flagrante
da apresentação de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Festival
"Rock na Estação" em São Carlos-SP no dia 9 de agosto de 2012. Click,
acervo e cortesia: Pedro Paulo Machado
O maquinista do trem, talvez a perceber o
som e as luzes na plataforma, tratou por acionar a buzina do trem. Talvez por medo de que
alguém pudesse cair nos trilhos, visto haver uma multidão na plataforma e
desatentos pelo show alguém poderia se acidentar.
Mas não descarto
também a hipótese de que o maquinista apenas quis brincar, ou mesmo atrapalhar, pois o
volume da buzina era absolutamente ensurdecedor. Quando o trem
estava muito perto, tudo vibrou. Deu para provocar medo, pois parecia um
furacão a se aproximar, o que tornou a dramaticidade da música,
espetacular.
Still da visão do palco em panorâmica. Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Festival
"Rock na Estação" em São Carlos-SP no dia 9 de agosto de 2012. Fonte: Internet
Confesso que me emocionei. Tal ocorrência, se fosse um
efeito proposital do show, teria emocionado o público, mas neste caso, nós estaríamos a esperar, justamente por sabermos ser algo artificial e programado, porém o fato de ter sido absolutamente
espontâneo, foi muito mágico.
Flagrante
da apresentação de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Festival
"Rock na Estação" em São Carlos-SP no dia 9 de agosto de 2012. Click,
acervo e cortesia: Pedro Paulo Machado
Quando a locomotiva enfim passou por nós, o público urrou e aquilo foi delirante, mesmo.
Naquela
altura dos acontecimentos, eu já tinha trinta e seis anos de carreira, e há mais de
um ano, já estava a escrever esta autobiografia através da antiga plataforma da extinta Rede Social, Orkut.
No entanto, eu reputo ter sido esse acontecimento, como um dos mais bonitos de todos os
tempos na minha trajetória musical e vou guardá-lo na memória, com
muito carinho.
Encerrado o show, tivemos momentos com descontração a receber visitas no
camarim. Uma equipe de uma TV local, por exemplo, filmou uma breve
entrevista conosco.
O então atual guitarrista da Patrulha do Espaço,
Danilo Zanite, que morava em São Carlos-SP, apareceu para me cumprimentar e eu fiz questão de apresentá-lo ao Kim Kehl, que não o conhecia,
anteriormente.
Todavia, o caso mais curioso desse pós-show se deu quando os donos da barraca que vendia discos de vinil, vieram
me procurar.
Após horas, alguém finalmente lhe alertou que eu era o
ex-baixista d'A Chave do Sol, banda cujo vinil de 1985 estava exposto
para a venda e que no período da tarde eles não haviam notado.
Claro que os atendi com atenção e prontamente coloquei uma assinatura na
capa, a aumentar o valor do disco, naturalmente.
"Ando Meio Desligado" dos Mutantes, na nossa interpretação em São Carlos-SP:
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=YU4jF8MRGhY
Saímos da
estação felizes pelo bom show realizado e a intenção foi voltarmos
imediatamente para São Paulo, apesar de São Carlos ficar distante apenas 240 Km da
capital paulista, uma distância razoável.
Passamos, porém, por uma lanchonete no centro de São
Carlos, para uma refeição rápida e com o estômago revigorado, batemos em retirada
dessa simpática cidade interiorana, rumo à capital.
O baterista
Paulo Pires ficou, no entanto, pois desejava passar o dia dos pais com
a sua filha, que morava em Araraquara-SP, cidade vizinha, a apenas 30 Km de
distância.
De minha parte, foi um prazer ter essa experiência de viajar pela
primeira vez com o "Nu Descendo a Escada".
O baterista, Paulo Pires, por
exemplo, se revelou um expert em discos, ao me impressionar pela
desenvoltura com a qual discorreu sobre o assunto, na viagem de ida ao interior.
Ao demonstrar possuir espírito de colecionador, ele fez uma aquisição na
tal banca que citei acima.
Chegamos em São Paulo ainda sob a
escuridão da madrugada, em uma viagem tranquila, regada ao som do Led Zeppelin que
o Ciro nos trouxe como fundo sonoro para alimentar a van, via CD.
O Kim ainda estava a se recuperar de um problema de saúde que o acometera durante grande parte
de 2012 e a viagem o fatigou um pouco, mas atribuo a essa oportunidade, à
sua arrancada em sua recuperação (no capítulo Kim Kehl & Os Kurandeiros, abordo com detalhes esse problema de saúde que o acometera nesse ano de 2012), e de fato, após esse show ele
retomou às atividades d'Os Kurandeiros, em um curto prazo e decretou a sua
volta definitiva ao trabalho.
Apesar de ter havido um convívio ótimo e coroado por um show prazeroso, essa seria a única oportunidade em que tocaríamos no
ano de 2012.
E também seria a última vez com essa formação, pois mudanças
na formação do "Nudes", ocorreriam, e um longo período de inatividade viria a seguir.
Flagrantes
da apresentação de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada no Festival
"Rock na Estação" em São Carlos-SP no dia 9 de agosto de 2012. Clicks,
acervo e cortesia: Pedro Paulo Machado
Seguiu-se a esse show, um longo período de inatividade da banda e quase
sem contato com o Ciro.
Desde o início de agosto de 2012, data do último
show em São Carlos-SP, até um novo contato direto entre nós, um longo hiato
ocorreu.
Dificuldades para serem agendados novos shows e uma fase onde o
Ciro esteve entretido com suas atividades como free-lancer do jornal, "Folha de
São Paulo", como articulista, contribuíram para tal lacuna, infelizmente.
Cantora, instrumentista & compositora, Isabela Johansen. Fonte: Internet
Só
voltamos a ter um novo contato, em janeiro de 2013, quando eu recebi o convite
para comparecer à festa de aniversário da Isabela Johansen, então esposa do
Ciro, na residência do casal, localizada em um bairro que eu já conhecia de outras
jornadas da minha vida musical, o Jardim Bonfiglioli, na zona sudoeste de
São Paulo.
Este
bairro foi a base onde A Chave do Sol teve os seus momentos
finais em 1987 e que a partir de 1988, protagonizou a formação emergencial e saga da banda: "A
Chave"/"The Key" (cujas respectivas histórias estão inteiramente relatadas em minha autobiografia, logicamente), quando montamos o nosso QG
de ensaios na
residência do vocalista, Beto Cruz, e onde também eu mantive os dois primeiros
anos de minha atividade como professor (leia em "Sala de Aulas").
Portanto, conhecia bem aquele
bairro, e a residência do Ciro ficava situada em uma rua muito próxima onde eu tanto
frequentei ao final dos anos oitenta.
Cheguei à residência do
casal e além da hospitalidade sensacional de sempre, passei uma tarde
agradabilíssima, sob os mais belos sons extraídos da parte de discos de vinil, escolhidos a
dedo, e da melhor qualidade.
Quando
cheguei à residência do casal, o som da vitrola estava a tocar os "Quadros de
Uma Exposição", obra emblemática de um compositor russo e erudito,
chamado Mussorgsky, mas na versão Prog-Rock e insana do Emerson/Lake
& Palmer... e lá se foi o tempo a passar com Pink Floyd, The Beatles, Luiz Melodia, David Bowie, Jimi Hendrix e The Rolling Stones a embalar a tarde e noite agradável entre amigos.
Eu, Luiz Domingues, presente na residência dos Pessoa, a prestigiar o aniversário de Isabela Johansen, esposa do Ciro, naquela época. Janeiro de 2013. Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap
O
ambiente onde ficamos, ricamente decorado como se fosse uma tenda Hippie,
mezzo esotérica/mezzo ufológica, foi acolhedor ao extremo. Eu (Luiz Domingues), Kim
Kehl, Carlinhos Machado, Ciro e as respectivas namoradas/esposas de ambos, mais
alguns amigos do casal, e assim foi a confraternização, muito agradável.
Da
esquerda para a direita: Lara Pap, Alice, Carlinhos Machado, Isabela
Johansen, Luiz Domingues e Kim Kehl, na residência dos Pessoa. Acervo e cortesia: Kim Kehl. Click: Lara Pap
No entanto, 2013 não foi um ano bom para o Nu Descendo a Escada.
Após essa
confraternização interna, só nos reunimos novamente em 2014, e aí cabe
mais história, pois o direcionamento do trabalho ganhou um novo impulso,
com mudanças significativas, que eu relatarei a seguir.
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