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sábado, 2 de julho de 2016

1971 - Minha Ligação Inicial com o Rock na Infância e na Adolescência - 1971: Top Top Top Huh, Podes Crer Amizade! - Por Luiz Domingues

Um certo calafrio eu tive, quando o ano de 1971, chegou e eu me senti a crescer fisicamente, e assim caminhar aceleradamente para encerrar de fato a infância, mas principalmente por ver a adolescência se aproximar. 

Nesses termos, eu estava a enfrentar uma crise existencial muito mais em função do medo de ser obrigado a abdicar de várias predileções e hábitos infantis, por força de uma pressão socio-familiar que eu julgava ser inevitável e tal dado fora fruto das impressões que eu acumulara, por uma somatória de fatores.

Foto de dezembro de 1971, e lá estava eu, Luiz Domingues, a  receber o meu diploma de conclusão do curso primário. Acervo familiar
 
Sobre tal crise de transição entre a infância e a adolescência pela qual eu passara, eu creio já haver esboçado falar sobre tal tema, nos capítulos anteriores e aqui acrescento que a fonte dessa formação de opinião errônea que eu tivera nessa época, além das conversas com os amigos da escola, contou também com a opinião de primos mais velhos, conselhos de adultos e opiniões ouvidas através da mídia, e nesse campo, devo dizer que a leitura da enciclopédia: "Livro da Vida", uma coleção de vários tomos que ganhei de presente em 1969, teve o seu peso, também. E por que? 

Bem, por ser uma enciclopédia que lidava com artigos mesclados, a tratarem sobre a vida humana contemporânea, através da ótica da psicologia/psicanálise e sociologia/estudos sociais, essencialmente, mantinha muitos artigos a abordar questões sobre a formação educacional de crianças e adolescentes. 

Portanto, ao estar ali a viver esse momento de transição, eu lia aqueles artigos com muito interesse e por não possuir amadurecimento suficiente para ostentar um senso crítico acentuado, ainda, eu seria um potencial alvo incauto a adotar tais opiniões como verdades absolutas para me guiar. 

No entanto, muitas das ideias ali expressas se mostravam errôneas ou simplesmente carregadas pela idiossincrasia da parte de quem as redigira e portanto, ao não corresponder a algo comprovado, como uma tese científica, sem questionamentos. Demorei um pouco para ter tal certeza e perceber isso, e assim (certos artigos, não todos, é bem verdade), me causaram um certo medo para enfrentar a transição da infância para a adolescência.  

A questão dos vícios, foi sem dúvida um dos elementos que mais me atormentou. Avesso ao cigarro e às bebidas alcoólicas desde pequeno, eu não tinha nenhuma intenção de experimentá-los e chance zero de vir a gostar, mas temia por pressões sociais, "bullying" e pior ainda, ser forçado a ter contato com esses vícios, mediante violência. 

Entretanto, pelas conversas que ouvia e textos que lia em jornais e revistas, mas principalmente no "Livro da Vida" que continha muitas matérias a enfocar esse tema, me pareceu inevitável que seria "obrigado" a fazer uso dessas porcarias e isso me apavorava.

Nada disso aconteceu de fato, com o passar dos tempos, mas tal assunto foi recorrente na minha percepção entre meados de 1969 e 1972, portanto, em 1971, posso dizer que vivi o auge dessa tola preocupação infantojuvenil. 

Logo em janeiro de 1971, a minha família havia planejado uma nova mudança de endereço residencial e nessa altura, ao viver fase escolar e por ser tímido ao extremo, obviamente que eu fiquei muito chateado por ter que mudar de escola, já a projetar a perda de amigos que havia conquistado sob duras penas desde 1968, e pior ainda, ao ter que conviver com gente inteiramente nova, em um colégio diferente, em um bairro longe dali.

Uma foto mais moderna da Rua Heitor Maurano, no bairro do Belenzinho, zona leste de São Paulo, a mostrar o outro lado da calçada, do lado ímpar, oposto ao da minha residência.
 
O ponto bom nessa questão, foi que se concretizou a minha volta para um bairro muito querido na minha percepção, o Belenzinho, na zona leste de São Paulo, onde eu havia passado os cinco primeiros anos da minha vida e mantinha lembranças ótimas. 

Não seria uma estada demorada, no entanto, mas provisória, pois foi um encaixe que a família do meu pai precisou fazer entre um inquilino e outro que a minha avó paterna teria nessa sua propriedade, e de antemão, não seria a nossa residência fixa por muito tempo, com o meu pai já a reservar uma outra casa, na Mooca, bairro vizinho, para nos mudarmos pouco meses depois. 

Enfim, saímos da Vila Olímpia em janeiro de 1971 e fomos habitar esse sobrado da Rua Heitor Maurano, entre as Ruas Irmã Carolina e Conselheiro Cotegipe. Essa rua, anos antes, se chamava: Rua Tatuapé e os moradores mais veteranos do bairro nem haviam se acostumado com a mudança de seu nome, pois eles insistiam em chamá-la pelo seu nome antigo. 

Rua de um quarteirão apenas, é praticamente imutável. Bucólica ao extremo, parece que parou no tempo e vive a grosso modo, permanentemente nos anos vinte, pela sua tranquilidade absoluta. 

O meu pai vivera nessa casa com meus avós e minha tia/madrinha, nos anos quarenta e eles todos a adoravam, pelos momentos felizes que ali tiveram, portanto, mesmo ao ser apenas de uma forma provisória, eu senti uma alegria muito grande da parte do meu pai, por estar ali a voltar às suas lembranças pessoais. 

Sobrado antigo, com ampla dimensão, se tratava de uma construção dos anos vinte, continha cômodos grandes, pé direito alto, varanda e alpendre, além de um quintal bem grande, com direito a possuir cômodos externos, ao estilo da edícula. 

Moramos ali entre janeiro e maio de 1971, apenas, mas apesar de eu ter muito maior identificação com a outra propriedade da família, onde vivi de 1960 e 1965, a três quarteirões dali, que inclusive era mais moderna, maior e mais confortável ainda, também nutri bastante prazer e simpatia por ter morado nessa casa da Rua Heitor Maurano, mesmo que sob uma forma bem abreviada.

Outro aspecto a ser salientado, por eu estar a viver a fase pré-adolescente com quase onze anos de idade, foi a minha oportunidade de rever e reavaliar o bairro do Belém, com uma ótica bem diferente. Com autonomia, eu circulei a pé livremente e sozinho, a explorar o bairro e assim vê-lo com outros olhos em 1971, muito mais maduro que estava. 

Fui matriculado para cursar a quarta série do curso primário, na histórica Escola Estadual Amadeu Amaral, um colégio construído em 1909, em pleno Largo São José do Belém.

Se por um lado foi difícil iniciar o ritual desagradável de ambientação e formação de novas amizades, por outro, desde o primeiro dia de aulas, fiquei muito impressionado pelas instalações da escola, exatamente pela sua arquitetura antiga e que se assemelhava aos colégios europeus que eu tinha visto em filmes.

Ao olhar para aquelas escadarias, arcadas e abóbadas, me sentia a estudar em um colégio inglês, vitoriano. As salas de aula detinham pé direito altíssimo, com portas de madeira gigantescas, a remeter aos castelos medievais e por conta disso, o meu entusiasmo de estar ali a usufruir dessa arquitetura incrível, amenizou bastante a minha contrariedade em ter que mudar de colégio, por conta de largar a escola onde estava habituado a estudar na Vila Olímpia, pela qual estive 100% ambientado e com amizades solidificadas, desde 1968.

E dei sorte, pois a professora da minha classe mostrou ter um temperamento ao mesmo estilo da minha antiga professora do 1º e 2º ano, em termos de personalidade e trato com as crianças. Mais velha, bastante experiente, mas também meiga e atenciosa, Dona Ivonne Maria Canalle, também foi um agente ativo a facilitar minha adaptação a uma nova escola. 

De volta a falar da minha nova residência, o meu vizinho do lado direito era um adolescente com cerca de quinze ou dezesseis anos de idade. Não fiz amizade diretamente, pois não haveria meio dele se interessar de ser amigo de um garotinho de onze anos, dada a obviedade da mentalidade brutalmente distante entre nós, e nem eu tive vontade de abordá-lo, e nessa fase da vida, a diferença de interesses é gigantesca mesmo. 

Mas por osmose, ele me ajudou bastante na minha formação musical, pois ao se revelar Rocker e já bem cabeludo para os padrões da época, esse rapaz detinha uma coleção de discos incrível, que costumava ouvir muito alto dentro de sua casa. Então, se tornou inevitável que eu ouvisse também os discos que ele colocava em sua vitrola.

Para início de conversa, ele havia recentemente adquirido o quarto álbum dos Mutantes: "Jardim Elétrico", e o escutava várias vezes ao dia, sob um volume bem alto. Eu, como já era fã dos Mutantes desde 1967, mas sem ainda acesso direto aos discos e apenas a me valer de audições radiofônicas e aparições dessa banda pela TV, posso afirmar que graças a esse vizinho, foi a primeira vez que conheci um disco inteiro desse grupo, por ouvir todas as faixas desse citado álbum, a exaustão...

"Top Top Top Uhh... eu vou sabotar"... 

E não ficou só nisso. O rapaz ouvia diariamente: The Doors, Beatles, Jimi Hendrix, Santana, Led Zeppelin e mais uma série de artistas tão incríveis, que eu quase dispensei a minha audição habitual de radinho, sintonizado na Rádio Excelsior/"A Máquina do Som", pois o som que vinha do vizinho supria a minha curiosidade para descobrir e cultuar tais sons.

E muita Soul Music da pesada. O rapazinho ouvia Tim Maia e Toni Tornado com bastante disposição e eu me viciei igualmente na obra desses artistas...

"Quando o inverno chegar... eu só quero chocolate"...

"Podes crer amizade, podes crer... falei e tá falado, viu? Tem que ser assim"...

Na escola, apesar da minha timidez acentuada e pela contrariedade de haver mudado, até que me ambientei com certa facilidade, o que me surpreendeu. E por jogar futebol com regularidade, eis que refinei a minha técnica e assim melhorei bastante em relação aos fundamentos desse esporte. 

Todavia, ainda me sentia inferiorizado pelo fato de ter começado muito tarde a lidar com a bola, em detrimento dos outros meninos, quase todos a possuírem maior habilidade. Mesmo assim, eu estive em franca evolução e a apreciar cada vez mais o futebol e a sua própria cultura própria que eu absorvia, ao acompanhar as transmissões e que me ajudou a vencer a etapa inicial de adaptação. Claro, a minha força de vontade para melhorar, contribuiu muito para vencer etapas e consequentemente acelerar o processo de minha melhora técnica no fundamento do esporte.  

E pela primeira vez, eu posso afirmar que passei a conversar com amigos sobre Rock e música em geral, ao encontrar garotos da minha idade, no mesmo processo de fomento de interesse pelo assunto. 

Tanto que em uma ocasião em que a professora dividiu a classe em grupos para a realização de um trabalho, por sugestão de um colega, o nosso grupo foi denominado como: "The Beatles". E fomos alvo de galhofas, inclusive, quando um membro de um grupo rival nos ironizou, pelo fato dessa banda haver encerrado atividades no ano anterior e portanto, segundo ele, nós estávamos> "por fora"... enfim, ao relembrar essa passagem pueril, chego a ter nostalgia de um tempo onde o fim dos Beatles mostrava-se algo tão recente, que podia-se dizer ter ocorrido no ano passado...

Ainda a falar da vida familiar, em maio, nos mudamos então para um sobrado na Mooca, bairro vizinho ao Belenzinho e pelo quadrante em que fomos morar, visto que a Mooca é um bairro com grande extensão territorial, ficamos extremamente perto de onde estávamos, na divisa com o Belém. 

Mesmo assim, os meus pais quiseram facilitar a minha vida e pediram a minha transferência para uma outra escola estadual, esta localizada a um quarteirão da casa onde fomos morar, na Rua Siqueira Bueno. De fato, a intenção foi ótima, pois para chegar ali às 7:30 h. da manhã, eu poderia me dar ao luxo de acordar em cima da hora, pois bastava atravessar a rua e tal caminhada não consumia mais que um minuto ou até segundos, se a espera pelo semáforo ficar verde, calhasse de ser imediata.

Todavia, além da contrariedade total que eu tive com mais uma mudança de escola, pelo aspecto da readaptação que sempre seria traumática em meu caso, assim que fui apresentado à nova classe e professora, me senti inserido em um ambiente muito desagradável. 

Tratava-se de uma professora completamente desequilibrada, com algum distúrbio emocional acentuado, que passava quatro horas a berrar e a apresentar chiliques homéricos, até chegar ao ponto de agredir fisicamente as crianças, conforme vi nos dois dias em que ali permaneci. 

Depois que eu presenciei a megera a desferir tapas na nuca de um garoto por um motivo torpe (que foi por ele ter deixado uma régua cair no chão), decidi que preferia andar cerca de dez quarteirões, inclusive a caminhar sobre o viaduto Guadalajara (recém-inaugurado em 1971, para ligar o Largo do Belém ao bairro da Mooca, e que tem esse nome por homenagear o México, por conta da Copa de 1970), para alcançar a minha velha escola, a estudar nesse colégio que era muito perto da minha nova residência, mas cujas aulas pareciam sessões de tortura comandadas por Torquemada. 

Os meus pais não gostaram muito da minha solicitação, visto que se preocuparam com os vários quarteirões que nos separavam da E.E. Amadeu Amaral, mas ao verificar que eu ficara profundamente contrariado com a mudança, aceitaram a minha reivindicação. 

Em três dias, eu voltei ao colégio Amadeu Amaral, para ficar na classe em que estava acostumado e os colegas nem souberam desse imbróglio todo, por considerarem que eu havia faltado dois dias por motivo de doença, e por estar tudo sanado, voltei a estudar com paz de espírito, para encerrar o curso primário, ali.

Aliás, cabe explicar que em 1971, foi o último ano da estrutura escolar antiga, pois em 1972, a educação passou por uma reforma estrutural, ao encerrar o conceito de curso primário e curso ginasial, para torná-los um único módulo, com oito anos de duração.  

Portanto, eu sou da turma que fechou essa fase antiga da educação brasileira, que remontava há décadas. Tenho assim o diploma de curso primário e teoricamente, fui aprovado para ingressar no curso ginasial a seguir, inclusive por ter sido obrigado a fazer um exame de admissão, que na prática se tratava de uma espécie de vestibular e quem não passasse nessa avaliação, não poderia se matricular no curso ginasial, e assim perder um ano.  

Eu estudei, inclusive, por alguns meses com uma turma de uma professora particular, especialista em preparação para curso de admissão, a obrigar o meu pai a bancar tal despesa extra e fiz o exame ao final de 1971. Fui aprovado, mas o protocolo de admissão foi jogado no lixo, pois com a reforma do ensino, ele se tornou desnecessário por decreto e assim, bastou procurar uma nova escola e me matricular na "5ª série", como passou a se chamar o antigo "1º ano ginasial". 

Nessa residência que habitamos na Mooca, dado o imbróglio com essa saída e volta tumultuada ao colégio Amadeu Amaral, tornou como minha rotina ir e voltar da escola mediante uma boa caminhada, ao atravessar ruas movimentadas com grande fluxo de ônibus urbanos, inclusive. Tirante a subida e descida do viaduto, mas que eu gostava de por ali passar, apesar do perigo, exatamente pelo visual da Avenida Radial Leste e visão da "selva de pedra" que dali de cima dá para se ver de uma parte do centro de São Paulo. 

Foi nessa casa da Mooca, também, que eu efetuei um arranque para melhorar minha técnica com o futebol, pois de fato, gastei muitas horas a treinar sozinho os fundamentos, com chutes na bola desferidos à parede da garagem da casa. Desenvolvi muito a minha técnica, ao aprender a bater na bola com diversas formas (bico, concha, três dedos, rosca, lado do pé etc) e graças também, a tudo o que eu lia e ouvia na imprensa esportiva da época.  

Tornei-me fã das transmissões esportivas, ao acompanhar não apenas os jogos, mas os programas diários com boletins, mesa redonda e afins. 

Foi em 1971, também, que adquiri um hábito doravante: sempre começo a leitura de um jornal impresso, pelo caderno de esportes. Depois que disseco essa editoria, vou procurar as demais. 

Tornei-me fã de muitos locutores esportivos. Gostava de Fiori Giglioti, um verdadeiro poeta, no seu jeito em transmitir uma partida de futebol, ao lhe dar ares de grandeza, até como se fosse algo artístico. 

-"Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo", era o seu bordão para descrever que a partida havia se encerrado, por exemplo.

A mesa redonda da TV Tupi de São Paulo, no início dos anos setenta e se vê a presença do jogador do Palmeiras na ocasião, Leivinha (de camiseta branca)

Eu gostava também do locutor, Walter Abrahão (que havia criado um maneirismo ao não pronunciar a palavra: "Pelé", mas a dizer: "ele", para dar um ar de endeusamento ao jogador, a denotar ser tal atleta, algo além da simples condição humana), e que também gostava de ironizar partidas que terminavam empatadas em 0 x 0, ao chamá-las como: "oxo" ou "ocho", para ficar clara a pronúncia desse neologismo que ele criou. 

Isso sem contar a divertida perseguição que fazia, sistematicamente, ao jogador do Santos FC, Edu, ao sempre insinuar que o considerara fora de forma. Então, bastava o ponta-esquerda tocar na bola e o Walter disparava: -"está gordo, senhores"...

Gostava também do Fernando Solera, da TV Bandeirantes, que havia criado um bordão gigantesco para anunciar um gol: -"O melhor futebol do Mundo é no 13", quando dividia tal frase em sílabas e com uma extensão vocal única, a esticar o berro, e assim chamava a atenção pelo histrionismo e neste caso, o meu pai, que odiava futebol e estava contrariado por ver que eu estava a gostar, se irritava ainda mais com esse bordão exagerado e sempre me pedia para abaixar o volume da TV, ao resmungar: -" pô, precisava gritar desse jeito?" 

Gostava também de muitos outros locutores, comentaristas e repórteres de campo dessa época (Milton Peruzzi, José Italiano, Sérgio Noriega, Sergio Baklanos, Eli Coimbra, Geraldo Blota, Roberto Petri, José Goes, Luiz Maltoni, Alexandre Santos, Mauro Pinheiro, Dalmo Pessoa, Silvio Luiz, Peirão de Castro etc), e definitivamente, dali em diante, o mundo do futebol se tornou mais um universo pelo qual eu passei a visitar, com frequência.

O meu time do Palmeiras do jogo de botão, traz exatamente as fotos dos jogadores que compuseram o elenco de 1970, como da foto acima

E mais uma novidade oriunda do futebol e do qual me tornara um praticante voraz: os jogos de botão. Com toda essa cultura do futebol a me cercar, foi inevitável que também tornar-se-ia uma prática lúdica, jogar e colecionar times de futebol de mesa, o popular, "botão" e consequentemente obter assim o prazer de organizar campeonatos, elaborar tabelas etc. 

Os meus primeiros times de botão, foram os cinco grandes de São Paulo e assim, mesmo ao comprá-los em 1971, as figurinhas dos jogadores correspondiam ao times de 1970 e como naquela época eram poucas as mudanças de escalação, ao contrário de como o futebol se apresenta na atualidade, não havia nada muito defasado.

Essa foto não é do jogo que cito abaixo, mas é a formação do Palmeiras, em 1971

E finalmente, para encerrar o assunto futebol, um fato notável e inesquecível na verdade, foi o fato de eu ter ido pela primeira vez a um estádio e tal experiência ter sido ratificadora de meu apreço ao esporte bretão. Foi um jogo do Campeonato Paulista de 1971, no Pacaembu, entre Palmeiras x Portuguesa. 

Fui levado por dois tios meus e acompanhado de um primo, todos palmeirenses. Ao avistar aquela multidão (fora uma época onde as normas de segurança não eram observadas a risca, e assim, quase todo o jogo contava com superlotação, com o estádio a abrigar muito mais gente que a sua capacidade segura, poderia suportar), aquele mar de bandeiras (literalmente, e aquilo era lindo mesmo, aliás, a justificar a letra daquela canção composta pelos irmãos, Marcos e Paulo Sergio Valle, que a TV Tupi usava nas suas transmissões dessa época, chamada: "Sou Tricampeão do Mundo" e interpretada lindamente pelos Golden Boys, um quarteto vocal de muita categoria: -"Eu hoje, igual a todo o brasileiro, vou passar o dia inteiro entre faixas e bandeiras coloridas"...), bandinhas das duas torcidas e salvo uma ou outra manifestação de briga, mas fato isolado e geralmente motivada por alguém que abusara da bebida, o clima era de muita rivalidade, mas jamais de guerra, tão deprimente como acontece nos dias atuais. 

A torcida do Palmeiras cantava várias músicas em italiano, tarantelas etc. Era de fato predominantemente formada por descendentes de italianos. 

O jogo terminou 3 x 3, foi eletrizante e apesar de torcer alucinadamente para o Palmeiras, o meu sangue luso jamais enxergou a Portuguesa como um inimigo e pelo contrário, o considerava um clube simpático, do qual eu tinha(tenho), como um segundo clube do coração, pela simpatia que nutro.

O grande, Olegário Tolói de Oliveira, vulgo Dudu, volante extraordinário, que nos tempos atuais, onde volantes são brucutus, seria tranquilamente um meia de armação pela habilidade, técnica, e visão de jogo.

Assisti o jogo na arquibancada, bem perto do portão principal do estádio, acesso pela Praça Charles Miller. Dali eu vi e vibrei pela primeira vez com um gol do Palmeiras ao vivo e a emoção foi indescritível. Um dia irei escrever uma matéria só para analisar o que significa a explosão coletiva e catártica que representa um gol em um estádio. 

Ver aquele time de camisa verde a jogar, em meio àquela cantoria "italianada" toda, foi uma experiência incrível. E o primeiro gol do Palmeiras em que eu vibrei em um estádio, foi do Dudu, um volante maravilhoso, daqueles que desarmavam o adversário e saiam a jogar com a cabeça erguida, com classe. Dudu e Ademir da Guia, foi a dupla de meio de campo mais maravilhosa que eu já vi jogar.

Leivinha fez um gol legítimo na final do campeonato paulista de 1971, anulado de forma injusta

Sobre a final do Campeonato Paulista de 1971, eu que desde a tenra idade nutria horror pela injustiça, ao ver aquilo que fizeram com o meu time, através do tresloucado árbitro, Armando Marques, digo que fiquei muito indignado. 

No dia seguinte, acordar cedo para ir à escola já foi duro, e se intensificou ainda mais quando eu passei pela primeira banca de jornais pelo caminho e ao ver a capa do jornal, "Gazeta Esportiva", ao invés de enaltecer o clube campeão, houve uma foto de página inteira com o atacante palmeirense, Leivinha, a cabecear a bola, claramente a usar a sua testa e com as mãos para trás, e assim, foi emblemática a arte final do jornal, ao introduzir uma seta vermelha para mostrar a bola na testa e assim realçar o absurdo da anulação desse gol. 

Fico com a famosa frase do ex-árbitro, Dulcídio Wanderley Boschillia, que atuou como bandeirinha nessa final (e ironicamente, Dulcídio era um torcedor confesso do time adversário e beneficiado por esse erro crasso), que ao ser indagado por Armando Marques sobre ter corrido para o meio de campo (bandeirinhas fazem isso para confirmar a legalidade de um gol, como praxe a sinalizar ao árbitro), lhe respondeu: -"por que foi gol legítimo"...

Ao falar sobre TV...

"The Partridge Family", ou "A Família Dó-Ré-Mi, como foi conhecida no Brasil

E mais uma série a envolver personagens comprometidos com a música, veio em torno de: "The Partridge Family" (A Família Dó-Ré-Mi"). Confesso que assisti e gostei, mas não ao ponto de apreciá-la, nem pela metade do que eu gostava do "The Monkees".

"A Família Dó-Ré-Mi", seriado adocicado, mas com os seus méritos

As histórias eram divertidas, mas muitíssimo mais conservadoras, sem psicodelia/loucura/anarquia como havia no seriado dos Monkees. E a parte musical era bem mais centrada no Pop sob sonoridade "soft", com uma certa fragilidade musical, inclusive. 

Bem, sobre o mote, se tratou de uma família, literalmente, que além do seu cotidiano normal de qualquer família, também formava uma banda e que mantinha as suas obrigações profissionais, a ensaiar, compor, gravar e fazerem as suas apresentações e ações de divulgação do trabalho.  

A beldade da "Família Dó-Ré-Mi", a atriz: Susan Dey. Quem não a achava bonita em 1971?  

Claro, como qualquer garoto a viver o ano de 1971, e isso se arrastou pela década toda, me encantava a figura da filha mais velha dessa família musical, interpretada pela atriz, Susan Dey. Aliás, o poster dela, individual, que era promocional da série, foi um dos mais pendurados em quartos de adolescentes do gênero masculino na América do Norte, segundo as estatísticas e só perdia para o poster do personagem do filho mais velho (adorado por todas as adolescentes norte-americanas e de muitas partes do mundo), que era o guitarrista da banda, interpretado pelo galã, David Cassidy, este, aliás, era músico & cantor de fato e aproveitou bem a fama do seriado para sedimentar sua carreira Pop na música.

Capa do DVD a conter a primeira temporada do seriado "The Streets of San Francisco", traduzido inadequadamente para: "São Francisco Urgente", em português

Uma série policial que passei a acompanhar com bastante interesse, chamava-se: "The Streets of San Francisco", que no Brasil recebeu o nome de: "San Francisco Urgente". Um muito jovem, Michael Douglas, que na época era apenas conhecido por ser filho do ator, Kirk Douglas, interpretava um jovem policial que fazia dupla com um policial veterano, interpretado por Karl Malden. E o inevitável choque de gerações entre os dois policiais se mostrava interessante enquanto exposição de diferentes mentalidades para se combater o crime nas ruas. Mediante trilha sonora ótima, as externas a mostrarem as ladeiras íngremes da cidade de San Francisco, eram sensacionais.

Capa de DVD com a terceira temporada do seriado "Cannon". Convenhamos, o ator William Conrad, apesar de carismático, não detinha o porte físico adequado para o papel

Outra série que eu passei a gostar bastante, também foi bem mais tradicional. Se tratou de uma típica série policial a envolver um detetive particular, que além de enfrentar bandidos, também continha dificuldades com a polícia, justamente por se intrometer na investigação oficial. Chamava-se: "Cannon". 

E há um dado muito interessante sobre o personagem do detetive, Frank Cannon (interpretado por William Conrad): por ter sido um sujeito a ostentar um pouco da meia-idade na época e com um sobrepeso bem proeminente, as cenas dele a correr atrás de bandidos jovens e atléticos foram no mínimo inverossímeis, mas aos onze anos de idade, esse detalhe da sua condição física não ser compatível com certas ações heroicas do seu personagem, não me incomodava, entretanto, hoje em dia, claro que acho cômico!

Rockers mortos aos 27 anos de idade em um curto espaço de tempo entre um e outro, os três "J": Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison 

Uma propaganda surgida mais ou menos ao final de julho de 1971, foi uma das manifestações mais estarrecedoras que eu já havia visto até então. Foi uma campanha publicitária do governo federal, que sob um tom sombrio, a mostrar uma caveira a simbolizar a morte como imagem, exibia também as fotos de Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison. 

Sob uma locução tétrica, o texto dizia que os ídolos da juventude haviam morrido por conta dos excessos com as drogas e que a juventude brasileira deveria repudiá-los ao invés de adorá-los. A despeito de que realmente os três citados foram imprudentes em abusar das drogas e morreram em um curto espaço de tempo entre um e outro, e todos com apenas 27 anos de idade, como infeliz coincidência, mesmo assim, julgar tal deslize, para usá-lo com o objetivo de se atingir objetivos sensacionalistas, foi uma das maiores demonstrações de manipulação e preconceito que eu havia visto até então. E mesmo ao ter mal completado os meus onze anos de idade apenas, quando eu via aquela propaganda horrorosa na TV, ficava bastante contrariado com o vilipêndio sobre artistas que eu admirava e a obra e genialidade dos três, nada tinha a ver com a tragédia de suas vidas e de suas escolhas pessoais. E eu já tinha essa convicção, mesmo com tão pouca idade. Portanto, não tencionava me entupir com drogas, cigarros & bebidas, só por que gostava da arte que eles faziam. Oportunismo puro da parte de gente inescrupulosa.

E por falar nesse assunto ainda, em uma ocasião em que visitei tios e primos, uma festa estava a acontecer em uma casa no mesmo quarteirão e ali funcionava uma dita, "república de estudantes". Portanto, foi óbvio que só a conter jovens presentes, o embalo ali fosse total e o som ecoava alto. Fomos até a esquina para ver o movimento, eu e meus primos, e de fato, essa turma de jovens estava a escutar sons bem interessantes vindos de uma vitrola e sob um volume alto. E com aquela quantidade de belas garotas ali presentes nos chamou a atenção.

Em um dado instante, uma mocinha nos viu ali, a configurar três garotos bem novos, com semblantes atônitos e assim nos ofereceu Coca-Cola. Claro que aceitamos, mas logo um de meus primos, aventou a hipótese de que os refrigerantes poderiam terem sido "batizados" com "bolinhas". 

Aceitamos e bebemos os refrigerantes, mas com aquela dúvida instaurada entre nós, ou seja, que ridículo! Qual o interesse que teriam de fazerem isso conosco? Foi realmente uma época permeada por preconceitos que ouvíamos dos adultos conservadores...

Cena comum no programa Som Livre Exportação de 1971, grandes astros da música a interagirem em jams improvisadas. Nessa foto acima: Elis Regina, Wilson Simonal e Ivan Lins 

Um programa surgido na Rede Globo me chamou a atenção e digo que o apreciei muito em 1971. Tratou-se do "Som Livre Exportação", que foi uma grande mostra musical, muito eclética, ao misturar artistas de diversas correntes musicais. 

Foi ali que conheci o som do Ivan Lins que estourou com o samba-jazz, "Madalena", com Elis Regina a arrebentar na interpretação. Ver os Mutantes, A Bolha, Os Brasas e outras tantas atrações incríveis a se apresentarem ao vivo, foi muito estimulante. 

O programa era itinerante, como se fosse uma turnê (e o foi mesmo), portanto, a cada edição mensal, era exibido a partir de uma cidade brasileira diferente. A apresentação de São Paulo se deu no então recém-inaugurado, Parque do Anhembi, com estimativa de cem mil pessoas na plateia.

Escrevi uma matéria sobre tal programa e eis o link abaixo para você ler com maiores detalhes sobre tal atração televisiva tão estimulante para a música: 

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2015/11/som-livre-exportacao-por-luiz-domingues.html

                                O polêmico apresentador, Flávio Cavalcanti

Foi em 1971 que eu vi pela primeira vez a figura louca do Serguei e foi de uma forma bastante deselegante com a qual o trataram, na verdade. Ao ver um programa de TV chamado, "Um Instante, Maestro", do apresentador, Flávio Cavalcanti, eu normalmente achava bastante descortês a maneira com a qual ele, Flávio, e seus convidados, que formavam uma espécie de comissão julgadora, tratavam os artistas cujo trabalho, não gostavam.  

E assim, como faziam com todos os discos que iriam analisar, colocaram o do Serguei, que não tocou nem poucos segundos, pois ao fazer toda aquela mise-en-scène, como se estivesse transtornado, o Flávio arrancou o disco do Pick-up, com violência e o quebrou em mil pedaços, sob gritos, ao proferir que aquela obra era um lixo e conspurcava a "verdadeira" música popular brasileira, na sua avaliação.  

Outra ousadia ocorrida na TV e que eu assisti ao vivo, foi quando Arnaldo Baptista e Rita Lee, membros d'Os Mutantes na ocasião,  foram anunciados como casal no programa da Hebe Camargo e ambos rasgaram a certidão de casamento, em um ato de rebeldia e deboche. Isso chocou a opinião pública e houveram até boatos de que as "autoridades" iriam "enquadrar" o casal de "Rockeiros", por desobediência civil, por incitarem a juventude a não respeitar a instituição do casamento etc.

E mais uma que eu vi na TV: um programa chamado: "Pinga-Fogo", produção da TV Tupi de São Paulo, com a participação de padres católicos e outras personalidades notadamente ultra conservadoras, a atacarem violentamente a montagem da peça musical ,"Jesus Christ Superstar", que estava a ser montada em São Paulo em 1971, e que sofria ameaças com boicote e sabotagem por parte de setores tradicionalistas da sociedade, encabeçados pela Igreja Católica que se sentira ofendida com uma peça teatral cujo mote foi a paixão e morte de Jesus Cristo, entretanto retratada como um show de Rock, com a presença de Hippies, incluso o próprio nazareno...

Escrevi uma matéria sobre a peça musical e filme, "Jesus Christ Superstar". Eis abaixo o link que direciona ao meu Blog 1 :

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2012/01/jesus-christ-superstar-por-luiz.html

E quanto mais os conservadores se mostravam incomodados, mais eu admirava e me aproximava dos agentes da contracultura. 

                                     O médium Kardecista, Chico Xavier

Por falar em "Pinga-Fogo", foram históricos os programas especiais com mais de três horas de duração que foram exibidos com o famoso médium Kardecista, Chico Xavier, em julho e dezembro de 1971. 

Em um deles, o ator Carlos Augusto Strazzer, que era jovem na época e estava a usar visual hippie, com cabelos & barba longos e também a usar roupas bem "flamboyant", perguntou a opinião do Chico sobre o Movimento Hippie e quando todos os opositores de plantão acharam que ele faria um discurso moralista, baseado em preconceitos e sob ranço religioso, o médium surpreendeu à todos e analisou as ideias revolucionárias dos Hippies, como um avanço, em uma rara percepção de alguém que notara o caráter filosófico por trás daquelas ideias libertárias e baseadas no pacifismo e na fraternidade.

             King Kong de 1933, a versão mais clássica, certamente

Alguns filmes que eu assisti na TV, em 1971, me impactaram bastante. Lembro-me de uma super alardeada exibição do "King Kong" clássico de 1933, que eu gostei muito de ter visto. 

A seguir essa tendência, outros clássicos do horror/Sci Fi trintista & quarentista foram exibidos, como: "Drácula" e "Frankenstein", ambos de 1931, "A Múmia" de 1932 e "Lobisomem" de 1941.

"The Day the Earth Stood Still", um dos maiores filmes do gênero Sci-Fi de todos os tempos e raro exemplo em que um alienígena é retratado sem a intenção hostil, embora deixe um recado duro para os terráqueos e com toda a razão!  

E uma obra do gênero Sci-Fi que me paralisou em 1971, foi: "The Day the Earth Stood Still" ("O Dia em que a Terra Parou"), ao se tratar de uma produção de 1951, que eu assisti com vinte anos de atraso, porém sem prejuízo algum à identificação que eu estabeleci com a obra. Gosto tanto desse filme, que escrevi uma resenha sobre ele, no meu Blog 1. 

Eis abaixo o Link da resenha que escrevi desse filme que reputo ser genial, com mais detalhes:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2012/06/day-earth-stood-still-por-luiz.html    

        A sensacional compositora, pianista e cantora: Carole King

Uma canção que tocou muito na Rádio Excelsior, a "Máquina do Som" e da qual eu me afeiçoei, foi obra de uma compositora que eu passei a admirar muito. Pianista e cantora, mas sobretudo uma compositora de mão cheia, Carole King arrebatou-me com "It's Too Late". Posso dizer que foi a porta de entrada para conhecer mais uma vertente do Rock, no caso, o mundo do "Soft-Rock" e daí, foi um pulo para conhecer James Taylor; Carly Simon; Carpenters; Al Stewart, Cat Stevens; Don McLean; John Denver, e mais uma porção de artistas, norte-americanos e britânicos, dessa vertente. Rock suave, pop, mas com harmonias sofisticadas, quase jazzisticas e letras bem elaboradas, com profundidade e poesia. 

Ouça acima: "It's Too Late", outra pérola de 1971, obra genial da Carole King e contida em seu fantástico LP Tapestry, lançado nesse ano

Eu só fui adquirir o LP "Tapestry" da Carole King (lançado em 1971), muitos anos depois, já na era do CD, mas foi ali, no momento do seu lançamento, que fui fisgado pelo seu som, através dessa canção, "It's Too Late". 

Outra música que eu apreciei muito nesse ano, veio através de uma artista brasileira que tinha forte comprometimento com a vertente do Jazz-Samba, chamada: Claudia. Considerada como a principal rival de Elis Regina, era uma cantora de uma qualidade impressionante e mais ou menos nessa época, assim como Elis, ela se pôs a abrir o seu leque de repertório e absorver dessa forma, a Black Music e o Rock. 

Mediante uma canção sensacional criada pela dupla de irmãos, Marcos e Paulo Sergio Valle, chamada: "Mais de Trinta", tal obra além de ser um tremendo som sob orientação da Soul Music, contém uma letra inspirada, a evocar uma verdadeira ode à juventude da "Era do Desbunde", ao enumerar supostas razões para não se acreditar mais nas ideias velhas.

"Não confie em ninguém com mais de trinta anos,
Não confie em ninguém com mais de trinta cruzeiros,
O professor tem mais de trinta conselhos...
Mas ele tem mais de trinta, oh mais de trinta
Oh mais de trinta"...


Ouça abaixo a canção: "Mais de Trinta". Ela tem um interlúdio bem samba "telecoteco" tradicional, mas a parte Soul é muito marcante e aquela guitarra com Fuzz ao fundo, é bem sessentista, ou seja, a se constituir de um total desbunde...

E para reforçar a ideia de que os irmãos Valle estavam muito inspirados na Black Music, eis outra canção sensacional que compuseram e que Elis Regina gravou e lançou em 1971. Eu que já estava a apreciar a Soul Music desde 1968, não tive como não me empolgar...

Ouça abaixo, "Black is Beautiful", outro diamante negro de 1971, em uma versão ao vivo, exibida no programa "Som Livre Exportação":
Quando me dirigia à minha escola, todo dia eu passava por uma loja de discos e namorava o álbum triplo do George Harrison, "All Things Must Pass", que ficou meses exposto na vitrine, como destaque. Ele é de 1970, na verdade, mas saíra com atraso no Brasil, como era praxe dentro do nosso atraso, terceiro-mundista. Custava a exorbitância de "33 cruzeiros", caríssimo para os padrões da época e infelizmente não foi nessa ocasião que ele foi parar na minha estante de discos.  

Obra monumental de George Harrison, o álbum de estreia da sua carreira solo, "All Things Must Pass" foi lançado como um disco triplo e mediante uma caixa luxuosa como embalagem

Disco triplo maravilhoso, com aquela caixa luxuosa e um encarte recheado com fotos, além da poster gigante do Harrison, vestido como "Hippie Chic", com aquele cabelo enorme e nessa altura, "My Sweet Lord" tocava absurdamente no rádio, com todo aquele astral hippie/espiritualista. Jai, Jai, Mahatma Harrison! 

As capas do LP Imagine, do compacto a conter "It Don't Come Easy" e do LP Ram, obras memoráveis lançadas nas carreiras solo de John Lennon, Ringo Starr e Paul McCartney, respectivamente

Aliás, os trabalhos que os quatro Beatles lançaram em suas iniciantes carreiras solo, foram ótimos em 1971. Nessa altura, músicas do LP "Imagine", do John Lennon, já tocavam com profusão, o single, "It Don't Come Easy", do Ringo Starr foi sucesso do ano e o LP "Ram", de Paul McCartney tocava à exaustão na casa de meus primos, quando eu ouvi até estourar agulha da vitrola. Esse disco, cuja faixa, "Uncle Albert/Admiral Halsey", está entre as minhas prediletas, é mais uma boa lembrança marcante sobre 1971 que eu guardo na memória com carinho. 
 
Bem, fui aprovado no quarto ano primário e para honrar o clima pesado que pairava sobre as escolas fundamentais, com tanta educação moral e cívica imposta por ideologia conservadora, a cerimônia de colação de grau, teve mais uma demonstração com tal viés militarizado.  

A parte frontal do estiloso: "Esplanada", um carro robusto, fabricado pela Chrysler do Brasil, mas que saiu de linha bem rapidamente

Dessa forma, nós fomos obrigados a marchar, literalmente, como se fôssemos um pelotão militar e obrigados a cantar diversos hinos ufanistas pelo caminho, em um percurso que compreendeu da nossa escola, o "Amadeu Amaral", localizada no largo São José do Belém, até o cinema do Colégio Agostiniano São José, na Rua Marquês de Abrantes. 

Lembro-me da marcha constrangedora pelas calçadas das Ruas Julio de Castilhos e Irmã Carolina, até a Marquês de Abrantes, com uma carreata de pais a nos seguir pela rua, lentamente e alguns a buzinarem para celebrar a passeata. 

Dessa forma, eu avistei várias vezes os meus pais a passarem, com a minha avó paterna no banco de trás, a me acenar, a bordo do carro da família de então, um "Esplanada" 1968, azul, que aliás eu gostava muito (e idêntico ao da foto acima).

No Cine Teatro São José, pertencente ao Colégio Agostiniano São José, em dezembro de 1971, ao receber o meu diploma de conclusão do curso primário, diretamente das mãos de minha professora, a Dona Ivonne. Acervo familiar.

Recebi o meu diploma das mãos da minha professora, Dona Ivonne, com o deputado estadual, Januário Mantelli Neto ao lado, que nem se lembrou da minha pessoa, afinal de contas eu havia crescido bastante, mas em 1965, rodamos juntos no mesmo carro, muitas vezes com meu pai a conduzi-lo para ele conceder entrevistas em emissoras de rádio, quando de sua campanha para a prefeitura de São Paulo nesse pleito. 

Uma surpresa que me enrubesceu, ocorreu quando eu fui chamado uma segunda vez ao palco e recebi uma medalha da minha professora, a Dona Ivonne, que me agraciou com a honraria de ter sido o melhor aluno da classe, algo que eu jamais me esforcei para tal. Ora, eu não fui nenhum transgressor cheio de rebeldias & "atitudes", mas longe de minhas características ser um "CDF", portanto, eu estudava apenas para o gasto e se consegui ser o "melhor", não foi algo que eu tenha ambicionado e me esforçado para tal e não cometerei a indelicadeza de insinuar que os demais colegas foram alunos mais fracos, é claro que não. 

A absorver a contracultura cada vez mais em 1971, este foi o ano em que cortei o cabelo curto pela última vez na minha vida. Dali em diante, até o ano de 1974, mais ou menos, os meus pais não se importaram que eu fosse cabeludo, muito em função de que as cabeleiras longas haviam se incorporado à sociedade em geral e foram paulatinamente aceitas de uma forma mais tolerante, apesar da ditadura e da pressão sob o viés militarizado, que imperava. 

Mas já foi um símbolo que comecei a cultivar, e mais que isso, uma espécie de marca em forma de compromisso com uma série de ideias & ideais. Eu não tinha essa consciência toda em 1971, aos onze anos de idade, é lógico, mas a semente foi plantada...

Obrigado, vizinho... eis abaixo o LP "Jardim Elétrico", dos Mutantes, com o sabor de 1971 a explodir a mais de mil HP, ou seria STP? 

E a explosão da Soul Music brasileira, que eu apreciei muito também e serviu para solidificar ainda mais o meu apreço pela Black Music em geral. Abaixo, o grande Toni Tornado, um verdadeiro "tornado Black Power", em 1971... Podes Crer, Amizade!

Rumo ao curso ginasial, eu estava a crescer e tirante os temores que inclusive já relatei, a mergulhar em um mundo de possibilidades.

O ano de 1972 estava a chegar e seria um ano de ouro para o Rock, nos quais tantos fatos aconteceriam... e mesmo ainda ao não estar 100% apto para mergulhar com todas as minhas forças nesse mundo, por ser um mero garoto, a manter obrigações escolares, familiares e dentro de uma redoma moldada por valores prosaicos e de certa forma até antagônicos aos que representavam o desbunde que estava no ar, nesse caso, foi mera questão de tempo para que eu me engajasse definitivamente.

Mais uma foto em que eu participei da cerimônia de colação de grau do curso primário, em dezembro de 1971. Acervo familiar.

Continua...

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