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quinta-feira, 7 de julho de 2016

1972 - Minha Ligação Inicial com o Rock na Infância e Começo da Adolescência - 1972: Eu Quero uma Casa no Campo - Por Luiz Domingues

O ano de 1972 chegou e a explosão musical foi total nesse período.
Mesmo a estar a viver na condição de ser apenas um pré-adolescente, com pouco menos de onze anos e meio de vida na ocasião, portanto a viver ainda sob a ambientação familiar prosaica e a receber signos antagônicos como valores (ao se incluir a carga escolar formal e com o devido azar de estarmos a viver tempos sombrios de um regime autoritário no país, mediante a sua óbvia mão pesada, a exercer a sua doutrinação inerente), mesmo assim, com tanta força contrária, ainda que eu não quisesse sofrer a carga contracultural do desbunde, isso seria impossível, eu acredito.

Eu não tenho um bom material pessoal sobre 1972, como eu gostaria. Essa é uma rara foto com minha presença, Luiz Domingues, desse ano e não tem muita qualidade, lastimo. Acervo familiar.
  
E muito pelo contrário, eu já estava a pender voluntária e prazerosamente para esse lado, desde 1968, ainda que em passo paulatino, sob a discrição inerente de um reles menino que o fui, sem autonomia alguma. 

Logo no início do ano, além da mudança de patamar escolar, que deu entrada simbólica para a minha adolescência que chegara, ao ingressar no "curso ginasial", eu tive uma notícia nada agradável, vinda do meu pai, que vislumbrara uma oportunidade de vida e no caso, ele perguntou à família se aceitaríamos nos mudarmos para uma cidade do interior.


                            São Paulo, em foto mais atual

Além do trauma de ter que enfrentar uma nova mudança de escola, situação embaraçosa que eu abominava, a perspectiva de sair da cidade de São Paulo, que eu adoro com todas as minhas forças, me causou calafrios. Nada contra as cidades interioranas e no caso, a ideia seria nos mudarmos para Ribeirão Preto-SP, terra natal da minha mãe e aonde os meus avós maternos moraram várias vezes e entre idas e vindas e lá estavam lá novamente, desde 1969. 

Eu gostava bastante da cidade, na qual tinha também tios e primos queridos, e desde 1966, a frequentava com certa regularidade para efetuar visitas em feriados prolongados e até a passar por períodos mais extensos das férias escolares.

A ideia de ficar mais próximo desses familiares queridos, me agradou, mas ao analisar friamente, sair de São Paulo foi uma tragédia pessoal, ultra paulistano que sou. 

Todavia, com a idade que eu tinha na época, a pergunta do meu pai se revelou meramente retórica, pois na realidade, ele já estava decidido a mudar, empolgado com a perspectiva de abrir um negócio próprio naquela cidade.

E com as condições gerais, do ponto de vista financeiro, a se mostrarem bem mais em conta de que na capital, de fato, dessa forma só foi possível imaginar se aventurar assim, em uma cidade interiorana, onde o custo de vida seria mais barato.

Ribeirão Preto-SP, em foto aérea do final dos anos sessenta. Acervo de Francisco Amêndola.
 
Mudamo-nos ao final de janeiro de 1972, para a cidade de Ribeirão Preto-SP e essa aventura interiorana da minha família duraria um pouco menos de um ano praticamente, pois já em 1973, estaríamos de volta em São Paulo, ainda bem e sem nenhum demérito para o interior, apenas a se tratar de uma constatação de um paulistano fanático pela sua cidade e que voltara ao seu porto seguro. 

E mesmo ao viver esse ano lá no interior, eu nunca perdi o contato, por ter estado várias vezes na capital, para visitar familiares, inclusive eu passei as férias de julho, quase toda na Pauliceia.  

Certamente que hoje em dia com a presença da internet, telefonia móvel e TV a cabo, não há desfasagem alguma. Mas naquela época, ainda havia defasagem em vários aspectos entre São Paulo e cidades interioranas, mesmo para uma de grande porte como Ribeirão Preto, que já era grande e rica, naquela época. 

Não tenho dúvida de que se a vida tivesse transcorrido normalmente a viver em São Paulo, eu teria me impactado ainda mais com a carga contracultural que 1972, ofereceu. Todavia, apesar desse aspecto de estar no interior, creio que absorvi muita coisa, mesmo ao viver longe da capital nesse ano.  

Destaco dois aspectos interessantes naquela cidade, sob tal ponto de vista: 

1) Por ser uma cidade com vocação universitária, inclusive com a presença de um campus avançado da Medicina da USP, ali instalado, a cidade atraía um enorme contingente de estudantes de cidades interioranas menores, inclusive de outros estados, com mineiros em predominância, mas também muitos sul-matogrossenses, goianos e paranaenses, também. E por haverem muitas pensões e "repúblicas" para estudantes disponíveis, havia uma atmosfera jovem e em meio a todo tipo de gente, muitos desses estudantes eram freaks ou simpatizantes da causa.

2) Pelo seu porte que já era avantajado, sendo inclusive sede regional no âmbito estadual, Ribeirão Preto mantinha uma certa frequência de shows com artistas importantes por lá, em turnê, ao visitar principalmente o seu famoso, Teatro de Arena, caso dos Mutantes, que lá tocaram inúmeras vezes.  

Foto do Teatro de Arena de Ribeirão Preto, que foi fundado em 1969. Como dá para ver, ele fica ao ar livre, dentro de um bosque público, localizado em uma área mais alta da cidade, chamada: "Cava do Bosque" e foi construído nos moldes das antigas arenas gregas e romanas.

Então, por esses dois aspectos, eu não estava tão isolado assim e pior seria ter ido morar em uma cidade de pequeno porte, aonde o meu prejuízo sob o aspecto cultural teria sido enorme e com a agravante que hoje eu sei, que essa aventura interiorana durou menos de um ano, mas na esperança que o meu pai nutriu, seria para nós termos ficado para sempre, visto que é óbvio que ele queria que o seu negócio tivesse dado certo, a garantir prosperidade para a família. 

E a defasagem que eu insinuei parágrafos atrás, ocorria pelo fato de que a TV era transmitida com lapsos ainda nessa época, portanto, nem tudo o que era exibido em São Paulo, se mostrava simultâneo, como acontece nos dias atuais com a TV digital e tudo comandado por satélites. 

A grade da TV detinha algumas atrações nesse sentido, mas ainda muitos programas eram exibidos posteriormente em relação à capital. 

As emissoras de rádio locais eram bem lentas na parte musical e a mídia impressa, mais parecia com a de jornais de bairro de São Paulo. Claro, os jornais de grande porte da capital estavam disponíveis nas bancas do centro de Ribeirão Preto, bem cedo, menos mal.  

A telefonia estava a começar a melhorar, pois até bem pouco tempo antes de 1972, para se ligar para a capital, era necessário pedir linha para a telefonista.  

Mudamo-nos para uma casa situada em um conjunto habitacional que estava por ser recém-ocupado por famílias. Naquela época, se tratava de um bairro longínquo, deserto e construído sob uma imensa área que deve ter sido rural, anteriormente. 

As casas eram simples, mas bem feitas, dignas. Havia uma infraestrutura que a prefeitura havia pensado para suprir as necessidades básicas desse novo bairro, mas haviam pendências.  

Uma foto bem mais atual de um termômetro de rua em Ribeirão Preto, com uma típica temperatura de verão daquela cidade, que é dura para se suportar...

Se por um lado as ruas eram largas, bem asfaltadas e com iluminação pública já providenciada, por outro, a falta do plantio de árvores, transformou esse bairro, ao menos nesses seus primeiros anos de vida, em uma verdadeira estufa, visto que o calor habitual da cidade, com temperatura média entre 35 e 40 graus Celsius durante o ano inteiro, após o advento da construção desse conjunto habitacional, a conter asfalto e sem árvores para refrescar minimamente que fosse o ambiente, enfim, era clima de deserto do Saara ali.

E sem carro, com aquele calor absurdo, as pessoas que precisavam ir ao centro da cidade para trabalhar ou fazer compras, sofriam, pois só havia uma condução, uma linha urbana que fazia o trajeto entre esse bairro, o Jardim Independência e a Praça XV de Novembro, no centro da cidade e não havia uma frota muito grande, portanto, quando se perdia o ônibus, só restava amargar uma longa espera no ponto e sem cobertura para se proteger do sol, por pelo menos quarenta minutos sob o sol do "Saara", para esperar pelo próximo.

Foto bem mais atual da escola em que eu estudei em Ribeirão Preto, ao cumprir a 5ª série. Na minha época, não havia essa vegetação toda e certamente que agora ajuda a refrescar o prédio nos picos de calor, típicos da cidade.
 
Fui matriculado em uma escola estadual que fora recém-construída para atender a demanda desse bairro novo que criaram para suprir a necessidade premente ali para tais novos moradores. Chamava-se: "E.E. Cid de Oliveira Leite". 

Foi um ano escolar que cumpri ligado ao "piloto automático", eu diria. Além da minha tradicional timidez e dificuldade para me socializar, pareceu que algo instintivamente me sinalizava que ali eu não ficaria e que voltaria para São Paulo. 

Claro que não fora essa a intenção dos meus pais e nem de longe que eu torceria para que não lograsse êxito o negócio que meu pai estava a montar, só para satisfazer minha vontade egoísta. E pelo contrário, apesar de nunca querer ter ido morar lá, houve o lado bom de ter mais convívio com meus avós maternos e eu apreciava bastante ter a companhia de tios e primos, também.

Meu tio, irmão da minha mãe, já era instrutor de Raja Yoga há muitos anos e mantinha um "Ashram" na cidade. Nesse ano de 1972, ele hospedou em sua residência alguns instrutores vindos da Índia, e que proferiram palestras na cidade. Foi positivo portanto, estar ali em 1972, e ter tido esse prazer de vivenciar tal experiência, familiarizado que eu já estava a ficar com a cultura oriental, por já gostar há tempos da cítara de Ravi Shankar, artista devidamente apresentado pelo George Harrison.

Na escola, apesar de não ter fixado raiz alguma ali, tenho no entanto algumas lembranças. Primeiro pelo horário alternativo das aulas, que sob uma determinação não usual, começava às 15 Horas, a se estender até às 19:00 Horas. O lado bom, foi que por conta de tal medida, se amenizava o calor. 

Até as cinco da tarde era um sufoco, mas depois na parte final do período, a chegada da noite deixava o clima mais ameno, pelo menos um pouco. 

Outro aspecto, foi que eu sofri um bullying ainda que ameno, digamos, pois os colegas me apelidaram como: "paulista", quando correu a notícia de que eu era oriundo da cidade de São Paulo. E de nada adiantou eu argumentar que todos ali eram "paulistas", também, e que a diferença estava na situação gentílica do município, por eu ser igualmente "paulistano", enquanto eles, ribeirãopretanos. 

Essa sutileza da condição gentílica entre estado e município, exatamente em um estado onde o nome da capital é o mesmo, não entra na cabeça da maioria das pessoas, infelizmente.  

Um aspecto positivo do interior, foi que principalmente naquele bairro distante, a liberdade da criançada e adolescentes para ficarem na rua, era total. 

Portanto, se em 1971 eu havia me esforçado bastante para dominar os fundamentos do futebol, ao desferir muito chute na parede de casa, agora com essa liberdade interiorana, passei a jogar bola na rua quase todo dia e assim, desenvolvi outros aspectos do futebol, além do controle da bola. 

Melhorei muito o meu desempenho, ao desenvolver visão de jogo, repertório de dribles e ali percebi que nunca seria um velocista pela minha pouca capacidade pulmonar e muscular para ter a arrancada necessária e tampouco seria um centroavante pela baixa estatura, mas eu comecei a descobrir que teria vocação para atuar no meio de campo, com o prazer que descobri para armar jogadas, fazer lançamentos de longo alcance e passar a bola com precisão para a conclusão dos outros jogadores.  

Já que falo de futebol, 1972 foi o ano que o governo autoritário de então, quis explorar ao máximo a efeméride do "sesquicentenário da independência do Brasil" e assim, organizou um torneio em ritmo de Copa do Mundo, a "Taça Independência", chamado informalmente como: "Mini Copa". 

Acompanhei com interesse tal torneio, que foi na verdade bem esvaziado, com a desistência de várias nações que não quiseram participar e de fato, foi apenas um torneio amistoso, sem importância, mas que o governo tratou como algo grandioso para explorar o ufanismo. E o Brasil foi campeão, ao vencer Portugal, na final realizada no Maracanã, com um gol de Jairzinho, aos 44 minutos do segundo tempo...


Fotos meramente ilustrativas de como eram os cartões de apostas e os comprovantes cedidos pela Caixa Econômica, nos primórdios da Loteria Esportiva, e no caso, achei esses dois exemplos do ano de 1972, mas com jogos do campeonato brasileiro e não da Mini Copa que estou a citar.

Elaborei até um jogo de loteria em que o meu pai e alguns parentes de minha mãe participaram a formarem um "bolão", e naquela época, a Loteria Esportiva era a grande coqueluche que movimentava todo o Brasil. 

Lembro-me que nesse teste no qual quase todos os jogos foram desse torneio, conseguimos acertar, doze pontos e só houve uma partida foi marcada para o domingo a noite. Com doze pontos já assegurados e só a faltar o resultado da partida, Iugoslávia x Bolívia, os adultos já comemoravam a vitória do nosso jogo, mas quando acabou o jogo, sob um surpreendente 2 x 2, a frustração foi total e eu ainda tive que ouvir críticas, pois eles haviam confiado no conhecimento de um reles garoto que dizia ser impossível a Iugoslávia não vencer aquele jogo, mas... o futebol era (é) assim mesmo, ou seja, nem sempre o time teoricamente mais forte, vence.

Um time fantástico, o Palmeiras de 1972 foi praticamente imbatível e ganhou todos os títulos que disputou. Chamado como: "Academia II", por uma questão de comparação com o time super campeão formado nos anos sessenta, a "Academia I" que também ganhara muitos títulos e encantara pelo lindo futebol praticado

E nem preciso discorrer muito sobre o que o ano de 1972 representou para um jovem palmeirense como eu fui nesse ano. Uma máquina de jogar futebol bonito e consequente campeão de tudo o que disputou. 

Antes mesmo de me mudar para o interior, em 9 de janeiro de 1972, eu conhecera finalmente o Estádio Palestra Itália, em São Paulo, como ele era na época, e na verdade, desde a reforma de 1964, com o campo elevado, daí ser chamado como: "jardim suspenso" pelos locutores esportivos. 

Foi em uma tarde de sábado, e se tratou de um amistoso como primeiro jogo do ano, mas eis que a chamada 'Academia II" deu uma amostra do que seria nos anos setenta, com uma exibição de gala, ao vencer o Santos, com um sonoro 4 x 0, e eu ainda tive a visão bem perto de onde estava, na curva do antigo gol do placar, de ver o Pelé simular um pênalti ridículo e ser advertido com um cartão amarelo pelo árbitro por tal encenação e para o delírio da torcida verde, que o agraciou com aqueles impropérios típicos, ouvidos em estádios. 

Mas quando os campeonatos começaram para valer, eu acompanhei tudo pelo radinho, TV, jornais e revista Placar, porém, em uma das escapadas que fiz para visitar São Paulo, tive o prazer de assistir uma dessas finais citadas, no caso, do Torneio "Governador do Estado", também conhecido como "Torneio Laudo Natel", ao se referir ao governador de São Paulo, na época, não eleito pelo povo, mas imposto pelo regime em voga na época.

Foto do Palmeiras do dia dessa final, que cito. Não jogou o César "Maluco", nesse jogo e sim, Fedato, hoje saudoso (infelizmente). 

Assisti a final desse torneio no Pacaembu, no dia bissexto de 29 de fevereiro de 1972, com o resultado de Palmeiras 3 x 1 Portuguesa, a comemorar muito e fora o prazer de presenciar a sinfonia da orquestra conduzida por Ademir da Guia & Cia.  

Posters que eu colecionei na revista Placar, como fator de orgulho, com o meu time campeão estadual e brasileiro, no mesmo ano de 1972

Campeão Paulista e Brasileiro, mais o Torneio Governador do Estado e Torneio Mar del Plata, na Argentina, esse anos fez com que eu e todo palmeirense que viveu essa década decorasse para sempre, a escalação base desse time: Leão, Eurico, Luis Pereira, Alfredo e Zeca, Dudu e Ademir da Guia, Edu, Leivinha, César "Maluco" e Nei. 

Entre os reservas, foram alguns que jogaram sazonalmente, mas destaco o Fedato, que fora um talismã da torcida e tal jogador fez gols decisivos muitas vezes, além de Ronaldo, um jogador muito eficiente e que era primo do Tostão, e também do argentino, Madurga, que tiveram importância muito grande, sendo titulares algumas vezes.

Fotos dos jogadores do Palmeiras publicadas na revista Placar, no padrão para as crianças e adolescentes recortarem para colar em jogos de botão

Em resumo, que época boa para ser um recém-ingresso na adolescência, a acompanhar futebol e ser palmeirense fanático...

Para mudar de assunto, ter ido morar no interior não foi algo que eu gostaria de fazer se dependesse de minha vontade, mas não nego, o convívio com meus primos que lá moravam foi um aspecto muito bom, fora o prazer em ter tido um contato mais regular com meu tio Sérgio Barretto, que era (é) um estudioso de filosofia e espiritualidade, portanto, foi importante poder absorver mais a sua cultura que já era muito grande nessa época nesse âmbito. Mesmo caso do convívio com o meu avô materno e melhor ainda, com ele a me disponibilizar a sua imensa biblioteca particular, que era incrível. 

Capa de uma edição do livro: "Les Misèrables" ("Os Miseráveis"), clássico do escritor francês, Victor Hugo 

Li muitas obras da literatura clássica nacional e internacional, ali em velhos tomos que ele possuía há décadas, bem catalogados em suas estantes. De Julio Verne a Machado de Assis, Monteiro Lobato, Homero e Vitor Hugo... tudo junto e misturado. 

Meu avô tinha muitos livros de história e política também. E ali na sua biblioteca, eu encontrei uma oportunidade excepcional para alargar os meus conhecimentos em assuntos que apreciava desde muito pequeno.  

Guardo com orgulho um dicionário com o qual ele me presenteou, ao se tratar de uma edição dos anos quarenta do século passado, que obviamente está ultrapassado há muito tempo, mas do qual jamais me desfarei enquanto viver, pela carinhosa e valiosa dedicatória que ali, o meu querido avô me outorgou de punho.  

Alguns poucos, mas fantásticos lançamentos de artistas internacionais do Rock, em 1972

Sobre a carga contracultural de 1972, claro que não a recebi como gostaria, ao ver hoje em dia com a maturidade adquirida e sobretudo pela visão cultural macro da história. Fosse um pouco mais velho apenas e a morar em São Paulo, certamente que eu teria absorvido o impacto no meio do peito, mas tudo bem, foi como aconteceu e mesmo diluída e tardiamente, anos depois eu pude entender e absorver tudo o que o ano de 1972, pode oferecer e foi muita coisa, naturalmente. 

Tudo o que eu já vinha a receber da contracultura, desde 1965, 1966 e muito mais atentamente a partir de 1968, se intensificou conforme já relatei em capítulos anteriores e claro, com o meu crescimento, ao entrar na adolescência e por ter adquirido mais discernimento, cultura acumulada e instrução escolar mais avantajada, a tendência foi absorver ainda mais e foi o que ocorreu.

O incrível LP "Thick as a Brick", do Jethro Tull, mais uma pérola da safra de 1972

Logo de início, já a viver esse período sabático no interior, descobri o Jethro Tull, e foi pela via mais improvável possível. Como é sabido, a Igreja Católica lançava a sua Campanha da Fraternidade todo ano, na quarta-feira de cinzas, e nesse ano, a propaganda que usou no rádio e TV, teve como trilha sonora, um trecho do disco "Thick as a Brick", do Jethro Tull, recém-lançado. 

Aquele trecho de uma música única, conceitual e sob forma de suíte, à moda de peças da música erudita, me enlouqueceu. O glissando feito pelo baixo ao abrir caminho para o solo ultra melodioso da flauta e permeado por uma base magnífica de teclados, guitarra e bateria... enfim, claro que eu não tinha esse conhecimento musical avantajado para analisar dessa forma naquela época, mas mesmo sem saber nada de música, tudo aquilo me soou lindo, simples assim. 

Desde 1970, através da TV, também, eu adorava trechos da música, "Summer' 68", do Pink Floyd, que me soava incrivelmente bela. Dali para começar a procurar informações sobre a banda e passar a acompanhá-la, foi um pulo.

Escrevi uma matéria a falar sobre as trilhas sonoras do jornalismo da TV Globo, nos anos setenta, que utilizaram obras oriundas de bandas de Rock famosas. Cito essa canção do Pink Floyd, entre outras. Eis o link abaixo que direciona à matéria publicada em meu Blog 1:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2016/05/jornalismo-da-rede-globo-ja-foi.html 

O bom grupo Folk-Rock, "America", em lançamento emblemático da sua carreia em 1972

Vizinha da nossa residência, havia uma família com três filhos adolescentes em seu lar, todos mais velhos do que eu e que gostavam de Rock. Dali soava todo o dia o som do T.Rex, Slade, Neil Young, America, Creedence Clearwater Revival, Pink Floyd e muitos outros artistas. 

No rádio, eu não estava mais a poder ouvir a Excelsior, emissora da capital cujo sinal não chegava no interior, mas mesmo as emissoras interioranas sendo bem mais devagar na difusão musical de qualidade nessa época, claro que muitos sons interessantes tocaram. "Águas de Março" com Elis Regina/Tom Jobim não foi exatamente uma peça com teor contracultural, mas tocou bastante e eu apreciei aquela quebradeira rítmica e principalmente a sua letra a conter um jogo de palavras, bem interessante.

Um dos mais criativos artistas do início dos anos setenta, o capixaba, Sérgio Sampaio colocou o seu bloco na rua em 1972!

Gostei muito do som de Sérgio Sampaio, que explodiu em 1972, com: "eu Quero Botar o meu Bloco na Rua", que ali eu já percebia, posso dizer, haver um deboche contra o sistema, bastante acentuado. E claro, tornei-me seu fã, doravante. 

Mas creio que o grande desbunde que eu tive nesse ano, foi com a canção: "Casa no Campo", que além de ser um blues lindíssimo e com a interpretação da Elis Regina que nada devia a qualquer Diva do Blues norte-americano (ouso dizer que foi como se Etta James estivesse a cantá-la em português), teve um componente a mais e que é muito significativo: a sua letra inspiradíssima. 

Ouça acima a canção, "Casa no Campo", na interpretação de Elis Regina, oriundo do seu álbum de 1972.

Entra tantas canções magistrais que Zé Rodrix e Tavito compuseram nas suas carreiras, essa canção e essa letra em específico, sintetiza muito o que foi o espírito Hippie, que chegava com atraso no Brasil, essa é que foi a verdade e sob uma época péssima sob o ponto de vista sociopolítico a apontar para pessoas que pensavam exatamente o contrário e que pior, tentavam impor tal visão amarga da vida para todos, com truculência.

Fantástico compositor, pianista e cantor, Zé Rodrix estava em todas no início dos anos setenta, ao ser componente do incrível, "Som Imaginário", também do super trio: "Sá/Rodrix & Guarabyra", gerar uma carreira sólida muito profícua e alimentar diversos interpretes com as suas ideias, "Secos & Molhados", incluso 

A ideia de se morar em uma casa no campo, só a possuir discos e livros como companhia, sob uma vida frugal, tranquila, mediante paz e amor e sobretudo a exercer os ideais fraternais no cotidiano, caracterizava a suprema descrição do desbunde Hippie. 

Ou seja, ao contrário de outros movimentos que se mostram raivosos contra o sistema, o ideal Hippie não visava destrui-lo, mas simplesmente ultrapassa-lo, por mais utópico que isso fosse sugerido. 

E um elemento particular na minha visão e não seria o caso, pois eu era apenas um garoto recém-ingresso na adolescência e não havia me tornado um hippie a sobreviver de artesanato pelas ruas e tampouco Ribeirão Preto era uma cidadezinha remota, pelo contrário, já era uma cidade bem urbanizada, com infraestrutura e portanto, eu não estava a morar em uma casa de fazenda, sítio, chácara ou similar, mas dentro de uma urbanidade normal.

Contudo, a letra da música: "Casa no Campo" me associava também à ideia de não estar mais a viver na cidade grande, mas sob uma realidade diferente, interiorana.

Uma turma da pesada presente nesse ônibus, que os levou ao Clube da Esquina, certamente...

Posso acrescentar que Milton Nascimento, que eu já conhecia por vê-lo em festivais de MPB, anos antes, entrou mais decisivamente na minha vida, ao trazer junto a si, aqueles seus amigos freaks mineiros, cabeludos, e todos sensacionais. O "Clube da Esquina" chegou forte e não saiu mais da minha audição, certamente.

"Just one more thing", ou como o dublador brasileiro falava em português: -"Posso fazer mais uma perguntinha(?)", foi o bordão emblemático e sensacional que marcou o personagem do detetive, "Columbo".

Na TV, apreciei muito uma safra de seriados norte-americanos policiais que assisti na antiga TV Tupi. "Columbo" fora o meu predileto, com aquele personagem título a ser interpretado magistralmente pelo ator, Peter Falk. 

Tal seriado continha um mote previsível, do crime quase perfeito que era desvendado ao final pela inteligência fora do comum do detetive, Columbo, graças a um detalhe imperceptível para o espectador, mesmo os mais atentos. Portanto, graças a genialidade dos roteiros bem engendrados, eu (e muita gente), assistia com atenção até o fim, cada episódio, mesmo por se tratar de um desfecho esperado. 

A clássica pergunta que ele fazia aos criminosos ao final do episódio e que sempre os irritava, e não sai da minha memória: -"Posso fazer só mais uma perguntinha, por favor? ("Just one more thing"). Quando o bandido pensava que se safaria por não deixar pistas, era justamente no mais ínfimo e último detalhe, que o Columbo pegava os criminosos, na contradição. Genial!

O caipira a trabalhar em Nova York, MacCloud e o casal de detetives, McMillan & Wife

Eu gostava também de "McCLoud", um detetive caipira que foi trabalhar em Nova York, com chapelão de cowboy sulista e muitas vezes a circular a cavalo em meio ao trânsito caótico e mega urbano da metrópole. E também do casal "McMillan" (McMillan & Wife), com o galã do cinema, Rock Hudson ainda bem escondido no armário e a arrancar suspiros das mulheres, sem saber que ele não era muito interessado no gênero feminino... mas tudo bem, pois Susan Saint James valia muito a pena para quem pensava o contrário...

"The Rookies", um seriado subestimado a grosso modo, mas que eu gostei de ver em 1972

Gostava também de "The Rookies", mas confesso, nunca fui fã de "The Waltons", apesar desse seriado ter caído nas graças de quase todo mundo. Não pelo fato de ser extremamente adocicado, pois gostei de outros seriados com tal característica, mas simplesmente por não ter me cativado, assim como "The Brady Bunch", que eu sempre achei bem tolo, muito mais que a "A Família Dó-Ré-Mi" ("The Partridge Family"), que eu aturei com resignação.

O casal Ayrton e Lolita Rodrigues, apresentadores do programa "Clube dos Artistas" e que também mantinham outro clássico Kitsch na TV Tupi, aos sábados, chamado: "Almoço com as Estrelas", onde artistas almoçavam e eram entrevistados em uma grande mesa, entremeados por números musicais e segundo relatos de quem o frequentou, sabe bem que por conta dos holofotes do estúdio, a maionese azedava rapidamente e o guaraná ficava morno...

Cafonália máxima, o programa, "Clube dos Artistas" na TV Tupi, era de uma boçalidade indecente, eu diria. Mas mesmo em meio àquele clima de clube suburbano decadente, com pessoas trajadas com muito mau gosto e sentadas em mesinhas, para fingirem estarem em um salão de festas, para assistirem entrevistas insípidas com sub-personalidades da TV, artistas popularescos a dublarem os seus sucessos radiofônicos e eventualmente "socialites" deslumbrados por se acharem "famosos", e vez por outra, alguma figura destoante daquela atmosfera Kitsch, aparecia. 

O normal eram cantores de boleros, música dita "romântica" ou artistas decadentes da velha guarda da MPB ou mesmo da já envelhecida e popularesca, Jovem Guarda, a baterem o ponto ali, mas de vez em quando um lampejo de vida inteligente aparecia, como atores de novelas da casa, mas com carreiras super dignas no teatro, a divulgarem as suas peças em cartaz no teatro e artistas musicais de um outro patamar artístico, a se apresentarem, casos de Ivan Lins, Sérgio Sampaio e Raul Seixas, que ali eu observei atuarem e que lógico, causavam estranheza dos apresentadores, que tentavam se manter respeitosos, mas sempre soltavam uma piada descabida, principalmente no caso de artistas com visual Rocker, cabeludos e que destoavam completamente dos artistas que normalmente ali se apresentavam trajados com smoking, à moda antiga, bem antiga, por sinal do meio artístico tradicional a remeter às décadas passadas..

Um ciclo com filmes do diretor, Alfred Hitchcock, que a TV Tupi exibiu nesse ano, foi sensacional. Bem mesclado, apresentou um pouco da sua filmografia de cada década de sua atuação, dos anos vinte aos sessenta. Hitchcock já estava idoso nessa época e o seu mais recente filme havia sido lançado em 1971, mas ele ainda realizaria mais um, o seu derradeiro, em 1974. 

Foram noites de arrepiar, a assistir na tela PB de um velho aparelho sessentista. E teve um ciclo, na mesma TV Tupi, com os filmes dos Beatles, que claro, foi genial.

No cinema, apesar da cidade ser bem servida por salas de rua, eu não fui muito frequentador nesse ano. Lembro-me de ter visto em um daqueles cinemas da Praça XV de Novembro, no centro de Ribeirão Preto, um documentário do Elvis Presley, a cobrir os bastidores da sua turnê de 1970, chamado: "That's the Way It Is". 

Assim como o filme dos Beatles, "Let It Be", que cobria bastidores e ensaios, eu gostei muito e gosto até hoje desse documentário, por mostrar ensaios e apesar de ser meio forçado de certa maneira e não mostrar os bastidores com 100% de autenticidade, aquele clima da vida do artista extra-palco me encantou. 

Eu já estava em um processo para querer entender mais os meandros da música, portanto, ver o Elvis a ensaiar com a sua banda em um estúdio e ao observar as paradas que faziam para tratar de erros e detalhes de arranjos, achei incrível. 

Outro filme que assisti na cidade, foi o lançamento da produção nacional: "Independência ou Morte", que foi bastante alardeada na época e com apoio total do governo de então, que desejava mais do que nunca incutir nas crianças e adolescentes, valores cívicos baseados em aspectos monárquicos bastante incipientes ao se pensar na história do "Império" do Brasil.

Por tratar dos momentos que antecederam o ato da independência, através de Dom Pedro I, se trata de uma boa produção para o padrão da época e com elenco recheado com bons atores, a maioria astros das novelas globais da ocasião e muitos veteranos do cinema nacional. 

O engraçado, foi que o meu pai arrumou ingressos para a avant-première na cidade e portanto, todas as autoridades do município e figuras proeminentes do empresariado local estiveram presentes, ao tornar a sessão, algo pomposo e isso foi muito engraçado.

De volta a falar de música, o "Bread" com seu Pop Soft-Rock também entrou no espectro da minha percepção, assim como o "The Doobie Brothers" (esta, uma banda muito mais robusta musicalmente) e foi também através da audição alheia, através dos meus vizinhos, que já citei anteriormente.

Uma banda multi-facetada e que sempre primou pela alta qualidade musical: The Doobie Brothers!

Foi desse som escutado do outro lado do muro que ouvi pela primeira vez: "Listen to the Music", do The Doobie Brothers e fiquei enlouquecido com aquele efeito de flanger na guitarra e as harmonias vocais que os rapazes faziam. 

Foi nessa época também que eu vi pela primeira vez um exemplar da Revista Rolling Stone brasileira. Mas não tive a oportunidade de segui-la na época, pois o exemplar que eu vi, foi naquela situação bem distante de ser propriedade do "amigo do amigo da minha prima", e no interior a distribuição nas bancas deixava a desejar em alguns aspectos.

Escrevi uma matéria para analisar a presença da revista Rolling Stone, em sua versão brasileira dos anos 1970, no meu Blog 1. Eis abaixo o Link para vê-la:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2012/07/rolling-stone-brazuca-setentista-por.html  

Ouça acima o LP "Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets", que saiu em 1972.
 
E o novo disco dos Mutantes, esteve na crista da onda. Tocavam bastante no rádio, músicas como: "Balada do Louco", "Vida de Cachorro" e "Dune Buggy". Eu o vi a banda ao vivo também em vários programas de TV naquele ano e uma vez, soube que viria à Ribeirão Preto para tocar no Teatro de Arena, mas apesar de ouvir as minhas primas mais velhas, que já tinham 16 e 14 anos respectivamente, a afirmarem que tencionavam assistir, o meu pai nem cogitou me deixar embarcar nessa aventura, aos doze anos, e ainda mais com todas as opiniões contrárias da parte de adultos e seus preconceitos, ao citar que aquilo seria um perigo com aquele bando de Hippies doidões a oferecerem "bolinhas" a esmo para incautos infantojuvenis a fim de "viciar novos adeptos nessa perdição" etc. Quanto delírio conservador alimentado por mentiras, ora "bolas"...

Pois é, eu perdi a última oportunidade para ver os Mutantes na sua formação clássica como quinteto, com Rita Lee na banda ainda, e nessa altura, estava por um triz a saída dela da banda.

No meu aniversário de doze anos, eu ganhei um gravador portátil, mono, naturalmente. Empolgado, passei a gravar pequenas entrevistas com o meu avô, que tinha uma memória mastodôntica ali no alto de seus recém-completados, oitenta anos de vida. 

Arrependo-me amargamente de não ter guardado com o devido cuidado tal material, pois nessas fitas ele falou sobre as suas memórias dos acontecimentos gerais que presenciou desde a infância, a cobrir a política e cultura em geral. Tais depoimentos hoje em dia, teriam um valor inestimável. 

Meu avô dissertou sobre as suas lembranças da infância vivida ainda no século XIX, a passagem do Cometa de Halley em 1910, bastante sobre as duas guerras mundiais e com detalhes inclusive, do crash da Bolsa de Nova York em 1929, e o quanto isso impactou a economia e como ele era contabilista por profissão, detinha um bom conhecimento de economia. 

O meu pai abriu um restaurante na cidade, foi esse o negócio que ele arriscou montar. No começo, ele deu uma sorte incrível, pois teve sucesso imediato. Tratou-se de um restaurante focado no público jovem como alvo, a tentar atrair a grande carga de estudantes que a cidade possuía, e de fato, pelo jeito em que ele foi montado, isso ocorreu com uma resposta muito rápida.  

Participei com ele de seus esforços para divulgar o estabelecimento e posso afirmar, ele tinha uma experiência boa nisso, pelo fato de ter trabalhado várias vezes em comitês de candidatos a cargos políticos, cheguei a citar isso no capítulo sobre 1965, portanto, se o leitor quiser, basta consultar ali. E embora fosse um outro tipo de divulgação bem diferente a ser feita, ele sabia como proceder em termos de usar os recursos de divulgação.

E assim, ele encomendou "spots" nas emissoras de rádio, "tijolos" nos jornais locais e muitos cartazes e filipetas em gráficas, além das faixas de rua, uma típica mídia interiorana que sempre funcionou bem em cidades menores. Até chamada na TV local, que era uma afiliada da TV Tupi na época, ele bancou. 

Lembro-me bem, a filipeta que ele encomendou era toda estilizada com um mote dito "jovem", criada pelo arte-finalista da gráfica que ele contratou e que devia ser bem antenado na movimentação da época, pois foi óbvio que o meu pai não dominava nada sobre tal realidade contracultural. 

O recado foi dado por um personagem, desenhado ao estilo de um "cartoon", com um jovem estilizado como "Hippie", a falar através de gírias da época, e a recomendar o restaurante. Ao se parecer com o personagem do Chico Anysio: "Lingote", o Hippie que estava sempre doidão e que repetia o monossílabo, "Só", como a sua única forma de comunicação.

Mas no caso dessa filipeta, o personagem fazia um discurso maior, ao falar uma frase cheia de gírias. Não me lembro exatamente do teor, mas foi algo como: "E aí amizade, qual o grilo? Não está curtindo o rango que come por aí? Bicho, você vai achar o maior barato o Restaurante do Estudante"...

Infelizmente, não tenho uma única filipeta guardada e acredite, hoje me faz muita falta para ilustrar este capítulo, mas paciência...  

O poster do filme Sci-Fi/psicodélico, "Barbarella" embalou a imaginação de muito cliente do restaurante e a minha também, certamente

Nas paredes do restaurante, o meu pai colocou posters com motivação na cultura Pop, que ele comprou em São Paulo, mesmo sem entender nada do assunto e nem cogitou me perguntar o que eu achava, pois não percebia que eu estava me envolver com tudo isso. E certamente que ele me subestimava, ao me considerar apenas uma criança que não sabia de nada. 

Acredito que ele simplesmente entrou em uma loja de posters em São Paulo e perguntou para a balconista se ela poderia lhe separar cerca de trinta posters com ilustrações que os jovens gostavam e ali, a moça separou uma série de imagens a esmo. 

Bem, não posso reclamar e daria tudo para reaver aquele material se pudesse hoje em dia, pois em seu bojo, continha vários posters relacionados ao cinema e música sessentista, principalmente.  

Dois exemplos de posters que emolduraram as paredes do restaurante que o meu pai montou: Ursula Andrews em "still" do filme "Dr. No", de 1962 e a se tratar do primeiro na famosa saga de James Bond, o agente 007 e na segunda foto, uma cena do filme "The Planet of the Apes" ("O Planeta dos Macacos") de 1968. Ambos ícones sessentistas 

Entre tantos, havia a Jane Fonda caracterizada como "Barbarella" (que espetáculo!), Ursula Andress na sua cena clássica a usar bikini, extraída do James Bond, de 1962 ("Dr No" e convenhamos, outro espetáculo), Charlton Heston e o casal de macacos cientistas do "Planeta dos Macacos", de 1968, o casal de Romeu e Julieta do diretor Franco Zeffirelli de 1969, Beatles Rolling Stones & Elvis Presley, o astronauta americano a pisar na Lua em 1969 etc.

O meu pai mandou também colocar caixas de som espalhadas pelos diversos ambientes, visto que era uma residência adaptada para servir como restaurante e comprou uma pick-up e diversos discos, também na mesma prerrogativa dos posters, ao passar em uma loja e pedir para um balconista separar material alguma "música jovem", a esmo, sem critério algum. 

O que ele trouxe então, foram diversas coletâneas com sucessos radiofônicos do momento e se não fora uma escolha nada criteriosa e eu não tivera nenhuma interferência nesse processo, embora nessa altura já tivesse um pequeno conhecimento do assunto, até que não posso me queixar, pois embora houvessem algumas coisas não tão boas no meio do caminho, por se tratar do padrão de excelência artística observada no ano de 1972, até a música Pop enlatada deteve uma qualidade máxima, milhas longe do Pop da atualidade que é feito com plástico descartável.

"Rock and Roll Lullaby" com o cantor Pop, B.J. Thomas, tocou bastante no restaurante, ao ajudar a comida a descer, esôfago abaixo...
 
Ao ir além, misturados aos artistas insípidos do mainstream Pop internacional, havia coisa boa. Muito Soft-Rock de qualidade embalou o almoço daqueles estudantes que frequentaram o restaurante, e no embalo, eis que ouvi muito o som de James Taylor, Carly Simon, America, B.J. Thomas, Golden Earring etc.

Tudo ia bem, mas o meu pai cometeu um erro. Ao verificar que o restaurante estava a prosperar muito rapidamente, quando chegou ao ponto de motivar a formação de filas de clientes na rua, ao invés de esperar mais um pouco para ele se solidificar e ter uma reserva de capital maior para uma possível ampliação, não quis saber dos conselhos de seus sócios e de forma intempestiva, alugou a casa vizinha, chamou pedreiros, quebrou o muro e montou a ampliação, rapidamente ao ter que gastar mais uma nota violenta, aliás muito mais do que gastara antes na primeira investida no imóvel menor, pois a casa vizinha que pertencia à um imigrante chinês, continha um tamanho mais do que o dobro da primeira, onde o restaurante ocupava e assim, foi uma sangria desatada.

Foram cinco funcionários contratados inicialmente e com a demanda da ampliação, se chegou a ter trinta e cinco funcionários com carteira assinada. Os sócios pularam fora ao perceberem o colapso iminente, mesmo ainda a atrair bastante clientela, e assim, o fôlego inicial não foi compatível com as despesas adicionais e a situação se tornou insustentável.  

Tal derrocada foi triste para o meu pai, que enfrentou uma situação difícil mediante dívidas passou dias muito tensos, estremeceu a relação familiar com vários parentes da minha mãe, que haviam se envolvido no projeto inicial e diante desse quadro irreversível, foi decretado o fim da nossa aventura interiorana, no âmbito familiar.  

É horrível admitir isso, mas mesmo ao saber que o meu pai enfrentou essa situação horrível toda, fora a frustração de ver o seu negócio naufragar, tal viés foi uma virada de história importante para a família e para o desenrolar da minha vida, é claro. 

Talvez, se o negócio houvesse prosperado como ele projetara, eu estivesse feliz como um possível homem de negócios bem-sucedido a viver no interior, apenas a manter, quiçá ampliar o patrimônio que o meu pai criara, e jamais tivesse voltado para São Paulo. 

E assim jamais teria ocorrido de eu me envolver diretamente com a música, por ter herdado o restaurante e tudo o mais que ele planejava montar naquela cidade, se o empreendimento houvesse se consolidado.  

Todavia, tal fato desagradável para a nossa família e para ele em particular, determinou uma guinada forçada e assim, em 1973, eu estive de volta em São Paulo, para retomar o curso normal da minha vida e já adolescente, pronto para me envolver cada dia mais com a música, ao ponto de que em 1976, pudesse dar o primeiro passo concreto para tal. 

Então, em dezembro de 1972, deixamos a cidade de Ribeirão Preto-SP, definitivamente.

                         São Paulo no início dos anos setenta

Em 1973, eu partiria para a sexta série e de volta para São Paulo, apesar de chateado com a fase financeira ruim que adveio à nossa família, por conta do fechamento abrupto do restaurante, mas também por esfriar o contato com avós maternos, tios e primos que viviam naquela cidade, porém, apesar desses aspectos negativos, fiquei feliz, ainda assim, por voltar à minha cidade. 

E tal acontecimento selou, hoje eu sei, a minha oportunidade de abrir um caminho diferente, portanto, pois se nada disso houvesse ocorrido em 1972, muito provavelmente este relato, autobiografia na música e até este Blog não existiriam...

Em síntese, representou na prática, a oportunidade para que em 1973, eu entrasse nos anos setenta, com muito mais interatividade, definitivamente.

Let's Rock!

Continua...

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