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quarta-feira, 24 de março de 2021

A Chave do Sol - Capítulo 21 - A Mais Rara Joia do Tesouro Resgatado - Por Luiz Domingues

Eis que o quinto bootleg de 2020, ficou pronto e este eu enfatizo ser, com muito orgulho um dos mais preciosos desse projeto, por conta do material raro, nele contido. E neste caso, as atrações são múltiplas. Por exemplo, este álbum, denominado: "Teatro Lira Paulistana 1985", traz como matéria prima, o show completo que marcou a estreia do vocalista, Fran Alves, em nossa banda, no dia 31 de janeiro de 1985, portanto, que maravilha poder resgatar um material tão raro. 

Para quem leu a minha autobiografia desde o começo da minha história com A Chave do Sol, já sabe que quando eu abordei esse show, dentro da cronologia do texto, também lastimei que a fita K7 que serviu para gravá-lo, houvesse sido perdida, pois alguns anos depois do show ocorrido em 1985, por volta de 1989, eu a emprestara de boa fé para um rapaz que houvera trabalhado como roadie da nossa banda (em parcas ocasiões entre 1984 e 1985), e este sujeito simplesmente desapareceu e jamais devolveu-me tal artefato. 

Lastimei demais tal conduta do rapaz, mas sobretudo a perda de um registro tão raro. De fato, em minha percepção, fora o único registro ao vivo do Fran Alves em nossa formação e claro que essa frustração se tornou enorme para a nossa banda e minha em particular, como arquivista do material do nosso grupo, portanto, responsável pela sua integridade.

Por outro lado, eu guardava comigo uma fita de rolo, que eu sabia que continha a segunda demo-tape que graváramos em dezembro de 1984, e sempre quis digitalizar tal material, naturalmente e a alimentar a esperança de quem sabe um dia, pudesse lançar tal material em disco com esse registro. 

No entanto, com o passar dos anos, se tornou óbvio que a cada dia ficaria mais difícil achar um estúdio que ainda contivesse o maquinário analógico para que eu pudesse digitalizar tal fita. Consultei diversos amigos, tive indicações de alguns poucos estúdios que ainda mantinham tais máquinas em suas dependências em São Paulo e no Rio de Janeiro e até um dos Estados Unidos, que seria por intermédio do Beto Cruz, que lá morava desde 1991 e que todos sabem, foi um membro da nossa banda entre 1985 e 1987.

Mas foi apenas no decorrer do ano de 2018, que através dos meus amigos, Ricardo e Marcello Schevano, proprietários do estúdio "Orra Meu" de São Paulo, um contato foi feito com um técnico de áudio & gravação veterano no ramo e que mantinha uma máquina analógica em sua residência e melhor ainda, poderia digitalizar o meu material. 

Quem fez o contato e levou efetivamente a fita para esse profissional, foi o prestativo roadie, Diogo Barreto, que nessa época trabalhava como assistente no Estúdio Orra Meu. Mediante uma negociação rápida, fechamos por um preço que eu considerei muito abaixo da minha expectativa e isso já animou-me bastante. 

Demorou em demasia, é bem verdade, mas eis que um dia de 2019, o Diogo ligou-me e checou se eu poderia dirigir-me imediatamente ao Estúdio Orra Meu, pois o senhor em questão passaria por lá para entregar-me o CD-R com o resultado da minha fita digitalizada.

Ora, que notícia boa, após trinta e quatro anos, eu mal pude esperar para ouvir a demo-tape de 1984, e da qual eu mantinha a pálida lembrança de conter músicas como: "Crisis (Maya"), "Átila", "Intenções" e "Reflexões Desconexas", além de possivelmente, pois eu não me lembrava com propriedade, as canções inéditas: "Vestido Branco" e "Superstar". 

Cheguei ao Estúdio Orra Meu e o senhor em questão atrasou bastante para aparecer, embora houvesse avisado sobre estar com problemas com o seu automóvel. Isso só potencializou a minha ansiedade, certamente. Enquanto esperava pelo rapaz chegar, eu não parava de pensar nas boas surpresas que eu teria na audição que faríamos ali mesmo em uma sala em anexo do complexo.

Bem, o rapaz chegou, se tratou de um senhor já no avançar da terceira idade, certamente, mas completamente jovial, e a conversa foi agradabilíssima no sentido de que a sua bagagem como técnico de gravação e também de shows ao vivo, remontava aos anos sessenta e eu fiquei bastante impressionado com o seu currículo, quando ele enumerou-me os discos que havia gravado desde então, nos melhores estúdios de São Paulo e Rio de Janeiro e acredite, leitor, a contabilizar obras clássicas de grandes artistas. Um exemplo, a obra seminal de Tim Maia, o LP "Racional", em três volumes, muito cultuado entre os seus fãs, eu incluso. 

Esse senhor era conhecido por um apelido sui generis: "Pato" e a se mostrar muito simpático e bem comunicativo, ele contou-me mil histórias sobre a sua carreira, todas fascinantes, incluso a sua produção mais atual ao gravar orquestras sinfônicas de alto quilate no âmbito nacional e ele revelou-me boas histórias a envolver maestros famosos do mundo erudito brasileiro, algumas bem escabrosas por sinal.

Bem, a conversa foi agradabilíssima, mas eu estava completamente ansioso para ouvir o material e então, Ricardo Schevano nos conduziu a uma sala de audição e ali, enquanto o senhor "Pato" ainda falava de uma maneira empolgada das suas reminiscências, eu notei que o som parecia ser ao vivo e as canções, algumas bem conhecidas, ou seja, aonde estava a Demo-Tape de 1984? 

Foi aí que eu recordei-me enfim de um fato que ficara obscurecido em minha mente, por quase quarenta anos: de forma fortuita, nós usamos a mesma fita com a qual graváramos a Demo-Tape de 1984, para gravar um show por cima, pois na ocasião, nós julgáramos que a Demo-Tape defasara, visto que decidíramos mudar completamente a orientação do repertório assim que o vocalista, Fran Alves, anunciou que aceitara o nosso convite para ingressar em nossa banda. 

Na falta de recursos para comprar uma reles fita virgem, cometemos o sacrilégio de usarmos a fita usada anteriormente para registrar a Demo-Tape. Ora, nós jamais deveríamos termos feito isso, mesmo por que, nós também gravamos o show de estreia do Fran mediante uma fita K7.

O lado bom dessa sandice, foi que ao perder a fita K7 por um ato de imprudência de minha parte, ao emprestar este artefato para um rapaz irresponsável, a conter um material que era valioso ao extremo, eis que eu fui salvo por um ato improvável do destino, pois o show de 1985, se materializou ali na minha frente, ao fazer a audição, em pleno ano de 2019, ou seja, que surpresa redentora!

Com uma qualidade de áudio incrível, visto que foi gravado com uma máquina Ampex, espetada diretamente na mesa de PA pelo técnico do teatro Lira Paulistana, o ótimo, Canrobert Marques, eis que o show quase completo estava ali preservado e com duas surpresas a mais: duas músicas que sobraram da Demo-Tape de 1984, uma com um ligeiro corte no seu início e outra, na íntegra, ou seja, eu poderia incorporar tais faixas como bônus track no disco que pretendi produzir com a Demo-Tape anterior, de 1983.

Muito bem, esse é o preâmbulo da história desse achado arqueológico para a nossa banda. A seguir, eu falarei sobre a produção do disco bootleg, em si.

Sobre a concepção do álbum: "Teatro Lira Paulistana 1985", em si, a ordem das músicas seguiu praticamente o que apresentamos no show como set list, mas algumas pequenas adaptações tiveram que ser feitas. Por exemplo, por uma questão de falhas ocorridas na fita de rolo original, há cortes de trechos em algumas músicas, com o seu início ou final suprimidos, por uma questão de falta de traquejo de quem operou ao tentar estabelecer pausas para economizar tempo e assim gravar o máximo de canções, mas infelizmente com tal prática tão aleatória, quem operou os botões de "play e rec" da máquina, simplesmente cometeu os seus enganos e assim, a perder trechos. 

Não critico de forma alguma, e pelo contrário, louvo a boa intenção de quem se propôs a operar a máquina e assim dar o seu melhor. Tenho quase a certeza de que foi o Carlos Muniz Ventura, o popular, "Carlão", músico e fotógrafo, nosso grande amigo e que era o proprietário da máquina Ampex que captou o áudio desse espetáculo.

Sobre o repertório, esse se mostra com a banda em grande forma, muito bem ensaiada e a executar uma música cerebral sob forte influência do Jazz-Rock e do Rock Progressivo da década de setenta. O fato de ter sido a estreia do Fran, mas ele não ter cantado todas as músicas e por conta disso, ter havido uma forte incidência de longos temas instrumentais, deu-se pelo motivo de que estávamos a reformular o repertório da banda de uma forma radical e ainda compúnhamos músicas novas que não se mostraram em grande número para ele poder cantar em seu show de estreia. Revela-se como algo curioso, portanto, mas na realidade foi uma necessidade premente da ocasião.

Na prática, ele só cantou: "Intenções", "Luz" e Anjo Rebelde" do repertório vocalizado anterior e "Segredos e "Ufos" como canções novas que haviam sido compostas e arranjadas há bem pouco tempo na ocasião. Então, "Reflexões Desconexas" foi cantada pelo Rubens e as demais, foram as instrumentais: "A Dança das Sombras", "Crisys (Maya)", "No Reino do Absurdo" (com direito à balada "Dama da Noite" inserida no meio do solo do Rubens e esta, a se revelar uma música com letra e no caso, vocalizada por ele mesmo), "18 Horas" e "Átila".

Sobre as canções, eis uma análise faixa a faixa de minha parte:

1) "A Dança das Sombras" - Esta faixa veio cortada na fita, portanto, já se inicia na parte mais acelerada, com o seu início todo cheio de balanço a la Soul Music, suprimido, infelizmente. A despeito dessa falha técnica, a energia é enorme e o andamento está bem acima do normal, basta o leitor/ouvinte comparar com a versão contida no disco Bootleg "Demo-Tape" 1983, também disponível como "promo" no YouTube. 

Os timbres de baixo e guitarra estão bem encorpados e escutam-se todas as peças da bateria, inclusive as sutilezas, como as campanas dos pratos, aro e esteira da caixa. Nas partes mais empolgantes, nós desafiamos as leis da divisão rítmica algumas vezes, mas não foi algo aleatório, mas sim calculado, portanto, parece que vamos cruzar a qualquer instante, no entanto, foi uma intenção proposital do arranjo. O final dessa canção se emendava a um etéreo clima com acordes soltos, para se dar o início de "Anjo Rebelde" no decorrer do show, mas eu e Kim decidimos estabelecer um "fade out" e separar as faixas para se manter a prática discográfica da separação das faixas. 

2) "Anjo Rebelde" - Nós já tocávamos essa música desde junho de 1984, nos shows, mas essa primeira versão com a voz do Fran em seu comando, tornou-se a partir desse lançamento, doravante um marco, pois foi dessa forma que ela veio a ser gravada meses depois de forma oficial no EP que gravamos em 1985. A música soa com muita energia, já a demonstrar que mediante a presença do Fran Alves a comandar a vocalização, atingíramos um grau de dramaticidade bem grande, certamente.

3) "Intenções" - Essa música soa de uma forma excelente, com a banda bem afiada. A voz do Fran engrandeceu a música, embora a sua melodia, um tanto quanto monocórdica, não lhe tenha dado muita chance para explorar a sua potência vocal, que era enorme. 

Para lhe dar mais protagonismo, nós suprimos o contraponto no refrão, que fazíamos mediante o arranjo original e eu acho que foi um erro, pois em versões anteriores tal recurso melódico se mostrara bem interessante (ouça as versões dessa canção nos bootlegs: "Teatro Piratininga/SP 1983" e "Ao Vivo em Limeira/SP 1983"). 

Na parte final, como se não bastassem as inúmeras convenções que a música possui, nós criamos mais duas para incrementar o final da canção e ficaram muito boas. E para dar um efeito especial, o Kim Kehl imprimiu um delay com efeito inverso e eu acho que ofertou um acabamento inusitado para a versão do disco. 

Essa canção soa como um Hard-Rock que se mistura ao Prog-Rock, mais ou menos na linha de bandas como o "Armaggedon", "Captain Beyond" e talvez até o "Flash", mas a tendência natural para as pessoas mais novas, será atribuir à influência do "Rush", que nós nunca tivemos, mas eu entendo a percepção de quem enxerga dessa forma. 

4) "Reflexões Desconexas" - Essa peça complexa é outra que nunca gravamos (infelizmente), mas que soa muito bem, com um grau de complexidade bem na linha do Jazz-Rock setentista. 

No arranjo original, havia um vocalise onomatopaico no refrão, com sentido de contraponto, mas nós o retiramos, pois consideramos que apesar de ser interessante, melodicamente, atrapalhava a inteligibilidade das palavras cantadas pela voz principal feita pelo Rubens.

Nesta específica versão, há um solo de baixo, a estabelecer a atmosfera daqueles momentos ultra setentistas que propúnhamos, ao deixar cada um de nós sozinho no palco em um momento diferente do show para dar esse recado individual e mediante deixas estratégicas, voltarmos ao cerne do tema com a banda novamente reunida para encerrar em grande estilo ao provocar a comoção no público e conforme tal dispositivo, neste caso soou muito bem para esta versão apresentada no disco. 

Apesar de nessa época eu usar o estilo "pizzicato", mesmo assim o som do meu Fender Jazz Bass soa bonito, com um grave encorpado, mediante o uso de um bom e velho amplificador "Duovox 150" que mesmo acoplado a uma caixa "handmade", soa muito bem. 

5) "Crisis" ("Maya") - Esta versão é muito boa dessa peça que sempre foi um número muito requisitado em nossos shows desde 1983. Empolgante também, é a reação da plateia ao urrar de euforia quando da queda brusca de dinâmica ao final da canção, ao fazermos os acordes finais.

6) "No Reino do Absurdo" - Que surpresa maravilhosa ao termos obtido essa versão ao vivo de uma música que tocamos bastante em 1984, e que só executamos neste show por conta do Fran ainda não contar com muitas músicas para cantar. 

Peça complexa, mais uma vez influenciada pelo Jazz-Rock e Prog-Rock setentistas, tem um sem número de convenções, partes com mudanças bruscas de andamento e dinâmica. Soa bastante progressiva ao lembrar-me o som do "Wishbone Ash", principalmente em certos trechos mais amenos. E em outros mais nervosos, lembra-me o trabalho de "Frank Zappa and The Mothers of Invention" e "Captain Beefheart" pelo inusitado das suas formulações mais complexas e próximas do Jazz ou mais especificamente do Free-Jazz, mais experimental.

Mais ou menos na minutagem 4:30, o Rubens teve o seu momento solo, ao ficar isolado no palco, e poder evocar Jimi Hendrix, ou seja, a usar e abusar de efeitos (muito bem, por sinal), e inserir uma balada de sua autoria que nunca gravamos, chamada: "Dama da Noite", na mesma performance. Ele encerra esse momento ameno da sua interpretação da balada, volta para a carga mais virulenta do solo e reintroduz o tema original da canção em grande estilo.  

7) "18 Horas" - Versão muito boa, com muita energia. O primeiro solo da música é meu, porém, pelo fato de eu ter feito um longo solo anteriormente (em "Reflexões Desconexas"), eu fiz uma versão reduzida desta vez. O solo do Zé Luiz, sim, foi feito dentro do espírito de sua participação sozinho no palco, portanto com um solo mais alongado. Os urros da plateia ao final, demonstram bem a energia que emanamos.

8) "Atila" - Infelizmente essa versão veio mutilada na fita e a solução foi efetuar um "fade out" para encerrar assim que a música é cortada bruscamente. Portanto, é só uma amostra com 1.53' de duração, e mal chega aos acordes iniciais do riff principal.

9) "Luz" - Essa música também entra cortada, já da metade para o seu final, mas é interessante ouvir a voz do Fran Alves a interpretá-la, algo certamente raro nos registros de áudio da nossa banda. Nota-se um improviso criado pelo Fran Alves ao final, ao emitir um vocalise inusitado.

10) "Segredos" - Como já trabalhávamos com essa canção um pouco antes do Fran Alves ingressar na banda, ela soa nesta versão ao vivo praticamente como seria gravada oficialmente alguns meses depois e com o Fran a interpretá-la com muito vigor.

11) "Ufos" - Essa música ainda estava em fase de construção de sua melodia na ocasião. A parte instrumental soa bem, pois o arranjo já estava bem definido, mas o Fran ainda estava a burilar a sua melodia. Portanto, nesta versão, nota-se um pouco de insegurança de sua parte para interpretar e algumas frases que não soam melodicamente tão bem, pois ele ainda experimentava alguns desenhos rítmicos na elaboração da sua linha vocal. Ela na verdade foi tocada como "bis", portanto, foi uma opção usada por conta do clamor do público.

12) "Anjo Rebelde" - Outra versão que fizemos como "bis", pois o público queria mais e nós não tínhamos mais músicas para apresentar, daí a repetição. Nesta versão, no entanto, demos margem a um improviso bem setentista, não previsto no arranjo original da música e que eu reputo ter ficado muito bom.

Sobre a capa, contracapa e label, o Kim Kehl usou o mesmo critério para a elaboração dos álbuns anteriores, ou seja, a recortar algumas fotos que lhe enviei, exatamente desse mesmo show e ainda bem que eu as possuía em meu arquivo. Portanto, ambas as fotos, da capa e contracapa, foram montagens, visto que nenhuma original nos enquadra por completo, mediante a presença dos quatro componentes em visão panorâmica. Na capa, predomina o tom preto com detalhes em marrom e roxo e na contracapa, o marrom predomina, com a foto da banda a mostrar detalhes de tons diferentes, provenientes da iluminação do teatro.

Na operação do áudio original de 1985, a boa equalização ouvida por quem nos assistiu nas arquibancadas do Teatro Lira Paulistana veio da parte do ótimo, Canrobert Marques. A operação do gravador Ampex ficou a cargo de Carlos Muniz Ventura (provavelmente, pois não tenho essa lembrança confirmada). Fotos de Rodolpho Tedeschi ("Barba"). A digitação de 2018/2019, ficou por conta do técnico: "Pato". Apoio de Diogo Barreto e Ricardo Schevano, pelo estúdio Orra Meu. Apoio para a prensagem: Crossover Records. Na produção de áudio e Lay-out de capa em 2020: Kim Kehl. Supervisão geral: Luiz Domingues.

Bem, ainda tivemos mais um lançamento para animar os fãs d'A Chave do Sol em 2020, e eu falo a respeito dessa novidade a mais, no próximo capítulo. 

Eis que ao final de dezembro de 2020, eu fui avisado que o último lançamento do projeto dos Bootlegs d'A Chave do Sol, estava finalmente pronto, a se constituir do CD "Dose Dupla/1986". Que bom, o sexteto de bootlegs anunciados estava disponível e pronto para chegar às mãos dos fãs do nosso trabalho.

Neste caso, esse disco trouxe a junção pura e simples das duas demo-tapes que nós gravamos no decorrer de 1986. Uma em abril e a outra, em outubro. No bojo do repertório, há a presença de quatro canções que foram gravadas para as duas versões e claro que observam-se sutis diferenças na concepção dos arranjos e interpretação entre as duas versões. Em alguns casos, inclusive, as diferenças vão além das sutilezas, visto que ao analisarmos a demo produzida em abril, nós promovemos mudanças significativas para as respectivas versões gravadas para a demo de outubro, no sentido de apararmos arestas na ocasião.

E sim, há também a diferença de padrão de áudio entre uma demo e outra, e por incrível que pareça, a segunda, que foi feita em um estúdio muito superior, com um técnico solícito e com tempo a vontade para trabalharmos, ficou aquém da primeira, concebida em um estúdio bem mais simples e com a extrema parcimônia financeira a se refletir em pouquíssimas horas para se trabalhar.

Como eu já concebi uma detalhada análise técnica e estética sobre as canções contidas nas duas demo-tapes ao longo do texto autobiográfico, a ser lido ou relido pelo leitor em capítulos anteriores sobre a minha história com A Chave do Sol, eu não repetirei aqui tais considerações. Vou acrescentar apenas alguns comentários pontuais, e claro, com o viés deste disco bootleg, sob os parâmetros de seu lançamento em 2020.  

Bem, cabe antes disso, comentar sobre a capa. Tal trabalho, seguiu o padrão criado pelo meu amigo, Kim Kehl, que foi o responsável pela concepção artística e lay-out da arte de capa, contracapa e label do disco. 

A foto usada para ilustrar a capa, foi fruto da primeira sessão de fotos que realizamos, assim que o vocalista, Beto Cruz, ingressou em nossa banda, em outubro de 1985. O padrão de título e logotipos, seguiu o dos álbuns bootlegs anteriormente lançados em 2020, incluso com a chamativa tarja a deixar claro se tratar de um "bootleg", substituída pela palavra: "pirata" como é mais popularmente conhecido um disco dessas características no imaginário do colecionador brasileiro.

Já na contracapa, há uma outra foto da mesma sessão que foi utilizada, para seguir o mesmo conceito. O título do álbum faz referência ao fato dele conter duas demo-tapes, no caso, as de 1986, que gravamos.

Como variante em relação aos discos anteriores, o Kim utilizou como cores básicas de fundo, matizes de verde e cinza escuro (grafite) e no texto, apresenta uma ficha técnica super sucinta, dada a falta de espaço mais significativo para se contar com um texto mais robusto, como eu gostaria, mas claro que eu aceitei o fato da limitação com resignação.

Sobre o label, trata-se do mesmo padrão, com a cor verde predominante, logotipos da banda, título e o logotipo da Crossover Records que deu o apoio artesanal à produção.

Sobre as canções, eis os meus comentários pontuais, a seguir.

1) Saudade - Versão Demo-Tape de abril de 1986

Esta versão não contém o rico desenho construído através de um duo de guitarras, arranjo criado para segunda versão, mas em compensação, tem muito mais ganho de áudio e brilho. O som do baixo impressiona pelo timbre.

2) Sun City - Versão Demo-Tape de abril de 1986

Nesta versão há um excesso de repetições do refrão, fator contraproducente que corrigimos para a versão da segunda demo e que prevaleceu para a gravação do disco oficial, "The Key", a posteriori, em 1987.

3) O Cometa

Gosto muito dessa canção e lastimo que não a tenhamos gravado oficialmente no álbum, "The Key". Há uma sutil diferenciação de andamento entre as partes, o que prejudicou um pouco o balanço do refrão. Do jeito que ficou, mais rápido, indevidamente, deixou o refrão duro, sem atrativo.

4) Solange - Versão Demo-Tape de abril de 1986

Muito boa versão, inclusive a se ressaltar o solo bem melódico feito pelo Beto Cruz, bem desenhado e obviamente todo planejado, previamente.

5) O Que Será de Todas as Crianças? - Versão Demo-Tape de abril de 1986

Versão boa, embora o andamento acelerado em demasia tenha sido uma má escolha de nossa parte, sem dúvida.

6) Forças do Bem

Bem, essa música não deveria ter sido gravada, já falei sobre isso anteriormente, pela obviedade de ser uma peça anti-comercial ao extremo. Mas ela tem alguns atrativos, principalmente em algumas resoluções do seu riff secundário e na concepção do arranjo do solo e a sua inerente base.

7) Saudade - Versão Demo-Tape de outubro de 1986

Aqui, o brilhantismo do arranjo em torno do duo de guitarras logo na introdução da canção (e que se repete ao seu término), foi um nítido sinal de enriquecimento que acrescentamos. Lastimo, no entanto, que o áudio-master dessa gravação esteja inferior ao da demo-tape anterior e mesmo que curiosamente tenha sido gravado em um estúdio melhor e com tempo a vontade para tal efetuarmos produção.

8) Sun City - Versão da Demo-Tape de outubro de 1986

Bem, esta versão eliminou o excesso de repetições do refrão, observado na versão anterior e demarcou como a gravaríamos oficialmente no LP The Key, em 1987.

9) Trago Você em Meu Coração

Boa canção Hard-Rock, com alto teor Pop. Talvez a sua melodia pudesse ter sido melhor burilada para se evitar certos excessos e dessa forma ficasse mais coadunada com a sua intenção radiofônica.

10) O Que Será de Todas as Crianças? - Versão da Demo-Tape de outubro de 1986

Esta versão é praticamente igual à da demo-tape anterior. Por que não gravamos essa canção que causava tanta comoção em nossos shows, no período, 1986/1987? Boa pergunta que eu não sei mesmo justificar à luz do tempo passado.  

11) Desilusões

Trata-se de uma balada Hard-Rock, com ótimo potencial Pop. Ficou fora do disco The Key, mas esta versão da demo-tape chegou a tocar em emissoras de rádio em 1987.

12) Solange - Versão da Demo-Tape de outubro de 1986

Praticamente igual à versão ouvida na demo-tape anterior, de abril.

CD Bootleg Dose Dupla/1986 d'A Chave do Sol. Faixas 1 a 6 gravadas no Nosso Estúdio em abril de 1986. Faixas 7 a 12 gravadas no Estúdio V em outubro de 1986 com operação de áudio de Clóvis Roberto da Silva. Preparação de áudio, mixagem, capa e lay-out em 2020: Kim Kehl. Apoio fonográfico: Crossover Records. Supervisão geral: Luiz Domingues.

Muito bem, ao final de 2020, a pandemia mundial intensificou-se com a crueldade de uma dita "segunda onda" em muitos países e no Brasil, creio que a primeira jamais foi controlada, portanto, a perspectiva para a concretização daquele show-reunião poder ocorrer logo no início de 2021, para compensar a postergação do que deveria ter ocorrido em julho de 2020, tornou-se bastante improvável.

No entanto, o gradual lançamento dos bootlegs, já a partir de outubro de 2020, suscitou uma série de manifestações da parte de antigos fãs da nossa banda, além de jornalistas e dessa forma, independente desse show realmente se concretizar, abriu caminho para a construção de mais acontecimentos e assim, eu já tenho mais histórias para narrar, certamente.

Continua...

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