Aconteceu entre o tempo final do Boca do Céu e início do Língua de Trapo, em algum momento de 1979
Foi
através do meu amigo, Laert Sarrumor, que eu tomei conhecimento que ele
estava a interagir com um grupo de poetas jovens e muitos deles a
despontar em uma cena artística que se pronunciava, aparentemente, ao
menos através da nossa visão da movimentação cultural naquele instante,
como relevante, mesmo que alojada no patamar underground.
Alguns desses poetas, inclusive, se colocavam a apresentar fama crescente dentro desse meio e assim a despertar a atenção de certos críticos que os consideravam (a falar da turma toda), como avant-garde pela sua arte considerada revolucionária para o espectro da época, final dos anos setenta.
Entretanto, apesar dessa aura positiva construída em torno desses rapazes e moças, com quase todos a gravitar na cidade de Brasília e arredores, eu li alguns trabalhos feitos por tais emergentes criadores e não me impressionei, embora não pudesse afirmar que fosse ruim tal produção, porém, certamente ficara claro na minha percepção que eles eram superestimados e com a devida ressalva de que eu era muito jovem na ocasião e sem uma grande substância intelectual para tecer tal juízo estético com absoluta precisão.
Eis que o Laert se aproximou de um deles com maior regularidade, este por sinal que era o mais incensado dessa turminha e estabeleceu correspondência com tal poeta, no padrão literal da época, ou seja, a trocar missivas com ele e a seguir, sugeriu que eu também me aproximasse desse poeta para que se criasse assim um elo mais firme entre nós que éramos músicos e companheiros de banda, com um núcleo de poetas emergentes, e daí, a se precipitar em tese uma série de ações em conjunto que poderiam ser benéficas para todos.
Bem, o rapaz me respondeu com atenção e respeito e logo passou a me mandar seus poemas mimeografados para a minha apreciação. É claro que eu nunca fui um especialista nesse quesito e naquela época, mal a sair da adolescência, muito menos.
Todavia, eu lia os poemas desse rapaz e identificava uma espécie de inconformismo destrutivo, pessimista e deveras depressivo na sua obra, a denotar que a sua influência primordial devia ser o existencialismo de Jean Paul Sartre, ou pensamento de Friedrich Nietzsche e talvez a visão de Thomas Hobbes como base de pensamento filosófico, e além disso, a escatologia da qual fazia uso para construir seus versos, devia ter vindo de Augusto dos Anjos que o impressionara nos bancos escolares, com ecos dos poetas franceses ditos "malditos" do século dezenove e muito possivelmente descobertos depois dele ter ouvido os discos do grupo de Rock sessentista, "The Doors", ou dos emergentes artistas que se alavancavam pela via do Pós-Punk, então em altíssima voga nessa específica ocasião.
Bem,
fica a ressalva que foram meras conjecturas livres, sem base alguma de
minha parte, mas para sintetizar, aqueles poemas carregados de uma visão
desalentadora da existência humana, não me agradavam e sobretudo, eu
não me conformava com o fato de que ele (e seus pares, também), eram
superestimados por muitos.
Foi então que esse rapaz me perguntou se eu escrevia igualmente e em caso afirmativo, se poderia lhe enviar algum trabalho de minha criação para ele tomar conhecimento. Eu de pronto lhe expliquei que sim, gostava de escrever, mas não gostava de escrever poesias, a preferir outras modalidades de literatura. No entanto, ele insistiu e sim, eu tinha alguns poemas escritos em folhas de caderno e que considerava bem fracos, portanto jamais tencionei exibi-los de forma pública.
Ele insistiu e eu nunca entendi a sua real intenção com tal pedido, haja vista que eu lhe afirmei categoricamente não ser poeta e ele sabia muito bem que eu era apenas um recém ingresso na vida adulta, mas adolescente ainda em vários aspectos e reles aspirante a músico nessa ocasião.
Então,
desconfiado de sua real intenção e ao mesmo tempo incomodado com a fama
que ele tinha e que na minha ótica era indevida pela superestimação da
sua arte que não continha nada de "revolucionária" na minha opinião, eu
criei alguns poemas com teor absurdo na escolha de metáforas e
alegorias, e acintosamente a lhe imitar, como uma forma velada de
escárnio implícito de minha parte, exatamente para confrontar a sua fama
que eu achava indevida.
Muitos deles foram formados por frases mais
apropriadas como aforismos, mas usados em forma de versos, com a
deliberada intenção de contestar o próprio estilo do decantado poeta.
Lembro-me de um em específico, que talvez tenha sido a gota d'água para desmascará-lo, pois ele adorava usar imagens fortes com teor deveras desagradável para se expressar e neste caso, eu fiz o mesmo, mas acredito que ele não tenha gostado de se ver refletido no espelho quando leu o meu "poema":
"Não uso analgésico. Curo a minha dor de cabeça com uma boa martelada certeira, mesmo que seja, talvez, definitiva"...
Enfim, o poeta celebrado pela "intelligentsia" não me respondeu mais. Acho que deve ter me julgado um perfeito idiota por ter escrito tal bobagem. De fato, isso que eu lhe enviei era (é) um lixo como poesia e a ideia propalada, abominável e desprezível até ao se considerar que se trata de uma metáfora, contudo, não era nada diferente como ideia, em comparação ao que o rapaz costumava escrever e encantar os seus admiradores, principalmente certos jornalistas culturais da época e assim, na prática, ele provavelmente se irritou mesmo foi com a constatação de que ele impressionava muita gente, mas definitivamente eu não me incluía nesse mesmo rol.
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