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domingo, 24 de novembro de 2024

Crônicas da autobiografia - Resquícios oitentistas - Por Luiz Domingues

               Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack em 1993

A nossa banda havia se apresentado em uma casa noturna localizada na cidade de Santo André-SP em maio de 1992, e conforme eu narrei no decorrer do texto autobiográfico contido no volume VIII da minha autobiografia, a descrever a minha história com esse grupo (também presente nos meus blogs 2 e 3), ali tivemos uma experiência de apreensão com um desfecho surpreendente.

Ocorre que uma região pertencente à área metropolitana de São Paulo, conhecida como "ABC", formada por sete cidades coladas umas nas outras e todas em São Paulo, teve um histórico forte de cumplicidade com o movimento Punk e com uma tribo rival, como os Skinheads e ambas, hostis a uma infinidade de outras tribos, entre elas aos ditos "headbangers", estes seguidores das estéticas do Heavy-Metal e nesse caso, eu não fazia parte de nenhuma delas e pelo contrário, era hostilizado por ser um 'hippie" anacrônico nos anos oitenta e sob perigo constante, pois os punks e skinheads odiavam velhos hippies dos anos sessenta ali perdidos no tempo e no espaço, cabeludos pacifistas como eu. 

Bem, nos anos oitenta, foram muitas as ocorrências desagradáveis vividas em meio às emboscadas que tais grupos promoviam pelas ruas de São Paulo, também pelas cidades do ABC e todos sabiam que as "gangs" mais violentas vinham do ABC, principalmente da cidade de Santo André.

Eis que em um dia de março de 1993, uma reunião foi marcada com um dirigente de uma pequena gravadora que havia se interessado em contratar a nossa banda para lançar um disco. O seu escritório ficava localizado em uma movimentada rua do centro de Santo André e curiosamente bem perto da casa noturna na qual havíamos passado por uma situação temerosa no ano anterior. 

Inocentemente, a julgar que o pior já havia passado com o avançar dos tempos, fui tranquilo ao local para representar a nossa banda, sem imaginar que nessa cidade ainda houvesse esse clima de animosidade, com "gangs" a estabelecer rondas veladas pelas ruas a fim de hostilizar grupos rivais.

Assim que estacionei o carro perto do local que procurava, vi que um grupo passava pela calçada, e fiquei preocupado, porque notei que esses sujeitos detinham correntes de ferro e bastões de beisebol em mãos. Pois é, eu estava errado, o fato da década de oitenta ter acabado não significou exatamente que essa mentalidade belicosa também estivesse extinta e assim, percebi que precisava tomar cuidado com o meu deslocamento dali ao escritório e de volta ao carro, quando do término da reunião.

Quando passaram pela calçada, os sujeitos não perceberam a minha presença dentro do carro e minha longa cabeleira hippie teria sido um alvo fácil para despertar o seu ódio irracional inerente ao lhes impelir a me hostilizar, e eu eu sabia como agiam esses sujeitos nos anos oitenta.

Esperei que se afastassem e quando desci do carro, verifiquei que havia estacionado pelo menos um metro dentro de um local proibido e isso geraria uma multa. Voltei ao carro para corrigir a posição do automóvel e ele simplesmente não deu sinal de ignição. Após algumas tentativas, desisti pois esgotaria a carga da bateria e talvez não fosse esse o problema, sendo que provavelmente poderia ter sido uma falha do motor de arranque (isso se confirmou horas depois).

Desci do carro e a empurrá-lo com as próprias mãos, coloquei o veículo em um local seguro e permitido, todavia me preocupei, pois a despeito do aborrecimento de ter que pedir socorro mecânico, havia o risco da hostilidade a me rondar. Dito e feito, eu pensava justamente nisso quando o grupo de pessoas hostis apontou na esquina, a voltar pela mesma calçada. Fui rápido, voltei para o carro para esperar que eles passassem de novo e ainda bem, novamente não notaram a minha presença ali dentro. 

Esperei que passassem de novo para poder sair com segurança com a intenção de ir ao escritório onde ocorreria a minha reunião, mas quando olhei para trás, vi que dois deles esboçaram se virar para trás para olhar e isso me deu a certeza que realmente estavam a fazer rondas, a caçar opositores de sua ideologia para arrumar confusão. Não dava para voltar ao carro sem ser notado e assim, refugiei-me em uma galeria que havia exatamente naquele ponto, cheia de lojas e ali aguardei por alguns minutos. De fato, dois desses mal-intencionados passaram, mas felizmente eles não tiveram a ideia de entrar na galeria e logo passaram de volta na direção oposta. Saí dali com cuidado, e ambos haviam sumido.

Fui à reunião, a proposta da pequena gravadora não era ruim, mas não fechamos negócio, pois o boato que ouvimos sobre uma proposta melhor logo se concretizou em termos de um contrato de gravação. 

E ali na rua, quando cheguei ao carro, a noite já se pronunciara e o comércio estava a fechar as portas com o movimento da rua a diminuir bastante e assim, não havia mais vestígio dos gangsters briguentos.

Sofri um pouco para consertar o carro, pois o socorro mecânico demorou para aparecer, mas no final das contas, com um motor de arranque novo em folha, a ignição funcionou de imediato e eu parti, enfim, de volta a São Paulo. E uma certeza ficou: mesmo bem arrefecido, esse clima de hostilidade da parte de pessoas impregnadas desse tipo de baixo astral ainda existia e não era a hora para deixar de ser cauteloso.

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