Enquanto não entramos de vez para gravarmos o novo CD, no novo estúdio que estávamos a buscar, houve uma nova oportunidade para realizarmos um show, nesse ínterim. E foi de uma forma quase fortuita que surgiu tal oportunidade.
Tratou-se de um show com cachê fixo, mas em caráter gratuito para o público que obteria ingressos mediante a doação de alimentos para entidades filantrópicas. Realizou-se na Casa de Cultura do Ipiranga, um equipamento da Prefeitura de São Paulo, localizado no simpático e tradicional bairro paulistano, homônimo. Ocorreu no dia 11 de fevereiro de 1996 e infelizmente, por ter sido mal divulgado, não atraiu muita gente, ao fechar o número final do borderô, em sessenta pessoas.
A Casa de Cultura do Ipiranga era (é), um espaço grande e certamente aquelas sessenta pessoas ficaram dispersas no ambiente, ao dar-nos a impressão de um evento morno.
Um fato interessante deu-se com a abertura de uma banda chamada: "Green Stuff" (outra banda que participou, também, chamava-se: "Raven's Sake"), que tocou uma ou duas músicas próprias, apenas, em meio a diversos covers internacionais. O que despertou a minha atenção, todavia, foi o teor dos tais covers que executaram, pois essa banda somente lidou com o Rock setentista de qualidade, incluso uma canção do "Humble Pie" ("Thirty Days in a Hole"), com direito a uma intervenção vocal "a capella", igual à que a espetacular tropa de Steve Marriott e Cia, costumava fazer. Sinais positivos assim, preenchiam-nos com esperança por dias melhores.
No início de 1996, nós oscilamos nessa busca por um estúdio e conforme eu esclareci
no último capítulo, chegamos à conclusão de que a solução do impasse
seria mesmo tentar um acordo com o estúdio "Spectrum", onde
ensaiávamos costumeiramente.
Um dos donos (um rapaz chamado Ítalo), era extremamente
gentil e aceitou de pronto a parceria, o outro (chamado, Alcir), era mais difícil para se lidar,
e demorou um pouco para ceder, mas culminou em dar tudo certo no final,
apesar da demora pelo acerto.
Na sala da técnica, eis a persona do Ítalo, um dos proprietários do Estúdio "Spectrum"
A gravadora fez contato com esse pessoal e uma aliança tripla foi
selada, com o Estúdio Spectrum a estender o seu patrocínio de ensaios à
metade dos custos da produção e a outra metade a ser paga em dinheiro
pela gravadora, após o lançamento do disco.
Foi um bom acordo, sem
dúvida alguma e se o estúdio era simples e mais preparado para a
gravação de demo-tapes, houve a boa vontade para nos fornecer tempo de sobra
para gravar com calma, sem atropelos.
Contudo, houveram alguns maneirismos bem peculiares no âmago desse estabelecimento.
Ao fugir do padrão normal dos estúdios, o Spectrum realizava sessões com apenas
quatro horas de duração. Quem está acostumado a gravar em estúdio, sabe que é um
padrão de tempo contraproducente, pois quando a sessão começa a deslanchar, o
período finda-se, a gerar uma espécie de anticlímax para os músicos.
Pelo monitor, víamos o nosso baterista, Juan Pastor, a gravar...
Outro ponto negativo deu-se que por ter sido
adaptado de uma antiga residência, o estúdio mantinha a "casinha" da bateria,
em um quarto fechado e a comunicação visual com o baterista, só era
possível mediante câmera e monitor de TV.
É evidente que isso gerava
transtornos.
E o pior de tudo, o técnico que operou e mixou (Luiz de Caro), era gentil e competente, mas detinha as suas idiossincrasias e concepções musicais que tentava impingir-nos goela abaixo. Não fazia por mal, eu sei e pelo contrário, ele queria colaborar ao máximo, ao trazer as suas referências prediletas para somar ao processo, mas esse choque estético entediava-nos, pois o Pitbulls on Crack não poderia soar como o "Toto", "Journey", "Joe Satriani" e outros artistas similares que ele admirava.
O mesmo fenômeno ocorreu na hora da mixagem, quando o outro dono, que era mais incisivo, Alcir, quis participar a comandar as sessões de mixagem e as suas referências eram ainda piores, ao citar o Pop insosso dos anos 1980, com nomes como: "A-Ha", "Frankie Goes to Hollywood" e "Culture Club", entre outros, e dessa forma, ao serem sugeridos como referências de padrão de áudio para nós.
Contudo, diante do que passamos em relação ao estúdio anterior, aonde nenhuma nota sequer fora gravada, todos esses incômodos mostravam-se sob pequena monta e assim ficamos alegres quando fechamos a gravação ali.
Atropelei
a narrativa um pouco, mas retomo daqui.
Contudo, nós não o consultamos previamente sobre isso e esse foi o nosso erro, pois pelo fato de que a cítara obedeça a afinação oriental com microtons, não seria em qualquer parte do campo harmônico ocidental que ela encaixar-se-ia, sem parecer desafinada, aos nossos padrões normais, organizado por sete tons e cinco semitons.
Como a música estava posicionada harmonicamente em Sol Maior, essa tonalidade mostrava-se imprópria (encaixar-se-ia se fosse nos tons de Si Menor ou Ré Maior) e nesse caso, só restou ao Marcus Rampazzo, gravar um Tamboura, que adaptar-se-ia normalmente melhor, por mais ser um instrumento de apoio a demarcar um efeito sonoro onomatopaico e não sujeito às regras da harmonia, propriamente dita.
Então, o ouvinte pode perceber claramente esse instrumento exótico, que lembra uma harpa, mas com o seu som indefinido, quase cacofônico, similar ao ruído de uma serra elétrica.
Terminada essa fase, a mobilização centrou-se no esforço para gravar-se o "Buzuki", um exótico instrumento de origem grega, que o Chris possuía e queria acrescentar como sonoridade diferenciada na faixa: "Candle Light".
Ele não era nenhum "especialista" no uso desse instrumento, mas eis que conseguiu obter uma sonoridade bastante interessante e ainda que na mixagem final, ele tenha sido sobrepujado na massa sonora geral, dá para ouvi-lo com razoável nitidez, até por parte de ouvidos leigos, pouco acostumados a detectar sutilezas em gravações de áudio profissional.
Antes de iniciarmos com as sessões de vocais, finalizamos os trabalhos com a presença de outros convidados que teríamos. Nessa segunda etapa, o outro convidado foi o músico, Will Carrara, percussionista de uma banda Pop-Rock, cujo nome soava curioso: "Homens do Brasil".
Nós não o conhecíamos anteriormente, mas quando mencionamos aos técnicos do estúdio que tencionávamos convidar um percussionista para alguns arranjos em certas músicas, o pessoal do estúdio Spectrum o indicou de pronto, pois ele era primo de um dos donos do estabelecimento e desde muito tempo, a sua banda, "Homens do Brasil" estava a gravar um segundo álbum de sua carreira, ali mesmo no Spectrum.
De fato, Will Carrara tocava bem, foi extremamente simpático nas gravações e competente em suas intervenções. Foram arranjos simples e não marcaram decisivamente, contudo, ornaram bem.
Encerrada essa fase com convidados, iniciamos a parte dos vocais com o Chris.
No Pitbulls on Crack, não havia a inserção de Backing Vocals, portanto, todas as vocalizações eram do Chris, ainda que na gravação ele tivesse usado algumas sobreposições, previamente. O primeiro empecilho criado foi quando ele insistiu em trazer um processador que usava em seu estúdio caseiro.
Nele, já possuía um "preset" (para quem não entende esses termos usados em
linguagem de áudio profissional, entenda como "um programa de efeitos
pré-estabelecido em sua configuração opcional, pelo usuário"), pronto e acrescido com com reverber e delay (eco), e por sinal, bem
exagerado, que ele adorava usar na voz a imprimir ares fantasmagóricos ao seu
vocal.
É claro que o técnico, conservador como ele costumava ser, queria gravar sob o modo "flat" (sem efeito algum e com equalização "achatada", sem nada para interferir), para depois mexer nos paramétricos na hora da mixagem, mas o Chris insistiu em usá-lo já na etapa da captura.
Isso gerou uma discussão acirrada e o dono do estúdio foi chamado para intervir, com a conversa a girar em torno de tal impasse, sem, no entanto, enveredar para uma discussão tensa, pois o Chris sempre levava tudo na base da brincadeira.
A começar pelos apelidos que havia dados
aos dois (o técnico e um dos proprietários, o Alcir) e mesmo quando eles esboçavam alterar-se, todos em volta riam
com a insistência do Chris em chamá-los pelos apelidos que inventara.
O dono do estúdio, foi apelidado como "goiabão" e o técnico, ele chamava como: "Wagner", a irritá-lo o tempo todo, pois ele chamava-se, Luiz, na verdade...
Em retribuição, o dono do estúdio chamava o Chris como: "marmota", mas sem o talento e carisma humorístico do Chris, o "marmota" não pegou, simplesmente, para o desespero do rapaz.
Por fim, aceitaram que ele usasse o processador de voz com aquela pasmaceira toda. E apesar desse imbróglio inicial, não
houve, posteriormente, nenhum percalço nas gravações dos vocais e como de costume, foram sessões
recheadas pelas brincadeiras, a protagonizar vários momentos de pausa forçada para
acalmar as epidemias de gargalhadas geradas, pois como eu sempre saliento, tocar no
Pitbulls on Crack foi uma ótima terapia para desopilar o fígado!
Encerradas as sessões de gravação, iniciamos o processo da mixagem. Aí nesse ponto, foi um pouco penoso, porque um dos donos do estúdio insistiu em cumprir o trabalho junto com o técnico, e ambos compactuavam do mesmo gosto musical (e paradigmas de metodologia de mixagem) e dessa forma, no tocante ao gosto musical, a opinião de ambos mostrara-se diametralmente oposta à nossa.
Infelizmente os rapazes cultuavam o Pop insosso dos anos oitenta e queriam transformar o nosso disco em um pastiche formatado com timbres de lata, semelhantes ao de artistas que admiravam, como "A-Ha", "Frankie Goes to Hollywood", "A Flock of Seagulls", "Thompson Twins", "Culture Club", "Madness", "Everything but the Girl" etc.
Ora, o nosso som era cru, com um pé no estilo indie
daquele momento noventista e outro no Glam-Rock setentista, portanto, tal
sonoridade sugerida por eles, seria uma aberração, ou por analogia, algo parecido como se o
Martinho da Vila fosse gravar um disco de música folk romena...
Nunca houve uma briga ou clima pesado por conta de tal divergência de opinião, mas as sessões de mixagem foram extremamente penosa por conta desse embate ideológico entre as partes e convenhamos, o fato de não estarmos a pagar a conta diretamente do nosso bolso, não dera-lhes o direito para que interviessem tão acintosamente em nosso conteúdo artístico.
Sei
que não faziam por mal, pois o objetivo deles seria usar o nosso disco
como cartão de visita do estúdio para atrair outros artistas, contudo,
exageravam nessa aspiração pessoal, ao querer impor uma metodologia
estética que arruinaria o nosso trabalho, em detrimento de seus
interesses pessoais.
Nessa fase, vale destacar também que a MTV foi ao estúdio e gravou uma matéria relativamente grande, com entrevistas e a ofertar-nos uma maior cobertura ao estúdio. O Chris usou uma camiseta e eu, um boné estilizado com o logotipo do estúdio, para concedermos as entrevistas e foi mais que justo que fizéssemos tal merchandising na TV.
Os donos do estúdio ficaram muito contentes com essa movimentação e nós também.
Assista abaixo a entrevista feita pela MTV com a banda, no estúdio Spectrum:
https://www.youtube.com/watch?v=-d7UMh8u6Is
Tratou-se do programa, "Fúria Metal", apresentado pelo Gastão Moreira, um dos últimos remanescentes da primeira geração de VJ's daquela emissora e em 1996, foram lamentavelmente, os últimos suspiros da estação como um canal de TV dedicado à música, propriamente dita, visto que desde 1995, a grade começara a buscar o conteúdo popularesco, e logo a seguir, o caminho imbecilizante, que adotou até os seus últimos dias.
Mesmo por ser um programa dedicado ao Heavy-Metal, o Pitbulls on Crack teve sempre uma abertura boa, pela camaradagem do Gastão Moreira e nessa reportagem in loco, ele foi muito generoso para conosco, ao dedicar quase o programa inteiro para nós.
Nessa entrevista, há um momento
hilariante, com o Chris a simular estar a gravar os vocais de: "The
Winding Moon". Ele fez caras e bocas para imitar o Marc Bolan, e por conta dessa performance, ter ficado
muito divertido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário