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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pitbulls on Crack - Capítulo 6 - A Embarcar na Lata Psicodélica - Por Luiz Domingues

Passada essa entrevista na MTV, os nossos esforços ficaram divididos. Enquanto corriam as espaçadas sessões semi-improdutivas com quatro horas de duração (a visar mixar o álbum), reuniões de "brainstorm" foram realizadas para se elaborar a capa do CD e também para decidir sobre o aparato mercadológico pelo qual a gravadora investiria para promovê-lo. 

Por sugestão minha, sugeri uma aluna que eu tinha (das minhas aulas de baixo), para trabalhar nesse sentido. Eu sabia que ela trabalhava como desenhista/web designer/arte-finalista e detinha experiência com computação gráfica, por ter visto previamente diversos trabalhos seus, realizados para uma agência de publicidade onde trabalhava.

                      Marina Yoshie, em foto bem mais atual    

Ela se chamava: Marina Yoshie, uma simpaticíssima nissei que tinha (tem) a característica de ser extremamente carismática, ao cativar as pessoas de uma forma instantânea. Ela agradou em cheio aos executivos da gravadora e o seu trabalho foi aprovado, ao dar-lhe aval para tocar o projeto e apresentar dessa forma os seus esboços iniciais. Foi assim então que nós começamos a trabalhar no conceito da capa do disco, inicialmente.

O Chris Skepis havia dado a ideia de um lançamento de um foguete espacial, e o termo, "Lift Off", veio à baila. Após várias ideias a orbitar (perdão pelo trocadilho), nesse tema, surgiu a ideia de um cão da raça pitbull, estar inserido na cabine do foguete, como tripulante. 

Daí até chegar à ideia do cão ser retratado dentro de um traje de astronauta, não demorou muito. Mas não ficou só nisso e aí eu exerci mão de ferro nas reuniões, sempre a forçar para tudo parecer evocar os anos sessenta. 

A ideia de se estabelecer o elo entre o cachorro astronauta e a Era da exploração espacial, via Missão Apollo, foi a a porta de entrada para eu chegar onde queria, com uma explosão visual psicodélica para o conceito visual do disco. 

A Marina rapidamente se tornou muito amiga de todos os membros da banda e cativou igualmente o pessoal da gravadora.

Inclusive, houve convite para ela trabalhar lá na empresa fonográfica citada como funcionária registrada, mas antes disso, o Juan Pastor agiu mais ligeiramente e já a havia indicado para trabalhar na rádio 89 FM e dessa forma, ela preferiu essa oportunidade, onde culminou em ficar um bom tempo na equipe dessa emissora, posteriormente. 

Enquanto isso, a lentidão foi óbvia no processo de mixagem, pois com sessões espaçadas por dificuldade para agendar-se seguidamente e sobretudo pelo fato de possuirmos apenas míseras quatro horas de duração, ficara mesmo um processo moroso e contraproducente. Não tínhamos perspectivas para shows em curto prazo e o nosso foco foi finalizar o disco e a capa.

Todavia, paralelamente começaram as conversações sobre o aparato de lançamento e um possível show, com o apoio da gravadora. Isso deu margem para muitas peculiaridades e eu contarei sobre esse evento com detalhes, obviamente.

As reuniões realizadas na sede da gravadora, a visar o dito, "brainstorm" sobre o aparato de divulgação do CD, foram hilárias.

Recentemente, haviam contratado um publicitário para comandar o marketing da gravadora (Alexandre Madeira) e esse rapaz era criativo e aberto às sugestões da banda. Foi nesse momento que eu exerci um poder de persuasão forte e pus-me a induzir o "brainstorm" para tudo remeter aos anos sessenta.

Toda a ideia do encarte do disco, remeteu à psicodelia sessentista, com muita lisergia, cores e evocações àquela década. Com isso, as ideias sugeridas para capa e encarte, culminaram em dar sentido para todo o aparato que cercou o lançamento do disco. A ideia seria casar-se com um conceito e essa "ode", impulsionou tudo. 

O Pitbulls on Crack não fora certamente a plataforma correta para fomentar tais ideias (e ideais), mas mostrou-se clara a minha intenção em reaproximar-me de minhas raízes perdidas há tantos anos, e certamente, foi um embrião para que tudo isso explodisse um ano depois, com a criação do projeto "Sidharta", e que veio a suceder-se como a volta da Patrulha do Espaço à cena, tempos depois. Mas o assunto aqui é Pitbulls on Crack...

Nesses termos, as reuniões aconteciam na nova sede do selo Primal, que havia deixado de usar as instalações da gravadora Velas, embora ainda fosse um selo subordinado a esta gravadora. Com um escritório próprio, tal selo ganhou mais espaço e liberdade para trabalhar, inclusive ao ampliar o seu quadro de funcionários próprios. 

Lembro-me que nessa época, eles encantaram-se com uma banda chamada, "Tiroteio", que fazia um som muito parecido com uma outra banda que estourara no mainstream, naquela época, denominada: "Os Virgulóides".

Tratava-se de um Punk-Rock, misturado a um tipo de "sambão joia", popularesco. Em suma, a ideia dessa rapaziada era misturar guitarras estilo "serra elétrica", com surdão e cavaquinho, letras cheias de expressões chulas, e muita "malandragem" de boteco de periferia.

Bem, depois que Os Raimundos explodiram em 1994, muitas bandas tentaram pegar esse vácuo, ao misturar Punk-Rock com ritmos brasileiros inusitados e a explorar o linguajar chulo. 

Quando achávamos que a música chegara ao fundo do poço, descobrimos haver um subsolo a mais, para se descer.

"Psycho 69", uma banda norte-americana, com o brasileiro Supla nos vocais, foi um outro artista a fazer parte do elenco do selo. Creio ser desnecessário explicar do que tratava-se tal trabalho.
Outra contratação, se tratara de uma banda de Heavy-Metal tradicional e com uma carreira longa, já naquele tempo, chamada: "Genocídio".

Lembro-me também de uma dupla de cantores/dançarinos oriundos de Ribeirão Preto-SP, que produziam um som Techno-Pop, mas com influência da Disco Music dos anos setenta e que chamava-se: "RodHanna". 

Essa sede nova da Primal, era localizada em uma casa recuada, como se fosse a arquitetura de uma vila antiga. Tratava-se de uma residência, adaptada para o comércio, com várias salas de trabalho e a conter um quintal grande, inclusive. 

E por ser recuada da rua, mantinha padrão de sossego muito grande, apesar de estar localizada em uma rua movimentada do bairro do Jardim Paulista (Rua Suzano), na zona sul de São Paulo, próximo a avenidas com trânsito pesado, como a Av. 9 de Julho, Av. São Gabriel, Av. Brigadeiro Luiz Antonio e Av. Santo Amaro, além da Av. Juscelino Kubitschek. 

Passei algum tempo a frequentar essa sede da Rua Suzano, pois todo o processo de criação da capa, encarte e aparato de promoção do CD, passou pelas reuniões de "brainstorm" ali realizadas e posteriormente, todo o processo de preparação do material, também, conforme eu contarei no momento oportuno. E ali, fatos bizarros aconteceriam nesse processo.

Enquanto o processo de mixagem do álbum arrastava-se, as nossas baterias concentraram-se nessa criação toda da capa e sobre o seu aparato de divulgação. 

O novo diretor de marketing da gravadora (Alexandre Madeira), pareceu estar empolgado com as ideias ali aventadas e mesmo ao não entender exatamente os propósitos contraculturais envolvidos em seu âmago, comprou a ideia pelo exotismo e devo ser franco, foi à luta no mercado, ao viabilizar patrocínios. 

Dessa forma, todo o conceito do aparato cresceu e ganhou uma dimensão maior do que imagináramos inicialmente. E certamente o papel desse diretor de marketing foi importante.

Surgiu a ideia do disco ser lançado dentro de uma lata, rotulada com motivos psicodélicos e dentro, além do CD, uma série de brindes, sem no entanto onerar o custo final ao consumidor, pois estaria tudo patrocinado. 

E um dos primeiros patrocínios que ele conseguiu, foi de uma famosa fábrica de rações para cães. Com isso, um pacote com um Kg de ração, estaria inserida nessa lata.


Mesmo ao parecer uma bobagem óbvia, ao se associar ração de cachorro ao nome, "Pitbulls on Crack", não poderíamos deixar de comemorar tal patrocínio pelo aspecto do suporte em si. Mas no restante do material, aí sim, as referências aos anos sessenta seriam explícitas (ou deveriam ser, como veremos no decorrer da narrativa).
Surgiu a ideia de se inserir um livreto para falar sobre os anos sessenta, em vários aspectos. A contracultura e o Rock como elemento chave nesse processo, sem dúvida, mas também aspectos sociopolíticos seriam abordados em seu teor temático. Tornou-se impossível dentro desse contexto, não citarmos a guerra do Vietnã, a crise dos mísseis em Cuba, a luta pelos direitos civis na América, a primavera de Praga, maio de 1968 em Paris e estouro de ditaduras orientadas por ideais direitistas na América Latina.

A conquista do espaço também foi muito importante e mais ainda se levarmos em consideração que o mote da capa seria o cão Pitbull, a usar uma roupa de astronauta. Portanto, nós deveríamos abordar essa questão. 

E surgiu também a ideia de falarmos sobre a Art-Pop, nas artes plásticas. Esse assunto eu não dominava com profundidade, mas a Marina indicou um professor da sua Faculdade, que era um especialista no assunto e dessa forma, ela prontificou-se a abordá-lo, e fazer o convite para que ele preparasse um texto.

Assim como a questão espacial, abordar a Art-Pop seria fundamental, também, pois a embalagem da lata que seria o grande invólucro do produto, haveria de ser uma simulação da famosa obra de Andy Warhol, a lata de "Sopa Campbells", estilizada. 

E com a Marina no projeto de criação e finalização da arte, tudo ficou muito facilitado, porque ela era extremamente competente como webdesigner e melhor ainda, estava muito motivada. Portanto, com tal andamento do trabalho a estar bem em sua produção, tudo correu perfeitamente nesse sentido, ao nos animarmos com a perspectiva.

O livro foi sem dúvida o material adicional mais interessante e bem arrumado dentro da lata. O restante do material seria meramente um apoio, mas à medida que o marqueteiro da gravadora pôs-se a agregar mais patrocinadores, o material aumentou em volume, ao fazer da lata, um verdadeiro baú com muitos objetos inusitados em seu interior. 

Uma camiseta com a estampa do cão pitbull envolto em motivos psicodélicos esteve agregada também, mas itens como uma "carteirinha de hippie" a ser preenchida pelo consumidor, chamara a atenção pelo caráter praticamente pejorativo. 

A ilustração do cão mantinha os traços infantis de um cachorrinho dócil, estilizado como "hippie bonzinho", e sinceramente aquilo parecia material de congregações religiosas a tentar aproximar-se da linguagem jovem, mas de uma maneira totalmente fora da realidade, para se diluir ideias em formato pasteurizado e sob extrema docilidade infantiloide.

E sobre os outros itens, houve uma argola pseudo-psicodélica, um chaveirinho da garrafa de Coca-Cola, bolinhas de gude, um pacote de sopa em pó, uma vela e um pacote com incensos, que também completaram a lata. 

Então, no cômputo geral, houve um desequilíbrio no meu entendimento. Se por um lado o livro trouxe textos elucidativos sobre diversas nuances dos anos sessenta, o restante do aparato remetera a artefatos infantis, ou mesmo a sugerir motivações antagônicas. 

A Marina fez um ótimo projeto gráfico desse material de apoio, baseada na capa do disco, de sua própria autoria, mas em alguns aspectos o tom ficou dúbio entre a seriedade e um velado escárnio e claro que não foi por culpa dela, mas sim, fruto de impressões não condizentes com o espírito que eu ansiava, portanto por obra de distorções do conceito que eu ambicionei, da parte de outros opinantes.

De fato, eu não poderia controlar tudo e ao ser justo, não seria correto forçar uma barra, se nem todos compactuavam dos meus ideais. E para ser muito realista, na prática, só eu estive 100 % imbuído de levar isso a ferro e fogo, com a determinação de um cruzado, digamos assim, e com o perdão pelo exagero metafórico.

Ao analisar sob o ponto de vista do trabalho musical do Pitbulls on Crack, essa dubiedade até que fez sentido, ainda que involuntariamente, porque o som continha influências sessentistas (aliás, sob um estudo mais pormenorizado, eram mais setentistas, baseadas no Glitter-Rock britânico), mas nem de longe mostrava-se como um "resgate" hippie, contracultural, ou que remetesse explicitamente à tal época. 

Pelo contrário, as letras das canções possuíam uma acidez "cockney", muito mais ligada ao Punk-Rock setentista, pós-1977. 

Todo esse aparato pseudo-hippie nada teve a ver com a letra de uma música como: "Death on the Christmas Day", por exemplo, na qual a história contada na letra da canção, tem mais a ver com os filmes de terror, do estilo: "Sexta-Feira 13" ou "A Hora do Pesadelo".

Mesmo diante de certos sinais de dubiedade, é claro que estávamos contentes por vermos o aparato a materializar-se. E certamente que só a lata em si, já chamava bastante a atenção pelo seu porte. 

Quando acrescentamos o invólucro impresso, todo concebido para imitar uma lata de sopas Campbell, para evocar a Art-Pop de Andy Warhol, ficara sensacional, sem dúvida. E para completar, ao gostar ou não de um ou outro item, o fato da lata ficar abarrotada por muitas bugigangas, foi incrível. 

Chegamos a brincar entre nós, que a lata ofertara aos consumidores tantos brindes, que inclusive continha um CD do Pitbulls on Crack...

Fora uma piada, mas a ironia coube como uma luva para essa situação. 

Em determinado dia, inclusive, o próprio, Victor Martins, contou-nos que seu sócio, Ivan Lins, estava boquiaberto com a ideia da lata e todo aquele aparato formado por bugigangas, sob um preço zero, praticamente para a gravadora. 

Ele admirou-se muito ao deparar-se com a quantidade de itens disponibilizados como patrocínio e principalmente por gerar um custo mínimo para a gravadora e proporcionar assim um produto visualmente muito atrativo ao consumidor final e que certamente chamaria a atenção nos displays e prateleiras de lojas de discos.

Ao pensar mercadologicamente, ainda vivíamos um tempo onde as pessoas compravam discos e as lojas eram bastante importantes nessa cadeia comercial, para qualquer artista. 

Porém, outro fator entrou também para a contabilidade da gravadora: para minimizar ainda mais os custos, a gravadora propôs que a montagem das latas fosse caseira. Se montadas em fábrica, além da confusão que seria administrar tantos brindes dentro da lata, custaria caro. Portanto, o Alexandre propôs à banda, um mutirão entre amigos e parentes dos membros e assim, formaríamos turmas, como em uma linha de produção de fábrica.

E para a sorte do Pitbulls on Crack, eu tinha em mãos o meu exército de Neo-Hippies, os meus alunos e agregados, sempre prontos a ajudar, e convenhamos, seria uma farra para eles! 

Durante muitos dias, formamos equipes que passaram a trabalhar voluntariamente para montar tais latas. Nunca foi nada linear, mas chegamos a reunir uma turma com mais de trinta voluntários em um dia apenas e foi muito divertido, apesar de cansativo.

Nessa foto de 1996, uma pequena parcela de meus alunos e agregados de minha sala de aulas: amigos que sempre ajudaram com um tremendo entusiasmo. Da esquerda para a direita: Marcello Schevano (a usar camiseta do Pitbulls On Crack), Cali Keller, Marilu Postól, e Ricardo Schevano. Agachado: Edil Postól

De fato, com o apoio dessa tropa, formamos uma verdadeira linha de produção de fábrica. Além de meus alunos e agregados de minha sala de aulas, houve igualmente a inestimável ajuda de Jason Machado, que arregimentou os seus familiares e amigos, que foi fantástica, com uma animação incrível, que demonstrara mais uma vez o quanto ele gostava da nossa banda.

Alguns dos "Monges", mas desta feita, não caracterizados com sua vestimenta pseudo-religiosa. Da esquerda para a direita: Nathanael, Betina, Emmanuel e Wagner "Baiacu"

E acrescento aos meus "neo-hippes", a turma super animada do meu primo Emmanuel, os seus colegas de bairro e escola, que tornou-se um grupo de amigos eternos, mesmo depois de passado o período da adolescência para eles. Inclusive essa turma, é bom que eu relembre, sempre apoiou o Pitbulls on Crack, mesmo antes dessa ação da montagem das latas promocionais.

Helder Pomaro, meu primo, e também um membro da irmandade dos "Monges"

Meu primo e seus amigos (incluso outro primo nosso em comum, o Helder Pomaro), por diversas vezes realizou ações de filipetagem a divulgar os nossos shows, em portas de shows internacionais, inclusive de mega shows, como "Monters of Rock" e "Hollywood Rock", em estádios como o Pacaembu e Morumbi. 

E houve uma particularidade divertida entre eles. Como eram exímios brincalhões por natureza, eles gostavam de tornar tal prática, como algo performático e dessa forma, além de divertirem-se muito, chamavam a atenção pelas ruas e com atitude espalhafatosa de sua parte, turbinava-se a promoção que faziam com as nossas filipetas.

Emmanuel Barretto, meu primo, e outro "monge"dessa confraria... hoje em dia, ele é dono do Site/Blog Orra Meu, onde eu (Luiz), colaborei como colunista entre 2011 e 2016.

Uma das brincadeiras mais tradicionais que gostavam de fazer, era a de vestirem-se com hábitos de monges franciscanos, com direito a capuz, e dessa maneira, arrancavam risos das pessoas, pois sob uma primeira visão, o público em geral podia achar que seriam monges verdadeiros a perpetrarem algum tipo de campanha anti-Rock, mas pelo contrário, a sua ação era totalmente, pró. 

A boca pequena, sei que tal fantasia também rendeu-lhes ótimos frutos pessoais, pois muitas garotas adoravam tal brincadeira.

E o resultado das filipetagens realizadas pelos "Monges" foi tão positivo para a banda, que eu realmente lamentei que eles fossem apenas meia dúzia de elementos, pois se tivéssemos mais membros, poderia ser ainda mais eficaz, principalmente na porta de estádios de futebol, por ocasião de mega-shows internacionais.

Concomitante a essa atividade de montagem do conteúdo das latas promocionais, a gravadora teve um gesto positivo ao ajudar-nos também na produção do show de lançamento do CD. 

Convenhamos, não era uma praxe das gravadoras envolverem-se em tais produções. Pelo contrário, lembro-me em ter tido contato com gravadoras nos anos oitenta e as conversas de seus executivos convergiam na direção contrária.

Por exemplo, era comum ao se receber material de alguma banda emergente, preocuparem-se em saber se os seus membros detinham condição socioeconômica avantajada e se possuíam um bom empresário com contatos, em detrimento de sua música ser boa ou não. 

Por isso, foi promissor para nós que o esforço da gravadora nesse sentido fosse concreto, ao nos fornecer suporte para que pudéssemos fazer um lançamento com proeminência e que de certa forma, justificasse todo a aparato da lata etc.

Claro, foram muitas as conversas para chegar-se em tal formato. Não seria um show tradicional a ser realizado em uma casa noturna ou teatro, e fim de conversa. Com todo a aparato da lata e do livro, o Alexandre Madeira, marqueteiro da gravadora, vislumbrou fazer algo maior e que aproveitasse essa onda toda criada. Ele teve razão, pois seria uma repercussão e tanto na mídia, se fizéssemos algo maior, ao incrementar essa atmosfera toda.

Marina Yoshie, minha aluna e que comandou todo o projeto gráfico do CD em seu aparato e apoio para o show de lançamento.

Então, nas primeiras reuniões de "brainstorm" com a banda e a presença da Web Designer, Marina Yoshie, falou-se sobre muitas possibilidades, mas já houve uma certeza: não seria possível realizar algo pretensioso desse nível, em uma casa noturna com pequeno ou médio porte. 

Deveria ser em um teatro, ou casa de show de grande porte. Foi então que o marqueteiro, Alexandre Madeira, teve uma ideia que poderia lograr êxito: segundo ele, havia uma produtora de amigos seus, que era especializada em realizar mega-festas em chácaras, sítios, fazendas e afins. 

Tal equipe estava acostumada a providenciar a organização de festas com até quinze mil pessoas presentes, ao apresentarem diversos motes temáticos, inclusive "raves" de música eletrônica. Boa ideia, poderia funcionar, mas desde que adequassem-se ao espírito sessentista a ver com o aparato todo, pensei eu. E claro que seria difícil passar esse conceito para pessoas sem a menor familiaridade com o assunto.

Mas antes de qualquer julgamento prévio, claro que aceitamos fazer uma observação de campo, sob um convite do Alexandre. Sendo assim, eu e o Deca fomos juntos em uma noite de sexta feira, de outubro de 1996, a uma dessas festas organizadas pelos amigos dele. 

Tal evento aconteceu em um sítio muito grande, localizado na cidade de Cotia-SP, uma das trinta e nove cidades que ficam anexas, literalmente em São Paulo. 

Foi neste caso uma festa sem um mote específico, mas inacreditavelmente, haviam milhares de pessoas ali presentes e em sua maioria absoluta, jovens com origem socioeconômica avantajada. Apesar disso, pareciam divertirem-se em meio a um ambiente rústico, com poucas atrações, a não ser um ambiente fechado a privilegiar a música eletrônica e um palco ao ar livre, montado em um campo de futebol, onde uma banda tocaria ao vivo.

The Central Scrutinizer Band, uma banda especializada em reproduzir o som de Frank Zappa

Com um PA à disposição razoável, mas com iluminação muito insuficiente, surpreendi-me ao tomar conhecimento da banda que tocaria: seria a "Central Scrutinizer", uma banda cover do "Frank Zappa & Mothers of Invention". Ora, se ele (Frank Zappa) estivesse vivo, seria bizarro ver um show seu para uma plateia de jovens burgueses, imagine então uma banda cover desse artista tão longe da percepção de tais jovens ali presentes.

Sem preconceito, mas por ser muito realista, obviamente que seria no mínimo interessante verificar como uma atração musical desse quilate (diga-se de passagem, essa banda era (é) muito boa, apesar de usar o seu talento para a reprodução de "covers" (ainda que a reproduzir a obra de um gênio, como Zappa), seria digerida por doze mil playboys, sem identidade Rocker, alguma. 

Ficamos um pouco no ambiente para assistir e de fato, no campo de futebol deviam haver cerca de mil pessoas presentes e a apreciar muito a performance "Zappeana" dos rapazes. 

Eu também gostei da perfeição com a qual executavam diversos temas complexos do velho mestre. Independente dessa revelação surpreendente, é claro que a imensa maioria dos presentes na festa, estavam a circular pelo sítio e alheios ao som daquela ótima banda. 

Bem, não foi nosso problema e certamente que não esperaríamos que uma multidão concentrasse-se no campo de futebol para ver o nosso show, se o nosso lançamento fosse ser realizado ali, eventualmente. Por outro lado, eu e Deca gostamos de observar outros aspectos.

A organização como um todo pareceu-nos eficiente. Vários pontos que observamos, foram satisfatórios. Haviam muitas barracas com comidas & bebidas, a segurança aparentou estar sob controle, com vários profissionais espalhados e não notamos brigas ou confusões, com as pessoas aparentemente a se portarem felizes pela "balada".

Eu e Deca, a representarmos a nossa banda, concedemos o nosso aval e a negociação começou para viabilizar o nosso lançamento nesse mesmo sítio e sob a administração desse pessoal. 

Mas antes de termos essa confirmação de negócio fechado, tivemos um bom compromisso, anteriormente. Não tocávamos ao vivo desde fevereiro daquele ano de 1996, pois passamos meses dedicados à gravação do CD. Porém, esse convite foi bastante salutar, pois envolvera várias questões. 

Fomos convidados a abrir o show da banda, "Velhas Virgens", que lançaria seu novo CD no Olympia, casa de shows mais luxuosa naquela época em São Paulo e o CD deles, tratava-se de um lançamento da nossa gravadora, também. Portanto, seria uma ação salutar para todos os envolvidos.

Dessa forma, é claro que aceitamos. Primeiro por que o pessoal do "Velhas Virgens" era gentil, principalmente na figura extrovertida de seu vocalista, Paulão de Carvalho. Segundo, por tratar-se de um artista contratado pela nossa gravadora, portanto, seria simpático estarmos a participar de um lançamento do nosso próprio elenco.

Terceiro, por ser obviamente uma oportunidade para mais uma apresentação em uma casa de shows de grande nível e claro que isso seria muito salutar. 

Mesmo por ser um show de abertura, certamente com curta duração (no padrão de "show de choque"), foi uma boa oportunidade para voltar a tocarmos em um grande palco, com PA e iluminação de alto nível e com a possibilidade de fotografar a banda em um palco com grande extensão, muito bem equipado e iluminado.

O convívio nos bastidores foi bastante amistoso e no soundcheck fomos bem tratados pela equipe técnica. A camaradagem com o pessoal dos "Velhas Virgens", foi ótima, também.
Ao contrário do que experimentáramos dois anos antes, ali nessa mesma casa, o clima mostrava-se ameno, sem tensões. E claro, com tantos camarins disponíveis, ocupamos um deles só para nós, curiosamente o mesmo que ocupáramos em 1994 e desta feita, sem chance para eu ver o meu baixo arremessado ao chão.

E através de um passeio que fiz pelo enorme labirinto dos bastidores, achei uma saleta onde haviam duas enormes placas com o nome de todos os artistas que ali apresentaram-se desde o início das atividades da casa. Fiquei orgulhoso por ver o nome do Pitbulls on Crack, ali mencionado, junto a monstros do Rock internacional, grandes astros da MPB, Blues, Soul, Jazz etc. 

Fiquei muito contente por ver o nosso nome em meio à nomes históricos como: "Deep Purple", "Black Sabbath", "Uriah Heep", Peter Frampton, "Santana", "Nazareth", "Emerson/Lake and Palmer", "Yes", "Jethro Tull", "James Brown", enfim, grandes artistas.

O nosso show foi tranquilo, sem problemas técnicos e com uma performance descontraída, ao contrário daquele show de 1994, quando ficamos no fogo cruzado de um público hostil e sob motivações opostas entre si (um terço era entusiasta do Heavy-Metal melódico do Angra. a outra fatia, gostava do Hard-Rock virtuose do Dr. Sin e a parcela restante, admirava o som empobrecido e apelativo daquela última atração da noite em questão.
Desta vez, foi no dia 30 de outubro de 1996 e cerca de quinhentas pessoas compareceram ao show. 
Foi um público pequeno ao considerar-se a grandeza da casa, porém, houve bastante gente se levarmos em conta que tratou-se de uma quarta-feira e o "Velhas Virgens", apesar de estar na estrada há tempos já naquela época, era na verdade uma banda que estava acostumada a tocar no circuito de bares e pubs e mesmo ao lotar tais casas, costumeiramente, daí a atrair um grande público em uma casa como o Olympia, houve uma grande diferença.
Mas, computamos que foi tudo ótimo e agradecemos a oportunidade dada pelo Paulão de Carvalho, vocalista dos "Velhas Virgens" e da parte da cúpula da gravadora Primal/Velas. O próximo passo, seria o show de lançamento do CD "Lift Off", enfim.
Todas as fotos de camarim, e ao vivo desse show no Olympia, são clicks de Marcelo Rossi

Passado esse show no Olympia, as atenções permaneciam com a "mini linha de produção", em relação aos esforços para se preparar as latas que envolviam os CD's e o seu aparato promocional, além da produção do show de lançamento. 

Fechado com aquela equipe que eu já mencionei e selado o contrato com aquele mesmo sítio, onde eu e Deca, fomos ver o esquema de trabalho de seus organizadores, em outubro (conforme já relatado), eis que em novembro, os esforços foram para criar ideias para o show e sobretudo, colocá-las em prática.

Nas reuniões com o Alexandre, marqueteiro da gravadora, e com a presença da Marina Yoshie, muitas ideias foram ventiladas. 

A minha pressão fora total para que a festa fosse calcada na temática dos anos sessenta e logo surgiu a ideia de batiza-la como: "Pitstock", a se estabelecer uma clara alusão ao Festival de Woodstock de 1969. 

Sinceramente não lembro-me exatamente sobre de quem foi a autoria dessa denominação, mas arrisco dizer que veio da parte de Marina Yoshie.

Sugerimos um telão a se exibirem imagens com ícones sessentistas diversos. No brainstorm, foi cogitada a hipótese de projetar-se cenas de séries de TV daquela década e se cogitou, portanto, usar a minha coleção pessoal como base para tal. 

Chegamos a pensar em colocar episódios inteiros de séries como "Batman", "Lost in Space" e "Mod Squad" e isso seria adorável, contudo, a razão falou mais alto e bastaria um fiscal do Ecad aparecer e isso causaria um tremendo de um problema com a proibição das imagens a serem exibidas por conta de direitos autorais.

A questão da sala a comportar o som mecânico também foi discutida amplamente. Claro que teria que existir tal alternativa para que as pessoas alheias ao show ao vivo, pudessem divertirem-se com a opção do som mecânico, mas desde que obedecesse a questão temática, elucubrei.

Ou seja, nada de "bate-estaca", som eletrônico e que tais noventistas destoantes e muito menos Techno-Pop oitentista. A ideia seria executar-se Black Music sessenta-setentista de qualidade, para transformar essa noitada em um autêntico "Soul Train" da Philadelphia!


Uma exposição sobre Art-Pop e outra sobre a chegada do homem à Lua, foram cogitadas, também, mas demandaria patrocínio extra para bancar tal ideia. Em princípio, imaginamos também contratar uma banda cover para executar clássicos das décadas de 1960 e 1970, pois o nosso show não entreteria durante a festa inteira. Mas algumas nuvens negras começaram a aparecer nessas reuniões de brainstorm... 

Paulatinamente, o marqueteiro pôs-se a cortar as ideias que mais remetiam aos anos 1960 ao alegar inviabilidades técnicas e assim minou-se o projeto inicial, de maneira a transformar o nosso "happening sessentista", em uma festa comum, como aqueles produtores, amigos dele, estavam acostumados a fazer. 

Então, o golpe final no nosso sonho "woodstockeano", deu-se quando o sujeito anunciou que estavam a cogitar escalar uma banda internacional como atração, no intuito de reforçar a festa.

Show do Pitbulls on Crack no Olympia, outubro de 1996. Deca no destaque e Juan Pastor no fundo, à bateria. Foto de Marcelo Rossi

Nós deveríamos ter adorado a ideia, deve ter pensado o Alexandre, mas nossa reação foi com estupefação, pois o show de lançamento do NOSSO DISCO, nesse ponto pareceu relegar-nos à condição de um mero coadjuvante e as baterias centrar-se-iam em uma atração internacional. E o pior... ainda se fosse um dinossauro sessentista, do nível de um "Iron Butterfly" ou "Joe Cocker", ou contemporâneos, estaria no espírito, mas é claro que a intenção dos rapazes não foi essa exatamente.

Bem, o conceito da festa passou a degringolar nesse ponto e paulatinamente os seus organizadores passaram a aumentar as restrições às nossas ideias que eram essencialmente temáticas. 

Em um dado instante, a situação chegou a ficar ridícula para nós, pois foi evidente que tornáramo-nos um mero coadjuvante em nosso próprio show de lançamento. Toda a "badalação" estava concentrada na tal banda internacional que trariam para o evento, para ser a headliner da noite.

Tal banda chamava-se: "Honey Island" e na verdade, esta seria uma dissidência da "famosa", "Spy vs. Spy", uma obscura banda australiana orientada pelo Pop-Surf-Music noventista. 

Segundo o Alexandre e seus amigos, seria uma banda ideal para o evento, por conta do público habitue de suas festas, adorá-la. Abro um parêntese para alertar ao leitor que muitas vezes, fenômenos assim acontecem no mundo da música. 

Artistas com nenhuma visibilidade midiática, surpreendem por terem um público numeroso. Nos anos setenta, um artista popularesco chamado, Amado Baptista, vendia milhões de discos, mas não aparecia na TV, contudo, o seu som era massacrado com execuções em estações de rádio AM oriundas de rincões remotos e ele mantinha uma agenda lotadíssima com shows por conta dessa surpreendente fama adquirida longe dos grandes holofotes. 

Isso aconteceria com o "Honey Island?" Segundo os organizadores do "nosso" show de lançamento, seria a solução para atrair um grande público.

Ora, se recordarmos a narrativa, eu mencionei o fato de que eu e o Deca fomos ao tal sítio, previamente para avaliar a organização. A grande atração da festa fora uma banda cover, a reproduzir o som de um artista hermético como Frank Zappa! Se nessas circunstâncias a festa atraíra algo em torno de doze mil pessoas, qual seria o temor desses rapazes, neste instante?
Pareceu-nos uma desculpa esfarrapada dos elementos, e daí, nós começamos a considerar que se dependesse deles, só faltara tirar-nos do evento. No entanto, às vésperas do espetáculo se concretizar, algo ainda pior aconteceria. Por pressão da gravadora, uma banda recém contratada por eles, foi encaixada à nossa revelia na festa.
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Foi uma banda chamada: "Tiroteio", que praticava um som no estilo dos "Virgulóides", banda que estava a estourar no mainstream, naquele momento. O grande trunfo que o Tiroteio possuía, foi o fato de seu líder, um rapaz chamado, Sérgio "Boneca", ter tido uma música de sua autoria gravada pelos Titãs, e estes, assumidamente apadrinharem-no, artisticamente. 

Nem é preciso dizer, a aposta da gravadora, seria que esse "Tiroteio" abocanhasse uma fatia do mercado, a roubar público dos Virgulóides. A estética do trabalho deles, era uma espécie de continuação da saga iniciada pelos Raimundos, ao misturar Punk-Rock com ritmos brasileiros e no caso do "Tiroteio", a sua aposta foi em torno do "Sambão Joia".

Em suma, tratara-se de uma rapaziada a bordo de bermudas, cheia das malandragens de periferia, com a sofrível estética do Punk-Rock como base primordial e a perpetrar-se uma tentativa de assassinato do Samba em mãos. Conheci os rapazes e pessoalmente eram boas pessoas, mas as ideias deles, em termos estéticos, abomináveis. Incluir tal banda, com a sua tosquice e proposta estética, foi mais um duro golpe para o nosso show de lançamento, no cômputo final.

         No Olympia, em outubro de 1996. Click de Marcelo Rossi

As latas estavam prontas para a distribuição nas lojas. Esse quesito foi fundamental e uma das prerrogativas que mais animaram-nos em estarmos dentro de uma gravadora de médio porte, pois sabíamos que o quesito "distribuição" revelava-se um gargalo histórico a atravancar a vida do artista independente, desde sempre.

E de fato, tivemos uma ótima notícia nessa área, ainda antes do show de lançamento. Segundo o marqueteiro da gravadora, o departamento comercial sinalizara que havia anotado um grande pedido de uma loja de departamentos muito famosa em São Paulo, chamada: "Mappin". 

Com isso, nós já sabíamos de antemão que a nossa lata estaria exposta em um grande magazine popular, para sairmos daquele mundo restrito das lojas especializadas da Galeria do Rock e digo isso sem menosprezo algum a tais lojas, mas apenas para salientar que mostrava-se algo raro para nós, estarmos em lojas populares e com o advento da lata, obviamente isso seria possível, ao chamar muito mais a atenção. 

Aliás, a lata tornou-se um estouro pelo chamariz natural que arregimentou, todavia, também gerou controvérsia em algumas lojas menores. 

Ao alegarem ser a nossa lata "espalhafatosa", alguns donos de lojas pequenas não achavam lugar nos seus tímidos balcões para expô-las, e alguns tiraram-na da vista dos clientes, para colocar o CD, isoladamente na prateleira, onde então, passou a ser apenas mais um item em meio a outras centenas de opções. 

Lembro-me em ter ido a uma unidade do Mappin, no bairro do Itaim-Bibi (e essa loja tinha o porte de um Shopping, na Rua João Cachoeira, esquina com a Av. Juscelino Kubitscheck). 

E uma vez ali na loja, confesso que fiquei orgulhoso de ver a maneira com a qual os funcionários empilharam as latas e de fato, estas chamavam muito a atenção no departamento de CD's do magazine. 

Uma pena, somente, que o Pitbulls on Crack não era popular o suficiente. Pelo contrário, como um artista a habitar o mundo underground e dentro de um nicho fechado, o fato da lata chamar a atenção, esbarrara nessa realidade a respeito do nosso tímido status artístico. 

Esse aparato mercadológico, se a favor de uma banda mainstream, seria um estouro, sem dúvida alguma. Tanto foi assim, que o próprio, Ivan Lins, elogiou muito essa criação e produção do marqueteiro da gravadora. 

Felizes com essa notícia da lata estar à venda no Mappin, não poderíamos falar o mesmo em relação à organização de nosso show de lançamento. Nessa altura, às vésperas, todo o enfoque fora para o tal de "Honey Island", tratado por eles como a grande esperança de garantir o sucesso do evento.

Lembro-me de muitas vezes, quando questionávamos sobre o rumo que a produção do show estava a adotar, o marqueteiro a nos responder que estava preocupado com o sucesso da festa e daí, a sua aposta na banda australiana parecera a resolução mais acertada a ser feita, em sua opinião. 

Uma falácia, pois como eu já disse, quando eu e Deca fomos inspecionar uma dessas festas organizadas pelos seus amigos, a grande atração da noite, fora uma banda cover do Frank Zappa, ou seja, eles tiveram medo do que, se a atração musical não seria o grande chamariz do evento?  Essa resposta eu nunca obtive, claramente. Mas em contrapartida das nossas apreensões, aproximava-se rapidamente a data desse show.

Na semana do show, tivemos boas e más surpresas. As boas, foram por conta da assessoria de imprensa da gravadora que funcionou a contento e assim tivemos a certeza de que o nosso show seria anunciado no programa: "Vídeo Show", da Rede Globo.

Nessa mesma ótima toada, soubemos também que a redação da "Ilustrada", o caderno de artes e cultura do jornal, "Folha de São Paulo", queria fazer uma matéria sobre nós e convocou a banda para posar com fotos, especialmente para ela. 

Entretanto, a Folha de São Paulo não designou repórter fotográfico e por conta desse detalhe, apenas solicitou uma foto da assessoria da gravadora. Ao invés de mandarmos fotos tradicionais de estúdio (tínhamos feito muitas em um estúdio no bairro do Bexiga, para a sessão de fotos do encarte do CD, e clicadas pelo meu amigo, Carlos Muniz Ventura, que eu conhecia desde os anos oitenta, e que fizera inúmeras fotos d'A Chave do Sol, incluso fotos oficiais do encarte do LP The Key, em 1987), e daí, nós improvisamos.

Então, surgiu a urgência para produzir-se uma foto na própria gravadora, para aproveitar a montanha de latas que ali estavam armazenadas e de súbito, um amigo nosso, o Alex, ex-baixista do "Proteus" (banda que fez relativo sucesso na cena Hard-Rock oitentista), incumbiu-se dessa tarefa, ao clicar-nos sob improviso e tais fotos de sua autoria foram publicadas na Folha de São Paulo!

Convenhamos, para uma banda do patamar "underground" como nós éramos, estarmos inseridos como destaque em dois veículos da mídia mainstream, na mesma semana, foi um fato extraordinário e realmente ficamos contentes com o empenho da gravadora nesse sentido. 

Já pelas más notícias, essas ficaram por conta da organização da festa, que a cada dia pareceu tratar-nos como um incômodo intruso dentro da sua estrutura, que supostamente deveria ser em nosso favor.

A gota d'água deu-se quando flagramos uma conversa do marqueteiro com os seus amigos da organização e eles falavam sobre uma verba arregimentada para que pudessem buscar os componentes do "Honey Island", mediante o serviço de um helicóptero, do aeroporto de Cumbica até o sítio, pois não conseguiriam traçar outra logística, visto que o voo que os traria de Sydney, Austrália, para São Paulo, chegaria em cima da hora. 

Tirante o fato de que estavam entretidos com a logística deles e a fechar outros shows para tal banda estrangeira, para compensar a viagem dos rapazes australianos. Parece que articulavam para tocar em uma casa de shows em São Paulo e também no Rio de Janeiro.

Bem, estava caracterizado o que temíamos desde o início, ou seja, todo o foco do nosso lançamento estava desviado da atenção deles, apesar das boas conquistas em termos de mídia. 

Ficara claro um aspecto: o marqueteiro teve muitos méritos em batalhar pela concepção da lata e o seu inerente aparato e também pelo show no sítio, mas perdeu completamente o foco, ao fazer com que sentíssemo-nos intrusos no nosso próprio show de lançamento.

Fator raro, raríssimo (para quem conhece-me pessoalmente e sabe do meu temperamento padrão, ao estilo de um monge zen), eu indispus-me com o marqueteiro quando flagrei essa conversa e disse-lhe tudo isso que descrevi acima, mas os seus contra-argumentos foram os mesmos de sempre, ao afirmar que preocupava-se em "salvar" o evento, daí as modificações na estratégia etc. 

Nessa altura, a despeito de tudo, eu já lamentara o fato de não termos marcado algo mais modesto, como por exemplo, um show em uma casa de pequeno ou médio porte, no esquema tradicional de um lançamento de disco. 

O clima amenizou-se e na semana do show, toda a movimentação em torno da matéria publicada na "Folha de São Paulo" desviou um pouco o foco das nossas insatisfações em relação aos desmandos na organização do mesmo, mas o fato, foi que mesmo antes de chegarmos ao dia de sua realização propriamente dita, ele já pareceu estar fadado ao fracasso.

Na madrugada de quinta, para sexta-feira, dia do show (que realizou-se na sexta), a matéria foi publicada na Folha de São Paulo. Ocupou, pois, meia página do caderno "Ilustrada" e teve uma mega foto da banda, com uma montanha de latas atrás de nós. 

A reportagem falou do aparato com entusiasmo, sem o desdém típico que jornalistas mainstream nutrem por tais manifestações, ainda mais por tratar-se de um apanhado retrô explícito e focado no período histórico da música, que eles adoram odiar, costumeiramente.

Pelo contrário, a matéria mostrou-se positiva e certamente ganhou pontos na redação, o fato da lata ser uma referência à arte de Andy Warhol, baseada na clássica obra dele com a lata de Sopa Campbell etc. 

O fato do Chris Skepis não estar a constar na foto clicada pelo amigo Alex, foi meramente circunstancial por ele não estar presente naquele instante e motivado pelo caráter improvisado de tal produção fotográfica.

Assista abaixo, a menção ao nosso show de lançamento, no "Vídeo Show", da Rede Globo de Televisão:  

Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=B8wxsdut-EY


Às 13:30 horas, vimos no programa, "Vídeo Show" da Rede Globo, a chamada do show. Algumas colocações da locução foram equivocadas, no entanto. Não quero ser intransigente, mas por ser realista, devo assinalar que foi lamentável para algo que durou pouquíssimos segundos. Por exemplo: como assim, "Pitbules" on Crack? E outra observação, como assim sermos a atração principal da festa? Aquilo era para ser o show de lançamento do nosso próprio disco, portanto, a festa e as suas atrações análogas, é que deveriam ser tratadas como secundárias...
Frame da nossa meteórica aparição no Vídeo Show, da Rede Globo

Todavia, o fato de nosso show ter sido anunciado na Rede Globo, foi extraordinário para uma banda underground, não poderíamos reclamar. E mesmo bem curto, por não passar de vinte segundos, comemoramos muito a citação, que teve o apoio de imagens do Clip oficial da canção: "Under the Light of the Moon".

Enfim, tirante mais algumas notas menores em outros veículos, o fato de termos sido retratados com meia página no caderno "Ilustrada" da Folha de São Paulo e a citação no Vídeo Show, da Rede Globo, já teriam valido todos os esforços da divulgação.

Preparamo-nos para o show, ao agregar um convidado. Por indicação minha, o então muito jovem, Rodrigo Hid, ensaiou conosco para tocar teclados. Na verdade, ele tocaria apenas Mini-Moog, para fazer intervenções mais psicodélicas. Mas no avançar dos acontecimentos, ele não tocou e só esteve presente para nos auxiliar como um "roadie". 

Estávamos bastante ressabiados com o desfecho dessa produção e já não achávamos que seríamos a atração principal, há muito tempo, contudo, na hora decisiva, as nossas expectativas pessimistas receberam acréscimos de mais fatos ruins.

Justiça seja feita, mesmo ao sinalizar tudo ao contrário, na prática, ao menos nos crachás, fomos designados como a banda "headliner" do nosso próprio show de lançamento

Fomos ao "Sítio do Espanhol", local do show, no período da tarde.
Quando chegamos, vimos que haviam muitos funcionários empenhados em preparar o local para o evento. 

Os portões abrir-se-iam para o público às 18:00 horas, mas por volta das 15:00 horas, nós já estávamos lá, à disposição para o soundcheck.

Se por um lado, foi bom vermos tantos funcionários a trabalharem para fazer a festa acontecer, por outro, foi decepcionante verificar que das ideias originais, quase nada, ou nada, literalmente, havia sobrado. Toda a estrutura parecia ser a de uma festa comum e a nossa presença é que denotara ser um estorvo naquele aparato.

O primeiro golpe veio quando fomos verificar o equipamento e o palco do nosso show. Tratou-se de um palco minúsculo, que não diferenciava-se muito de uma barraca de pastéis de feiras livres (com todo o respeito às barracas de pastéis, nas feiras). 

O equipamento disponibilizado se provou modestíssimo e claramente inadequado para um campo de futebol ao ar livre. Só as primeiras fileiras formadas por pessoas e com muita sorte, receberiam o som com um padrão de equalização razoavelmente inteligível e assim, cerca de vinte metros adiante, as demais ouviriam uma maçaroca sonora, à mercê do vento que soprasse na hora do show.

Já havia caído uma boa chuva na madrugada anterior e o campo estava bem enlameado. Convenhamos, seria um anticlímax até para os mais fanáticos fãs de uma banda consagrada e o que dizer de nós, nesse caso? Quem arriscar-se-ia em chafurdar para nos assistir?

Outra péssima notícia chegou particularmente para a meu contragosto: o marqueteiro da gravadora abordou-me e ao demonstrar estar muito preocupado, contou-me que a banda australiana o contatara e que um acidente acometera o baixista deles. Esse rapaz estava a viajar junto na comitiva, mas sem condições de tocar, com o braço engessado. 

O marqueteiro desejou então que eu tocasse no lugar dele. Claro que eu não achei adequado tocar, por todos os motivos plausíveis e já elucidados neste relato. Mas o sujeito parecia apavorado, mais uma vez a denotar que apostava todas as suas fichas nessa banda como atração principal e o fantasma de um possível cancelamento da banda australiana, causara-lhe calafrios.

Eu argumentei que não fazia nem ideia de como seria o som do tal de "Honey Island", e o rótulo de "Surf Music" que lhe imputavam, pareceu-me vago, pois no meu conceito isso evocaria artistas como "Link Wray", "Dick Dale" e "Beach Boys", mas certamente que esses sujeitos rezavam por outra cartilha e o que chamavam de "Surf Music", devia ser um Pop-Rock com raízes oitentistas, isso se não contivesse também, o elemento "Ska", entre elas. 

Bem, essa conversa atormentou-me por horas (e convenhamos, ficar mais incomodado do que eu já estava, ao testemunhar a festa fugir completamente de seus propósitos, foi um fator a mais para lamentar-se), e chegou-se em um ponto onde eu cogitei aceitar tocar um som completamente obscuro para os meus propósitos, mas ao final da longa noite que seguiu-se, isso culminou em não confirmar-se (ainda bem)...

Claro que o soundcheck foi caótico. Não seria possível realizar um milagre mediante um equipamento de PA insatisfatório daqueles e com técnicos tão despreparados para operá-lo. 

Pela conversa dos indivíduos dessa equipe de operação de áudio, eles deviam estarem acostumados a sonorizar quermesses de igrejas, festas provincianas de bairros e que tais. 

Nesse instante, ameaçara chover mais e o marqueteiro estava enlouquecido com a logística dos australianos, acima de qualquer outra preocupação.

Entre o Deca e o Chris, está o jornalista, Antonio Carlos Monteiro, que foi visitar-nos no estúdio, por ocasião das gravações do CD Lift Off, em 1996.

Por volta das 19:00 horas, eu recebi a presença do jornalista Antonio Carlos Monteiro, sua esposa e filha. Estavam a chegar ao evento, devidamente convidados por nós, naturalmente. Mas por desmandos da organização, eles foram maltratados por seguranças ríspidos. Só soubemos do ocorrido ao ouvirmos o relato do próprio Antonio, que estava bastante indignado e com toda a razão. 

Segundo contou-nos, demorou muito para alguém liberar a sua entrada com a família, mesmo ao constatar-se estarem os seus nomes devidamente registrados na lista de convidados e com destaque para deixar claro que no caso do Tony, ele estava ali como parte da imprensa para cobrir o evento. Além do clima de tensão e má educação com o qual foram tratados.

Até cachorro bravo fora atiçado contra eles em um momento mais tenso, ao extrair todo o prazer da família para aproveitar a festa. Emblemático, o próprio Tony ironizou, ao dizer-nos que aquela recepção fora "muito paz e amor", como havíamos propagado o "Pitstock", no release oficial que enviáramos-lhe, e pelo material promocional do evento.

Fiquei duplamente chateado com essa revelação da parte dele. Primeiro pela vergonha de expor pessoas amigas a tal tratamento vexatório e sob um segundo instante, por essa frase irônica, proferida da parte dele, ter espelhado fielmente a completa desvirtuação do projeto (que competia aos rapazes da organização da festa). 

Já falei várias vezes, mas reforço: a gravadora não teve obrigação alguma para produzir um show de lançamento. A ela, cabia produzir o CD, distribuí-lo e divulgá-lo através da mídia. Portanto, estávamos gratos pelo apoio extra, inicialmente.

Contudo, todo o projeto saíra de controle, quando o marqueteiro sentiu-se pressionado pelos seus amigos, os produtores da festa, a cortarem as nossas ideias e dessa forma, praticamente transformara-se o nosso lançamento em uma festa comum, nos moldes em que estavam acostumados a produzir outras festas banais. 

Dessa maneira, deve ter surgido a ideia da banda australiana, que no mundo particular deles, devia ser grande e agradaria o público que atingiam normalmente. Isso eu até entendo. E também não chateio-me por saber que uma verba da gravadora foi gasta para investir na festa. Se haviam prontificado-se a produzir o evento e isso não fora teoricamente uma "obrigação" da parte da gravadora, foi compreensível que a empresa tenha tido gastos nessa produção.

Mas a partir do momento que o nosso lançamento tornou-se secundário, eticamente tornou-se discutível que esse dinheiro empenhado para cobrir despesas, que competia aos garotos da organização da festa, tivesse sido usado. 

Sendo apenas uma festa normal onde o mote "Pitstock" perdera o sentido, completamente e apesar do aparato mercadológico assim denominá-lo, ter tornado-se festa com "Honey Island" e bandas nacionais de abertura, é claro que o dinheiro teria sido melhor empregado em um novo vídeoclip, ou outras ações de divulgação do CD. 

Enfim, estou apenas a conjecturar, com vinte anos de distância do evento (2016), pois a sorte do Pitbulls on Crack foi inteiramente lançada nessa ocasião.

Não posso deixar de observar que de nossa parte, nós fizemos todo o esforço para manter o nosso psicológico em bom estado, a despeito de estarmos a ver tudo errado ao nosso redor. 

Nesse aspecto, é importante relembrar que o Pitbulls on Crack foi a banda mais "low profile" em que toquei, no bom sentido do termo. Conforme já registrei diversas vezes na narrativa, foi a banda onde mais diverti-me pelo aspecto extra musical, pelo fato de todos os outros três membros serem comediantes de stand-up comedy, natos.

Por isso, se estou a relatar desatinos em relação a esse show de lançamento e esta parte em específico ter ficado grande pela complexidade de detalhes, não significa que estivéssemos, ainda assim, amuados no tal sítio.
Pelo contrário, rimos muito da "barraca de pastel", onde ficou instalado aquele palco triste, no meio de um campo de futebol enlameado, entre outras coisas. Claro, ficamos chateados com fatos sérios, como os maus tratos perpetrados contra o jornalista, Antonio Carlos Monteiro e a sua família.

Mas no cômputo geral, internamente foi mais uma típica noitada do Pitbulls on Crack, com um festival de piadas sarcásticas que foram geradas e a tratar de desopilar os nossos respectivos fígados indignados, com os desmandos todos. 

Os membros do "Tiroteio" eram boas pessoas, não tenho queixas pessoais, deixo isso claro, mais uma vez. 

A sua empresária, Lu Brandão, era a mãe do Titã, Branco Mello e logicamente a se valer de ser uma pessoa com contatos no meio. A banda em questão detinha um apadrinhamento dos Titãs, pelo fato do seu líder, um sujeito chamado, Sérgio "Boneca" ter composto uma música que fizera sucesso na interpretação deles, Titãs ("Eu não aguento"). 

A estética do trabalho deles era intragável, infelizmente, como eu já descrevi. E o fato deles terem sido "escalados" para a festa, sem a nossa consulta prévia, causou um mal-estar duplo para nós. Primeiro pela prepotência do ato, da parte de quem impôs tal decisão (isento os membros da banda nesse processo), em segunda instância, pelo choque estético entre as duas bandas e portanto, sob absoluto antagonismo ao aparato todo da festa que desejávamos ter.

Tudo bem que o Pitbulls on Crack estava um tanto quanto contraditório com esse aparato "hippie", quando na verdade mantinha uma identidade com o Indie Rock noventista (com raízes do Punk' 1977). Eu admito isso, mas em termos. 

Porém, por outro lado, o caráter híbrido do nosso som, sempre fora garantido pela minha presença, principalmente e pela atuação do Deca, como guitarrista solo.

Deca a delirar no palco do Olympia, em outubro de 1996. Click de Marcelo Rossi

Mesmo que o Chris Skepis tivesse esse lado e por ser o compositor da maioria do material, a neutralização sempre foi automática devido às minhas linhas de baixo, trabalhadas ao estilo das estéticas das décadas de 1960 & 1970 e pelos solos de guitarra do Deca, 100% baseados no Rock visceral do AC/DC. 

Então, mesmo por não ser uma banda retrô, assumidamente, o Pitbulls on Crack estava com uma aproximação com esse sentimento sessentista e a inclusão de uma banda como o "Tiroteio", foi um grande "tiro" de fato, mas no nosso pé, no sentido do vilipêndio ao ideal de um suposto "Pitstock", a evocar valores "Woodstockeanos". 

O punk misturado ao sambão-jóia dos rapazes, mais aquelas malandragens ao estilo "Planet Hemp", representou uma antítese aos nossos ideais.

Claro que o marqueteiro da gravadora nem suspeitava desse incômodo de nossa parte e muito menos os seus amigos, organizadores do evento. Mas o crítico, Antonio Carlos Monteiro, sabia das coisas e na sua resenha publicada na Revista Rock Brigade, posteriormente, ele deixou isso claro, ao lamentar a presença do "Tiroteio" no evento. Em suma, foi uma outra bola fora, da organização do evento.

E um fato curioso, o nosso baterista passava pelo corredor quando ouviu a empresária deles, a falar para alguém, algo do tipo: -"não gosto desse Pitbulls on Crack... eles nem deveriam estar neste evento".

Alguém esqueceu-se de informar à essa senhora, que aquele "evento" foi ou deveria ter sido, o lançamento do nosso CD, e se havia alguém que chegara àquele sítio, no uso de um paraquedas, não foi a nossa banda...

A festa estava em andamento, mas o público estava muito aquém do que esperavam os seus organizadores. Eles mantinham esperança de que a meta traçada, entre doze a quinze mil pessoas, fosse atingida e achavam que o grande fluxo chegaria no momento quando o "Honey Island", fosse tocar. 

Aliás, cabe a pergunta: contrataram uma banda internacional e os colocariam naquele palco medonho e para tocar naquele PA de quermesse? Aonde fomos parar? No show do Frank Zappa cover que víramos em outubro, não providenciou-se um equipamento de primeiro mundo, mas esteve digno, pelo menos.

Desta feita, nitidamente economizaram ao contratar um equipamento de terceira linha e queriam colocar um grupo estrangeiro para se apresentar ali naquelas condições mambembes?

Com a notícia do mau tempo em São Paulo, o marqueteiro ficou ainda mais nervoso, pois foi informado que o voo dos australianos atrasar-se-ia. O jeito foi postergar a entrada do "Tiroteio", e a nossa, para ganhar tempo.

Frame da entrevista que a MTV fez conosco no lounge do sítio onde realizamos a festa/lançamento do CD "Lift Off". 13 de dezembro de 1996

Nesse ínterim, uma equipe de reportagem da MTV chegou e gravou uma entrevista conosco e com o pessoal do grupo "Tiroteio". Falamos bastante sobre o aparato da lata e a atmosfera "sessentista" que evocáramos, mas essa conversa não teve respaldo algum. Embora nos anos noventa não houvesse mais a ojeriza sobre tal assunto, que existia nos oitenta, por outro lado, tirante manifestações isoladas, o público alvo da MTV nem entenderia essa questão.

O foco noventista naquele instante no Brasil, foi para bandas agressivas, derivadas da escola Hard-Core, com sujeitos trajados com bermudas, padronizados como a fazerem o gênero de malandros de ruas, mediante as suas inerentes condições. 

Inclusive a ignorar o Brit-Pop noventista, que só ganhou relativa força midiática no Brasil ao final daquela década, com atraso, portanto. 

Portanto, conversa sobre um possível resgate da psicodelia sessentista, não seria compreendida por esses telespectadores, simples assim. Mesmo assim, por parte da equipe e do repórter, fomos bem tratados, certamente e a matéria ficou boa, quando foi ao ar, já no dia seguinte, como notícia a posteriori. 

Veja abaixo, o vídeo dessa entrevista, onde inclusive aparece a nossa banda a tocar no medonho palco já citado:

O link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Y2FD1Tp0LV4

O público presente na festa, pareceu ter sido o mesmo habitual das
festas organizadas por esses rapazes. Tais pessoas andavam para lá e para cá, à cata de bebidas e paqueras, alheios às bandas.

Mesmo antes de irmos ao palco, sabíamos que não faria diferença alguma os shows para eles e pelo contrário, talvez os aborrecêssemos com nossa música autoral desconhecida. 

A chuva apertou e acalmou, mas mesmo nos momentos mais amenos, nunca deixou de atuar e com isso a inibir a presença das pessoas presentes no campo de futebol, que estava comprometido pelo lamaçal produzido. Foi, sem dúvida, um fator negativo a mais e potencializador para o fracasso anunciado.

Quando chamaram o "Tiroteio" para tocar, chovia bem leve, mas o campo estava um horror, como eu já salientei anteriormente. É claro que nada mudaria em poucos minutos, e de fato, quando fomos tocar, o panorama foi idêntico. 

Fizemos o nosso show sob uma chuva bem leve, mas com quase ninguém disposto a enfrentar o barro. A iluminação beirou o ridículo, com duas tímidas torres, a conter poucos spots de quinhentos, em cada uma e a ser operada por um sonolento iluminador, certamente com noção de mapa de iluminação baseada em árvores de natal.

Ninguém na festa pareceu saber que estávamos a lançar um disco e nessa altura, estivemos ali somente a cumprir tabela, resignados com a festa muito equivocada e plena de anticlímax. 

O show foi na verdade, um ensaio a céu aberto, realizado em uma "barraca de pastéis" e iluminado por árvores de natal. Não lembro-me de ver mais que cinquenta pessoas dispostas a assistir-nos naquele campo escuro, enlameado e sob chuva, mesmo que esta fosse leve naquele instante.

Mas, foi o Pitbulls on Crack... e dentro de suas características normais, tocamos e divertimo-nos, mesmo sob tais condições ruins e claro, a estabelecer piadas sobre a noite tenebrosa, aos montes. 

Quando voltamos à casa que servira-nos como camarim, tivemos a surpresa de que uma outra banda internacional estava ali e com os seus membros a comerem o nosso lanche!

Sinceramente não lembro-me do nome da banda, mas lembro-me tratar-se da nova banda de um ex-baixista dos Ramones (Dee Dee Ramone), e os estrangeiros estavam no Brasil para fazerem shows no circuito underground. Alguém levou-os à festa e claro, naquela zona que estava generalizada, claro que foram convidados a tocarem de improviso na barraca de pastel, digo, palco.

Estava a ocorrer uma certa bajulação em cima desses artistas novaiorquinos mas de minha parte, pareceu ter sido a cereja no bolo de fel, cuja receita estava lotada por ingredientes indigestos, que fora-nos servido. 

Foi mais uma banda punk, intrusa e irrelevante, a destruir o "Pitstock", essa foi a realidade. 

Já aproximava-se da meia noite quando resolvemos nos evadirmos do sítio. Os australianos do "Honey Island" ainda nem haviam desembarcado em Cumbica. 

O marqueteiro estava resignado com a ausência deles e dizia estar disposto a anunciar o cancelamento de seu show. Mas nessa altura, anunciar isso naquele palco triste, não faria a menor diferença. Aliás, o público debandava, cansado de abrigar-se da chuva e da festa entediante.

Depois que fomos embora, soubemos que os sujeitos australianos finalmente chegaram, mas sem delírio de helicóptero, foram de van mesmo e chegaram ao sítio, por volta das 4:00 horas da manhã. 

A festa acabara, praticamente, com a presença de poucos bêbados a serem expulsos pelos seguranças. Claro que os australianos não tocaram e convenhamos, ainda bem. 

Assim foi o "Pitstock", uma ideia muito estimulante, mas que desvirtuou-se completamente. O saldo positivo para a banda, ficou por conta da propaganda elaborada pela webdesigner, Marina Yoshie, com o suporte à lata promocional.

Claro, a matéria com destaque na Folha de São Paulo, a reportagem da MTV, a resenha na revista Rock Brigade, matérias no "Estadão" e no caderno "Folhateen", da Folha de São Paulo e a citação no programa "Vídeo-Show" da Rede Globo, foram os nossos maiores êxitos nessa empreitada. A festa em si foi uma sucessão de erros, lamentavelmente.

Ao ir além, hoje eu enxergo esse evento como o "canto do cisne" do Pitbulls on Crack. Foi a última esperança para darmos um salto na carreira enquanto banda e pleitear assim um lugar melhor no mercado musical. 

No ano de 1997, o Pitbulls on Crack teria alguns poucos momentos felizes, mas sem dúvida, o último impulso significativo na carreira da banda, ocorrera com a questão do lançamento desse CD e principalmente a criação do aparato todo de divulgação. 

O "Pitstock" foi portanto, a última esperança e a julgar pelo seu deprimente resultado, tal energia criativa esvaíra-se pelo ralo, na prática. Realizou-se no dia 13 de dezembro de 1996 e a festa recebeu cerca de mil pessoas no sítio, somente.

Release oficial em inglês, do CD Lift Off, disponibilizado pela gravadora

O dia seguinte dessa festa malograda, na verdade estendeu-se, pois já avançava-se sobre a segunda quinzena de dezembro e convenhamos, o Brasil já estava todo parado, a falar sobre o Papai Noel, ceias pantagruélicas, reveillon e férias de verão. 

Não foi possível esperar outra atitude da gravadora e todos os esforços posteriores para se continuar a divulgação e distribuição, só mesmo viriam com a entrada de 1997.

E a versão do release oficial do CD Lift Off, em português, logicamente

Não canso-me de dizer, o Pitbulls on Crack não abalava-se com nada. O fato da festa ter sido decepcionante, não tirou o humor de ninguém e pelo contrário, só gerou mais uma enorme quantidade de piadas frescas a alimentar as nossas reuniões futuras. A barraca de pastel/simulacro de palco, a lama generalizada, a empresária do "Tiroteio" a afirmar não gostar de nós, mas sem perceber que a festa era nossa, o público burguês e completamente alheio a tudo e a segurança agressiva, com cães a apresentar uma postura nada "Peace & Love"...

Bem, esse foi o lado leve do Pitbulls on Crack, uma banda cujos membros dificilmente teriam problemas estomacais, decorrentes de do nervosismo. 

Os próximos compromissos seriam mesmo apenas para janeiro de 1997. O programa "Metrópolis", da TV Cultura de São Paulo (uma ótima revista cultural, por sinal), havia ventilado o interesse em entrevistar-nos e o programa "Brasileiros e Brasileiras", da Rádio Brasil 2000 FM, também agendara uma entrevista/show ao vivo, no estúdio da própria emissora. Haviam também pedidos para entrevistas da parte de algumas revistas, como Rock Brigade e Cover Guitarra.

Então, quando mencionei o "Canto do Cisne" da banda, anteriormente, é óbvio que eu, e ninguém da banda, teve essa perspectiva naquela época. Pelo contrário, diante desses agendamentos de órgãos de imprensa, para falarmos a respeito do recém lançado disco, tais consultas deram-nos esperanças por dias melhores.

Com exceção dos órgãos da imprensa especializada, outras manifestações de apoio que tivemos foram fruto do esforço da gravadora pelo aparato de divulgação, muito mais que interesse em nossa música, tivemos consciência disso. 

Mas independente desse fator, queríamos aproveitar ao máximo tal perspectiva. E assim encerrou-se o ano de 1996 e foi de fato a última gota de esperança para o Pitbulls on Crack, hoje eu vejo esse fato histórico, com total precisão.

Continua... 

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