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domingo, 6 de dezembro de 2015

Patrulha do Espaço - Capítulo 6 - Quer Comprar um Ônibus? - Por Luiz Domingues

O próximo compromisso que tivemos, foi em uma casa noturna famosa do interior de São Paulo, e que já havíamos visitado ao final de 2000. E nesse show em específico, uma novidade aconteceu como um teste preliminar, mas que tornar-se-ia doravante uma esperança de solução para a logística da banda, mas concomitantemente, uma fonte permanente de preocupações inerentes, para todos nós. 

Ocorreu que a Claudia Fernanda, que era a nossa produtora, conhecera um rapaz que era dono de duas vans e esse rapaz já havia conduzido a banda para shows no interior, anteriormente, em regime de locação de seus veículos.

Esse sujeito disse ter conhecido um outro rapaz que estaria a vender um ônibus por um valor convidativo e que ele estaria disposto a facilitar o pagamento. 

Então, a vivermos uma fase em que tivemos muitas oportunidades para tocarmos em cidades interioranas, além de viajarmos para outros estados, pareceu algo alvissareiro, pois, costumávamos deixar uma significativa fatia dos nossos cachês, a sair de nosso caixa para pagar a locações com micro-ônibus, vans e similares, portanto, a ideia de possuirmos um transporte próprio, pareceu ser boa em princípio, entretanto, muitos desdobramentos ocorreriam dessa ideia. 

Claro que conversamos e ponderamos os prós e contras de um investimento desse porte. A autonomia para viajar, pareceu-nos ser o grande argumento pró, mas a contrapartida, ao pensarmos na despesa imensa em torno da manutenção de um bólido dessa dimensão, gerou dúvidas. Não seria melhor investir tal dinheiro em outras necessidades importantes para a banda? Enfim, essa conversa ocupou-nos a atenção entre agosto e setembro de 2001.

Embora fosse óbvio que teríamos gastos adicionais da ordem de ajustes de manutenção do veículo, além das prestações da aquisição, propriamente dita, o nosso sócio/motorista, sempre minimizou tais questões, como se fosse fácil resolvê-las. 

É claro que não seria uma tarefa simples, mas a contrapartida foi a óbvia perspectiva do aumento da demanda de shows, com o consequente aumento da arrecadação. Nesses termos, insinuara-se que a estratégia lograria êxito e na pior das hipóteses, conseguiríamos manter a organização financeira da banda na parte azul do balanço, o que já seria aceitável naquele momento.

Rara foto desse show no Delta Blues de Campinas-SP, em 2001, e do acervo pessoal do nosso roadie, Samuel Wagner

Enfim, gastamos uma boa quantia para efetuarmos alguns ajustes mínimos, no intuito de usarmos o ônibus o quanto antes e torná-lo assim, rentável. 

E nesse sentido, a primeira experiência com o veículo, deu-se no início de setembro de 2001. Fomos a Campinas-SP, para mais uma apresentação na casa de shows, "Delta Blues". Como a cidade de Campinas fica distante apenas cem Km de São Paulo, julgamos ser uma experiência ideal para testar o carro na estrada e sentir assim se poderíamos confiar no seu desempenho.

O motorista também esboçou estar bastante animado e como costumava enfatizar para nós, ele queria aproveitar a vida na estrada ao conduzir a banda para tocar a toda parte. 

Nesses termos, denotou ser uma parceria perfeita, mas não pensávamos nessa ocasião, o quão imprudente era (é), contar com um único motorista para conduzir o veículo. Na animação inicial, não ponderamos os impedimentos inevitáveis que poderiam ocorrer, tais como: problemas de saúde do mesmo, imprevistos familiares, problemas legais com a carteira de habilitação do dito cujo etc...

Tais questões só viriam à tona, tempos depois, quando nos deparamos com eventos desse nível, pois naquele momento inicial, só pensávamos sobre o cotidiano. E assim, com o ônibus ao ter passado por pequenos ajustes iniciais básicos (troca de óleo e filtros, dois pneus novos, um check-up na mecânica, freios e parte elétrica), enfrentamos o primeiro desafio. 

Posso afirmar hoje em dia, que fora uma nova etapa na carreira da banda e não simplesmente marcada por uma mera aquisição. Realmente, daí em diante, as movimentações pautaram-se muito por conta desse ônibus, pelos aspectos bons e ruins, sob tal rumo que adotamos.

Para testar a novidade, rumamos para Campinas-SP e logo no primeiro posto rodoviário, fomos "convidados" a parar para efetuarmos uma conversa com o policial rodoviário. Apesar da aparência discreta do veículo e estar tudo em ordem, inclusive a documentação, já devidamente registrada em nome do nosso motorista/sócio, éramos novatos nessa dinâmica de considerarmo-nos donos de um ônibus, e posso afirmar que foi o primeiro susto desagradável que tal atribuição poderia proporcionar-nos e infelizmente, ocorrências muito piores surgiriam doravante, por anos a fio.

Imbuído da típica malandragem de quem ostentava vivência dentro desse universo rodoviário, o motorista só nos disse para ficarmos quietos dentro do veículo e aguardarmos, pois ele trataria do assunto com o policial. 

De fato, o policial quis olhar os itens básicos de segurança do veículo e não achou nada de errado na documentação, pois apenas alertou sobre os pneus que não havíamos trocado previamente e certamente também precisavam serem substituídos (só trocáramos dois, os piores, mas o certo seria ter comprado um jogo novo, é claro). 

Contudo, o policial quis examinar a parte interna, e com feição facial pouco amistosa, ele entrou e verificou que tratava-se de uma banda de Rock a bordo, com um contingente formado por cabeludos, instrumentos e equipamentos. Temi por um pedido de inspeção geral, alimentado pelo preconceito de praxe em relação ao suposto posse de drogas, mas ele nos surpreendeu quando apenas desejou-nos feliz viagem e nos liberou, enfim. 

A parada consumiu quase meia-hora da nossa viagem, ou seja, a metade do tempo que se gasta normalmente para cumprir a trajetória de São Paulo a Campinas.

Enfim, chegamos ao Delta Blues, localizado no simpático bairro Castelo, na cidade de Campinas-SP, e assim como na ida, ficou a constatação de que carregar e descarregar o equipamento pela porta tradicional do veículo revelara-se um fardo. 

Além de pouco anatômica para a função, tal tarefa produzia um lógico cansaço extra para a equipe de roadies, além da morosidade nesse processo, ao se gerar uma preocupação a mais. Providências precisaram ser tomadas sobre tal questão, além da adequação dos bancos, pois o ideal foi ter menos que as quarenta e tantas poltronas tradicionais do ônibus.

Ao falar do show em si, foi uma excelente performance da nossa parte, ou seja, para honrar as tradições da banda, "fizemos, uma noitada excelente!" Foi a noite do dia 6 de setembro de 2001, véspera de feriado nacional e cerca de trezentas pessoas entraram na casa, para assistir-nos.
Um fato alheio à banda abaixou um pouco o bom astral da noite, com uma briga que aconteceu quando seguranças da casa expulsaram alguns garotos impetuosos que tentaram entrar sem pagar. E outro fato, este sim, pertinente para nós, foi que logo na saída de São Paulo, havíamos notado uma quantidade de areia no interior do veículo, ainda que não em grande profusão e nitidamente notara-se que havia escapado de uma popular "vassourada" prévia.

O nosso sócio tentou disfarçar, ao falar que transportara areia de construção para seu uso pessoal, ao visar realizar uma pequena obra caseira, mas a verdade veio à tona a seguir: ele transportara uma banda de pagode para a cidade de Santos-SP, alguns dias antes da nossa viagem para Campinas-SP, e o passeio na praia, certamente deixou vestígios. 

O nosso trato fora o de usarmos o veículo exclusivamente para nós, mas logo de início, já ficamos desapontados com tal atitude sem a nossa concordância, e aí já começou uma quebra de confiança que só aumentaria nos meses subsequentes. 

Na volta para São Paulo, a viagem foi tranquila. O ônibus não esboçou nenhuma pane e a polícia não nos parou para efetuar inspeções, mas quando já estávamos a transitar pela cidade de São Paulo, um problema surpreendeu-nos em pleno Vale do Anhangabaú, bem no meio do seu túnel subterrâneo.

Por uma falha lamentável ocasionada pelo marcador de combustível, tal fator deixou-nos sem noção da real situação do abastecimento do tanque de óleo diesel. Foi repentino e lamentável, ficarmos por volta das seis horas da manhã com o carro sem meios para prosseguir. 

A sorte, foi que tratou-se de um feriado e sob um horário muito cedo, pois se fosse em um dia útil qualquer, seríamos alvo fácil dos xingamentos dos motoristas estressados ao nosso redor. Enfim, sanado esse problema de pane seca, seguimos em frente e já adquirimos uma outra questão extra para resolver: o marcador de combustível e a sua indefectível boia...

Diante da dificuldade que detectáramos na tarefa para carregar e descarregar o equipamento do ônibus, surgiu a ideia de promovermos uma transformação na lataria, ao abrir-se um novo caminho mais confortável para o empreendimento de tal tarefa logística. 

O sócio/motorista indicou um amigo funileiro que detinha experiência com esse tipo de serviço e dessa maneira, nós fomos até o município de Taboão da Serra-SP, na Grande São Paulo, onde ele morava, e posteriormente à oficina de seu amigo, em um bairro daquela cidade. 

Foi o começo de uma Era permeada por peregrinações ao universo de oficinas mecânicas, lojas de autopeças, eletricista de autos, borracheiros e afins. Eu confesso que sempre detestei tudo isso, mesmo para cuidar de meu carro particular, quanto mais de um ônibus.

O sujeito se tratava de mais um daqueles típicos personagens desse mundo, pleno das malandragens e maneirismos e claro que eu e qualquer outro membro da banda, destoava desse mundo, completamente e aos olhos dessas pessoas, éramos presas fáceis para que exercessem a sua arte de ludibriar, por usarem de terminologia estranha ao nosso vocabulário e métier. 

Só não foi fatal, porque nesse quesito, o sócio/motorista tomou a dianteira e falou a mesma linguagem desses sujeitos, porém em um curto espaço de tempo, ficaríamos à mercê nesse quesito, conforme relatarei no decorrer da cronologia. 

Enfim, o tal funileiro avaliou e projetou uma porta lateral no fundo do bólido, que facilitaria a tarefa de carga e descarga de equipamentos. 

Ao aproveitar o ensejo dessa intervenção, cotamos a pintura do veículo. A pintura original de fábrica não estava ruim, mas se pudéssemos empreender uma melhoria no carro, por que não aproveitarmos a oportunidade?

Pairou contra, a ideia de uma dívida extra, pois ainda tínhamos prestações a pagar pela aquisição do mesmo, além de vários pequenos reparos a providenciar. Contudo, o preço que o rapaz pediu para pintar o veículo, ficou abaixo da média de mercado e portanto, tornou-se uma oportunidade. 

Antes de comentar sobre essa pintura, eu preciso retroagir um pouco, pois mesmo antes dessa possibilidade aparecer, nós já havíamos pensado em uma pintura, por que muitas conversas foram mantidas com um artista plástico, que inclusive entregou-nos um esboço (raf ) incrível que fez com que viajássemos sobre tal hipótese, literalmente.

Os irmãos Peticov, Antonio acima, em foto dos anos sessenta, e André, abaixo, em foto mais atual

Foi assim que aconteceu: o Rolando Castello Júnior era amigo dos artistas plásticos, Antonio e André Peticov, desde o final dos anos sessenta. Para quem conhece a história do Rock Brasileiro, sabe bem que esses irmãos tem uma parcela enorme de contribuição à arte de uma maneira geral e que ambos interagiram com bandas de Rock, desde essa época, com muita profundidade. 

Antonio foi mentor dos Mutantes e André foi um dos primeiros artistas a fazer projeções psicodélicas com bolhas, em shows de Rock em São Paulo. 

Mais ou menos em abril de 2001, eu fui com o Junior ao atelier do Antonio Peticov, sendo este um enorme galpão localizado no bairro do Itaim-Bibi, na zona sul de São Paulo, quando cumprimos uma visita de cortesia. Nessa ocasião, conhecemos um de seus muitos pupilos e quase todos ali eram entusiastas do Rock 1960 & 1970. 

Algum tempo depois, lembramo-nos desse rapaz, pois ele havia oferecido-se para ajudar-nos com qualquer tipo de lay-out que precisássemos, de cartazes de shows a capas de discos, enfim.

Então, o Rolando Castello Junior o chamou em sua casa e conversamos sobre a possibilidade dele desenvolver uma pintura psicodélica ao estilo dos ônibus e vans que circulavam na América do Norte, nos anos sessenta, no auge do movimento Hippie. 

Claro que o rapaz adorou a ideia e alguns dias depois, ele voltou à residência do Junior com um esboço em mãos, mas na verdade, já munido simultaneamente de um "boneco". Para quem não conhece o jargão de quem lida com lay-out gráfico, "boneco" é uma miniatura bem realista de como um produto vai ficar quando pronto, para o cliente ver e aprovar ou não a sua confecção. 

Enfim, o ônibus de papelão que ele nos trouxe para a nossa avaliação, ficara absolutamente incrível! Tratou-se de uma pintura louquíssima, multicolorida e o que foi fascinante: 100% fidedigna à psicodelia sessentista, por que o conceito "psicodelia", há muito tempo fora deturpado em linhas gerais, por gente que lida com grafite e invariavelmente mistura conceitos da dita "Hip-Hop", ou estava ligada às tais "raves" de música eletrônica dos anos noventa. 

No entanto, não foi o caso desse rapaz, pois como pupilo de Antonio Peticov, ele era naturalmente inteirado da fonte mais primordial, e por conseguinte a saber exatamente o que procurávamos. 

E para ir além, claro que tal artista desenhou com paixão, pois também amava aquela estética. Portanto, quando tivemos a chance para pintar o ônibus, claro que desejamos colocar em prática aquela ilustração psicodélica incrível, mas por fatores alheios à nossa vontade, o nosso plano teve que ser modificado.

A ideia para pintar o ônibus fora acalentada pelos quatro membros da banda com muito entusiasmo, porém, não seria apenas uma questão de se desejar empreender, pois logo descobrimos que para oficializar uma pintura desse tipo no veículo, gastaríamos mais uma verba considerável e haveria a possibilidade de ficar sob judice das autoridades, pois ao contrário do que imaginávamos, inocentemente, ao pensarmos na enorme profusão de veículos conduzidos por hippies nos anos sessenta, para estes rodarem tranquilos, com o veículo regularizado em sua documentação, a questão seria muito mais complicada, principalmente ao se imaginar a burocracia massacrante exercida no Brasil. 

Então, ao levar em consideração tais atribuições e somado ao fato de que o funileiro, quando consultado sobre uma possível pintura artística, relutou e deu a entender que não saberia fazê-la corretamente, resolvemos abortar o projeto, lamentavelmente.

Ficamos chateados, obviamente, pois teria sido um prazer enorme, além de uma propaganda móvel muito chamativa. Chegamos a cogitar levantar algum patrocínio pontual, mesmo ao conspurcar um pouco a pintura psicodélica, mas logo desistimos pois seria um trabalho que demandaria muito tempo e nós estávamos com o carro parado na oficina já em fase de serviço de funilaria (aos cariocas que estiverem a ler, entendam como: "lanternagem"), e o rapaz (aliás nem nós mesmos), não poderia esperar por tal definição financeira para cobrir essa ideia. 

O artista plástico que concebeu a pintura, chegou a oferecer-se para pintar pessoalmente, mas precisaríamos de uma garagem adequada, pátio ou estacionamento e haveria toda a estrutura de pintura que sairia cara com a compra não só das tintas, mas de pincéis adequados e material de apoio, fora a questão da sujeira inevitável e posterior responsabilidade pela limpeza e possível reparação por danos causados.

Ele chegou a falar sobre um mutirão, ao arregimentar alguns colegas do atelier do Peticov, e que seria um prazer para todos, mas infelizmente não tínhamos estrutura para tal e já estávamos inclinados a abortar a missão pelas dificuldades que teríamos com as autoridades de trânsito. 

Não consigo recordar-me do nome desse jovem artista, pupilo de Antonio Peticov, mas lembro-me que graças a ele, nessa mesma época, nós ajudamos uma ONG centrada na reciclagem de materiais, ao doarmos uma música para um CD coletânea, com várias bandas, conjuntamente, promovida pela mesma associação para a arrecadação de fundos. 

O Rolando Castello Junior cedeu para a tal ONG, a canção: "Ser", ao extrair o áudio diretamente do CD "Chronophagia". Tal coletânea que foi lançada no mesmo ano, chamou-se:"Música para Reciclar" e a ONG pertencia a uma associação de um bairro da zona noroeste de São Paulo, não lembro-me se Pirituba ou Freguesia do Ó. 

Em tal coletânea, houveram bandas novas e desconhecidas e somente a Patrulha do Espaço e o Tutti-Frutti foram alojados nesse rol como "dinossauros", com história e currículo mais avantajado. 

De volta ao assunto sobre o ônibus, tivemos que optar por uma pintura tradicional e discreta. Sob uma consulta à loja de tintas automotivas, apreciamos um tom de azul bem escuro, que na nomenclatura do catálogo mostrado pelo vendedor, chamava-se: "Azul Universo".

Gostamos da ideia do ônibus conter uma cor sóbria e essa discrição ser fator de segurança, pois também ponderamos que a pintura psicodélica seria maravilhosa, mas estávamos em 2001, no Brasil, e não na América do Norte de 1967, portanto, não obstante o fato de ter sido lindo para o nosso gosto estético, cultural e ideológico, tal predisposição seria um chamariz para atrair potencialmente fatores ruins na estrada, também. 

Por isso, ao descartarmos a pintura psicodélica, fomos em direção diametralmente oposta, ao optarmos pela segurança, via "camuflagem". 

Outro aspecto dessa parada no "estaleiro", veio do Rolando Castello Junior. Pois quando o funileiro perguntou sobre os frisos, o Junior foi incontinente na determinação para mandar arrancá-los. Eu fui contra, mas ele persuadiu os garotos, e sob uma eleição de última hora, perdi nessa escolha. 

O ônibus, ao manter os frisos originais que estavam em bom estado e só precisavam de uma limpeza e polimento, teriam ornado muito melhor com a cor escura que escolhêramos, mas com a lataria nua, realmente ficou muito feio, ao meu ver. 

Fora a questão estética, houve o aspecto da segurança, também. Frisos não servem apenas para enfeitar, mas são sustentáculos importantes dos gomos de lata no veículo. Em 2003, por exemplo, nós passaríamos um apuro na estrada, justamente pela falta desse acessório importante. Enfim, a viver e aprender...

Enquanto o ônibus passava por tais modificações de funilaria e pintura, cumprimos um novo compromisso, alguns dias depois do show que fizéramos em Campinas-SP, conforme eu já descrevi anteriormente. 

Desta feita, nem que o veículo estivesse à nossa disposição, creio que valeria a pena usá-lo, pois tratava-se de um compromisso em uma casa noturna, na movimentada Rua 13 de maio, no bairro do Bexiga, de São Paulo, e convenhamos, para estacionar um ônibus nessa via em pleno dia útil, seria uma proeza, com direito a uma carga de nervosismo, absolutamente desnecessária. Dessa forma, fomos para o compromisso a fazermos uso dos nossos carros particulares mesmo, a despeito de termos sempre um backline grande para movimentar e que demandava trabalho para transportar.

Enfim, o compromisso ocorreu no Café Aurora, no dia 13 de setembro de 2001 e portanto, sob uma quinta-feira, dois dias após o atentado terrorista contra as Torres gêmeas do "World Trade Center", de Nova York. Lembro-me inclusive que o Junior chegou a proferir algumas considerações sobre o atentado, e assim arrancar alguns gritos da plateia, com tal manifestação.

O surpreendente baterista do "Quarto Elétrico": Ivan Scartezini

A banda de abertura foi o "Quarto Elétrico", banda que gostávamos muito pela identidade grande da qual comungávamos, além é claro, da qualidade artística que esses artistas possuíam e para nós seria um prazer contar com uma banda desse quilate a abrilhantar a noite. 

Mundo pequeno e sempre surpreendente, pois apenas cinco anos depois desse evento, sob uma reviravolta da vida, eu e Rodrigo Hid estaríamos fora da Patrulha do Espaço e a tocarmos em uma nova banda, na qual o baterista do "Quarto Elétrico", Ivan Scartezini, seria o nosso companheiro de jornada... enfim, assunto para outro capítulo (Pedra), e que encontra-se logo após o encerramento da minha história com a Patrulha do Espaço, na sequência cronológica desta narrativa. 

Nesse show do Café Aurora, cerca de oitenta pessoas estiveram na audiência e entre elas, uma presença ilustre, na pessoa do produtor musical, Antonio Celso Barbieri, que há anos estava radicado em Londres. 

Foto de Antonio Celso Barbieri, de 2015, quando ele esteve em São Paulo a promover o lançamento de seu livro: "O Livro Negro do Rock"

Barbieri fora produtor de inúmeros shows de Rock nos anos oitenta e produzira muitos para a Patrulha do Espaço e também para A Chave do Sol, a minha banda naquela década e tais histórias estão contadas devidamente nos capítulos sobre A Chave do Sol, decerto.

Dois dias depois, tivemos um novo compromisso em São Bernardo do Campo-SP, no ABC Paulista.

Enquanto o ônibus ganhava melhorias na oficina, cumprimos mais um compromisso próximo. Voltamos então para a casa "Volkana", de São Bernardo do Campo-SP e desta feita não arriscamos a féria da bilheteria como das ocasiões anteriores. 

Mais tranquilos com o acerto de um cachê fixo, não nos preocupamos com a conversa fora da realidade, advinda da parte do folclórico gerente da casa. Mas na realidade nós deveríamos termos nos preocupado, pois o sujeito falava em promover mutirões de divulgação, como se fosse uma tarefa fácil mobilizar equipes gigantescas de voluntários e na realidade, mal havia verba para se produzir um modesto material de divulgação.

Nesses termos, nós relaxamos e ao confiar que eles fariam o máximo para divulgar, por se levar em conta que pagar-nos-iam um cachê fixo e com valor substancial para os padrões de 2001, não levamos em conta de que na iminência de um revés, a casa teria problemas para honrar o seu compromisso. 

Isso sem contar o quanto seria desagradável para nós, artisticamente, tocarmos em uma casa com um contingente de público aquém de sua capacidade, caso isso acontecesse.

Haveriam duas bandas de abertura. Uma delas seria o "Madreterra", uma ótima banda oriunda do ABC, mesmo, e cujo baixista era um ex-aluno meu, chamado, Marcos Pessoto Lira, um artista e pessoa 100% do bem e ótimo músico. Tal banda desenvolvia um trabalho próprio muito bom e baseado em Hard-Rock setentista, mas com muitas dificuldades para achar espaços, obrigava-se necessariamente a tocar covers pela noite, para sobreviver. 

Todavia, mesmo por ter que usar tal recurso, ao menos tocavam um repertório agradabilíssimo, com releituras de clássicos dos anos setenta, e lembro-me claramente deles terem tocado um material até surpreendente, proveniente do repertório de bandas como "Grand Funk", "Uriah Heep", "Ten Years After" etc.

Outra banda que tocou, foi o "Railway". Sinceramente, não recordo-me com muitos detalhes do som deles, tampouco de seus componentes. Só lembro-me que achei agradável também a sonoridade dos rapazes e provavelmente tratara-se de uma banda com influência setentista para eu ficar com essa pálida lembrança de algo simpático aos meus ouvidos. 

Infelizmente, o público presente não foi muito grande. O proprietário da casa chamou-nos para uma conversa na hora do acerto de contas e recorreu então à clássica reclamação sobre a falta de condições para honrar integralmente o cachê combinado, que veio à baila.

Todavia, ao contrário da imensa maioria de donos de estabelecimentos dessa categoria, eu reconheço que esse rapaz em particular, mostrara-se extremamente sincero e honesto e neste caso, ele realmente viu-se em apuros para cobrir o cachê, pois fora nítido que a movimentação da bilheteria não cobriria nem a metade do valor acordado. 

Com ele, houve a compreensão de nossa parte e apesar de não ser correto de forma alguma, nós culminamos por ceder e aceitar o valor do cachê, reduzido, em consideração à sua pessoa, que sempre tratou-nos muito bem.

Mas se dependesse de seu gerente, creio que não teríamos tal consideração, pois o sujeito protagonizou um show de amadorismo nessa noite. E sua atuação sob a aura de canastrice iniciou-se ainda antes do nosso show, em meio às bandas de abertura ainda a tocarem. 

O sujeito, ao perceber que o movimento da casa não aumentaria, começou a ficar nervoso com a perspectiva em ter de dar-nos um cheque sob um valor alto, pois a bilheteria não garantir-lhe-ia o ressarcimento e dessa forma, tentou sensibilizar-nos da pior maneira possível, ao simular estar sob uma crise estomacal. 

Ao usar uma toalha de rosto que apanhara no toilette da casa, dizia-nos estar sob uma crise aguda de úlcera e que sentia ânsia de vômito. Em meio a essa encenação patética ele contorcia-se e afirmava estar com muitas dores, além de entremear tais lamentos com frases pseudo subliminares, ao fazer alusão à sua suposta preocupação em nos pagar.

Nota sintética sobre o lançamento do CD Dossiê Volume 4, publicada na Revista "Rock Brigade", nº 181, de agosto de 2001

Ficara nítido tratar-se de um teatro medíocre que fazia, pois sob uma circunstância real de crise, já teria saído a correr para um pronto-socorro, sem nenhuma perda de tempo em querer angariar a compaixão de quem quer que fosse. De certa forma, foi engraçada a cena patética do elemento com a toalhinha no rosto e claro que o Rodrigo, um imitador nato, já compôs o personagem no camarim e aquela imitação divertiu-nos, ali mesmo.

Nota sobre o lançamento do CD Dossiê Volume 4, publicada na Revista "Guitar Player" nº 64, de agosto de 2001

Lógico que nós sabíamos que o pouco público presente traria dificuldades para a casa em termos financeiros. Ficara óbvio que o espaço não tinha reservas para bancar shows e dependia do movimento da bilheteria. Infelizmente foi o que aconteceu, mas como eu já disse, o dono era um rapaz honrado e sempre tratou-nos bem, portanto, tratamos por relevar o ocorrido. 

Mas se dependesse do "ator", e da sua indefectível toalhinha... isso aconteceu no dia 15 de setembro de 2001, um sábado, e o público presente foi por volta de cento e vinte pessoas. O próximo show seria uma aventura e tanto. Conto a seguir!

Algum tempo antes dessa cronologia que enfoco, de setembro de 2001, eu e Rodrigo havíamos visitado a unidade do Sesc Itaquera, na zona leste de São Paulo, para levarmos o nosso material para a apreciação da cúpula daquela unidade. Acho que foi em maio ou junho do mesmo ano que tal esforço da nossa parte ocorrera. 

Não fora, no entanto, uma visita a esmo, mas sim motivada por um contato que o Rodrigo havia arregimentado, porém de uma forma inusitada, pois não foi muito usual tal abordagem.

A explicar melhor, tratou-se de um contato oriundo de um amigo de infância do Rodrigo, cujo tio, por sua vez, era membro da cúpula diretora daquela unidade. 

O inusitado dessa abordagem, foi que o senhor em si foi solícito e educado, mas em nenhum momento esboçou entender que a Patrulha do Espaço era uma banda dotada de história e a ostentar por conseguinte, um portfólio gigantesco. 

Na sua avaliação prosaica e sem senso algum, devo ir além, nós representávamos uma banda iniciante, formada por jovens desconhecidos, a pleitear tocar no Sesc, como se fosse o primeiro show da nossa vida. Eu ouvia e via as reações do senhor que nos atendera, mas não acreditava na sua completa falta de capacidade de discernimento, e sobretudo a sua postura em nem sequer esboçar um mínimo de atenção para ouvir as nossas ponderações! 

Palco ao ar livre da unidade do Sesc Itaquera, na zona leste de São Paulo e que costuma promover shows com artistas populares, ao movimentar multidão com até vinte e cinco mil pessoas, costumeiramente

Ele parecia não entender e não esforçava-se nem um pouco para absorver as nossas ponderações, pois mecanicamente falou-nos que analisaria a possibilidade de uma apresentação, mas não para o palco grande, ao ar livre, aonde costumavam acontecer shows com artistas famosos da MPB e para multidões com até vinte e cinco mil pessoas, mas sim, em um espaço mais tímido, visivelmente destinado para bandas cover tocar sob um ambiente reservado, somente a entreter poucas pessoas. 

Enfim, nem o fato de eu estar presente e com minha aparência de um homem na meia-idade (eu tinha quarenta para quarenta e um anos de idade, nessa ocasião), parece ter acionado a percepção do senhor em questão.

Saímos de lá esperançosos de que o material chegaria às mãos de quem cuidava da parte artística e aí, se o senhor quisesse ajudar por conta da indicação de amizade que motivara a nossa conversa, seria uma ajuda bem-vinda. 

A vida seguiu e no início de setembro, a Claudia Fernanda, que era a nossa produtora, disse-nos que recebera um telefonema do Sesc Itaquera, a oferecer-nos uma data, mas que seria muito próxima e no caso, compartilhada com outros artistas. Foi mesmo em cima da hora, tivemos que correr para resolver todas as exigências burocráticas que o Sesc solicitava normalmente, e não seria um show exatamente como gostaríamos que o fosse. 

Todavia, como o próprio rapaz do Sesc dissera-lhe por telefone, seria uma medida simpática de nossa parte se colaborássemos e isso alavancaria a possibilidade de shows somente nossos, tanto para essa em específico, como para outras unidades dessa instituição. Nesses termos, como um "investimento de carreira", aceitamos tocar. Falo a seguir sobre o show e as companhias de palco que nós teríamos naquela tarde.

Infelizmente, a única peça de portfólio que tenho desse show é um "memorandum" da produção... paciência!

Decidimos nos deslocarmos com o nosso ônibus, pois afinal de contas haveria de ser um show com porte e seria um gesto mínimo de profissionalismo de nossa parte usarmos o nosso backline, ainda que houvesse um equipamento disponível no palco, da parte da produção do evento. 

A nossa participação fora mesmo um encaixe, pois o evento revelara-se um daqueles típicos promovidos por uma estação de Rádio, onde o artista geralmente toca de graça, como a prover um "investimento de carreira", em troca de execuções radiofônicas de seu trabalho. Muitos artistas submetem-se à esse tipo de permuta, que na prática é uma espécie de "jabá branco".

Enfim, chegamos ao Sesc Itaquera no início da tarde, pois o soundcheck seria muito cedo, rápido e em cima da hora do show. O nosso ônibus ainda não havia recebido a sua nova cor, portanto, ele voltou à oficina depois desse compromisso, para o seu arremate final.

Logo que estacionamos o nosso valente Mercedes Benz do ano de 1976, vimos que a diferença entre estar ou não no status do mainstream refletira-se desde o estacionamento. As duas bandas que foram as estrelas do show, ostentavam ônibus de última linha, modernos e a tinir, enquanto o nosso, parecia um velhinho saído de algum museu da categoria. 

Uma equipe de "carriers" do Sesc veio auxiliar-nos para vencermos a árdua tarefa do descarregamento e fora providencial, porque só tivemos dois roadies em nossa equipe. 

Nessa prosaica operação braçal, já ocorreu um fato hilário. Um dos carriers do Sesc, foi um sujeito nanico, ainda muito mais baixo do que eu (tenho 1.65 m). Na hora em que o vimos, entreolhamo-nos estupefatos, pois apesar dele aparentar ser troncudo e com braços musculosos, a sua baixa estatura deixara-nos incrédulos sob o exercício da sua profissão, por motivos óbvios. 

Pois veja só o que é o preconceito... pois eis que o sujeito provou ter uma força descomunal e uma agilidade, inacreditável. O seu primeiro ato dentro do ônibus, foi colocar o amplificador do Rodrigo no ombro e sair a correr, literalmente, dali até o palco, como se estivesse a transportar um volume simples e sem peso algum.

Ficamos boquiabertos ao vermos o rapaz empreender tal tarefa hercúlea e o festival de piadas começou ali mesmo. 

Eu mesmo antecipei-me e apelidei o sujeito como: "Cacique Cobra Coral", por que ele tinha a pele avermelhada e ostentava uma cabeleira parecida com o corte que indígenas costumam fazer, no estilo "tijelinha". 

E para quem acompanha a política, deve recordar-se que o "Cacique Cobra Coral" fora supostamente um espírito que manifestava-se para um médium e fornecia conselhos para políticos e bem nessa época, a sua figura estava popular na mídia, pois presumivelmente estaria a alertar o então governo federal sobre o colapso energético iminente, mas pelo visto, os tucanos não deram-lhe ouvidos, haja vista a crise de abastecimento da energia elétrica verificada em 2001... 

Enfim, quando pensávamos que o pequeno, "Cacique Cobra Coral", o carrier, e não o "espírito", teria um colapso cardíaco no palco, ei-lo de volta no ônibus e com a mesma desenvoltura, ele colocou a carcaça pesada do piano Fender Rhodes, do Marcello nos ombros e saiu em disparada, novamente! 

Primeira lição da tarde: não prejulgue um homem pela sua baixa estatura!

Como um típico show promocional de uma estação de rádio FM, houve ali instaurado todo um circo armado pela produção de tal emissora, para a sua autopromoção, com tendas estilizadas, carrinhos "envelopados" para a distribuição de souvenirs, banners e faixas espalhadas pela unidade toda, como se fosse uma quermesse escolar. 

Só que houve um detalhe crucial e mórbido nessa equação: o nosso nome não fora mencionado em nenhuma peça publicitária dessas e nem mesmo no release oficial do evento, estivemos citados, portanto, através das notas de imprensa, o evento foi aventado sem menção à nossa participação, com as outras bandas.

Para resumir, ficou nítido que a nossa inclusão fora às pressas e a causar um certo incômodo à produção da emissora de rádio, provavelmente por ter sido uma situação imposta pelo Sesc. Aquele clima estranho ficou bastante desagradável para nós, também. Se fôssemos uma banda nova e formada por garotos, estaríamos mais confortáveis com tal situação, ainda que adversa, mas por tratar-se de uma banda com a nossa história pregressa e árvore genealógica nobre, saída da raiz dos Mutantes, foi no mínimo desrespeitoso por parte da organização, ter inserido-nos dessa forma. 

Bem, claro que eu reconheço que houve o nosso consentimento para abrigar tal circunstância, mas sei também que tamanho sacrifício que fizéramos para tentar cavar um espaço dentro do universo da estrutura do Sesc, foi doloroso para a autoestima da banda e certamente que devia doer ainda mais no Rolando Castello Junior, que trazia consigo, em suas entranhas, os anos e anos da labuta & história da banda, portanto, esse tipo de afronta à dignidade artística da Patrulha do Espaço, machucava-lhe em suas entranhas, embora eu fale por dedução, pois ele nunca me revelou isso abertamente. 

Enfim, eu também senti esse disparate, amparado pela minha já longa carreira naquela ocasião, mas Rodrigo e Marcello, muito mais jovens, sentiam menos, por razões óbvias.

De volta à narrativa, o nosso equipamento foi montado rapidamente pelos roadies e fomos convidados a cumprirmos um soundcheck muito rápido, na medida em que o evento seria realizado ainda no período da tarde e as outras bandas, que foram na verdade as atrações anunciadas, também desejavam fazer o soundcheck. 

Apesar dessa pressa demasiada, tivemos até uma certa boa vontade da equipe terceirizada e responsável pelo PA e monitoração. Não estabeleceu-se ali no palco uma equalização "dos sonhos", mas também não ficou a típica "maçaroca" que espera-se em shows realizados sem um soundcheck decente.

Lembro-me que ao tocarmos um tema mais complexo como: "Terra de Minerais", instaurou-se um clima de surpresa generalizado, pois desavisados completamente, os técnicos envolvidos na produção, não faziam a menor ideia sobre quem éramos, tampouco o som que produzíamos. 

Por completa ignorância, devem ter achado que faríamos um som na linha do Heavy-Metal, ao julgar-nos por nossas cabeleiras, tão somente, mas ao ouvir um tema com a complexidade musical como era (é), "Terra de Minerais", ficaram estupefatos. 

Bem nessa hora em que tocávamos tal tema no soundcheck, eu olhei para trás e vi que os membros do "Biquini Cavadão", estavam a chegar e pararam um pouco para ouvir-nos. 

Patrick Laplan, muito bom baixista do Biquini Cavadão, e que participou desse show que estou a relatar

O baixista, Patrick Laplan veio até perto do palco e quando fitou-me, cumprimentou-me com reverência, em um sinal de reconhecimento e boa educação. Fiquei contente, pois denotou respeito, além de ter sido a primeira manifestação positiva da parte de alguém naquela tarde e eu apreciei o gesto cortês do colega. 

Quando saímos do palco, no entanto, tivemos uma desagradável surpresa. Foi uma das piores manifestações de mesquinharia que presenciei na minha carreira toda, infelizmente.

Um roadie da produção, advertiu-nos que o técnico de monitoração queria falar conosco. Com expressão facial fechada e sob uma postura de uma arrogância incrível, esse rapaz disse-nos que havia sido contratado para operar duas bandas e a nossa inclusão fora uma surpresa para ele, portanto, recusava-se a abrir o monitor, se não lhe pagássemos um cachê "por fora"...

Primeiro que tal determinação de sua parte foi descabida, profissional e eticamente a descrever. Se julgava estar a ser desrespeitado profissionalmente, ele deveria questionar a produção que o contratara, não sei se ao reportar-se diretamente à produção do Sesc ou à produção da estação de rádio FM que patrocinava o evento. Uma das duas, ou as duas em parceria deve ter sido a responsável contratante pelo seu serviço. 

-Segundo, ele portou-se de forma maquiavélica, pois não disse nada quando de nossa chegada, assistiu resignadamente a montagem de nosso backline e pior ainda, operou o equipamento de monitor, inclusive ao atender algumas reivindicações básicas de aprimoramento, que lhe reportamos de forma pontual. 

Portanto, foi um tremendo golpe baixo de sua parte, usar desse tipo de abordagem mafiosa sob coação repentina, para arrancar-nos dinheiro. Quando esse clima de baixo astral instaurou-se na coxia, chamamos imediatamente um responsável pelo Sesc que ali circulava e o inserimos na discussão, para que este dirigente persuadisse o rapazinho impetuoso a não levar adiante tal estratégia vergonhosa de coação. 

O clima esquentou, pois o referido sujeito era bastante prepotente e dentro de seus padrões "éticos", julgava-se no direito de exigir de nós, uma compensação financeira extra contratual...

Mediante o uso de aspereza como estratégia de intimidação, ele pressionou-nos com extrema arrogância. Estávamos diante de um impasse, pois pagar a propina que exigia, caracterizaria uma indecência e também um fator de impacto psicológico abominável, naquele momento, por preceder em poucos minutos a nossa entrada oficial no palco para fazermos o show. 

Claro que o produtor de palco do Sesc também indignou-se com a atitude sorrateira do rapaz e o clima esquentou. Ao verificar que o impasse mostrara-se incontornável, com a postura intransigente do rapaz, o responsável do Sesc disse-nos para irmos para o camarim "relaxar" e fazermos um lanche. 

Ele teve a sensibilidade óbvia de nos poupar (nesse caso, minimizar, pois o estrago já estava feito), de um abalo emocional absolutamente desnecessário e muito inoportuno naquele momento, pois paz de espírito no camarim, nos minutos que precedem o show, é uma necessidade básica para qualquer artista e neste caso, o rapaz foi maquiavélico ao escolher tal momento para nos coagir.

O produtor nos disse para ficarmos tranquilos, pois o show transcorreria com tranquilidade e que aquela ameaça seria contornada. O cachê extra que o sujeito exigiu de nós, foi de um valor alto para os padrões daquela época. Equivalia a um valor muito maior do que de um técnico de padrão mainstream normalmente recebia, ou seja, o sujeito quis aproveitar-se da nossa situação insípida naquela tarde, para arrancar um cachê duplo, pois ele certamente ganharia o mesmo valor ao operar as duas bandas programadas oficialmente para o evento. 

O produtor do Sesc ficou bastante irritado com o oportunismo e comportamento pouco recomendável da parte desse rapaz, mas apesar de ter alterado um pouco o volume de sua voz em algum momento mais tenso da conversa, contemporizou com classe, eu diria.

O que conversaram e acertaram após a nossa debandada para o camarim, não sei o que foi. Duvido que ele tivesse aceitado a reivindicação monetária que o rapaz pleiteava, mas o fato é que fomos avisados no camarim que tudo resolvera-se, e que tranquilizássemo-nos, pois não teríamos problemas técnicos derivados de boicotes e/ou sabotagens da parte desse inescrupuloso mau profissional. 

No camarim, claro que não conseguimos relaxar totalmente depois de um clima desses. Mas o fato de não sermos uma banda acostumada às benesses da estrutura mainstream, até que proporcionara-nos certas vantagens, no sentido de que tão habituados a lidar com adversidades, o fato do som não ser maravilhoso no palco, não derrubar-nos-ia facilmente. 

De tanto tocar sob condições técnicas adversas, o músico que acostuma-se à realidade da falta de estrutura no mundo underground, desenvolve uma espécie de "casca grossa" e para derrubá-lo no palco, um monitor mal equalizado não basta.

Portanto, estávamos indignados pela questão moral, mas tecnicamente, o fato do rapazinho não empenhar-se para proporcionar-nos as melhores condições sonoras, não faria diferença para nós. 

Um momento lúdico aconteceu quando descobrimos que um dos ônibus que transportava as bandas mainstream, continha placa da cidade de "Santo Antonio da Patrulha". Ao tratar-se de uma pequena cidade interiorana no Rio Grande do Sul. Teria sido um sinal místico para nos animar?

Ainda no camarim, enquanto lanchávamos, o pessoal do "Biquini Cavadão" também desfrutava do mesmo espaço e lanche. O vocalista, Bruno Gouveia, foi bastante respeitoso e veio cumprimentar-nos ao fazer questão de falar mais detidamente com o Rolando Castello Junior e assim apresentar os seus respeitos ao membro fundador e contemporâneo do Arnaldo Baptista, quando demonstrou um conhecimento e reverência, que eu apreciei. 

Quanto à outra banda, o tal "Tihuana", os componentes só apareceram no Sesc, bem mais tarde. Quem realizou o seu soundcheck foram os seus roadies, aliás, a se tratar de um bando de sujeitos mal-encarados, arrogantes e prepotentes.

O som dessa banda estava em voga desde os anos noventa, com uma mistura agressiva de Punk-Rock, Hip Hop e Heavy-Metal extremo, ou seja, chegava a ser um disparate tocarmos juntos pela obviedade do antagonismo estético entre nós. 

Talvez em um mundo devastado e pós-apocalíptico ao estilo de ambientações de filmes como "Blade Runner" e "Mad Max", esses sujeitos possam ser considerados "Rockers", mas certamente que eu não compactuo com tal determinação. 

Enfim, tocar junto com o Biquini Cavadão fora até aceitável, mesmo que não houvesse nenhuma proximidade entre os respectivos trabalhos, mas a segunda banda em questão, foi um disparate. Tanto foi assim, que quando fomos chamados ao palco, uma recepção inamistosa surpreendeu-nos, segundos antes de darmos o primeiro acorde da primeira música...

 
Eu ainda estava a tirar o meu baixo do suporte, quando ouvi vários impropérios que vieram das primeiras fileiras de pessoas próximas à grade de proteção, ante o fosso de jornalistas e fotógrafos. Chamavam-nos de "bichas", "veados", fora as pessoas aos berros a registrar considerações esdrúxulas sobre a nossa vestimenta.

Calças "boca-de-sino", batas coloridas e acessórios como echarpes de seda, não continham conotação Rocker para essa massa desconectada da história do Rock. Aos olhos dessas pessoas, não havia conexão com o passado, portanto, não houve a conotação "retrô", "vintage" e que tais que buscávamos impingir como bandeira estética. 

Ao não reconhecerem o nosso visual como algo que remetesse ao Rock, propriamente dito, demonstraram de uma forma muito triste, que o fio-da-meada estava rompido irremediavelmente, há muito tempo. Acostumados aos valores pós-1977, ou melhor a dizer, nascida sob tais ditames infames, essa massa olhava para nós e de uma forma bizarra, não reconhecia-nos como Rockers, justamente porque o seu paradigma fora moldado diametralmente em ideal oposto e em sua visão deturpada, "Rockers" seriam aqueles trogloditas a usar bermudas. 

Em suma, essa garotada nunca ouvira falar do "Chuck Berry", nem dos "Beatles", "Jimi Hendrix" e "Janis Joplin" e esses artistas seriam ilustres desconhecidos em sua percepção. "Led Zeppelin", talvez fosse uma marca de pneumáticos alemães, em sua vã concepção ou no máximo, uma pálida lembrança de algo remoto que leram em algum lugar a atribuir a raiz do "Heavy-Metal".

Foi uma demonstração muito triste na minha visão, pois denotou o estrago que por tantos anos denunciei e não fui apenas uma voz no deserto, como muitas vezes fui tido, como um criador de uma teoria da conspiração ao emitir uma opinião desprezada até por gente que supostamente deveria no mínimo, entender-me, ainda que não concordasse com o meu raciocínio.

Naqueles segundos diante de tal recepção inicial aviltante, senti-me o astronauta, "Taylor", do filme: "O Planeta dos Macacos", a desferir socos na areia, inconformado com o desastre apocalíptico de quem acreditou e achou estimulante entrar na barca furada do niilismo barato. 

-"Seus malditos, vocês enfim conseguiram"... dizia, Taylor, diante dos escombros devastadores da Estátua da Liberdade...

Claro que estou a edulcorar a situação, mas no seu âmago, simbolicamente a exprimir, foi o que aconteceu naquela idiotizada recepção que tivemos dos fãs da banda agressiva que fecharia o evento. 

Contudo, apesar de sermos aos seus olhos, completos desconhecidos sob visual "não-rocker" (pasmem!), assim que iniciamos a nossa apresentação, foi nítida a mudança de comportamento. Não posso afirmar que essa massa adorou o show e ovacionou-nos, mas de uma situação adversa, marcada pelo escárnio gratuito e má vontade extrema com a nossa presença, em segundos tais pessoas adotaram a postura de ouvir e aplaudir o nosso trabalho, pois mesmo não acostumados com um show de Rock, propriamente dito, a nossa sonoridade se mostrara sofisticada demais em relação às bandas que suceder-nos-iam.

O Biquini Cavadão fazia aquele som Pop de FM, bem oitentista e ainda que baseado na simplicidade do padrão Pop, mantinha em suas fileiras, músicos com qualidade, eu sabia disso. 

Mas a outra banda, vinha com aquela proposta em torno da agressividade do "crossover" do Punk-Rock com o Heavy-Metal, acrescido da verborragia suburbana do Rap Gangsta e derivados dessas vertentes vergonhosas que conspurcam a Black Music verdadeira, que nada tem a ver com isso. 

Então, nesses termos, foi um contraste e tanto evocarmos a Psicodelia e o Prog-Rock, na mesma tarde em que os homens das cavernas pronunciar-se-iam e para piorar, com a ambientação toda favorável a eles e hostil para nós, mediante um paradigma construído pela completa inversão de valores...

Portanto, esperávamos uma reação negativa de tal público, ainda mais agressiva que os escárnios desrespeitosos do início, mas para a nossa surpresa, arrancamos aplausos e convenhamos, tal tipo de público não aplaude "por educação", costumeiramente. 

Foi um show de choque, evidentemente e naquelas condições tão especiais e plena de adversidades, como já relatei. Não cometeríamos a loucura de realizarmos um show longo naquelas circunstâncias. E muito interessante foi tocar um tema como: "Terra de Minerais", uma peça com alto teor Prog-Rock e intrincada por condição intrínseca, pela qual certamente aquele público acostumado a uma sonoridade agressiva e nada sutil, não entenderia a proposta.

Pelo contrário, fiquei surpreendido com a reação, pois esperava que indignassem-se com tantas passagens, convenções e climas a gerar interlúdios, ou seja, recursos musicais de um universo do qual nunca haviam ouvido falar, sequer. Saímos do palco sob aplausos, inclusive quando falamos sobre a banda rapidamente, a citar contatos de internet que já estávamos a iniciar naquela época e venda de discos etc.

Voltamos ao camarim e enquanto o Biquini Cavadão tocava, sentíamos uma certa satisfação pelo sacrifício todo empreendido e a absorção de alguns dissabores naquele dia, que estavam minimizados pela boa performance e reação do público. 

O intuito esteve cumprido, pois o que esteve em jogo naquela tarde, fora o esforço para se abrir uma porta a possibilitar adentrarmos o universo do Sesc, e acredito que logramos êxito, pois outros shows sucederam-se em outras unidades, doravante, principalmente no ano seguinte, 2002, conforme eu relatarei na cronologia adequada. 

Quanto à produção da emissora de rádio em questão, assim como esta ignorou-nos o tempo todo, assim se procedeu no pós-show. Foi como se não existíssemos aos seus olhos, em uma demonstração de desprezo bastante acentuada.

Nesse caso, isso não incomodou-me, tampouco aos demais, mesmo o Rolando Castello Junior, sempre muito atento em sua visão panorâmica no que toca às nuances de qualquer produção. 

E no caso da estação radiofônica, propriamente dita, não vou citá-la, pois era a típica emissora comprometida até a sua medula com esquemas de empresários, gravadoras, jabá e armações da máfia que rege o mundo da música mainstream, portanto, não merece consideração diante desse tipo de atuação predatória com a qual enxergava a arte.

Arvorava-se como uma estação que privilegiaria o Rock como instituição, mas na verdade, usava o rótulo "Rock" ao seu bel-prazer, para promover as mais equivocadas deturpações em nome do gênero e claro, ao criar artistas de laboratório, à medida dos hypes que geravam através de seu respectivo departamento de marketing em conluio com outros agentes desse sistema.

A arte passava longe de seus desígnios, para sermos brandos em uma avaliação realista. 

Satisfeitos, na medida do possível em que a situação proporcionara-nos, entramos em nosso humilde ônibus velho, a regozijarmo-nos de um fato concreto: não éramos uma banda do patamar mainstream, mas ao menos o nosso ônibus, era próprio... dava para satisfazer-se com esse consolo prosaico? 

Esse show aconteceu no dia 23 de setembro de 2001. Apesar de ser um espaço ao ar livre, onde o Sesc costumava promover shows para até vinte e cinco mil pessoas, nesse dia o público foi bem inferior a essa marca. Na hora em que tocamos, o meu "olho clínico" disse-me que haviam cerca de quinhentas pessoas no lugar, com a metade desse contingente, pelo menos, a espremer-se na grade de proteção e os demais, dispersos, sentados ou mesmo deitados no chão, mais distantes pela relva do espaço. 

Quando o Biquini Cavadão começou a tocar, aumentou bastante o movimento, e foi natural que isso acontecesse. Nesse momento, mais de duas mil pessoas já deviam estar em frente ao palco. 

Aliás, o fato de não haver tido nenhuma menção sequer à nossa participação, contribuiu muito, evidentemente, para não atrair, ainda que sob um pequeno número, fãs da Patrulha do Espaço. Se o nosso nome estivesse ao menos nos cartazes, tenho certeza de que teríamos despertado o interesse de nosso público advindo de diversos bairros da zona leste que seguiam-nos e muito provavelmente de cidades do ABC como Santo André e Mauá, que não distam muito dali, no extremo do bairro de Itaquera. 

Tanto foi assim, que nas semanas posteriores, nós recebemos a informação que muitos fãs estavam indignados por terem tomado consciência de que a Patrulha do Espaço havia tocado no Sesc Itaquera, sem divulgação alguma. 

Alguns dias depois voltaríamos à nossa rotina em atuar em casas noturnas, quando voltamos novamente para a cidade de Santos-SP, no litoral de São Paulo.

Na quinta-feira posterior, fomos a Santos-SP, com o objetivo de fazermos um show de choque em uma casa noturna. Foi na verdade, um micro festival onde bandas locais tocariam e o dono do estabelecimento pediu-nos para apresentarmo-nos também, para que a nossa participação outorgasse um verniz à noitada, em meio a tantas bandas jovens, sem muito apelo pelo fato de serem bandas iniciantes. 

Bem, como já havíamos nos apresentado nessa casa algumas vezes, tal pedido soou mais como um favor e mediante a camaradagem de nossa parte, do que uma data, propriamente dita.

Contudo, não anotei os nomes das bandas que apresentaram-se. Com todo o respeito, foram bandas novas e se houvesse alguém com relevância artística à época, eu teria anotado. O show foi curto, no formato típico do "show de choque". Tocamos apenas cinco músicas e as escolhidas foram apenas as canções formatadas para duas guitarras, ao eliminar assim a operação logística para se montar o set dos teclados para Rodrigo e Marcello o usarem. Ocorreu no dia 27 de setembro de 2001, no Praia Sport Bar, localizado na Avenida da Praia do Gonzaga, em Santos-SP.

Passados esses dois shows que relatei anteriormente, o ônibus finalmente foi para a sua fase de pintura. O azul "universo" que escolhêramos, ficara realmente, bastante escuro. Pareceu-nos bonito por sua sobriedade e discrição, mas não havíamos pensado em um detalhe crucial, que só a experiência da estrada fazer-nos-ia entender: em viagens noturnas, essa cor tão escura seria um fator de risco e tanto. 

Só percebemos isso quando começaram as viagens para valer, ao final de 2001 e ao longo de 2002 e 2003, principalmente, mas são histórias que eu contarei na cronologia correta, certamente. 

Por enquanto, prefiro recordar-me que o Brasil entrara em um colapso energético sem precedentes naquela fase de 2001 e o governo federal de então, decretara racionamento de energia elétrica que nem mesmo durante o advento da Segunda Guerra Mundial com os seus "blackouts", fora tão radical.

Todo mundo ficou apreensivo, pois cairia vertiginosamente como uma bomba no mundo do show business em geral. E caiu mesmo...
Dessa forma, com teatros e casas de shows a cancelarem eventos por conta dessa vergonhosa situação, temíamos também por uma queda de oportunidades, mas uma surpresa apareceria e foi justamente motivada pela situação e dessa forma, a estabelecer um verdadeiro contraponto à falta de energia.
Ocorreu que a produtora, Sarah Reichdan, contatou-nos com uma proposta exatamente que iria de encontro com essa perspectiva de se avançar na contramão da crise energética e assim, pelo contrário, a nos aproveitarmos dela. Como isso seria possível para uma banda ultra elétrica e Rocker como a Patrulha do Espaço o era normalmente e ainda mais sob tal fase onde evocávamos valores sessenta-setentistas ao extremo, em nossa música?

Bem, a proposta dela foi bastante bizarra em princípio, mas no alto de sua loucura proposital, houve uma possibilidade para dar certo, exatamente por esse exotismo, e claro que nós paramos para ouvir e logo embarcamos na aventura "unplugged" por ela proposta.

A Sarah era uma produtora que estava no mercado desde a metade/fim dos anos noventa e que vinha com experiências nesse setor, há quase dez anos, naquela altura. Portanto, ela mantinha os seus contatos e apesar da ideia parecer insana em princípio, teve um fundamento.

Para entender a proposta desse show acústico, é preciso retroagir um pouco para o leitor verificar que ela fora uma produtora não só munida por contatos, mas as suas ações foram pautadas por ideias e muita determinação em fazê-las prosperar de fato. 

O Rolando Castello Júnior já a conhecia há tempos, mas eu a conheci apenas em 1999, mais ou menos quando a Patrulha do Espaço dera os seus primeiros passos com a nossa formação. Eu sabia que ela havia sido tradutora oficial de artistas famosos do Rock internacional, principalmente os ditos "dinossauros" setentistas que aqui apareceram nos anos noventa. 

Graças ao seu bom inglês e muito mais ainda por sua simpatia natural, ela logo ganhou a confiança de muitos artistas e produtores estrangeiros e dessa forma, pôs-se a emendar trabalhos bons, ao assessorar bandas como o "Jethro Tull", "Deep Purple", "Page & Plant" e muitos outros artistas internacionais que vieram ao Brasil na década de noventa.

Sarah logo travou contatos e envolveu-se com a produção musical e ao apaixonar-se pela profissão, nutriu grande vontade para crescer nessa carreira e tornar-se um dia, uma empresária, de fato. O seu talento para a produção mostrava-se nato e como "road manager", ela demonstrava desenvoltura, ao ponto de fazer-me lembrar da atuação da profissional, Cida Ayres, a ótima produtora que trabalhara com o Língua de Trapo e deu muita força para A Chave do Sol, nos anos oitenta.

Em 1999, quando conheci Sarah Reichdan, ela estava a agendar shows para a banda alternativa que o baterista, Paulo Zinner, havia formado, chamada: "Paulo Zinner Orchestra", que basicamente tinha o objetivo de tocar covers do Hard-Rock setentista, pela noite de São Paulo. 

Mas ela ambicionava passos maiores na carreira e logo aproximou-se da Patrulha do Espaço. Em um primeiro instante, no início de 2000, ela tentou alguns agendamentos para a nossa banda, mas não logrou êxito imediato. Sendo assim, em 2001, sob uma nova abordagem, Sarah viabilizou uma data no Sesc Pompeia, que muito animou-nos. Contudo, algo deu errado nessa negociação, pois a produção daquela unidade mudou de opinião repentinamente, ao fazer uma exigência de última hora, ao denotar que não acreditava que a Patrulha do Espaço pudesse angariar um grande público ao teatro. Dessa forma, cogitou-se a presença de um outro "dinossauro" setentista para dividir a noite conosco, como uma condição sine qua non.

Nesses termos, a Sarah teve que comunicar-nos essa repentina decisão da produção e assim, sem muitos meios para se fazer impor a nossa determinação de usar a data somente para nós, acostumamo-nos com a ideia do compartilhamento. 

Foi o tal negócio: há disponível um prato de comida para duas pessoas, é preferível dividir ou é melhor abrir mão da sua metade?

O lado bom disso, foi que o artista com o qual compartilharíamos a data e o palco, seria necessariamente um "dinossauro" setentista, o que fora um alívio, pois poderia ser pior, se inventassem de nós dividirmos a noite com uma banda daquelas modernosas do início dos anos 2000, onde predominavam os trogloditas de bermudas, o que chegava a ser curiosa a denominação pejorativa a usar o termo, "dinossauro" para designar artistas oriundos das décadas de 1960 e 1970, pois homens das cavernas eram na verdade aqueles senhores rupestres e com maus modos como modus operandi, enfim...

Então, sob uma rápida reunião interna da banda, pensamos nas hipóteses óbvias do "Made in Brazil", "Tutti-Frutti" e "O Terço" como opções setentistas que estavam na ativa naquele momento. 

Mas uma quarta sugestão pareceu-nos interessante naquele instante, para estabelecer um diferencial, visto que já tínhamos tocado com o Tutti-Frutti e o Made in Brazil em um passado bem recente e O Terço parecia um pouco inacessível naquele instante. 

Lembramos, portanto, que o Sérgio Dias estava a mudar-se de volta a São Paulo, após ter vivido por muitos anos fora do Brasil e também depois de uma temporada longa na Serra das Araras, na fronteira tríplice entre Rio, Minas e São Paulo. 

Quando encontramo-nos com ele, em março de 2001, nos bastidores do programa, Miguel Vaccaro Netto, ele havia falado-nos que preparava a sua mudança definitiva para viver em São Paulo, novamente e que iria se articular para fazer shows a promover o seu novo CD solo, que estava recém-lançado, chamado: "Estação da Luz". Portanto, foi essa a solução que aventamos!

Patrulha do Espaço & Sérgio Dias seria sensacional nessa época, em que fazia muito tempo que ele não realizava shows no Brasil e talvez não soubesse com a concreta dimensão, mas havia toda uma nova geração de jovens que adoravam os Mutantes, a aderir sob uma onda Neo-Hippie e que certamente lotaria o Sesc Pompeia, com possibilidade forte de deixar gente do lado de fora, sem ingresso.

Não obstante o fato de que a Patrulha do Espaço mediante a proposta do CD Chronophagia, cairia como uma luva em tal evento, e dessa forma, mandamos essa devolutiva para a Sarah. Ela adorou a ideia e prontificou-se a trabalhar pelo projeto. 

Imediatamente o Junior forneceu o contato do Sérgio para ela e a abordagem foi feita. Todavia, a reação dele não foi a que esperávamos, infelizmente.

Pois então, a informação que a Sarah passou-nos, surpreendeu-nos negativamente. Segundo ela, o Sérgio não interessou-se pela parceria, ao alegar que o seu trabalho solo era voltado para o futuro, e não ao "passado" e que a Patrulha do Espaço desfraldava bandeiras velhas em seu "front" de batalhas. 

Tudo bem, poderíamos até entender essa mentalidade diferente, mas lamentamos que por outro lado ele não enxergasse a realidade da mesma maneira que nós. Enquanto ele pensava em atraso e estagnação, a nossa visão mostrava-se diferente, pois víamos ressurgimento, reciclagem, resgate... enfim, o "religare". Havia toda uma geração nova, a resgatar a vibração "Woodstockeana", apaixonada pelos Mutantes e que na prática, nem era nascida naquela época sessentista, de fato. 

Em suma a vibração de uma juventude dos anos 2000 interessada na movimentação contracultural sessentista se tornara algo muito visível.

Tais jovens do novo milênio aprenderam a amar toda aquela estética através dos discos velhos dos pais e quando ninguém mais poderia esperar, eis que houve uma juventude em expansão, a desejar (re)viver a experiência naqueles moldes, e infelizmente ele não havia percebido isso ainda (poucos anos depois, percebeu enfim, e trouxe os Mutantes de volta à cena e claro, o seu público costumeiro para alavancar tal volta das suas atividades foram esses Neo-Hippies), e ainda trilhava a mentalidade oposta em buscar o futuro e renegar o passado, para não sentir-se uma peça de museu. 

Bem, não cabe julgamentos por juízo de valor. Ele fez o que achou melhor para os seus interesses na ocasião e ponto final. Mas ficamos chateados, aí sim, quando vimos os cartazes "Lambe-Lambe" nas ruas, a anunciar o show dele no Sesc Pompeia, a ocupar a mesma data que era nossa, em princípio! 

Cáspite, sob uma inversão total dentro da tratativa, fôramos relegados em nosso próprio contato!

Muitos amigos nossos compareceram a esse show do Sérgio e ficamos a saber que foram mais de mil pessoas ali presentes, em sua maioria jovens com aparência de Hippies sessenta-setentistas, ávidos por ver o grande Mutante em ação.

A abertura do show foi com o tema "Exp", uma vinheta psicodélica e ufologica gravada pelo Jimi Hendrix na abertura de seu LP "Axis: Bold as Love", de 1967, e assim, o Sérgio deu mostras de que começara a repensar a sua opinião sobre "bandeiras velhas do passado"... 

Tudo bem, a vida seguiu e após explicar nesse preâmbulo, a relação pregressa da Sarah Reichdan para conosco, posso enfim falar sobre a proposta de show acústico que ela nos fez, para atuarmos no Sesc Pompeia, e bem no meio da crise energética que assolara o país nessa época, graças ao planejamento "brilhante" de suas autoridades "visionárias" de então...

A ideia que a Sarah apresentou-nos, foi a de um show inteiramente acústico, inclusive sem a presença de um sistema de PA, ou seja, seria um show acústico literal, pois não tratava-se apenas de fazer um show a se tocar violões e evitar assim o uso de amplificadores para guitarras, baixo & teclados. 

Dentro desse conceito, ao ir além do conceito do "acústico" propriamente dito, não haveria nenhum sistema sonoro, nada seria mixado em uma mesa e retransmitido para um equipamento de PA! Com isso, tal apresentação seria uma experiência inóspita, quase um "Luau" de praia, despojado, com a banda a tocar violões, instrumentos de percussão e a contar com vozes naturais, sem apoio sonoro de amplificação alguma e certamente sem tratamento sonoro em termos de mixagem com paramétricos.

E para seguir o padrão, seria um show sem iluminação, no uso de velas, apenas, a reforçar o conceito de um show adaptado ao "Blackout" que o Brasil vivia naquele segundo semestre de 2001.

Em princípio, claro que relutamos, pois, a Patrulha do Espaço era uma banda essencialmente elétrica por natureza. A fúria sonora, no bom sentido, de nossas apresentações ao vivo, desde os primórdios com o Arnaldo Baptista na formação, não dava margem a dúvidas. Então, a Sarah convenceu-nos de que seria uma experiência interessante, pois haveriam algumas motivações a serem consideradas para a nossa melhor avaliação.

Por exemplo, ela falou-nos que haveriam outras atrações. A sua ideia foi no sentido de trazer três ou quatro artistas convidados. A Patrulha do Espaço faria o seu show normal e também receberia tais convidados, a acompanhá-los em suas performances. 

A decoração seria toda inspirada em cultura indiana e para tal, ela já havia contatado uma loja especializada em artigos de decoração indianos, e caríssima por sinal, situada do bairro dos Jardins e eles cederiam muitas peças sem cobrança de aluguel, em título de patrocínio.

Nas mesas onde o público ficaria alojado, candelabros com velas e incensos seriam colocados e os artistas não usariam o palco normal da Chopperia do Sesc, mas um palco todo ornado como uma tenda hippie, ficaria bem no meio do salão, e assim o público cercar-nos-ia como em um "Luau" de praia. 

Tais artistas convidados seriam: Luiz Carlini e Helena T, a representarem o Tutti-Frutti, o baterista Paulo Zinner, um coral formado por monges que fariam uma apresentação vocal no pré-show, como lounge e um citarista chamado: "Krucis", que viria acompanhado de um percussionista específico para tocar tabla.

Então, toda a nossa resistência quanto a fazer um show com características de um improvisado "luau na praia", sem o uso de um PA, foi minada aos poucos. Todavia, não foi uma novidade que digerimos, imediatamente. 

Pelo que me lembro, nós jamais colocamos em cheque a nossa participação no evento, mas tentamos a todo custo que houvesse um PA, mesmo que fosse sob uma proporção mínima, pois cantar "in natura", na sala de estar de sua residência, seria uma coisa, mas a realizar um show ao vivo, mesmo sob condições intimistas, seria outra situação, completamente diferente.

Quando fechamos a nossa participação, a Sarah esmerou-se pela produção e divulgação. Ela não dispunha de grandes recursos para fazer uma divulgação realmente significativa, mas foi o que tivemos e assim, mediante cartazetes e filipetas, sob uma quantidade bem módica, fizemos o que foi possível. 

Por outro lado, a produção do show em si, foi caprichada. Ela realmente esmerou-se para decorar a Chopperia do Sesc Pompeia, de uma maneira que se mostrou um show muito intimista e com tal decoração, tal dispositivo aproximou o público dos artistas, ao tornar o espetáculo, algo muito aconchegante e até surpreendente.

Sob a luz de muitas velas colocadas em candelabros tão estilosos e com o aroma de incensos perfumados, o público lotou a Chopperia e sentiu-se muito confortável sob tal atmosfera. 

O tal grupo de monges que cantaria no início, não deu certo, mas a Sarah foi rápida e convocou um grupo de adeptos do Hare Krishna, que cantou pelos corredores do Sesc Pompeia, antes do público entrar na Chopperia. E enquanto as pessoas acomodavam-se, tais adeptos continuaram a cantar, ao circularem pelas mesas.

Após essa performance que arrancou uivos do público, que adorou a recepção a base de mantras, a Patrulha do Espaço entrou em cena e tocou quatro ou cinco músicas. No início, a ideia foi para o Rolando Castello Junior tocar apenas percussão, mas em tal circunstância sonora mostrou-se demais para ele, baterista histórico que o é. 

Ao se imaginar realisticamente, a sua vida é a bateria e dessa forma, adaptamos o repertório para ser 100% acústico, mas a garantir que a bateria atuasse e embora não houvesse a presença do baixo elétrico e nesse caso eu usei um "Baixolão", este instrumento cedido por um amigo da Sarah (na verdade, Silvio Alemão, o baixista da banda: "Irmandade do Blues"), ele sentir-se-ia melhor a tocar bateria, do que instrumentos de percussão, aleatoriamente.

Mas precisávamos justificar a presença de Paulo Zinner como convidado e não teria nenhum cabimento haver duas baterias no palco, ainda mais em um show totalmente acústico, e sem PA. Nessa circunstância, o próprio Rolando teria que fazer um esforço descomunal para não exagerar na sua dinâmica, pois um grau a mais de intensidade, seria o suficiente para encobrir todos os violões, o "baixolão", e as vozes. Claro que o Marcello faria algumas intervenções à flauta, também. 

Sobre o Paulo Zinner, ele então tocou percussão no show. A seguir, Luiz Carlini e Helena T. entraram e nós os acompanhamos em algumas músicas do Tutti-Frutti, quando o público vibrou demais, também. Tocamos mais algumas músicas da Patrulha do Espaço, e ao final, o citarista, Krucis, entrou em cena e executou algumas ragas indianas com o seu bom acompanhante à tabla.

Um momento muito bonito deu-se quando o Rodrigo entrou em cena sob improviso, e munido de um violão de doze cordas, tocou junto com o Krucis, quando ambos executaram uma música dos Beatles ("Within you Without you",) ao unir a cítara indiana, à viola caipira do interior. Foi mesmo um momento mágico e que arrancou uivos da plateia. 

Encerramos a tocar mais uma música e apesar da loucura toda em realizar-se um show sem PA, foi um espetáculo muito bonito sob o ponto de vista artístico e assim eu guardo com carinho na memória, o rosto das pessoas a sorrirem, satisfeitas pela noitada que lhes proporcionamos. 

Todavia, reitero, foi tudo muito agradável, mas não custava nada ter havido um PA, ainda que usado sob uma potência reduzida, para fornecer um pouco mais de qualidade sonora ao show. Nem precisava gerar um grande volume, mas com a possibilidade de uma ambientação com paramétricos à disposição, as vozes e os instrumentos teriam soado muitíssimo melhor do que in natura.

Lembro-me bem, foi assustadora a necessidade das pessoas da plateia permanecerem em silêncio absoluto para não prejudicar a performance dos músicos. E como as pessoas em geral, tendem a serem tagarelas em shows musicais, cada pequeno comentário que faziam, gerava uma reação das demais, a se exigir silêncio, só para o leitor entender como a situação sonora sem o uso de um PA foi dramática. 

Bem, eu insisti bastante nessa questão, mas é para deixar claro que não tratou-se de uma devaneio de minha parte. Fazer um show, mesmo acústico, mas totalmente desprovido de apoio sonoro, equivale a dirigir um carro, sem volante, guardadas as devidas proporções. 

O show angariou um ótimo público ao Sesc Pompeia. Cerca de trezentas pessoas passaram pela bilheteria, e ao considerar-se a questão do blackout imposto pelo governo federal nas ruas, naquele instante, foi acima da expectativa, pois as ruas estavam muito mais perigosas para circular-se do que o são normalmente em meio àquele breu institucional e as pessoas estavam a evitar saírem para divertirem-se, infelizmente. 

Para quem não é de São Paulo e não conhece aquela unidade do Sesc, é preciso esclarecer que trata-se de uma instalação enorme, com muitas dependências. Para as produções musicais, existem dois grandes espaços: um teatro tradicional, ainda que sua anatomia seja a de uma arena dupla, e o outro é uma Chopperia, onde literalmente existe um serviço de bar e restaurante. 

Mas neste caso é um salão muito grande e o palco tem uma dimensão apta para shows sob grande porte. Portanto, tocar na Chopperia era (é) igualmente prazeroso, sem nenhum demérito. 

A Sarah deu um nome ao show: "Luz de Emergência" e para corroborar o mote, nem mesmo a luz de serviço do Sesc foi ligada, e para suprir o mínimo de visibilidade para as pessoas, além das velas, pequenas lamparinas movidas a bateria, foram acesas em pontos estratégicos. 

Com esse sucesso ali gerado, a porta do Sesc Pompeia abriu-se para nós e poucos meses depois, estaríamos de volta à Chopperia do Sesc Pompeia, desta feita em outro projeto da própria Sarah e a tocar conforme gostávamos de fato, com toda a eletricidade que um show de Rock merece. 

O show "Luz de Emergência" ocorreu no dia 14 de novembro de 2001. Assista abaixo uma música extraída dessa apresentação. Trata-se de "Transcendental", música do repertório clássico da banda, extraída do disco "branco", lançado em 1982:

Eis a performance acústica da canção: "Transcendental" ao vivo no Sesc Pompeia de São Paulo, em 14 de novembro de 2001
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=rNute-mYq0U


Resenha sobre o Show que realizamos em setembro no Café Aurora, a elogiar bastante a nossa performance. Revista Rock Brigade nº 183, de outubro de 2001

Passada essa aventura insólita para uma banda das características da Patrulha do Espaço, a nossa atenção se voltou para a preparação do ônibus. 

Sobre as gravações do novo CD, estas estavam encerradas, mas descapitalizados que estávamos, pois empreendemos todo o nosso caixa na compra e reforma do veículo, tivemos que paralisar nossos esforços para finalizá-lo e lançá-lo, enfim. 

Depois do show acústico no Sesc Pompeia, nós empreendemos uma série de compromissos avulsos antes de iniciarmos uma nova fase da banda, quando, aí sim, a ideia de entrarmos em turnê, propriamente dita, foi posta em prática, e a aventura de estarmos na estrada, literalmente, produziu muitas histórias. 

Falarei sobre os compromissos avulsos a seguir e logo, começo a contar sobre as turnês, com muitíssimas histórias engraçadas e algumas angustiantes, também. 

Os próximos compromissos antes da primeira turnê realizar-se, na verdade estavam tão próximos uns dos outros que já caracterizavam um início de turnê, de fato, mais do que shows avulsos e dispersos na agenda.

Por exemplo, fomos à Mogi-Guaçu-SP, na região de Campinas para mais uma apresentação no "Tempo Club", onde já havíamos apresentado-nos no ano de 2000. 

Como naquela ocasião o show fora bom, com público significativo, o convite para uma volta pareceu ser uma nova oportunidade segura para repetir-se a boa experiência do ano anterior. Só que houve um detalhe a desabonar tal perspectiva: naquela ocasião, a produção se pautara em torno de uma festa organizada por um programa de rádio, e com o seu público cativo, mobilizado. 

Desta feita, foi uma aposta no sucesso anterior, mas sem o apoio da tal emissora de rádio. Dessa forma, tivemos o apoio da banda que faria a abertura, chamada: "Wild Shark". 

Na verdade, o apoio foi quase exclusivamente de seu abnegado vocalista, um rapaz chamado, Alexandre Quadros, que além de músico, era (é), um tremendo agitador cultural nessa cidade, e em toda a região. Com esse suporte, animamo-nos, pois a força de trabalho incansável que ele demonstrou possuir, aliado ao seu conhecimento logístico da cidade e da região, nos fez crer que seria novamente um grande êxito esse novo show em tal cidade. 

Então, eu tive a oportunidade de viajar previamente com o Rolando Castello Junior e o nosso roadie, Samuel Wagner, para tal cidade e ao encontrarmo-nos com o Alexandre Quadros, fizemos um trabalho de divulgação e tanto, a colocar cartazes nos pontos por ele sugeridos, distribuir filipetas e também a cavar matéria no jornal local. 

Repetimos essa estratégia em cidades vizinhas como Itapira, Mogi Mirim, Amparo e dentro das possibilidades logísticas das quais dispúnhamos, ficamos com a impressão de termos feito o máximo e assim, voltamos a São Paulo com a sensação do dever cumprido. 

Haveria outra banda a abrir o nosso show além do "Wild Shark", chamada: "Le Fou". Certamente contribuiria para atrair mais público ao evento, assim esperávamos.

Resenha sobre a Coletânea "Dossiê Volume 4", que a banda havia lançado em 2001, publicada na Revista "Guitar Player", nº 68

Então, nós soubemos que o nosso ônibus ainda não estava liberado para o usarmos e dessa forma, o nosso sócio-motorista prontificou-se a levar-nos até Mogi-Guaçu com a sua van. Seria bem apertado, pois o nosso backline era gigante, contudo, diante da necessidade, não tivemos outra escolha. 

E além disso, no dia seguinte ao compromisso de Mogi-Guaçu, teríamos um outro show em Santos, no litoral, portanto, seria uma jornada dupla, com quase trezentos Km para enfrentarmos entre a cidade interiorana e o litoral, e a ter que passar por São Paulo, necessariamente. 

Fanzine "Yellow Pepper's", com ares "Beatlemaníacos" (como sugeria o seu nome), nº 4, de outubro/novembro/dezembro de 2001. Há uma entrevista bem simples conosco, mas claro, como quase todo fanzine, muito bem-intencionada e conduzida pelo seu responsável, Vladimir José

Chegamos enfim à cidade de Mogi-Guaçu-SP, com a van do nosso sócio/motorista. O nosso anfitrião, Alexandre Quadros, estava muito animado e esperançoso pela presença de um público numeroso, visto que havia esforçado-se bastante para divulgar o espetáculo na cidade e também nas cidades vizinhas. 

O local já era nosso conhecido e as condições de som, iluminação & infraestrutura de camarins foram, portanto, esperadas por nós. Mas, à medida que o horário do show aproximara-se, infelizmente notávamos que o público seria aquém da expectativa e aí, só preocupamo-nos em fazer o show para os poucos que dignaram-se a comparecer e o raciocínio do artista era (é) sempre o de fazer o melhor possível, mas muito mais que isso, honrar o fã abnegado que compareceu.

Resenha sobre o CD Coletânea "Dossiê Volume 4", publicada na Revista "Rock Brigade", nº 181, de agosto de 2001

O Alexandre ficou muito desapontado, pois tratava-se da cidade natal dele, e ele sentiu que o seu esforço pessoal poderia ter sido arranhado pelo insucesso de público. Mas o isentamos completamente desse ônus. Pelo contrário, o nosso reconhecimento pelo seu empenho, que foi extraordinário, não mudou um centímetro, sequer. 

Sabíamos que ele havia se esforçado ao máximo e nesse caso, o não comparecimento do público em massa, foi meramente ocasional, portanto jamais por sua culpa. Ao ir além, digo que já no tempo d'A Chave do Sol, eu já havia passado por situações parecidas, quando em uma pequena cidade do interior, ninguém foi ao show, embora fosse sabido que haviam fãs declarados da nossa banda em tal localidade. Dessa forma, é um acontecimento bizarro que nem a parapsicologia explica, mas existe como "fenômeno" e acontece muito no interior.

Não lembro-me muito bem da apresentação da banda, "Le Fou". Minha lembrança efêmera é a de uma banda pesada, com influência de Hard-Rock oitentista e talvez uma pitada de grunge noventista.

Quanto ao "Wild Shark", esta era uma banda com boas influências setentistas, a misturar-se com elementos mais modernos dos anos, 1980 e 1990, também. Era híbrida, pois tocou material próprio, mesclado a covers e lembrou-me o Rock'n' Roll quase Hard do Kiss, em alguns aspectos. 

O Alexandre esteve muito chateado com a pouca presença de público e chegou a exaltar-se ao microfone, quando cobrou mais atitude dos Rockers da região, em tom de desabafo, mas foi inútil reclamar, pois quem merecia ouvir o seu discurso, simplesmente não estava ali presente. Ficou pelo seu desabafo pessoal, mesmo. Aconteceu no dia 16 de novembro de 2001, e cerca de trinta pessoas pagaram ingressos para ver o show da Patrulha do Espaço e das bandas de abertura. No dia seguinte, a missão seria em Santos-SP, no litoral...

 

Estávamos cansados pela viagem, mas também chateados pela noite anterior não ter angariado o público que esperávamos etc. 

Dessa forma, chegamos em Santos, não com toda a disposição ideal, mas claro, imbuídos para darmos o nosso melhor, como sempre. A casa em questão não ajudava, pois tratava-se do "Praia Sport Bar", que não se tratava de um espaço mais adequado para se fazer shows naquela cidade praiana, mas fora o que costumeiramente estava a abrir as suas portas para nós, na ocasião.

Se serviu como consolo sobre esse show, apesar de ser feito em uma casa muito mais tímida em termos de espaço, eis que atraiu muito mais gente para ver-nos, do que o show da noite anterior em Mogi Guaçu-SP. Dessa maneira, o cachê que amealhamos em Santos, praticamente empatou o prejuízo da noite anterior, visto que em Mogi Guaçu, a produção fora nossa e por conseguinte, sob alto risco. Assim, em 17 de novembro de 2001, tocamos mais uma vez no Praia Sport Bar, da cidade de Santos-SP, com um público de cerca de cem pessoas, muito bom ao se considerar as proporções da casa.
 

Entrevista com o Rolando Castello Júnior, para a Revista "Batera e Percussão", nº 49, de setembro de 2001. Lembro-me da produção da foto grande, com ele a posar com a sua bateria montada em uma praça pública. Ocorreu perto da redação da referida revista, no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo, sob uma tarde de um dia útil de agosto, desse mesmo ano. A entrevista foi conduzida pelo jornalista e editor dessa revista, Régis Tadeu, que por ser músico, também (baterista), tinha (tem) grande conhecimento da matéria e a foto foi de Ana Fuccia, que trabalhava nessa editora e já era uma grande amiga da banda, inclusive a produzir as fotos para três discos que lançaríamos no futuro. 

Uma semana depois, teríamos um outro show de casa noturna, mas ao menos sem ter que usarmos a estrada. Foi em São Paulo, mesmo, conforme relatarei a seguir.

Então, lá fomos nós novamente ao bar "Roquenrow", na zona norte de São Paulo, para mais uma apresentação. Desta feita, a abertura foi feita pelo "Tomada" banda de meu ex-aluno, Marcelo "Pepe" Bueno. Tal banda já dava mostras que estava a se profissionalizar e deixara para trás qualquer resquício de amadorismo infantojuvenil de outrora e aquilo alegrava-me, sem dúvida. 

Tanto que após esse show, nós convidamos o Tomada para abrir o nosso show na cidade de Itu, no interior de SP, que ocorreria dali a alguns dias, com total confiança de que seria uma ótima banda de abertura.

Nesse dia, no bar "Roquenrow", apareceu o Luiz Carlini e a Helena T. e dessa forma, o casal proporcionou uma participação conosco, quando tocamos: "Agora Só Falta Você", do repertório do Tutti-Frutti e "Bixo da Seda", da banda homônima, gaúcha. 

O Luiz ficou a contar-nos histórias de sua amizade com o pessoal do "Bixo da Seda" (a grafia do nome da banda é essa mesma, com "x", sei que é errado, mas foi escolha deles), nos anos setenta e claro que foi um grande prazer, ouvi-las. Aconteceu no dia 24 de novembro de 2001 e houve cerca de sessenta pagantes na casa. A próxima parada seria na cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo.

Duas semanas depois, estivemos finalmente de posse do nosso ônibus e o novo compromisso que teríamos demandaria uma viagem ao interior do estado, quando estaria justificado o seu uso, enfim. Seria na cidade de Rio Claro-SP, cerca de cento e oitenta Km de São Paulo, em uma casa noturna local que costumava abrir portas para bandas de Rock, embora não fosse assumidamente um ponto Rocker. Chamava-se: "Monkey Music Bar" e tal denominação fora demarcada pelo fato do seu proprietário ser conhecido na cidade pelo apelido de: "macaco"... 

A viagem ocorreu sem problemas, ao deixar-nos bastante tranquilos, apesar do forte calor que fez naquele dia, e quanto mais embrenhávamo-nos rumo ao interior, claro que a temperatura esquentava significativamente, como é tradição no interior do estado de São Paulo. 

Como fato inusitado, relato que levamos conosco nessa viagem, um roadie diferente que não costumava figurar em nossa equipe, mas na verdade, tratava-se de um velho conhecido da banda e que azucrinara no camarim do Fofinho Rock Club, quando fizemos o show de estreia dessa formação, em agosto de 1999. 

Preservarei a sua identidade para não expô-lo publicamente, mas relato que ele se apresentava como uma figura bastante extravagante. Ele lembrava-me pelo caráter performático em seus trejeitos, o Edgard Puccinelli Filho, o popular "Pulgão", que fora roadie d'A Chave do Sol, nos anos oitenta.

Posso dizer que esse rapaz era dotado de uma boa índole e prestativo para trabalhar, mas bastava ingerir um pouco de álcool, e então, transformava-se, ao tornar-se bastante inconveniente. 

E sua transformação adotava parâmetros não usuais no tocante à pessoas que mudam de comportamento por conta do álcool. Isso por que é público e notório que existem comportamentos padronizados para a alteração de personalidade de pessoas que estão sob o efeito de bebidas. Há os que ficam alegres, outros ficam agressivos, certos tipos ficam salientes em demasia com as mulheres e alguns ficam sonolentos e apáticos. Em linhas gerais são os tipos psicológicos mais conhecidos.

Mas no caso desse rapaz, era completamente imprevisível como ele ficaria após beber, e isso tornava-se bastante desagradável, não só por aborrecer-nos, mas por causar-nos constrangimentos com terceiros. 

Então, essa fora uma boa razão para não contarmos com ele, em outras ocasiões passadas, no entanto, como ele era costumeiramente cortês quando sóbrio, e sempre pedia-nos mais uma chance, desta vez, nós aceitamos conceder-lhe tal oportunidade.

Já para o outro roadie que já estava fixo conosco, desde outubro, a noite foi feliz, visto que aconteceu-lhe um episódio fortuito e absolutamente insólito. 

Foi o seguinte: o soundcheck havia finalizado-se e houve uma dispersão geral. Uma parte da comitiva foi jantar em um restaurante próximo e a outra preferiu permanecer no local. Eu fiquei no ambiente e estava junto a esse roadie, sentado na porta do bar e a aproveitar a brisa do início da noite, pois mostrara-se um momento em que refrescara a temperatura e nesse caso, estávamos esbaforidos pelo forte calor que sentíramos o dia inteiro em Rio Claro.

Estávamos em frente ao nosso ônibus que estacionara na porta da casa, quando passou pela calçada uma garota e quando o fitou, ela fez uma expressão facial típica de que lembrara-se dele, mas não sabia de onde. 

Então, tal moça deu poucos passos adiante e resolveu voltar repentinamente, para abordá-lo de uma forma inusitada, pois ao abordá-lo, lhe disse que precisava muito conversar com ele em particular, pois ela estava muito triste por ter rompido com o seu namorado, ou seja, a tratar de um assunto íntimo se o conhecesse há anos e este fosse o seu confidente de confiança a caracterizar uma situação no mínimo, bizarra.

Era uma garota bonita e bem vestida e não parecia ser uma golpista a caçar incautos pelas ruas (foi aí que residiu o perigo, na verdade, pois na prática, a aparência não quer dizer nada).

Então ele empolgou-se pela situação e foi com ela para uma praça próxima, para concretizar tal conversa a atender o seu pedido. Claro que na hora, eu o adverti para tomar cuidado etc. e tal, mas depois de uma hora, aproximadamente, ele retornou todo cheio de marcas de batom (e com a sua carteira intacta no bolso da calça, ainda bem), e contou-nos que a garota começou com essa conversa de estar triste pelo rompimento de seu namoro e assim ao desejar realizar algo concreto para "aumentar a sua autoestima", resolvera e abordá-lo, pois achara-o atraente. Em suma, foi inacreditável estar a ouvir tal história, mas realmente aconteceu. Mesmo ao não revelar o nome de tal roadie "sortudo", é só o leitor mais atento juntar dois + dois, e fica óbvio sobre quem foi o sortudo. 

A casa era rústica, mas mantinha a infraestrutura mínima necessária e o seu proprietário, o tal "Macaco", mostrou-se um bom anfitrião, ao receber-nos bem, e a cumprir fielmente tudo o que nos prometera. 

O show foi muito bom, com bastante energia, apesar do público não ser essencialmente, Rocker. Saímos bastante satisfeitos do palco, mas ao final, infelizmente aborrecemo-nos, pois o nosso roadie convidado, educado quando sóbrio, estava visivelmente agressivo por que ao contrariar as suas promessas, sucumbira à tentação gerada por permanecer horas no ambiente etílico, em meio a tantas garrafas convidativas port todos os lados a chamá-lo...

Quando já avançava a madrugada e os roadies começavam a carregar o equipamento para o ônibus da banda, vimos que ele estava muito agressivo e por pouco não arrumou confusão com um grupo de pessoas oriundas do público por um motivo fútil qualquer. Ainda bem, os apaziguadores de plantão agiram rápido e tudo foi contornado. Infelizmente, depois dessa ocorrência, ficamos sem vontade para chamá-lo, novamente. 

Isso ocorreu no dia 7 de dezembro de 2001, na cidade de Rio Claro-SP. O público presente no Monkey Music Bar, foi de cerca de trezentas pessoas. Realmente lembro-me que a casa estava abarrotada pelo excelente público presente. Tratou-se de um público jovem e com bom nível, a maioria universitários, estudantes da Unesp, universidade estadual com muitos campus espalhados pelo interior de São Paulo, e o campus da cidade de Rio Claro, é um dos maiores, com várias faculdades em anexo. 

Por falar nisso, quando eu começar a relatar fatos ocorridos em 2002, logo falarei sobre um show da Patrulha do Espaço, ocorrido dentro do campus da Unesp de Rio Claro, produzido pelo D.A. dos estudantes de uma das suas faculdades.

O próximo show foi efetivamente o estopim da nova fase em que a banda mergulharia, a emendar muitos shows próximos uns dos outros e a seguir uma logística inteligente que caracterizara, enfim, a organização de uma turnê. 

E nesse próximo show que comentarei, ocorreram histórias muito inusitadas que certamente não poderão deixar de serem contadas. O compromisso seria em um clube, na cidade de Itu-SP, no interior de São Paulo, mas não se tratou do famoso, Ituano, clube onde imediatamente desconfiei ser, quando recebi a notícia da confirmação do evento, graças à minha percepção sempre presente no campo do futebol.

Na verdade, iria transcorrer em um outro clube da cidade e este, sem vínculos com o futebol profissional. Seria na "Associação Atlética Ituana ", um clube com menor proporção, mas a apresentar como patrimônio, belas instalações sociais e esportivas, bem localizado em um bairro nobre daquela cidade interiorana. 

Esse show começou alguns dias antes, no entanto, pois assim como fizéramos por ocasião do show em Mogi-Guaçu-SP, que eu comentei poucos parágrafos atrás, houve uma pré-produção em cooperativa com o produtor local, e dessa forma, eu mesmo, pessoalmente, fui à tal cidade acompanhado do nosso roadie, Samuel Wagner, quando fizemos algumas ações de promoção. 

Acompanhados desse rapaz que estava a produzir o evento, nós percorremos vários pontos por ele sugeridos para colocarmos cartazes, além de visitarmos redações dos jornais locais, ao visar angariar-lhes, apoio.

Esse rapaz, era bem jovem e estudava cinema. Ao saber de meu interesse pela sétima arte, apressou-se em contar-me que um estabelecimento comercial que houvera sido propriedade de um parente seu (acho que foi de seu avô), havia servido como locação para o filme: "O Bem-Dotado, o Homem de Itu", um clássico do cinema brasileiro dos anos setenta, na vertente da "pornochanchada". 

E como se não bastasse, o dia seria ainda mais cinematográfico para o meu deleite naquela tarde, visto que em uma visita à cidade vizinha de Salto-SP, separada de Itu, por uma avenida, apenas, eu tive um contato desse nível. 

Ocorreu que nessa cidade, Salto-SP, nós fizemos também esforços de divulgação, pela óbvia proximidade com Itu e tal município era a terra natal do ator & diretor de cinema, Anselmo Duarte, e na casa onde ele nasceu, funcionava um pequeno museu e cine-clube, em sua memória, e claro que eu dei uma olhada, ainda que muito rapidamente, pois o tempo urgia, e o objetivo da missão fora divulgar o show da Patrulha do Espaço em Itu, e assim procedemos em Salto.

Daí em diante, uma rotina estabeleceu-se, com a minha residência a ser o QG de saída e retorno da banda de todas as viagens. Com todo o equipamento guardado na minha ex-sala de aulas, ficava mais prático partirmos sempre dali daquele endereço.

Foto clicada na sacada da minha residência, a mirar no cruzamento das Ruas Castro Alves e Safira, no bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo 

Todavia, houve um empecilho e tanto nessa logística: para quem conhece o bairro da Aclimação, em São Paulo, sabe que são raras as ruas que mantém uma topografia plana. E a minha rua na ocasião, era a típica rua do bairro, a ostentar uma ladeira íngreme. 

Portanto, estacionar um ônibus sem o "manequinho" (jargão de motoristas para designar freio de mão dos ônibus e caminhões), em condições adequadas, e ainda a torná-lo mais pesado com a inclusão do equipamento, a aumentar em pelo menos mais uma tonelada o seu peso, seria temerário. 

Bem, essa rotina perpetuou-se, ao durar até 2003, com bastante frequência, e só pôs-se a diminuir nos momentos finais dessa formação da banda, no ano de 2004.

Nesse dia em específico, o pessoal do Tomada chegou na hora combinada, e haveria um personagem a mais nessa viagem, o amigo, Marco Carvalhanas, que estava a iniciar a sua carreira como produtor e empresário e insinuara-se a assumir esse posto conosco.

Seria um apoio e tanto, principalmente durante as viagens, e de fato, ele já havia viajado conosco na viagem anterior, à cidade de Rio Claro-SP, que descrevi anteriormente e testemunhou na porta do estabelecimento comigo, a história do roadie que foi assediado sexualmente por uma transeunte bonita, naquela história insólita que mencionei antes. 

Carvalhanas era músico (baterista), e tocara na "Santa Gang" nos anos setenta/oitenta e também acompanhou o cantor, "Serguei" por algum tempo. Desde o início dos anos 2000, ele embrenhara-se no mundo da produção e gostara dessa nova vocação, portanto, queria seguir em frente nessa determinação. 

Com todos a bordo, seguimos para Itu-SP sob um clima descontraído dentro do ônibus, com muito calor, mas também com bastante camaradagem e brincadeiras. Chegamos ao clube interiorano ainda na metade da tarde (a cidade de Itu fica distante a apenas setenta e sete Km de São Paulo), e rapidamente os roadies fizeram o duro trabalho de descarregar o equipamento e levá-lo ao palco do salão de festas. 

Aí, já tivemos o primeiro problema do dia, pois apesar de ser um clube bem arrumado, a acessibilidade em suas dependências deixava a desejar. Para sair do pátio onde o ônibus estacionou, até o palco, havia uma penosa escada que os fez sofrer bastante para carregar todo aquele equipamento. 

Contudo, surpreendemo-nos ao verificarmos que um novo roadie que estreara na equipe aquele dia, realizou um feito inacreditável, ao estilo do "Cacique Cobra Coral", aquele sujeito nanico que trabalhou como carrier no Sesc Itaquera. Com uma truculência desproporcional ao seu porte, visto que ele também era bem pequeno, eis que o rapaz apanhou o piano Fender Rhodes do Marcello, o colocou sem pestanejar sobre os seus ombros e saiu a correr, literalmente, pela escada íngreme, como se estivesse a carregar uma mochila vazia...

Caímos na risada, é claro, pois aquela cena foi bizarra. Esse sujeito na verdade nunca havia trabalhado como roadie na vida, mas era um carrier que o nosso sócio/motorista conhecia de trabalhos que haviam feito juntos. E muitas outras histórias hilárias aconteceram em shows futuros, a envolvê-lo, quando na hora certa, eu comentarei. Então, com o equipamento no palco e tudo ligado, fizemos o soundcheck.

Estava tudo correto até então, com a Patrulha do Espaço a passar o som e o Tomada, idem, sem problemas. O PA contratado para o evento, foi compatível com o salão onde ocorreria o show. Não era um equipamento sofisticado mas continha o mínimo necessário para um show de qualidade, na dignidade que as bandas mereciam. Então, encerrada essa etapa, ficamos livres para relaxarmos. O camarim era improvisado, pois na verdade eram vestiários para atletas que deviam utilizar as quadras de esportes e/ou piscinas do clube. Tudo bem, eram limpos e amplos, portanto, perfeitamente habitáveis.

Quando o horário avançou, percebemos que o clube havia aberto as portas para o público. Não foram muitas pessoas a chegar, mas o fluxo de chegada de mostrou contínuo, a prenunciar que haveria um quórum mínimo.

Chegada a hora do espetáculo, demos o sinal para o pessoal do Tomada iniciar a abertura. Eles subiram ao palco e começaram a tocar. Estávamos no camarim e notamos que a voz do vocalista, Ricardo Alpendre, não entrava em evidência. Pensamos inicialmente que a banda talvez iniciasse o seu show com um tema instrumental, portanto fosse algo premeditado do seu planejamento. 

Mas o fato, foi que a música alongar-se em demasia e nada de terminar, tampouco a demarcar entrar enfim a presença da voz do cantor, Ricardo. 

Ressabiados, fomos verificar o que ocorria e pasmem! O vocalista, Ricardo Alpendre, estava com o microfone em mãos e a sinalizar freneticamente para o técnico de som tomar uma providência, mas como o "mesista" posicionara-se longe, e com o advento da iluminação na contraluz, não dava para ser visualizá-lo com nitidez, para quem estava no palco. 

Mas nós vimos claramente que o técnico em questão não estava presente ali na mesa, e pior, o som da banda era caracterizado apenas pela emissão do que estava a vir direto dos amplificadores, pois o PA estava desligado! Só havia o som de guitarra e baixo a ser escutado direto dos amplificadores no palco, e mesmo assim, sem passar adequadamente pelo PA e a bateria a soar in natura. Onde estaria o profissional (ir)responsável pelo equipamento?


Foi quando o Marcello Schevano e o Marco Carvalhanas ouviram o som de alguém a usar o equipamento de musculação na sala de academia do clube. Ambos foram lá para verificar e constataram que o sujeito em questão, estava ali, despreocupadamente a exercitar-se.
Ele ouvia a banda a tocar sem PA e nem dignara-se a ir lá para dar uma satisfação aos artistas humilhados no palco. Então, abordado por nós, alegou que não havia recebido o dinheiro referente ao seu pagamento, e que não abriria o P.A. enquanto não visse a "cor do dinheiro", a usar destas literais palavras...

Não vou entrar no mérito da questão, mesmo por que não sei o que fora combinado com o produtor do show, mas claro que ninguém aprovou esse tipo de atitude rude, da parte dele. 

A despeito dele ter tido razão para cobrar o que fora acordado previamente e ao não ser honrado o compromisso, o direito de desmontar o seu equipamento e ir embora, bastava uma conversa prévia algumas horas antes do espetáculo iniciar-se para não se chegar nesse ponto de um impasse tão deselegante. 

Aliás, cabe a reflexão: por que ele realizou o soundcheck e não mencionou a sua reivindicação ao produtor? Ali, por volta das 17:00 horas, teria sido o momento para tal conversa com o rapaz e tudo isso teria sido evitado. Não quero prejulgar, mas talvez ele tenha premeditado essa desfeita propositalmente, para a sua pressão psicológica ganhar ares de dramaticidade. Se foi isso, claro que planejou, e nesse caso, foi mais um ponto negativo em sua conduta.

Com essa atitude mesquinha, expôs o Tomada de uma forma vergonhosa. Não importava que a banda era nova e dava os seus primeiros passos na carreira. Pouco importa isso em uma questão que envolve ética, respeito e a dignidade do artista exposto no palco, que nada teve a ver com o acerto financeiro da produção com esse "profissional" terceirizado etc. 

Enfim, após um bate-boca acalorado, o produtor foi arrumar o dinheiro em espécie e só quando as notas foram parar no bolso do sujeito, foi que este se dignou a interromper a sua sessão de musculação na academia, e foi abrir o som do PA, com a banda a tocar no palco. 

O show prosseguiu porque os componentes do Tomada eram (são) muito gentis, pois outros artistas talvez abandonassem o palco em sinal de protesto, pois foi realmente uma situação lamentável e vexatória para eles. Terminado esse imbróglio, o show deles encerrou-se, e chegou a nossa vez.

O nosso show transcorreu mais tranquilo, visto que o imbróglio com o "fisiculturista" e técnico de PA nas horas de folga, estava sanado.

Marcello Schevano na primeira foto e eu, Luiz Domingues, na segunda. Patrulha do Espaço ao vivo na AA Ituana de Itu/SP em 15 de dezembro de 2001. Clicks, acervo e cortesia de Gustavo Montenegro Inforcati

Foi um show com muita sinergia, pois se o público não se caracterizou como uma grande multidão, ao menos quem compareceu ao salão de festas desse clube, para nos assistir era Rocker de fato e entre eles, havia uma ala com fãs inveterados da Patrulha do Espaço, da velha guarda, que inclusive nos abordou no pós-show, no camarim, com pedidos de autógrafos a serem efetuados nas capas dos discos de vinil antigos da banda, além do CD Chronophagia.

Na anotação que tenho, o público presente nessa noite foi por volta de setenta pessoas presentes na Associação Atlética Ituana. A despeito do resultado financeiro não ter sido o que esperávamos, pelo lado artístico saímos satisfeitos, pois fora um show com muita energia e sinergia com o público. 

Rodrigo Hid na primeira foto e Rolando Castello Junior na segunda. Patrulha do Espaço ao vivo na AA Ituana de Itu/SP em 15 de dezembro de 2001. Clicks, acervo e cortesia de Gustavo Montenegro Inforcati

Lembro-me inclusive de termos gerado momentos de euforia, quando em certos momentos, obtivemos a interação que foi total e deu-nos um enorme prazer em estarmos ali com esses poucos, porém ótimos fãs.

Ao final, quando o público já dispersava pelas ruas de Itu, nós presenciamos uma cena triste. Não teve nenhuma relação direta com a banda, mas acho que vale a pena relatar, pelo caráter dramático em que apresentou-se aos nossos olhos, ainda que por outro lado, fosse até cômico, de certa forma. 

Um rapaz bebeu demais e aparentava não ter condições para caminhar sozinho. Os seus amigos o carregavam e ao se verificar que nem assim estava a dar certo a sua evasão do local, eles resolveram ligar para o pai dele, a pedir ajuda. 

Alguns minutos depois, eis que chegou o senhor e ao ver o filho naquele estado deplorável, o homem perdeu a paciência, e aos gritos, deu-lhe uma admoestação verbal mastodôntica, que a cidade inteira ouviu. 

Infelizmente, estávamos nas proximidades do ocorrido, próximo de nosso ônibus que estava a ser carregado pelos roadies e não houve meio para ignorarmos o escândalo ali ocorrido.

A parte cômica dessa cena, se é que exista alguma graça em um evento dessa natureza, foi que o pai do rapaz estava tão ou mais embriagado que o filho. Só pelo jeito que o carro aproximou-se, e o senhor saiu do veículo, ficara nítido que o cidadão estava completamente fora de si, portanto, a bronca escandalosa revelou-se um tremendo paradoxo, e dessa maneira, soara engraçada nesse aspecto. Mas claro, na verdade foi uma cena triste perpetrada por ambos, pai e filho sob um estado deplorável de embriagues.

A partir da semana subsequente, entramos de vez na perspectiva de realizarmos turnês exaustivas. Foi a concretização do sonho de todo artista ao tocarmos de quarta a domingo, cada dia em uma cidade diferente. 

Mas claro, não seria uma turnê de banda "mainstream" e nesses termos, se houve esse prazer recôndito, aconteceu também a perspectiva de enfrentarmos inúmeros dissabores oriundos do fato de sermos uma banda fora do patamar mainstream e neste caso, ao habitarmos o patamar underground da música profissional, a aspereza muitas vezes superava qualquer possibilidade de haver algum glamour. Enfim, são muitas histórias para contar. E só para encerrar a história do show em Itu, ele ocorreu em 15 de dezembro de 2001.

 

O show de Itu-SP foi uma avant-première do que seriam as turnês interioranas, doravante. A dinâmica do ônibus, nortearia as nossas ações dali em diante e diante dessa perspectiva, nós só precisávamos azeitar melhor a equipe técnica, por que na prática, somente tínhamos um roadie disponível em nossa equipe, e ele era novato, ao ter recebido apenas um treinamento rápido e ministrado por nós mesmos, pouco tempo antes. 

A sua única vantagem, foi a de ser um Rocker contumaz em sua formação pessoal e assim, ao menos na parte estética & cultural, ter a noção exata de quem éramos e ao ir além, ao se provar como um inveterado fã da banda, um verdadeiro conhecedor de sua história. A sua pouca experiência profissional naquele instante, foi compensada por essa sua qualidade pessoal.

Já o outro rapaz com o qual estávamos a lidar nessa excursão foi somente um carrier. Ele não continha nenhuma noção do que representava ser um roadie, propriamente dito, e portanto, na hora da montagem e desmontagem, em nada poderia contribuir, a não ser auxiliar a alcançar as peças para o único roadie, sob uma ajuda pífia. 

E sobretudo, na hora do show, qualquer eventualidade que ocorresse (e são muitas as ocorrências nesse sentido), nós só teríamos um roadie na equipe para suprir a necessidade, quando uma equipe realmente profissional conta no mínimo com um roadie para cada instrumentista, especializado no seu respectivo instrumento e equipamento, portanto pronto a resolver qualquer pane, específica. 

Bem, foi o que tivemos e assim viajamos. O reforço mais abalizado seria a presença do Marco Carvalhanas, que atuaria como road manager, a encabeçar toda a logística e pronto a resolver questões pontuais, como atuar, eventualmente, até na bilheteria de casas noturnas onde apresentar-nos-íamos, por exemplo. 

A esposa do Junior na ocasião, Claudia Fernanda, também viajaria conosco, e ela desde o início, atuava como produtora e munida de sua experiência como coordenadora de eventos de grande porte, geralmente ligados à produção de exposições de artes plásticas, vernissage & afins, era muito ativa, determinada e detinha uma visão muito boa de estética, pois estava acostumada a cuidar do visual de galerias de arte, portanto, mesmo com a nossa banda não tendo nem 10% dos recursos visuais com os quais ela estava acostumada a lidar, o fato foi que a Claudia sempre achava um jeito para dar o melhor acabamento possível ao nosso palco, na parte visual e isso logicamente agregava. 

E finalmente o sócio/motorista, que só dirigia o carro e seria em tese, o responsável pela sua manutenção e que não ajudava em nada no processo de montagem e desmontagem do equipamento, em cada show. 

Faltava-nos pelo menos um técnico de som, que seria o ideal para se ter o mínimo de condições adequadas e mais um roadie, este quiçá mais experiente, mas as nossas condições gerenciais naquele instante não permitiram que pudéssemos contratar um profissional desses citados, pelo menos, pois o certo mesmo seria levarmos conosco dois técnicos de som, um para atuar na operação do PA e o outro só para operar o monitor e quatro roadies especialistas em cada instrumento e respectivo equipamento. Isso sem contar o iluminador, um outro profissional muito importante para a equipe. E la nave va...

Continua...

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