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sábado, 27 de novembro de 2021

Crônicas da Autobiografia - Hippies na Cerimônia de Casamento Alheio - Por Luiz Domingues

No camarim dos Doces Bárbaros em 1976, o nosso guitarrista Wilton Rentero observa a presença de Rita Lee. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero

Aconteceu no tempo do Boca do Céu em 1977

Naqueles dias de 1977, em que o movimento hippie chegara tardiamente ao Brasil, nós vivemos tal lampejo com muita intensidade. Nesses termos, a nossa banda, o glorioso, Boca do Céu, costumava ensaiar aos sábados e eventualmente em alguns domingos, também. 

Jorge Mautner ao vivo em 1976. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero

E após os ensaios do Boca do Céu, nós íamos juntos aos inúmeros eventos que borbulhavam pela cidade, shows de Rock e MPB, predominantemente, mas também mediante muitas sessões de cinema assistidas com o melhor da produção cinematográfica comprometida com a contracultura, exposições de artes plásticas, peças teatrais, saraus, palestras, enfim, as opções foram múltiplas naqueles dias.

Show do Caetano Veloso em 1975. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero

E não obstante essa euforia com a qual buscávamos saciar com a absorção de cultura em doses maciças, havia o baixo astral antagônico pelo regime imposto goela abaixo e a apontar para a truculência a cada esquina como algo possível antes as armadilhas que nos impunham, como um perigo constante e fato inexorável.

Sergio Dias ao vivo com os Mutantes em 1974. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero

Porém não apenas isso, fatos bizarros aconteciam com constância pelo fato de sermos jovens Rockers com aparência de hippies sessentistas em meio a uma sociedade tão conservadora no aspecto ruim do termo.

A fachada do hoje saudoso Cine Bijou, uma sala de cinema que foi muito significativa aos apreciadores do cinema de arte e sobretudo da movimentação contracultural absorvida pelo cinema e por conseguinte, a atrair um grande contingente de hippies, freaks e Rockers para assistir as películas colocadas em sua programação, principalmente nas décadas de sessenta e setenta

E foi uma situação assim que nos ocorreu quando saímos certa noite de uma sessão de cinema no saudoso Cine Bijou e eufóricos por termos visto um filme com alta carga de mensagem libertária, ficamos completamente absortos pela sensação de liberdade de se correr livremente por um bosque ou algum lugar aprazível dessa monta e sentir os cabelos longos balançarem ao vento, tal como hippies em estado de epifania ao experimentarem o senso da libertação do sistema opressor etc. e tal.

Diante dessa sensação libertadora, não corremos de forma literal pelas ruas, mas imbuídos dessa euforia inebriante, vimos que uma cerimônia de casamento estava a ser realizada nesse mesmo instante na Igreja da Consolação ali ao lado, na Praça Roosevelt e entramos a esmo no templo católico.

A famosa cena do filme "Hair", em que os hippies protagonistas da trama, geram confusão em uma festa particular e absolutamente burguesa

É claro que o contraste de um bando de adolescentes cabeludos vestidos como hippies foi gerado, pois assim chamamos a atenção inteiramente e nesse momento, nos sentimos como na cena da peça teatral e filme, "Hair", quando os hippies invadem uma festa burguesa e geram uma confusão e tanto, mediante muito deboche da parte dos hippies, objeto de tal sketch da peça e do filme.

Não foi o nosso caso, pois nós não fizemos nenhuma cena dentro da igreja a atrapalhar a cerimônia de outrem, no entanto, a expressão de pavor que vimos nos rostos das pessoas ao nos verem ali, nos gerou uma sessão de gargalhadas inevitável e de certa forma, mesmo que de uma maneira alternativa, digamos, amplificou a nossa sensação de liberdade com a qual havíamos sido impactados após termos visto um filme com alto teor libertário.

Foram os últimos estertores dessa euforia, o movimento hippie no âmbito do Brasil, emitia os seus últimos suspiros, todavia, eu tenho saudade desse resquício que eu e meus colegas ainda conseguimos absorver, certamente.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Crônicas da Autobiografia - Soft-Rock na Hora do Pesadelo de uma Sexta-Feira 13 - Por Luiz Domingues

                       Aconteceu no tempo do Pedra, em 2007

Nos anos setenta e oitenta, para uma banda independente aparecer em um programa de popular da TV aberta, não era uma tarefa impossível. Eu mesmo posso comemorar o fato de que tive inúmeras oportunidades nesse sentido, como membro de bandas pelas quais eu atuei, casos do Língua de Trapo, A Chave do Sol e The Key e mesmo nos anos noventa, com maiores restrições, oportunidades interessantes surgiram para a minha banda nessa década, o Pitbulls on Crack, ainda que mais restritas aos espectro da MTV, mas por outro lado, pode-se afirmar sobre tal emissora, que se revelou como uma estação dentro do campo da TV aberta e convenhamos, canal esse a desfrutar de um certo modismo à época. 

Depois disso, as portas cerraram-se de vez e no avançar dos anos 2000 em diante, bandas pelas quais eu toquei, como: Patrulha do Espaço, Pedra, Kim Kehl & Os Kurandeiros e Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, ficaram todas relegadas ao mais completo obscurantismo em termos televisivos, a se apresentarem quase que exclusivamente em programas a operarem no limbo subterrâneo de emissoras irrelevantes da TV a cabo ou nas TV's de internet, a se tratarem geralmente de emissoras comunitárias compulsórias que as operadoras eram obrigadas a manter nas suas respectivas grades, a guisa de serem supostamente agentes de prestação de serviço público. 

Mesmo ao se considerar que A Patrulha do Espaço fora uma banda com história, Ciro Pessoa, individualmente também mantinha o seu prestígio artístico por ter sido um ex-membro dos Titãs e Kim Kehl & Os Kurandeiros, também haver detido uma longa trajetória.

No caso do Pedra, tratava-se diferentemente de uma banda que começara a sua a trajetória da estaca zero e há pouco tempo. Havia o apelo em torno de pelo menos três de seus componentes contarem com uma trajetória individual bastante respeitável em termos de currículo, visto que apenas o Ivan Scartezini, o nosso baterista, apresentava uma trajetória um pouco mais nova na música, mas mesmo assim, para todos os efeitos, éramos uma banda nova no mercado. 

Então, ao contar com o panorama difícil de metade de primeira década do novo século e sobretudo pelo espaço fechado para artistas independentes, sequer com abertura na emissora outrora interessada em música, a MTV, nós participamos de programas nesses moldes e foram poucos na verdade.

Um deles, ocorreu em um curioso programa produzido por pessoas abnegadas, músicos e agitadores culturais apaixonados pelo que faziam, chamado: "Sleevers", exibido pela "TV Alterna" e sob a condução de Fabio Macarrão. 

E assim, o Pedra foi convidado por esse programa e lá fomos nós em uma noite de maio de 2007, filmarmos a nossa participação que seria com duas músicas capturadas ao vivo em um estúdio ("Tonelada", localizado no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo), e a contar com mais um bloco de entrevista, ou seja, algo muito positivo.

Mas a despeito da extrema boa vontade e hospitalidade de seu produtor e apresentador, além dos membros da sua equipe, houve ali de forma implícita uma característica com a qual não contávamos. 

O fato, foi que essa rapaziada era mais entusiasta das correntes pesadas do Heavy-Metal e por conseguinte, a proposta do programa foi montada no sentido de reproduzir uma atmosfera de filme de terror, na linha mais moderna desse gênero, em torno das películas com histórias sobre psicopatas sádicos que torturam e matam pessoas a esmo, sem maiores explicações etc. e tal. 

Então, quando fomos gravar a nossa participação, esses rapazes entraram no estúdio para cumprirem a função de cinegrafistas a usarem macacões de cor laranja e máscaras macabras, dentro desse espírito e a movimentarem-se entre nós para filmar de uma maneira frenética, a estabelecer uma atmosfera perturbadora. 

Claro que eu achei bastante divertida e criativa tal linha de atuação, embora na realidade, fosse algo absolutamente antagônico à estética da nossa banda. De fato, fazia mais sentido com bandas sedimentadas na estética do Heavy-Metal e de preferência as mais radicais, do dito Metal extremo ou mesmo orientadas pelo Punk-Rock. 

E certamente se tratava do tipo de sonoridade que esses rapazes gostavam (inclusive eles formavam uma banda a atuar com esse espectro) e praticamente só filmavam outras bandas desse mesmo mundo correlato.

Bem, foi bem curiosa a nossa presença ali a tocar: "Sou Mais Feliz", por força de ser o nosso maior sucesso na ocasião, mas a tratar-se de uma canção no estilo Soft-Rock com alto teor Pop, portanto a destoar bastante da linha do programa, mas foi divertido, não posso negar.

Tocamos também, a música: "Se agora eu Pulo Fora", teoricamente um tema mais pesado para o nosso consenso interno, mas que na prática, deve haver soado como uma pluma para aqueles rapazes, entusiastas do Heavy-Metal. 

A minha lembrança de um dos personagens a dançar dentro do ritmo da canção, com uma máscara de porco, a trajar paletó, gravata, cueca por cima da calça e a distribuir notas falsas de dólares a satirizar o capitalismo, foi a mais divertida do que as dos monstrengos representados pelos demais em minha avaliação. 

E ainda introduzimos ao final da nossa performance um trecho da música: "The Mule" do Deep Purple, para tornar tudo ainda mais bizarro dentro daquela ambientação. 

Gravamos essa participação na noite de 29 de maio, porém, o programa foi ao ar em 15 de junho de 2007. E assim, mesmo que a nos sentirmos como estranhos no ninho, participamos desse bizarro programa.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Crônicas da Autobiografia - Brinquedo Novo que Fascina - Por Luiz Domingues

          Aconteceu no tempo de um Trabalho Avulso, em 1979

Em início de carreira, qualquer músico sofre os arroubos oriundos da sua pequena vivência no meio. É um tipo de fenômeno verificado não apenas nesse meio, mas que na verdade, trata-se de um conceito generalizado e que vale para qualquer ramo de atividade. No caso, a falar sobre a nossa profissão, é comum que músicos inexperientes fiquem inebriados por conta do uso de equipamentos e instrumentos e que ao não saber dosar o seu entusiasmo por um eventual novo artefato que lhes seja disponibilizado. E foi exatamente o que ocorreu comigo e com o baterista que estava envolvido nesse mesmo trabalho.

Corria o ano de 1979, e a minha primeira banda, o Boca do Céu, havia encerrado a sua atividade em abril. A partir de junho do mesmo ano, iniciara-se o embrião remoto do que viria a se tornar o "Língua de Trapo" e no decorrer do segundo semestre, ainda de uma forma bem tímida, esse embrião deu os seus primeiros passos.

Nesse cenário de oportunidades tímidas, foi em outubro que eu recebi o convite para participar de uma atividade paralela e que se constituiu do meu primeiro trabalho extra, fora das minhas bandas autorais, ao fazer parte da banda de apoio do ator/diretor de teatro/cantor/compositor e pianista, Tato Fischer. 

Eu fora convidado pelo meu amigo, Cido Trindade, que já atuava como baterista dessa banda e que o conhecera em 1978, por ocasião de uma montagem teatral/musical e cuja banda que dera suporte ao vivo nas encenações, foi liderada pelo próprio, Tato, que também tocava piano ao vivo e dirigia o espetáculo. 

Bem, convite aceito de minha parte, eu ensaiei e passei a ser componente dessa banda de apoio do Tato Fischer, já a participar de um show realizado na cidade de Cubatão-SP, e a seguir, cumprimos uma temporada encenada em dois teatros, Martins Penna e Paulo Eiró, ambos pertencentes à Prefeitura de São Paulo. Pois foi em um dos shows que fizemos no Teatro Paulo Eiró, que o primeiro arroubo aconteceu, desta feita perpetrado pelo meu amigo, o baterista, Cido Trindade. 

O fato, foi que ele chegou no teatro para o soundcheck vespertino e a carregar consigo uma novidade: um "cowbell", que acabara de comprar e muito excitado por tal aquisição, rapidamente instalou a peça de percussão acoplado ao seu bumbo e tocou com bastante ímpeto, durante todo o soundcheck. Inebriado, ele naturalmente abusou muito do uso, mas fora algo compreensível, na medida em que esteve encantado com a nova possibilidade sonora da qual dispunha.

Então, veio o show e ... bingo, o Cido se mostrou apaixonado pelo cowbell e em toda as músicas, tratou por usá-lo a tornar tal recurso que é lindo, se usado nos momentos certos, como algo enjoativo e não deu outra, o Tato reclamou no camarim e já a partir do dia seguinte, o Cido diminuiu drasticamente o seu uso. 

Eu deveria ter absorvido bem essa lição que o colega teve, mas ainda na mesma turnê com Tato Fischer, eu cometi o deslize igual, atraído pelo mesmo sentimento de uma criança que ganha um presente novo no dia de Natal.

Foi em um show posterior da mesma turnê, realizado no interior de São Paulo, especificamente na cidade de Penápolis, que foi provido tecnicamente pelo uso do equipamento integral de uma banda de bailes local. E os donos desse equipamento nos cederam tudo: PA, backline, iluminação, kit de bateria com todas as peças e pratos, teclados vintage de alta categoria e até pedais de efeitos. Como não tínhamos um guitarrista na formação dessa banda base, atuávamos como um Power-Trio com baixo/bateria e teclados a la Emerson; Lake and Palmer, portanto, o nosso grande tecladista, Sérgio Henriques pegou os pedais que desejou para acoplar ao seu kit de teclados e eu fiquei tentado a usar alguns também no baixo. 

O detalhe contraditório dessa minha decisão, foi que eu nunca gostei de usar efeitos no baixo e de fato, depois dessa noite, nunca mais usei um pedal ligado ao meu baixo. Entretanto, nessa tarde, ali enquanto fazíamos o soundcheck, e motivado pelo fato do dono do equipamento ter sido tão gentil em nos prover tudo o que a sua banda de bailes possuía, eu sucumbi e liguei um pedal "Phase 90", o clássico da marca, "MXR".

Muito bem, sem sentido prático para o baixo, a grosso modo, a não ser por estabelecer um detalhe a ser usado com extrema parcimônia e em um momento específico de uma música, o fato é que eu sabia disso e nem gostava de efeitos no baixo, mesmo naquela época com pouca experiência na música que eu tinha, porém, mesmo assim eu me deixei levar e quando o show se iniciou, eu passei o espetáculo inteiro a ligar o pedal para realçar os trechos que elegia na hora para receber tal efeito e claro, portei-me na verdade como uma criança tola que faz uso de um brinquedo novo, assim que o retira do pacote, enquanto os seus pais e avós tecem comentários sobre o quanto ela está encantada com o artefato ao seu redor.

Em resumo, não fui admoestado pelo Tato como ele o fizera com o Cido por conta do uso excessivo do cowbell em um show anterior, mas exagerei da mesma forma ao cometer o excesso por conta da fartura de recursos que nos foi oferecida, ou seja, uma atitude bastante inconveniente. 

O lado bom foi que eu aprendi na prática, algo que eu já sabia na teoria, ou seja: "menos é mais" e por extensão, adquiri mais um ensinamento: "em uma festa, coma moderadamente e não motivado pelo caráter gratuito da fartura ali colocada à mesa" e que na verdade fora algo que eu também já sabia em tese, mas que infelizmente me levou a cometer o desatino de não seguir à risca. 

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Crônicas da Autobiografia - Poucos, Porém Bons Fãs - Por Luiz Domingues

                        Aconteceu no tempo do Boca do Céu, em 1977

Entre 1977 e 1980, pelo menos, eu perdi as contas de quantos shows assisti do grupo: "Papa Poluição", uma banda de Rock híbrida, que mantinha uma forte dose de aproximação com a MPB, contudo, tal banda atuava bem naquela perspectiva setentista de uma MPB hippie a absorver tendências múltiplas da Folk-Music generalizada e profundamente comprometida com a contracultura sessentista. Mais que bem situada no espectro cultural, a banda era muito boa artisticamente e as suas composições se mostravam como bem inspiradas, com forte senso melódico e letras compostas mediante profundidade, bem construídas sob o ponto de vista poético e cheias de citações, a evocar signos múltiplos, da literatura de cordel aos Beatles. 

Formado por artistas nordestinos radicados em São Paulo (apenas um dos componentes era paulistano nato), tal grupo surgiu ali no início dos anos setenta e começou a despontar na cena do Rock underground, na metade dessa década, mas infelizmente, não cresceu como deveria e dissolveu-se por volta de 1980. 

De sua formação, um dos componentes, José Luiz Penna, houvera sido ator na montagem brasileira da peça teatral, "Hair" em 1969, e ele mesmo, enveredou para a política nos anos oitenta em diante, quando chegou a ser presidente nacional do Partido Verde (PV). 

Além do mais, tal banda era parceira do compositor cearense, Belchior, portanto, algumas músicas que nós costumávamos ouvir em seus shows, ficaram famosas a posteriori na interpretação desse famoso artista, graças à sua maior projeção, fator que o Papa Poluição, a despeito do seu quilate artístico, nunca alcançou, infelizmente. Enfim, o fato é que nós que éramos aspirantes a artistas a labutar com o Boca do Céu, a nossa primeira banda, e gostávamos muito do Papa Poluição, tanto que sempre que podíamos, íamos assistir os seus shows, em diversos teatros de São Paulo. 

O nosso guitarrista, Wilton Rentero, em visita que fez ao camarim do show d'Os Doces Bárbaros em 1976, com Gilberto Gil atrás de si. Click: Nelson Rodrigues Rentero. Acervo e cortesia: Wilton Rentero

Eis que um dia de 1977, eu estava na companhia dos meus amigos/colegas, Wilton Rentero (guitarrista) e Laert Sarrumor (vocalista e tecladista), em um ambiente absolutamente contrário à movimentação contracultural, quando deparamo-nos com um dos componentes do grupo, Papa Poluição, a se tratar do guitarrista, Paulinho da Costa, e este a conduzir o seu filho pequeno, com cinco ou seis anos de idade, aproximadamente. 

Nessa foto promocional do Papa Poluição, o guitarrista, Paulinho da Costa é o rapaz que segura o exemplar de um jornal 

Com um visual incrível a la Hippie chic que usava em seu cotidiano e não apenas como figurino de palco, logo ele chamou a nossa atenção, naturalmente, e claro que não perdemos a oportunidade para abordá-lo, e mesmo sendo adolescentes sem um grande poder de discernimento à época, foi uma abordagem bastante educada de nossa parte, apenas para repercutir o quanto gostávamos da banda, do seu trabalho e luta. 

Curioso, o guitarrista do Papa Poluição, Paulinho da Costa, ficou muito surpreendido por ter sido reconhecido por nós, seus fãs, e na época, nós não entendemos corretamente tal reação da parte dele. 

No entanto, muitos anos se passaram e a responder por eu mesmo (não sei se o Wilton e o Laert tem essa percepção exatamente igual a minha, nos dias atuais, respondo por mim neste instante), mas eu penso hoje em dia que Paulinho deve ter tido a real percepção sobre o alcance popular que o Papa Poluição detinha e dessa forma, surpreendeu-se, sim, com o nosso assédio. Reação normal, eu compreendo que guardasse consigo a baixa expectativa a respeito da popularidade da banda, ou seja, que pena por tal sentimento de resignação, devo acrescentar, pois como eu já disse, a banda era muito boa, a despeito de não haver angariado um maior apelo midiático, como certamente o mereceu. 

Bem, a despeito dessa estupefação de sua parte, a denotar até um certo constrangimento por ter sido flagrado em um momento familiar a passear com o seu filhinho, ele rapidamente desfez essa estranheza inicial, ao nos tratar de uma forma muito cortês, e ao final, ficou feliz por saber que nós acompanhávamos com vívido interesse o seu trabalho e mais do que isso, ao tomar conhecimento que apreciávamos muito a sua obra. 

Claro que ajudou e muito a quebrar o gelo, o fato de que o Laert tinha em mãos exemplares da sua revista artesanal, o grande, "Sarrumorjovem" e mediante a sua apresentação ao Paulinho, este apreciou o teor da publicação, certamente, e por notar que éramos músicos iniciantes e entusiasmados pela nossa banda, assunto que colocamos à baila, igualmente.

Com o tempo, eu também aprendi que manter uma carreira no patamar underground denota contar com as suas muitas particularidades e entre os muitos aspectos negativos, existem também os pontos positivos e entre eles, a questão de se valorizar cada fã do trabalho. Mesmo que sejam poucos e que representem sempre os mesmos rostos que você identifica na plateia dos seus shows e até que se chegue ao ponto de você os conhecer pelo nome, o que realmente importa é que esses poucos, são muito bons, e sinceros, pois estarão sempre contigo. 

Talvez o Paulinho da Costa tenha tido esse sentimento enquanto conversou conosco nesse dia 4 de junho de 1977 (O Laert Sarrumor anotou o acontecimento e passou-me a informação precisa), quando o abordamos em um corredor do Shopping Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. 

Tomara que sim, pois o nosso apreço ao "Papa Poluição" era muito grande e de minha parte, digo que ainda o é, e sempre será, pois trata-se de uma obra memorável, perpetrada por uma banda muito boa, que eu guardarei com carinho na memória, para sempre.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Crônicas da Autobiografia - O TCC da Divagação - Por Luiz Domingues

         Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack, por volta de 1995

Pedidos para ajudar estudantes a compor trabalhos como o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), para uma faculdade e até tese para mestrado, sempre foram comuns para diversos artistas. Isso por que em nosso caso, muitas pessoas escolhem temas ligados ao Rock, sob diversas nuances para estudar e assim, há muitos anos eu acostumei-me com tal dinâmica e de fato, nesse espaço de tempo todo da minha longa carreira, foram muitas as abordagens que eu recebi e posso afirmar, sempre foi um prazer prestar depoimentos para tais estudantes à cata de informações para compor as suas respectivas pesquisas.

Entre tantas solicitações dessa monta, lembro-me que no tempo em que eu fui componente do Pitbulls on Crack, um rapaz nos abordou para pedir um depoimento e o seu trabalho de pesquisa seria baseado em seu anseio para mapear o panorama do Rock noventista no Brasil. 

Tema amplo, certamente, e prejudicado pela visão comprometida pelo seu óbvio imediatismo, eu não escolheria algo assim para fazer um trabalho de conclusão de curso, porém, o problema não foi meu e assim, aceitei de pronto auxiliá-lo. Não estive sozinho nessa tarefa, o guitarrista da minha banda, Deca, participou, também.

Marquei a entrevista com o rapaz para um sábado à tarde em minha residência e ele chegou munido de uma câmera, pois alegou que seria mais fácil para coletar as nossas falas dessa forma, e que iria decupar a posteriori tal material e extrair as informações que lhe interessavam, para o seu trabalho. 

Tudo bem, sem restrições de minha parte e do Deca, ele preparou o seu equipamento e nos disse que não faria nenhuma pergunta, ao nos deixar livres para falarmos à vontade. Que assim o fosse, passamos a falar livremente conforme o solicitado.

Foi então que o rapaz deu uma pausa na máquina e nos pediu para falarmos mais naturalmente, como se estivéssemos a conversar informalmente no ambiente de um bar ou algo semelhante, pois considerou que estávamos a falar mecanicamente, de forma engessada. 

Ora, não seria um depoimento apenas para lhe passar informações sobre como enxergávamos a cena do Rock noventista no Brasil em voga? Por que a preocupação para que a nossa expressão fosse despojada? Então não seria uma pesquisa estudantil para a elaboração de um TCC, mas um depoimento para fazer parte de um documentário ou algo do gênero? 

É interessante dizer ao leitor, também, que não existia o YouTube e nenhum portal semelhante ainda na Internet e muito menos as redes sociais, portanto, qual teria sido o objetivo real do rapaz ao nos filmar e sobretudo ao fazer uma cobrança de postura desse nível?

Bem, ao percebermos que aquela abordagem ficara bem estranha ao fugir do seu suposto interesse estudantil em torno de uma pesquisa, eu e Deca passamos a conversar de uma forma bem despreocupada em passar informações para o tema e fomos longe a divagar, para ver até quando o rapaz interviria para cobrar mais foco de nossa parte, contudo, para a nossa estupefação velada, não, ele ficou ali a gravar por quase duas horas, sem falar nada e nos deixou à vontade, mesmo ao ter ficado nítido, até para nós mesmos que falávamos, que havíamos fugido muito do assunto em meio a um devaneio que para o tema que ele quis pesquisar, ficou realmente muito distante e deveras desinteressante.

Ao final, ele nos agradeceu e partiu, não sem antes nos avisar que deixar-nos-ia informados sobre o destino de sua pesquisa e possivelmente haveria por providenciar uma cópia daquela filmagem para nós.

E quando estivemos a sós, eu e Deca, lembro-me que comentamos sobre estarmos ambos acometidos pela sensação de estupefação ante o ocorrido. O que teria sido aquela filmagem, afinal de contas? Cogitamos até a hipótese de que o rapaz, por alguma razão pessoal, tenha desistido de colher o nosso depoimento por considerá-lo irrelevante por alguma razão e constrangido por estar ali e a nos fazer perder tempo, fingiu filmar, para não criar um embaraço descortês. 

Ora, se fosse o caso, ele teria ficado com os cinco minutos iniciais da filmagem, quando eu e Deca falamos focados no tema que ele havia proposto. E mais um detalhe, a luz vermelha da câmera esteve ligada o tempo todo, portanto, descartamos a hipótese de que ele tenha simulado a filmagem e mais um dado, por que aguentaria ficar ali por duas horas a nos filmar a falar sobre questões irrelevantes à sua pesquisa? 

Em suma, esta história entrou para o rol daquelas que se apresentaram para o campo dos enigmas jamais esclarecidos, mesmo por que, o rapaz nunca mais nos procurou e assim, ficamos sem saber o que isso significou, realmente.