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quinta-feira, 2 de março de 2023

Boca do Céu - Capítulo 11 - O sonho setentista a ganhar forma - Por Luiz Domingues

Bem, assim que o ano de 2022, entrou, nós voltamos a nos organizar para enfim acelerarmos o trabalho para fecharmos o corpo inicial das seis primeiras músicas resgatadas. Claro, a agenda de início de ano a conter viagens familiares e afins, contribuiu um pouco para a postergação inevitável.

E mais um problema ocorreu, quando enfim marcamos ensaio apenas com o trio de cordas, como uma preparação para posteriormente ensaiarmos novamente com o baterista Nelson Laranjeira. Aconteceu que marcamos data no estúdio Armazém do bairro do Tatuapé, mas na antevéspera desse encontro, eu (Luiz Domingues), fui procurado pelo dono do estúdio, o simpático jovem, Henrique Polak, a dar conta de que um funcionário seu (este rapaz chamado, Sérgio), havia testado positivo para a Covid e assim, ele também se colocara em quarentena e fecharia o estúdio por segurança.

Osvaldo Vicino e Wil Rentero a estudar o solo em duo que prepararam na introdução da música: "Mina de Escola". Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen, localizado no bairro da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo em 30 de janeiro de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Dessa forma, marcamos o apontamento para estúdio Lumen da Vila Mariana e assim, em 30 de janeiro de 2022, preparamos filmagens para estudo interno das músicas: "Mina de Escola" e "Diva", além de repassarmos as quatro anteriores ("Serena", "E o que Resta é a Canção", "Centro de Loucos" e "O Mundo de Hoje"), que havíamos passado e filmado com o baterista, Nelson Laranjeira, no último ensaio realizado em dezembro de 2021.

Wilton Rentero e Osvaldo Vicino, no início dos trabalhos do dia 6 de fevereiro de 2022, no mesmo estúdio Lumen. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen da Vila Mariana em São Paulo. 6 de fevereiro de 2022. Click e arquivo: Luiz Domingues 

E lá fomos então no domingo seguinte, dia 6 de fevereiro de 2022, de novo no estúdio Lumen da Vila Mariana, para filmarmos as duas músicas que faltaram e passar de novo as quatro anteriores, com o baterista, Nelson Laranjeira.

O baterista, Nelson Laranjeira, que gentilmente veio nos auxiliar no projeto de resgate das músicas do Boca do Céu. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen da Vila Mariana em São Paulo. 6 de fevereiro de 2022. Click e arquivo: Luiz Domingues

De fato, foi um bom ensaio com a filmagem das duas músicas que faltavam e novas versões filmadas das quatro canções que ele, Nelson, já havia filmado conosco anteriormente. E assim, nos colocamos prontos para enfim marcarmos a realização de um ensaio gravado com um melhor apuro de áudio e assim obtermos um material com um padrão superior de qualidade sonora para mostrarmos ao Laert e demarcar dessa forma, a introdução direta dele nos esforços doravante, ao lhe dar a chance para opinar nos arranjos finais, principalmente a burilar melhor as melodias e reescrever letras.

No entanto, o ensaio marcado para o dia 13 de fevereiro no estúdio Mecanix do bairro da Vila Sonia, na zona sudoeste de São Paulo, teve que ser desmarcado por conta da Covid e desta feita, não foi um funcionário do estabelecimento que testara positivo, como ocorrera no estúdio Armazém do Tatuapé, em janeiro, porém, com um partícipe do nosso esforço, no caso, o baterista, Nelson Laranjeira, que se sentira mal e ao buscar ajuda médica, testara positivo para a doença e entrara no resguardo sanitário.

Recebemos a informação posterior de que ele estava bem, já a se recuperar e que em breve testaria novamente, quando muito provavelmente sairia da quarentena, com a testagem a sinalizar negativo para a doença. Mas aí veio o carnaval e mesmo que essa festa estivesse esvaziada por causa do seu cancelamento parcial no tocante aos festejos oficiais em si por ordem governamental, resolvemos postergar tal produção e assim, ficou acertado que proveríamos tal filmagem e gravação para o dia 6 de março.

Wilton Rentero a se preparar para o início do ensaio. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen da Vila Mariana em São Paulo. 6 de fevereiro de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Na sala de ensaio do estúdio Mecanix, da esquerda para a direita: o baterista convidado, Nelson Laranjeira, eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Mecanix de São Paulo em 6 de março de 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Leandro Soares Silva

Finalmente nos encontramos para providenciarmos a gravação de um ensaio com um áudio um pouco mais caprichado das seis primeiras músicas com as quais trabalhamos desde 2020, porém de uma maneira mais regular, quando a pandemia nos permitiu, a partir de junho de 2021. Conforme o planejado, foi no estúdio Mecanix, localizado no bairro da Vila Sonia, na zona sudoeste de São Paulo, em 6 de março de 2022, que tal gravação de um ensaio mediante recursos um pouco melhores, foi concretizada.

Nesse aspecto técnico, a providência adotada foi microfonar os dois amplificadores de guitarra, enviar o som do direct box do amplificador de baixo direto para a mesa, microfonar o bumbo e caixa da bateria, além de providenciar um microfone overall e claro, dois microfones para as vozes do Osvaldo e minha, Luiz. Em suma, nada muito sofisticado, mas o suficiente para prover uma gravação de áudio de ensaio, melhor que as das câmeras de telefone com as quais estávamos a filmar os ensaios anteriores.

Com duas horas agendadas, o tempo se revelou escasso para tal finalidade, porém, conseguimos registrar duas versões de cada canção e em alguns casos mais do que isso (foram cinco versões de "E o que Resta é a Canção"), embora no caso do "Diva, tenhamos registrado apenas uma versão dessa balada em específico.

Relevamos erros, pois o objetivo foi mais do que tudo, termos versões das canções com o mapa que construíramos nesses meses todos de preparo, principalmente para que o Laert pudesse enfim ter acesso ao material e poder opinar em todos os sentidos, com maior ênfase no trabalho de aprimoramento das melodias e também na reestruturação das letras.

No afã de preparar a máquina para filmar, eu (Luiz Domingues), cliquei uma foto involuntária. Ao fundo, Osvaldo Vicino e encoberto, Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Mecanix de São Paulo em 6 de março de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Com o apoio do técnico e proprietário do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva, a ideia foi estabelecer uma "levantada" básica do som e com uma pré-mix bem simples, deixar o gravador ligado e assim ocorreu, com o registro de uma hora e dez minutos de ensaio gravado.

Fizemos duas versões de "Serena" e a despeito do nosso convidado, o baterista, Nelson Laranjeira não ter decorado um trecho que apresentava uma desdobrada rítmica, em uma das versões ficou bem satisfatória tal passagem ao se considerar a finalidade da gravação, mas evidentemente longe de um ponto ideal acaso fosse a gravação de uma demo-tape, logicamente.

Osvaldo Vicino comanda a "selfie" na sala técnica do estúdio Mecanix de São Paulo. Atrás, da esquerda para a direita: eu (Luiz Domingues) a usar máscara anti-Covid-19, Wilton Rentero, o técnico e proprietário do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva e o baterista convidado, Nelson Laranjeira. 6 de março de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Osvaldo Vicino 

O Osvaldo estava a conduzir a voz principal dessa canção e eu introduzi livremente a ideia de um contraponto inspirado em trabalhos de bandas sessentistas tais como o "Jefferson Airplane", "It's a Beautiful Day" e "The Mamas and the Papas", que trabalhavam com tal recurso normalmente em suas respectivas obras. 

Claro que o Osvaldo e eu não éramos cantores e assim, a nossa performance nessa gravação ficou muito abaixo do ideal, no entanto, mais uma vez é preciso ressalvar que a ideia foi mantermos uma guia base para o Laert ouvir e propor as suas modificações e naturalmente assumir a voz principal a seguir, em uma nova fase de preparo dessas canções.

Acima, dois "stills" de vídeo a mostrar o baterista, Nelson Laranjeira, Wilton Rentero e Osvaldo Vicino, em ação durante o ensaio do Boca do Céu em 6 de março de 2022, no estúdio Mecanix-SP. Still da câmera de Wilton Rentero e cortesia de Osvaldo Vicino para a captação e postagem 

Mas no cômputo geral, ficamos felizes pelo balanço que a música apresentou e já a demonstrar que em uma gravação mais categorizada, ficaria muito boa, com o "swing" que certamente não conseguimos apresentar em 1976, dada a nossa falta de recursos musicais generalizada nessa ocasião.

O Rock, "Centro de Loucos", soou muito bem com as suas partes A e B, um interlúdio, solo com mais um prolongamento e final apoteótico que o Nelson também não havia decorado com exatidão, mas que se mostrou razoável na gravação 

No comando da "selfie, Wilton Rentero, com a minha (Luiz Domingues) presença atrás a usar máscara anti Covid-19, o técnico de som e proprietário do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva, o baterista convidado, Nelson Laranjeira e Osvaldo Vicino. 6 de março de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero 

Já em "O Mundo de Hoje", o sentido do Blues sessenta-setentista se fez presente, exatamente como gostaríamos de soar em 1977, quando defendemos essa canção em uma eliminatória do festival Fico. A condução de guitarras se mostrou muito boa, o mapa agradável e a nossa condução vocal, eu na principal e Osvaldo a apoiar nos backing vocals, bastante razoável para a finalidade, obviamente.

Testamos uma entrada mais rápida no compasso 6/8 para o solo do Osvaldo fluir e fizemos um final ao estilo "fade out", mas a forçar esse recurso "na mão", obviamente.

Em "Mina de Escola", o mapa da música nos pareceu agradável. Eu me perdi um pouco na condução da voz principal ao ler a letra na estante de partitura, mas a gravação "deu para o gasto" nesse aspecto. A convenção final se revelou muito interessante, apesar de não ter sido executada com perfeição nessas duas versões que ali registramos.

Na sala de ensaio do estúdio Mecanix, da esquerda para a direita: o baterista convidado, Nelson Laranjeira, eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. 6 de março de 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Leandro Soares Silva  

Em "Diva" tivemos um desempenho bem razoável. Na minha performance da voz principal, eu acrescentei um vocalise em um interlúdio, exatamente para demarcar a ideia de introduzir um mellotron nesse trecho para uma eventual gravação oficial. Ficou notável o solo do Wilton, embora o Osvaldo tivesse esquecido de fazer o arpejo ao estilo "pinkfloydiano' que criara em ensaios anteriores e que nos entusiasmara por tal criação de sua parte.

E para encerrar, gravamos mais versões de "E o que Resta é a Canção" para termos sobretudo uma amostra perfeita da entrada do solo final do Wilton, o que conseguimos quase perfeitamente na última versão.

Wilton Rentero comanda a "selfie", com a minha presença, atrás e a usar máscara anti-Covid-19, o técnico de som e proprietário do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva, o baterista convidado, Nelson Laranjeira e Osvaldo Vicino. Boca do Céu na sala técnica do estúdio Mecanix de São Paulo em 6 de março de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero 

Passado esse ensaio gravado, o esforço foi do Osvaldo em separar as faixas do áudio bruto enviado pelo técnico do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva e dali em diante, estabelecermos um intenso diálogo através do nosso grupo criado no aplicativo WhatsApp, entre os três membros das cordas da banda para eleger as melhores versões e encaminharmos tal material finalmente para o Laert ouvir, opinar, criar as suas possíveis modificações e assim, se integrar definitivamente ao esforço de resgate das músicas, em sua fase A.

E claro, já darmos início imediato à fase B do projeto, ao abrir campo para resgatar mais quatro ou cinco músicas que faltavam em meio às canções passíveis de serem resgatadas do nosso velho repertório dos anos setenta.

Por conta dessa gravação do ensaio de 6 de março de 2022, lembro-me de ter comentado com Wilton e Osvaldo que estava muito feliz por ouvir essas músicas com um corpo definido a conter início, meio e fim e muito mais que a concretização de uma fase desse resgate iniciado em 2020, eu estava muito emocionado por saber que a despeito das falhas dessa gravação, tais músicas até então perdidas no limbo do tempo existiam de novo a conter um registro sonoro muito melhor do que jamais havíamos conseguido registrar naquela década e pior ainda, por termos perdido o armazenamento, com todas as fitas K7 a conter gravações toscas de ensaios daquela época, desaparecidas invariavelmente. 

Da esquerda para a direita: o baterista convidado, Nelson Laranjeira, eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Mecanix de São Paulo em 6 de março de 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Leandro Soares Silva

Nesses termos, já não restava dúvida que nesse esforço em prol do processo de resgate, já tínhamos gravações de ensaios, fotos e vídeos em profusão, a registrar uma quantidade gigantesca de registros em comparação ao parco material que conseguimos concretizar e manter sobre a atuação da nossa banda nos anos setenta, ou seja, somente por tal aspecto, já podíamos considerar o esforço pós-2020, como amplamente vitorioso.

Na sala técnica do estúdio Mecanix de São Paulo, a banda reunida e com a presença do baterista convidado, Nelson Laranjeira e do técnico e proprietário do estúdio, Leandro Soares Silva, a ouvir um trecho da gravação do ensaio, com a música "Serena" a soar. 6 de março de 2022. Filmagem: Osvaldo Vicino

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=MV4Ekw-4U_c

No entanto, queríamos mais e assim prosseguimos a trabalhar nesse sentido.

Foi em 6 de abril de 2022 que Osvaldo Vicino e Wilton Rentero foram visitar o Laert Sarrumor em sua residência na cidade de São Vicente, no litoral de São Paulo e uma vez no aconchego de seu apartamento, além da boa conversa social e também a versar sobre as ações do resgate que o trio de cordas empreendera durante os anos de 2020 e 2021, tiveram a oportunidade de avançar, ao criarem um ensaio informal ali mesmo e grata surpresa, eles trabalharam com duas músicas do velho repertório que foram incorporadas ao esforço geral.

Em uma praia de São Vicente-SP, eis os três Boca's: Laert Sarrumor, Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. 6 de abril de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero 

No caso, eis que os companheiros trabalharam com a música: "Astrais Altíssimos" e esta já era prevista no sentido de que estava programada para entrar no esforço da dita fase B do projeto. No entanto, a surpresa veio quando eu ouvi o áudio proveniente desse esforço, a dar conta de uma outra música com a qual trabalharam, no caso, a se tratar da peça: "Rock do Cometa". Confesso que não me lembrava da sua melodia, tampouco de sua harmonia, mas assim que ouvi a gravação que os companheiros registraram durante esse ensaio informal realizado na residência do Laert, eu relembrei, sim, da sua melodia e da letra, esta, plena de ironia, já a demonstrar a genialidade nata que ele, Laert, possuía nos idos de 1976, quando entrou para a nossa banda e nos mostrou essa, entre outras composições de sua autoria.

Da esquerda para a direita: Laert Sarrumor, Wilton Rentero e Osvaldo Vicino. Na residência de Laert Sarrumor em São Vicente-SP, em 6 de abril de 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Marcia Oliveira 

Então eu comentei no grupo de "Whatsapp" da nossa banda que estava muito feliz por esse acréscimo ao repertório e nesta altura já pudemos contabilizar a soma de oito canções recuperadas e prontas para serem preparadas com arranjos definitivos e portanto, a se tornarem aptas para uma possível gravação.

Laert Sarrumor sinaliza positivamente para a lente, com Wilton Rentero de costas no primeiro plano. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen de São Paulo em 15 de abril de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Para animar ainda mais, o Laert anunciou que no feriado que se aproximava (sexta-feira santa), ele teria uma entrevista para conceder à TV Sesc, a ser filmada no estúdio de São Paulo e que gostaria de enfim participar de um ensaio elétrico com a banda (incluso a participação do baterista, Nelson Laranjeira), a aproveitar a sua vinda à capital.

Na primeira foto, Wilton Rentero e Osvaldo Vicino e na segunda, Nelson Laranjeira, a preparar a bateria para o seu uso. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen de São Paulo em 15 de abril de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues  

Dessa maneira, conseguimos adaptar o ensaio ao compromisso midiático do Laert e marcamos no estúdio Lumen do bairro da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, às 16 horas. 

Nessa ocasião, foi fantástico termos o Laert conosco a participar, até que enfim, após tantos ensaios que realizamos reduzidos a um trio e alguns poucos com o apoio do baterista, Nelson Laranjeira.

Confraternização pós-ensaio. Da esquerda para a direita: Osvaldo Vicino, eu (Luiz Domingues), Nelson Laranjeira, Laert Sarrumor e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen de São Paulo em 15 de abril de 2022. Acervo e cortesia: Osvaldo Vicino. Click: Mara

Claro, em um ensaio mediante apenas duas horas, não seria possível passarmos as seis músicas com as quais trabalhávamos e com o acréscimo de mais duas recentemente anexadas conforme eu expliquei acima. Portanto, passamos apenas as seguintes peças: "Serena", "Centro de Loucos", "O Mundo de Hoje", "Mina de Escola" e "Rock do Cometa".

Em "Centro de Loucos", o Laert propôs uma sutil mudança, ao sugerir que o solo do meio fosse um pouco encurtado e assim, mediante dois módulos e não quatro como estávamos a ensaiar anteriormente, houvesse uma volta para a parte A e não diretamente à B, do refrão. Dessa maneira, conforme prevíamos e está relatado nesta autobiografia em capítulos anteriores, já esperávamos que o Laert solicitasse tal modificação, pois de fato, a parte cantada estava curta no mapa anterior, em detrimento de um solo muito longo.

Já em "O Mundo de Hoje", a modulação que ele criou na melodia ficou tão sensacional que realmente enriqueceu a música de uma maneira significativa, inclusive com direito à vocalises na interpretação, a evocar a linha de interpretação de cantores de Blues e Blues-Rock com muita desenvoltura. 

E houve o acréscimo dele também haver sugerido uma modificação no arranjo, ao criar de improviso uma declamação na parte final em compasso 6/8, com direito a incrementar a dinâmica, para crescer com ênfase e terminar a música no clímax. Ótima ideia, gostamos muito da sugestão e já providenciamos a modificação com direito a uma filmagem dessa tomada.

No corredor das salas do estúdio Lumen, no momento pós-ensaio. Da esquerda para a direita: Nelson Laranjeira, Laert Sarrumor, eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen de São Paulo em 15 de abril de 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Mara

Outra ideia que pairou, foi criarmos uma introdução mais longa para "Serena", ao acrescentarmos um elemento Prog-Rock à canção. Deixamos para pensar nessa possibilidade posteriormente para não desperdiçarmos tempo de ensaio, mas a ideia pareceu que agradou a todos sob uma primeira instância.

Filmamos uma tomada de "Mina de Escola" e o Laert recordou de alguns versos que escrevera em 1976, e do qual nós não havíamos nos lembrado até então. Ótimo, quanto mais próximo da originalidade da criação setentista, melhor.

E finalmente, gravamos uma versão livre do "Rock do Cometa", ainda sem um mapa estabelecido, mas pela filmagem, ficamos muito contentes por verificarmos o potencial da música, fortemente baseada no Blues-Rock sessenta-setentista, com influência dos Rolling Stones em alguns aspectos e do Led Zeppelin em outros.

Muito bem, a ideia doravante foi seguirmos em frente na fase B do projeto e já de antemão a assumirmos que a fase A teria uma parte 2, adicional, ao incorporarmos as modificações sugeridas pelo Laert e partirmos para a elaboração do arranjo definitivo das seis primeiras canções. Em suma, trabalho a se intensificar e a nos motivar ainda mais. 

Na base da "selfie" e sem descuidar da máscara, apesar de estar com quatro doses da vacina no organismo, eis a minha persona a sinalizar na frente da câmera, com Wilton Rentero ao fundo e Osvaldo Vicino (encoberto). Ensaio do Boca do Céu no estúdio Armazém de São Paulo em 1º de maio de 2022. Click (selfie) e acervo: Luiz Domingues 

O próximo passo que efetuamos foi a retomada dos ensaios básicos do trio de cordas já a avançar sobre a chamada "fase B" do projeto. Dessa forma, eu (Luiz), Wilton Rentero e Osvaldo Vicino nos encontramos no estúdio Armazém do bairro do Tatuapé, sob a hospitalidade do simpático, proprietário, técnico e músico, Henrique Polak.

Osvaldo Vicino se prepara, enquanto o proprietário do estúdio, nosso amigo Henrique Polak, observa Wilton Rentero a mexer no seu amplificador. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Armazém de São Paulo em 1º de maio de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Nessa ocasião, 1º de maio de 2022, trabalhamos então com um esforço inicial para filmarmos uma nova versão de mapa para "Centro de Loucos", conforme havíamos combinado mudança mediante o ensaio anterior com a banda completa, a contar com o nosso vocalista e compositor, Laert Sarrumor.

E um outra ação que empreendemos nesse dia, foi trabalharmos no "Rock do Cometa", ou seja, a aproveitar que havíamos concluído uma versão livre no ensaio anterior, aproveitamos para fechar um mapa provisório e assim tornar a música mais definida para ser trabalhada doravante.

Já no dia seguinte, eu organizei, mediante a elaboração de um texto relativamente longo uma ideia que já guardava comigo desde 2020 e que a pandemia havia deixado engavetado pela sua inviabilidade óbvia. Mas diante de uma nova perspectiva de pandemia sendo controlada e a vida cultural florescendo, eis que me animei e passei para os companheiros no grupo de Whatsapp da banda e com a expressa recomendação para que a esposa do Laert e empresário do Língua de Trapo, Marcinha Oliveira, tomasse ciência do projeto.

Pois então, eu sugeri em tal texto que se elaborasse um projeto centrado nas personas do Laert e minha própria, Luiz, sob um mote que evocasse um ponto do passado da carreira e em contraste com o presente de cada um. Dessa forma, sob a aura de um festival temático a ser denominado: "Ontem & Hoje" ou algo similar, haveria um show do Boca do Céu e na mesma noite, do Língua de Trapo, ou seja, assim a denotar a origem e o presente do Laert na música e por acaso, na qualidade de um ex-membro do Língua de Trapo, igualmente, eu também me qualificaria com uma identidade dupla neste caso e poderia eventualmente tocar um ou duas músicas no show do Língua para demarcar esse ponto em comum.

Wilton Rentero a se preparar para o trabalho. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Armazém de São Paulo em 1º de maio de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

E se houvesse a possibilidade da ampliação do projeto, uma segunda noite marcaria um show d'A Chave do Sol a significar um ponto passado da minha carreira e na mesma noite, uma apresentação d'Os Kurandeiros, ou seja, a seguir a mesma motivação de se evocar passado e presente, neste caso, a usar a minha persona como foco.

Sobre A Chave do Sol, nos capítulos correspondentes desta banda, essa movimentação em torno de um show tributo ao Rubens Gióia, estava em voga e sobre Os Kurandeiros, não haveria problema algum, com a banda na ativa, a lançar disco novo recentemente e neste ponto de 2022, a trabalhar para lançar mais um álbum, desta feita ao vivo. E ainda havia a possibilidade de incluir o Pitbulls on Crack, minha banda nos anos 1990, no festival, e tal chance de reunião também está comentada nos capítulos mais recentes sobre as movimentações de 2022, dessa banda.

Bem, o Laert adorou a ideia e passou para a Marcinha o bojo que eu descrevi no texto. Tive a aprovação por aclamação da parte do Wilton e do Osvaldo, igualmente. Uma reunião ficou de ser acertada para avançarmos nesse projeto, a fim de organizar um material formal para a apresentação aos produtores culturais, principalmente a se ventilar o circuito do Sesc, sob uma primeira instância. 

E nesse ínterim, seguimos a nos organizar para preparar o melhor resgate possível das nossas canções compostas nos anos 1970, e incorporarmos novas ideias a fim de gravar uma demo, ou quiçá um disco, o que seria o ideal, certamente, para coroar o nosso sonho não realizado naquela década.

No pós-ensaio do Boca do Céu de 29 de maio de 2022, a tomar café na padaria próxima do estúdio Lumen. Da esquerda para a direita: eu (Luiz Domingues, o mascarado), Wilton Rentero e Osvaldo Vicino. Click (selfie), acervo e cortesia: Osvaldo Vicino

Tivemos uma novidade maravilhosa quando o Laert anunciou que se lembrara de mais duas músicas do nosso velho repertório. Uma delas, inclusive, com a letra inteira, algo incrível. E assim, mediante o apoio de um áudio a cantarolá-las e ao nos enviar a letra impressa das mesmas, comemoramos muito a inclusão de mais duas músicas devidamente resgatadas para o nosso projeto, direto da década de setenta: "Tango x Tanga" e "Desprogramação". 

No caso de "Tango x Tanga" se tratou de uma sátira sensacional de costumes que o Laert compusera naquela época remota, bem no estilo do "Joelho de Porco", uma referência para ele fortíssima e também para todos nós demais componentes do Boca do Céu. 

A letra de "Tango x Tanga", que o Laert conseguiu recordar, na sua íntegra! Maio de 2022

Com uma parte "A" inteiramente calcada no tango argentino clássico e a conter uma ruptura brusca para uma parte "B" baseada no Rock, em linhas gerais repetia a fórmula de "Revirada", portanto, ficou em aberta a necessidade de se criar diferenciais nos respectivos arranjos de ambas, naturalmente.

Sobre a letra de "Tango x Tanga", em sua parte "tango" a ideia foi caracterizar um discurso moralista proferido por uma pessoa fortemente arraigada por valores conservadores e o contraste com o Rock, servira certamente para realçar o conflito entre gerações em uma primeira instância, uma pauta bastante recorrente nos anos setenta, porém, ao ler a letra com atenção, é óbvio que a conotação mais profunda sobre a postura conservadora tem outro contorno.

E assim, foi marcado mais um ensaio para o dia 29 de maio de 2022, no estúdio Lumen da Vila Mariana, novamente no formato do trio de cordas. Nesse ensaio, trabalhamos então com "Tango x Tanga" mediante o áudio do Laert e conseguimos harmonizar a parte do tango. Também surgiu nesse ensaio uma ideia inicial para diferenciar a parte do Rock e assim buscarmos sair do formato Rock'n' Roll tradicional com o viés cinquentista e buscarmos um riff mais setentista em termos de Blues-Rock.

Wilton Rentero e Osvaldo Vicino em um momento do trabalho. Ensaio do Boca do Céu em 29 de maio de 2022 no estúdio Lumen de São Paulo. Click e acervo: Luiz Domingues

E no mesmo ensaio, trabalhamos também com uma ideia do Wilton para harmonizar a ótima canção, "Instante de Ser", mediante o mesmo processo em termos de apoio, ou seja, ao fazermos uso do áudio com o Laert a cantarolar a melodia e igualmente com o devido apoio da letra impressa por ele fornecida.

Letra de "Instante de Ser", providenciada pelo Laert. maio de 2022

Avançamos então nesses termos e na semana subsequente ao ensaio, o Laert fez várias observações pertinentes sobre o que havíamos trabalhado.

Eu (Luiz Domingues) a iniciar o processo de recolher o material, no momento de fim de ensaio do Boca do Céu em 29 de maio de 2022. Click, acervo e cortesia: Wilton Rentero

E outra música que o Laert nos enviou o áudio a cantarolar, foi "Desprogramação". Nem ele mesmo acreditou que conseguira se recordar de um bom pedaço da melodia e letra e pelo que nos enviou, foi praticamente a música inteira a caracterizar mais do que um parco fragmento, portanto, ficamos muito contentes com esse resgate sensacional de uma composição da parte dele e que tocávamos nos nossos ensaios durante os anos setenta, cuja memória havia sido perdida por todos, até para o Laert que a compusera. Que vitória para o resgate, portanto!

Osvaldo Vicino em ação. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen de São Paulo em 29 de maio de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues 

Uma boa ideia surgiu no sentido de organizarmos uma série de ensaios com o quarteto completo reunido e assim a contar com a valiosa participação in loco do Laert para nos auxiliar nessa fase B do nosso resgate. Ficamos então de organizar tal hipótese muito produtiva para acelerar o processo.

Wilton Rentero a sinalizar como nos velhos tempos em que a nossa banda foi forjada nos anos setenta, nada mais simbólico e alvissareiro! Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen de São Paulo em 29 de maio de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues 

Ficamos então na expectativa de reunir o quarteto original para promovermos uma série de ensaios de ajustes, principalmente no campo harmônico, para sedimentar as músicas da fase B do projeto. Mas enquanto a agenda dos quatro componentes não achara uma brecha de comum conveniência, marcamos enfim mais um ensaio para o trio de cordas avançar com outras músicas e assim ocorreu no estúdio Mecanix da Vila Sonia, zona sudoeste de São Paulo.

Ali nos encontramos e avançamos com a música "Desprogramação", uma lembrança incrível que o Laert teve, ao nos mostrar de memória, praticamente a melodia das suas partes inteiras e a letra em quase 90%, pelo menos. 

Mediante a boa harmonização que o Wilton proveu-nos mediante o áudio que Laert nos enviara a cantarolar, fomos em frente e construímos uma base muito interessante. O estilo ficou exatamente o que pensáramos, ou seja, aquela linha de Folk-Rock muito sessentista, inspirada no "Lovin' Spoonful" como eu deduzira, por percepção afetiva.

Tal ensaio ocorreu no dia 12 de junho de 2022, e dali em diante, ficou mais uma vez pré-combinado a realização de ensaios com o quarteto reunido para se dedicar à questão harmônica, principalmente da música: "Instante de Ser"

Abaixo, eis o esboço da letra de "Desprogramação", a faltar apenas dois versos que o Laert não conseguiu se recordar inteiramente e que certamente haveríamos de preencher nesta versão de 2022 que construíamos nesta específica ocasião. 

Eu, Luiz Domingues, no comando da "selfie", com Osvaldo Vicino e Wilton Rentero ao seu lado, a ajustar o seu amplificador. Ensaio do Boca do Céu no "Nosso Estúdio" de São Paulo em 10 de julho de 2022. Click (selfie) e acervo: Luiz Domingues

Enquanto aguardávamos a oportunidade para se concretizar o ensaio com o quarteto original, resolvemos marcar mais um ensaio perpetrado pelo trio das cordas da banda para avançarmos em outras frentes paralelas, alheias à questão das músicas cujas respectivas harmonias haviam sido colocadas sob dúvida pelo Laert.

Wilton Rentero e Osvaldo Vicino em trabalho. Ensaio do Boca do Céu no "Nosso Estúdio" de São Paulo em 10 de julho de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Dessa forma, nos encontramos para um ensaio no dia 10 de julho de 2022, no ambiente do "Nosso Estúdio", aquele complexo com inúmeras salas de ensaio, localizado no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. 

Desta feita, trabalhamos com uma boa ideia de introdução instrumental para a música "Tango x Tanga", aventada pelo Wilton e que foi bem recebida por todos nós. A buscar as tradições do tango argentino tradicional, ele criou uma melodia a ser executada pela guitarra e que coloriu bastante a canção. De improviso, o Osvaldo esboçou uma segunda "voz" a deixar em aberto a possibilidade de haver um dueto.

E para o mesmo tema, investimos na transição do tango para o Rock, com um sabor mais Blues-Rock, que ficou bem sessentista na sua essência e dessa forma a lembrar o estilo do The Kinks, implicitamente e claro que eu apreciei a inspiração e sobretudo a referência.

Na mesma configuração da foto anterior. Ensaio do Boca do Céu no "Nosso Estúdio" de São Paulo em 10 de julho de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

E para fechar o ensaio, eu sugeri aos companheiros uma parte a ser agregada na introdução da canção "Serena", com uma influência Prog-Rock e assim que a tocamos, ficou agradável sob uma primeira instância, portanto, ao ser aceita a ideia, ficou para os ensaios posteriores o melhor encaixe dessa proposta.

Da esquerda para a direita: Osvaldo Vicino, eu (Luiz Domingues) e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu na residência de Osvaldo Vicino. 28 de agosto de 2022. Click, acervo e cortesia: Wilton Rentero

Conforme havíamos aventado anteriormente, o próximo ensaio foi marcado para acontecer de uma maneira informal, na residência do Osvaldo Vicino. Assim havíamos decidido pois a fase de ensaios em que estávamos, demarcara a necessidade de apenas estruturarmos as últimas músicas da fase B e assim, não havia a necessidade de termos a estrutura de um estúdio profissional munido com PA, microfones e tudo mais para trabalharmos nesse preciso instante.

E foi assim que nos reunimos na aconchegante residência do Osvaldo, localizada na zona sudoeste de São Paulo, mediante um ambiente bucólico muito agradável, por ser um condomínio fechado e munido de um bosque natural a ser usufruído pelos condôminos. 

Da esquerda para a direita: Osvaldo Vicino, eu (Luiz Domingues) e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu na residência de Osvaldo Vicino. 28 de agosto de 2022. Click, acervo e cortesia: Wilton Rentero

Nesse esforço, nós trabalhamos com o adendo "Prog" proposto para ser anexado ao início de "Serena" e eu acho que a ideia ficou bem interessante, com o Osvaldo a prover a harmonia com o seu arranjo individual a privilegiar arpejos e o Wilton a trabalhar um solo com sentido "etéreo", bem na linha de guitarristas como Steve Hackett e Sérgio Hinds, e eu (Luiz) a imprimir uma linha de baixo tercinada, para que na soma desses elementos, tivéssemos uma roupagem de Rock Progressivo, bem tipicamente setentista.

Da esquerda para a direita: Osvaldo Vicino, eu (Luiz Domingues) e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu na residência de Osvaldo Vicino. 28 de agosto de 2022. Click, acervo e cortesia: Wilton Rentero

E o segundo tema com o qual trabalhamos foi "Astrais Altíssimos", com o qual o objetivo foi criar um esqueleto preliminar para dali avançarmos no sentido da apuração dessa música. É bem verdade que sobre essa música em específico, o Laert a detinha firme na memória e assim, não requereu de nossa parte uma reconstrução radical como foi o caso de outras peças, mas mesmo assim, um esqueleto primordial foi construído para que pudéssemos ter uma base preliminar para avançar doravante.

Ficou em aberta a possibilidade para mais um ou dois ensaios caseiros antes de retomarmos ao nosso rodízio estabelecido em estúdios profissionais.

Da esquerda para a direita: Osvaldo Vicino, eu (Luiz Domingues) e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu na residência de Osvaldo Vicino. 28 de agosto de 2022. Click, acervo e cortesia: Wilton Rentero

Wilton Rentero em foto recreativa na praia em 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: desconhecido  

Mais um ensaio realizado na residência do Osvaldo Vicino aconteceu, desta feita no dia 11 de setembro de 2022, e foi bastante produtivo, no sentido de que um esqueleto base para o Rock, "Astrais Altíssimos" foi montado. 

Nesses termos, uma pequena sutileza foi inserida ao mapa em relação à parte B, com mais uma repetição do refrão a conter uma fragmentação rítmica. Na verdade, essa fragmentação sempre existiu, concebida pelo Laert nos anos setenta quando nos apresentou a música, no entanto, surgiu a ideia, nesse ensaio em específico, de repetirmos o refrão três vezes e não apenas duas como era o arranjo antigo e assim, a fragmentação com divisão forçada para reforçar o efeito fonético da piada em torno da sua letra super espirituosa, pôde em tese ser ainda mais realçado e dessa forma, nós testamos essa nova constituição para a música.

Da esquerda para a direita: Wilton Rentero, eu (Luiz Domingues) e Osvaldo Vicino. Ensaio do Boca do Céu na residência de Osvaldo Vicino em São Paulo, no dia 11 de setembro de 2022. Click (automático), acervo e cortesia: Wilton Rentero

Nesse dia, nós também trabalhamos com a parte Rock de "Tango x Tanga" e uma convenção final bem no estilo Hard-Rock setentista para fechar a música, foi proposta pelo Wilton e nos agradou. Guardamos a ideia, naturalmente, para uma futura apreciação e a contar com a opinião do Laert, certamente, que era o autor da música.

Aquela ideia fomentada anteriormente de se acrescentar um adendo com estilo "Prog-Rock" para a balada, "Serena", também prosperou e assim praticamos e filmamos tal enxerto já anexado ao bojo da canção.

E como um avanço a mais, trabalhamos com "Revirada" e sobretudo a redesenhar a transição da parte do baião para o Rock'n' Roll. 

Na mesma configuração da foto anterior. Ensaio do Boca do Céu na residência de Osvaldo Vicino em São Paulo, no dia 11 de setembro de 2022. Click (automático), acervo e cortesia: Wilton Rentero

Um novo ensaio foi marcado novamente para a residência do Osvaldo Vicino, ainda em setembro de 2022, com o intuito de avançarmos mais um pouco nesse desenvolvimento da "fase B" do resgate e nessa altura dos acontecimentos, nós vislumbramos que seria a reta final da parte bruta e que por conseguinte, inauguraria logo a seguir a fase de se estabelecer arranjo final para as quatorze músicas resgatadas e que assim pudéssemos iniciar a pré-produção de todo o repertório para entrarmos em estúdio.

Da esquerda para a direita: Wilton Rentero no comando da "selfie", Osvaldo Vicino e eu, Luiz Domingues. Ensaio do Boca do Céu na residência do Osvaldo Vicino em 9 de outubro de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero

Nos reunimos novamente na residência do Osvaldo Vicino, no dia 9 de outubro de 2022. Trabalhamos novamente com a música "Desprogramação", apesar da sua estrutura harmônica estar sob judice, mediante uma dúvida da parte do Laert. 

E também avançamos bem sobre a música: "Tango x Tanga", ao firmarmos a sua introdução, e também a parte "A" além de criarmos, sobretudo, uma nova roupagem para a parte "Rock", mediante um bom riff que o Wilton sugeriu e do qual todos gostamos. Surgiu também a ideia de encerrarmos a música com a introdução do tango, para novamente criar o contraste entre os dois gêneros.

Na mesma configuração da foto anterior. Ensaio do Boca do Céu na residência do Osvaldo Vicino em 9 de outubro de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero

Também avançamos com "Revirada", por conta do Wilton ter sugerido duas partes alternativas para quebrar o caráter monocórdico da parte "A" em torno do baião com sentido rítmico de berimbau. O Osvaldo propôs uma parte a mais, alternativa, e que soou muito a ver com a MPB antiga de estilo baiano via Dorival Caymmi, que nos empolgou de pronto em princípio, todavia, pairou a dúvida se algo assim tão doce em sua formatação, se integraria ao espírito da canção que expressava um aspecto mais duro em sua estética inspirada em canções de protesto a la Sergio Ricardo, Zé Keti, quiçá Geraldo Vandré (este eu cito mais pela temática do que pela formatação musical mais áspera), e a bem da verdade, a inspiração original que a música apresentava quando a defendemos nos anos setenta, esteve sempre mais a ver com o som de Alceu Valença & Ave Sangria, naquela simbiose entre as tradições nordestinas e o Rock psicodélico sob tal vocação no mesmo viés, então em alta voga na época. 

Ficamos de analisar tais propostas e decidir enfim nos próximos ensaios se as incorporávamos ou não.

Em meio a mais um trabalho de estruturação de harmonia e definição de mapas para as músicas, da esquerda para a direita: Wilton Rentero, eu (Luiz Domingues) e Osvaldo Vicino. Ensaio do Boca do Céu na residência de Osvaldo Vicino em 6 de novembro de 2022. "Still" de vídeo gravado pelo Wilton Rentero.

Em 6 de novembro de 2022, nos reunimos novamente na residência do Osvaldo Vicino, para efetuarmos mais um trabalho de estruturação de mapa para músicas que faltavam passar por esse processo.

Nos concentramos para criar uma estrutura base para "Revirada" e chegamos a um bom resultado, cientes no entanto, de que fora um trabalho preliminar e se o mapa foi gerado, este seria provisório nesta fase e assim, estaria totalmente sujeito a mudanças posteriores se fosse o caso e que no cômputo geral, precisávamos burilar melhor a melodia e definir grande parte da letra, haja vista que só nos lembráramos de um ínfimo pedaço da criação original, esforço então realizado pelo Wilton, em parceria com o Laert, nos idos de 1977.

Da esquerda para a direita: Wilton Rentero, eu (Luiz Domingues) e Osvaldo Vicino. Ensaio do Boca do Céu na residência do Osvaldo em 6 de novembro de 2022. "Still" do telefone celular do Wilton Rentero.

A boa nova adicional se deu com o encaixe muito bom que uma ideia levantada pelo Osvaldo em ensaio anterior, teve. Quando a ideia foi ventilada, em princípio, eu particularmente havia considerado que fora um achado pela sua riqueza harmônica e melódica ao aludir a um tipo de samba-canção baiano antigo ao estilo de Dorival Caymmi, e esse fato foi até curioso vindo do Osvaldo, que nunca teve essa referência forte na sua formação musical. Todavia, boa ideia a parte, eu não conseguia conceber como poder-se-ia anexar tal concepção com uma dose de docilidade e malemolência em meio a um xaxado com forte identificação Rocker, algo mais a ver com os discos do Alceu Valença nos anos setenta e sobretudo do grupo de Rock, Hard-Psicodélico, "Ave Sangria", ou seja, ambas referências que tivemos naquela década ao arranjarmos essa música e que certamente carregamos também para os anos dois mil e vinte, mediante a proposta de resgate da canção e a se preservar ao máximo a sua atmosfera original.

Osvaldo Vicino e eu (Luiz Domingues). Ensaio do Boca do Céu      na residência do Osvaldo Vicino em 6 de novembro de 2022. "Still" de vídeo gravado por Wilton Rentero.

Pois foi nesse ensaio em específico que graças a uma boa intervenção da parte do Wilton, o encaixe foi feito como uma espécie de interlúdio e pasmem, ganhou uma surpreendente feição sob o estilo do Rock Progressivo setentista e assim, enriqueceu a canção. O que não é o poder da magia da criação livre para uma banda de Rock, não é mesmo? Era para soar áspero como o som do Alceu Valença do seu disco: "Vivo", mas eis que surgiu uma nuance sob a candura do Dorival Caymmi e no resultado final se tornou na prática um adendo com sabor Prog-Rock mediante acento Folk...

No "ukelelê", Wilton nos mostra a sua ideia de introdução para a balada Folk-Rock, "Desprogramação". Ensaio do Boca do Céu na residência de Osvaldo Vicino em 6 de novembro de 2022. "Still" de vídeo gravado por Wilton Rentero

Ainda nesse ensaio, o companheiro Wilton propôs uma harmonia ligeiramente diferente para a introdução da balada folk, "Desprogramação" e sem invalidar a minha ideia anterior de se utilizar uma introdução 100% acústica, esta também se provou plenamente válida e além do mais, poderia eventualmente ser uma alternativa para se tocar ao vivo sem tal requinte dos instrumentos acústicos em circunstâncias técnicas normais de um espetáculo.

Nós havíamos combinado de voltar aos estúdios naquele rodízio que havíamos estabelecido entre 2021 e 2022, mas o Osvaldo nos convenceu a realizarmos mais um (ou quiçá mais ainda do que isso), ensaio na sua residência para firmarmos mais o material dessa fase B e só então, partirmos para um ensaio com o Laert a fim de se definir as últimas dúvidas harmônicas e assim, iniciar uma fase C de aprimoramento e pré-produção de uma demo ou do disco tão sonhado, a nossa meta setentista perdida no tempo e que agora, se mostrara plausível no século XXI!

Contudo, por força de um resfriado forte que me acometeu inicialmente e depois a acontecer com o Osvaldo igualmente, tal fator de saúde fez com que os ensaios marcados para os dias 13 e 20 de novembro fossem cancelados. Para não frustrar inteiramente os nossos planos imediatos, eis que no dia 19, nós tivemos a grata surpresa de que o Laert anunciara uma entrevista em um programa de internet e no seu decorrer houve uma citação explícita ao Boca do Céu da parte dele. 

Bem acostumado a conceder entrevistas, o Laert já contabilizava centenas delas nessa altura dos acontecimentos, mas dada a circunstância dele ter citado não apenas o Boca do Céu como um início da sua carreira de uma forma "en passant", mas a enfatizar o reencontro pós-anos 2000, e por conseguinte, todo o nosso esforço para resgatar o máximo de canções que criamos nos anos setenta, eu considerei essa entrevista como uma peça viva do portfólio moderno da banda, ou seja, algo extraordinário para uma banda que havia encerrado atividades em 1979, de uma forma super modesta e que não dera mostras de revitalização até 2020.

Veja abaixo a entrevista na íntegra, que é muito boa, aliás, não só por isso que nos toca diretamente, pois além dessa citação, também é elucidativa sobre a formação e trajetória do Língua de Trapo (algo não muito usual inclusive em outras entrevistas nas quais ele quase sempre não teve/tem espaço para citar as origens dessa outra banda), e além do mais, pelas muitas particularidades a respeito das múltiplas atividades dele como artista multifacetado que sempre o foi (aliás, desde os primórdios do Boca do Céu, nós sabíamos disso!).  


Laert Sarrumor cita o Boca do Céu como o início da sua carreira musical e alude ao panorama de 2022, como a banda reunida fazia esforços para resgatar o material composto nos anos setenta. Programa "Cine Câmera Ação" - Apresentação de Carím Feres - 19 de outubro de 2022

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=8bkL8vnCdw8

Da esquerda para a direita: Eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu em 30 de dezembro de 2022. Still de vídeo. Acervo e cortesia: Osvaldo Vicino 

Tivemos uma sucessão de cancelamentos de ensaios motivados por problemas de saúde de todos os representantes do trio de cordas da banda (cada um de uma vez), e também por um problema meu de agenda meu em outra ocasião, quando fui me apresentar com a banda do meu amigo Lincoln Baraccat ("Uncle & Friends"), e em outra data por conta de problemas que o Wilton Rentero teve para resolver em sua casa de praia, motivado pelo mau uso do imóvel, observado da parte de um inquilino dele. Em suma, foram cinco semanas sem grandes avanços no projeto do resgate.

Até que finalmente, nos estertores do ano de 2022, nós conseguimos agendar um ensaio para o dia 30 de dezembro, mais uma vez realizado na residência do Osvaldo Vicino, e desta feita, fechamos mais algumas ideias para o Baião-Xaxado-Rock, "Revirada". Fechado o mapa provisório da música e já a acrescentar algumas ideias para anexar ao futuro arranjo definitivo, ficamos contentes pelos adendos novos sugeridos.

Na mesma configuração da foto anterior. Ensaio do Boca do Céu em 30 de dezembro de 2022. Still de vídeo. Acervo e cortesia: Osvaldo Vicino

No mesmo dia, trabalhamos um pouco com a bela balada do Laert, "Instante de Ser", mesmo cônscios de que o Laert sinalizara dúvida sobre a harmonia da canção e ainda não surgira uma oportunidade para que ele pudesse rever conosco tal quesito. Entre nós, no entanto, ficou acertado que valeria a pena insistirmos para avançar mesmo com tal pendência, exatamente para que pudéssemos evoluir outros aspectos da criação de um arranjo, notadamente a parte rítmica e a se buscar um padrão de sincronia criativa e complementar entre as duas guitarras.

Ainda ao final do apontamento, o Wilton nos mostrou ao ukulelê, uma ideia para a abertura da canção folk, "Desprogramação", mas na verdade, ele desejou mesmo nos explicar que haveria uma segunda parte para essa abertura, fruto de uma criação sua de muitos anos atrás, para um canção de sua autoria e inédita. Neste caso, ele nos disse que poderíamos usar a parte "A" da sua criação para usarmos como abertura para "Desprogramação".

Na mesma configuração da foto anterior. Ensaio do Boca do Céu em 30 de dezembro de 2022. Still de vídeo. Acervo e cortesia: Wilton Rentero

Em suma, chegamos ao final de 2022 com o sentimento de que havíamos fechado a parte B do resgate em sua parte bruta de criação de mapas provisórios de trabalho, com a devida ressalva das pendências sobre as dúvidas do Laert a respeito das músicas "Instante de  Ser" e "Desprogramação" (em torno da harmonia ambas), e sim, o Blues-Soul, "1969", que realmente não conseguimos estabelecer um rumo, dada a questão do áudio enviado pelo Laert, ainda em 2021, não ter reunido as melhores condições para que pudéssemos construir um esqueleto harmônico como base. 

E sim, também restou a nossa dúvida sobre o Laert desejar ou não que incluíssemos a música: "Na Minha Boca" nesse repertório, pelo fato desse samba ter sido gravado pelo Língua de Trapo de forma oficial nos anos oitenta, apesar de ter sido uma música nascida dentro da história do Boca do Céu nos anos setenta e dessa forma, todos nós termos o sentimento de pertencimento sentimental desse tema, à nossa banda.

Na mesma configuração da foto anterior. Ensaio do Boca do Céu em 30 de dezembro de 2022. Still de vídeo. Acervo e cortesia: Wilton Rentero

Dessa forma, ficou combinado de que logo no primeiro ensaio de 2023, nós nos dedicássemos com todo o afinco para eliminar as últimas pendências dessa fase e iniciássemos a parte C do projeto, ou seja, a fecharmos o arranjo definitivo das canções e iniciarmos a fase de pré-produção de um álbum, até que enfim!

Falei aos companheiros sobre essa determinação e nesta altura do resgate, esse horizonte se tornara visível nesse ponto. Dessa forma, eu e eles também, na mesma sintonia, não apenas nos prontificamos a dar esse passo adiante, como ficamos felizes por constatar que apesar da lerdeza imposta por tantos fatores alheios à nossa vontade (pandemia mundial da Covid, agendas conflitantes etc), nós saímos de uma festiva reunião de congraçamento em 2020, para um projeto de resgate inimaginável para uma banda que se extinguira em 1979 sob condições modestíssimas, e que até então, não apresentava nenhum indício de que poderia voltar a gerar novidades em pleno século XXI. 

Osvaldo Vicino e Wilton Rentero a trabalhar. Ensaio do Boca do Céu em 30 de dezembro de 2022. Still de vídeo. Acervo e cortesia: Wilton Rentero

Em suma, já foi uma grande vitória termos chegado até aqui e a perspectiva de coroamento do esforço, já visível nesse ponto, nos animou ainda mais. Que 2023 fosse o ano no qual o legado dessa banda, uma meta tão sonhada naqueles anos entre 1976 e 1979, haveria de ganhar uma dimensão palpável. Sendo assim, estivemos agraciados, nós, os outrora Rockers adolescentes e sonhadores de 1976, e neste ponto, a nos constituirmos de senhores grisalhos no avançar da terceira idade, porém, não menos Rockers convictos do que fôramos nos anos setenta. Os grisalhos esquizóides do século XXI!

Continua...