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quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Crônicas da Autobiografia - Excesso de Etiqueta - Por Luiz Domingues

Aconteceu nos últimos momentos d'A Chave do Sol, ao final de 1987...

Nos últimos meses de vida d'A Chave do Sol, infelizmente o clima interno da banda não foi nada bom e assim, revelou-se um tempo marcado pela luta desesperada pela sobrevivência do nosso grupo, a gerar angústia generalizada e lastimavelmente, por nutrirmos medo pelo final inevitável do nosso trabalho. 

Sob tal clima caótico, em meio aos esforços frenéticos para evitar o mal maior, eis que uma revista renomada no meio cultural, sinalizou apoio e lá fui eu à sua redação, para entregar-lhe o material de divulgação da banda e realizar a dita, visita social. 

E ali eu fui bem-recebido, certamente, pois tratava-se de uma equipe formada por pessoas educadas, mas algo muito atípico ocorreu, mesmo com o clima amistoso instaurado, a denotar uma estranha contradição, digamos assim.

Pois desde que eu entrei no pequeno escritório, cumprimentei efusivamente a todos e fui muito bem correspondido na gentileza, mas assim que os cumprimentos cessaram e um silêncio generalizado adveio, eis que um membro dessa equipe, pediu-me com delicadeza para que eu afastasse-me um passo da mesa onde ele trabalhava. 

Ora, tudo, bem, nem achei que estivesse tão perto, mas obviamente esteve longe de minha intenção ser inconveniente e assim gerar algum incômodo ali, visto que eu sabia muito bem que a visita deveria ser rápida e objetiva, pela lógica implícita de não ser de bom tom atrapalhar o expediente de trabalho. 

Dei um passo atrás e logo a seguir, um outro funcionário solicitou que eu não ficasse ali entre as duas mesas, pois haveria por atrapalhar o caminho para os rápidos deslocamentos que os jornalistas ali costumavam empreender. 

Claro, perdão... assim pronunciei-me e rapidamente alojei-me em um outro canto, mas que inevitavelmente pela arquitetura do pequeno escritório, obrigara-me a permanecer de costas para uma parede e assim, logo depois, outro funcionário advertiu-me que não era permitido encostar ali, por gerar a possibilidade de sujar a pintura.  

Ora, justo, nem eu gostaria de manchar a minha roupa. Desloquei-me conforme o solicitado e ao avistar um banco que não estava ocupado por ninguém, rapidamente fiz menção de sentar-me, todavia, eis que veio a gota d'água, quando fui avisado que o banco pertencia a um determinado membro da equipe e mesmo com ele ausente, não era permitido usá-lo. 

E o mais bizarro nessa história, foi que todas as solicitações foram concluídas com bom humor e educação, ao denotar a maior normalidade, como se tal comportamento irritante, despendido a uma visita, fosse algo absolutamente normal e eu é que seria o brucutu antissocial ali, ao não entender as regras básicas de civilidade. 

E descarto completamente a ideia de que tratou-se de uma coleção de atos premeditados com a intenção deliberada de manter um território hostil, para que eu evadisse-me imediatamente do local, visto que muito pelo contrário, eu estive ali a atender um convite formulado da parte deles mesmos.  

Portanto, a conclusão que tenho sob tal episódio, revela um maneirismo particular da parte daquelas pessoas, ao construir normas próprias de convívio em seu ambiente de trabalho e realmente quem não fizesse parte daquela equipe e conhecesse os seus códigos secretos de conduta interna, realmente tendia a estranhar. E foi o meu caso e quiçá de outros que ali passaram pela mesma experiência bizarra.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Crônicas da Autobiografia - As Aves de Rapina a Rondar uma Praça - Por Luiz Domingues

Foto promocional d'A Chave do Sol, de abril de 1985. Click: Tirteu 

Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em 1985...

O tradicional político geralmente usa táticas populistas para angariar apoio, fomentar simpatia e amealhar correligionários, cabos eleitorais e o que mais interessa-lhe como moeda a perpetuá-lo na vida pública: votos. Não acho exagero afirmar que a sua sanha é tamanha que tende a não tratar as pessoas como cidadãos, mas enxergá-los como meros eleitores, manipuláveis a fim de que cumpram a única ação que deles deseja: ser parte da passiva massa de manobra a ofertar-lhe poder.  

Portanto, basta uma manifestação popular de qualquer ordem, seja cultural, esportiva, religiosa, social ou de outra monta qualquer a ocorrer, que logo os seus tentáculos ávidos por explorar, aparecem para estudar a melhor maneira para aproximar-se e aproveitar-se do evento, assim, como “quem não quer nada”, a usar de sua eloquência adquirida em plenário, para usufruir ao seu favor, como puder.
Quando o evento “Praça do Rock” (que acontecia ao ar livre na concha acústica do Parque da Aclimação, no bairro homônimo, localizado na zona sul de São Paulo), começou a dar mostras de crescimento, foi natural que tenha gerado a atenção da mídia e a cada edição aumentou o seu contingente de público presente. 

E assim, políticos que tinham tal bairro e adjacências como o seu “reduto eleitoral”, logicamente estudaram o fenômeno e aliás, por dois lados antagônicos. Alguns ao tentar aproximarem-se da equipe de produção e dos artistas emergentes que ali estavam a apresentarem-se, certamente a apostar na possibilidade de angariar a simpatia de uma juventude que já votava ou estava a chegar à idade para obter o seu primeiro título eleitoral e também contar com a simpatia de artistas e com extensão a setores mais progressistas da mídia e jornalismo cultural em geral. 

E uma outra linha de parlamentares mais conservadores, a buscarem a parceria dos moradores do bairro, insatisfeitos com o som “barulhento”, presença de uma multidão de cabeludos e possivelmente os problemas todos inerentes que uma multidão jovem e irreverente poderia causar ao parque e aos seus frequentadores, dentro daqueles paradigmas preconceituosos, sempre aventados por pessoas com mentalidade de viés conservador etc.
Eu (Luiz Domingues), com A Chave do Sol, em ação na "Praça do Rock" (com a presença do guitarrista, Rubens Gióia, ao fundo na foto, semi-encoberto), Parque da Aclimação em São Paulo, agosto de 1984. Click de Carlos Muniz Ventura 

Eu já havia tocado com minha banda nessa década, “A Chave do Sol”, no evento, “Praça do Rock”, e claro que eu era um entusiasta de sua existência, exatamente por ser uma oportunidade para a divulgação de bandas com pouca chance na mídia grande, a dita “mainstream”. 

Portanto, eu admirava a luta de seus organizadores, nas figuras de Dalam Junior, o casal de jornalistas e editores do jornal do bairro, Myrna e Roberto Casseb, além de Orlando Lui e Antonio Celso Barbieri, que em suma, foram as principais lideranças envolvidas na organização e sucesso do evento. 

Certa vez, eu até testemunhei a presença de um deputado federal em uma reunião dos organizadores com representantes de bandas que participariam de uma edição (na qual a minha banda também estava escalada) e de forma hilária, o parlamentar subira em uma mesa e ao achar-se no plenário do Congresso Nacional, fez um inflamado discurso.
No entanto, foi durante uma edição em que eu não apresentar-me-ia com a minha banda e ali estava apenas para prestigiar o evento, que eu tive uma experiência insólita com um político e ele abordou-me sem suspeitar que eu fosse alguém que conhecesse os produtores do evento e nem mesmo que eu fosse um artista, ainda que locado no patamar underground, a ascender como emergente naquela altura, e ao ponto de flertar com o mainstream, portanto, esse senhor tratou-me como um espectador ocasional, apenas. Por conta disso, tornou-se ainda mais patente, pelo teor de suas perguntas, a sua intenção ali como pesquisador do evento, a analisar as suas possibilidades para que ele angariasse dividendo político.  

Foi assim que aconteceu: eu estava em uma lateral do palco, a manter certa distância dele, quando notei a aproximação de homens engravatados, certamente a chamarem a atenção em meio a uma multidão de jovens cabeludos e no uso de trajes a predominar a cor preta em sua profusão e leve-se em conta que a maioria ali detinha visual inspirado nos ditos “Headbangers”, os seguidores das tradições da vertente do Heavy-Metal, algo muito usual na década de oitenta. 

Logo eu reconheci o então Deputado Estadual, pois assim como também em relação ao mundo do futebol, eu sempre observei a política em paralelo aos meus esforços dentro da música e do Rock, em predomínio. Acompanhava-o nessa comitiva, a sua esposa, que anos depois também ingressou na vida parlamentar e alguns assessores, munidos com pranchetas, a fazerem anotações. 

E por conhecer a política e os métodos nada recomendáveis da ação partidária no Brasil, eu já intuí o que faziam ali, portanto, não surpreendi-me nem um pouco com tal tipo de investida em meio a um evento aparentemente dispare, em relação ao gosto pessoal dessas pessoas em questão. 

Como fala-se popularmente, candidatos fazem qualquer coisa para angariar simpatia e são conhecidos e folclóricos os seus métodos, ao forçar comer pastel em feiras livres, tomar café de coador em bares de quinta categoria, conversar sobre economia popular com senhoras idosas em supermercados e a pegar crianças pobres no colo, entre outros métodos, instruídos pelos seus “marqueteiros” e claro, imbuídos do mais alto grau de falsidade.
Foi quando o deputado em pessoa deve ter escolhido-me a esmo e ao aproximar-se, forçou uma conversa, dissimuladamente, em uma espécie de ação teatral medíocre, naturalmente a achar estar a ser convincente em sua atuação velada para comigo. 

Ele perguntou-me sobre o evento, se este ocorria assim normalmente com tanta gente presente em toda edição, se eu sabia quem o controlava, quais os prós e os contras em minha opinião etc. 
Ao seu lado, um assessor anotava tudo o que eu dizia e ao final, este parlamentar agradeceu-me e continuou a caminhar com a sua equipe, a observar tudo com atenção. Tal parlamentar alcançou a Câmara Federal tempos depois e está lá até os dias atuais (2018), por sinal, a emendar mandatos sucessivos e perpetuar o seu "foro privilegiado". 

Mas que eu saiba, ele não aproximou-se dos organizadores da Praça do Rock na ocasião e deduzo duas hipóteses nesse caso: ou ele não vislumbrou nenhuma capitalização em seu favor ali, ou apoiou a destruição do evento, a atender os moradores do bairro que usaram outros políticos com perfis conservadores como o dele, para forçarem tal desfecho lastimável para a cultura. 

De uma maneira ou de outra, a intenção ali foi a mesma de uma ave de rapina, ou seja, tudo dentro da mais absoluta normalidade, por tratar-se da mentalidade rasteira vinda da parte dos políticos populistas e não comprometidos com causas sociais neste país, como o seu modus operandi.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Crônicas da Autobiografia - A Gaiola dos Doutores Alegres - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol... em agosto de 1982   

Estávamos bem no princípio das atividades da nossa banda (A Chave do Sol) e nesses primeiros dois meses em que estávamos em atividade, ainda não havíamos estabelecido o nosso QG, em um quarto disponível na edícula da residência da família Gióia, fato que ocorreu logo após a realização de nossos primeiros dois shows, em setembro de 1982. 

Dessa forma, os primeiros ensaios realizados em meados de julho e no decorrer de agosto e setembro desse ano, foram realizados nas dependências do Café Teatro Deixa Falar, bem próximo da residência da família Gióia, por sinal, a se tratar de uma extrema gentileza de sua proprietária, uma senhora francesa, chamada, Sabine que nos oferecera a sua casa de espetáculos. 

Tal espaço estava decadente naquela ocasião e obtivera os seus dias de glória, anos antes, quando na metade dos anos setenta, ostentara o nome de: “Be Bop a Lula”, uma casa de espetáculos que apresentou em seu palco, quase todos os grandes nomes do Rock Brasileiro dessa década. 

Portanto, mesmo em declínio acentuado, a casa ainda mantinha a velha estrutura do palco, coxia, camarim e uma iluminação em mau estado de conservação, é verdade, mas ainda em condições de ser usada, razoavelmente. Portanto, ensaiar ali, apesar dos pesares, teve o seu lado bom, afirmo com certeza. 

E por estar decadente e naquele instante por ser um mero bar maltratado, Dona Sabine fez o que esteve ao seu alcance para gerar receita e no caso, ela costumava alugar o espaço para ensaios de musicais, peças teatrais, espetáculos de dança e o que mais aparecesse. 

Foi em um dia de ensaio d'A Chave do Sol, que recebemos o comunicado da parte de Dona Sabine, que teríamos um atraso para poder usar o palco para o nosso ensaio, visto que uma trupe de teatro que alugara o espaço, atrasaria para entregar-nos a instalação. Bem, não poderíamos reclamar, ensaiávamos ali gratuitamente, portanto resignamo-nos prontamente.
Esperamos do lado de fora por um bom tempo e cansados do atraso muito grande, resolvemos entrar para verificar o andamento desse ensaio dos atores e assim que chegamos ao salão central, deparamo-nos com a trupe a todo vapor, ainda a trabalhar. 

Os atores passavam o seu espetáculo inteiro, como ensaio geral, daí a demora e dessa forma, sentamo-nos em uma mesa e assistimos um pouco a performance. Tratava-se de uma espécie de revival do Teatro de Revista dos anos quarenta ou cinquenta, com sketchs musicais, dança, muita piada maliciosa à moda antiga e vedetes a sensualizarem, bem naquela perspectiva antiga do machismo explícito. 
Só que houve um detalhe a mais nessa equação: todos os atores eram homens e a desmunhecada foi total ali. Foi quando Dona Sabine abordou-nos e pediu-nos mais paciência pela demora e aproveitou para revelar-nos que esses rapazes eram atores amadores ali a ensaiarem e que na verdade eram todos médicos de um famoso hospital público localizado na zona sul de São Paulo. 

Nesse instante, enquanto rebolavam travestidos e desmunhecados, eles cantavam aquela velha canção carnavalesca do Ari Barroso, imortalizada pela Carmem Miranda, chamada: “Como Vaes” (“Como vaes você? Vou navegando, vou temperando/pra baixo todo santo ajuda/pra cima a coisa toda muda”...). 

Mas o mais surpreendente mesmo foi verificarmos a completa transformação pós-ensaio dessa orquestra de senhoritas, quando os seus membros saíram do estabelecimento a usarem as suas roupas brancas e jalecos e a carregarem as suas malas típicas para médicos, e sobretudo a falarem "grosso", pisarem firme e ao tratarem-se uns aos outros como: “Doutor”, na maior seriedade...

Foi quando um colega de minha banda, cujo nome não revelarei, soltou a frase: -“se eu passar mal, fiquem avisados para não levarem-me para esse hospital”... 

Sei que foi um outro tempo, movido a preconceitos enraizados, mas a afirmativa do amigo, foi tratada apenas como uma pilhéria entre nós.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Crônicas da Autobiografia - O Hippie do Caderninho - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo do Boca do Céu, entre 1976 e 1977...

Em meio ao sonho que ganhava contornos de realidade (embora diferentemente do que nós queríamos, sob um ritmo muito aquém do que desejávamos na verdade), a nossa contrapartida à realidade foi projetar a perspectiva de futuro e não basearmo-nos no presente que era bem diferente. 
 
A trocar em miúdos, sonhávamos com o mega estrelato do mundo do Rock, mas a nossa realidade era prosaica, por sermos uma banda formada por inexperientes adolescentes em fase de formação musical inicial e portanto, a anos-luz distante do que nós almejávamos. 
 
Sendo assim, quando lembro-me dessa fase, ao invés de outras pessoas que olham para o passado sob o viés do auto-escárnio, a debochar de suas condições infantojuvenis sob plena ingenuidade e despreparo ante a vida, eu penso o contrário e realço tal marca indelével, pois orgulho-me da tenacidade que tínhamos em seguir, apesar dos parcos recursos e acima de tudo, pela incrível capacidade para sonhar, que fora o nosso combustível para caminharmos para a frente, ainda que através do passo de uma tartaruga, reconheço.
Feita essa ressalva em tom de exaltação sobre a força de vontade que movia-nos, conto uma particularidade que eu apreciava muito nessa fase dos anos setenta em que empreendia os meus primeiros passos com a minha primeira banda, o “Boca do Céu”, que foi exatamente a sensação deliciosa de reconhecer signos inerentes da contracultura a borbulharem em diversas situações.

E certamente a enaltecer a identificação com amigos e amigas que viviam a mesma experiência sensorial, onírica e revolucionária, mas não com o sentido bélico do termo (muito pelo contrário), mas pelo aspecto daquela euforia perceptível por estarmos unidos sob um mesmo ideal aquariano.

Um pequeno exemplo, entre tantos que vivi e que pretendo transformar em crônicas, igualmente, diz respeito a um desses amigos cujo nome nem sabíamos qual seria exatamente, porém, aquele sentimento de fraternidade era tão grande, que dispensava até a mais básica funcionalidade da vida social, que é saber e decorar o nome de uma pessoa.

E como seria possível estabelecer amizade com alguém cujo nome, você nem conhecia? Pois é, isso é difícil de explicar às novas gerações, tanto quanto a moda hippie de se registrarem crianças com nomes a evocar os fenômenos da natureza, algo que tornou-se risível após o vilipêndio sistemático pelo qual o movimento foi submetido.
Mas enfim, para ir ao cerne da questão, nos inúmeros shows de Rock que eu e meus companheiros de banda fomos assistir juntos, entre 1976 e 1977, recordo-me de haver conhecido muitos “freaks”, nessas circunstâncias em portas de teatros, arenas de clubes esportivos e que tais. 
 
Como por exemplo, eu e Laert Sarrumor conversávamos sempre com um sujeito que demonstrava possuir um conhecimento enciclopédico sobre o Rock. Nunca soubemos o seu nome, mas isso não nos incomodava em nada, pois sabíamos que o encontraríamos em todos os shows e a conversa sempre fluiria de forma agradável. 
Esse sujeito carregava em sua enorme bolsa de couro, um caderno com anotações e sempre o sacava para mostrar-nos a sua projeção sobre o possível “set list” (lista de repertório), que o artista que apresentar-se-ia, iria tocar possivelmente, baseado em sua avaliação pessoal. 
 
Ora, vivíamos tempos em que a Internet já existia, mas como mero experimento restrito às universidades, sob sigilo e obviamente de forma rudimentar se comparado ao que observamos nos dias atuais (2018), e sendo assim, não havia meio de empreenderem-se consultas prévias para obter tal informação.
Mas esse sujeito fazia o que podia, mediante os padrões da época, ao estabelecer deduções a partir de um cruzamento de informações que devia lhe consumir horas de seu cotidiano, por pesquisar em revistas e jornais internacionais (e que eram caríssimas, diga-se de passagem), mediante as suas conclusões, ele elaborava um set list que batia em quase 100% ao que acontecia de fato, quando o show ocorria e nós o admirávamos por essa sua capacidade, quase premonitória, mas que na verdade, se tratara do fruto de uma análise baseada na lógica.
Lembro-me bem, quando assistimos o show do Joe Cocker no Ginásio da Portuguesa de Desportos, em agosto de 1977 e ali dentro do complexo esportivo da gloriosa Lusa, cerca de uma hora antes do show de abertura iniciar-se (realizado pela ótima banda: “Placa Luminosa”), eis que o “freak do caderninho” profetizou as músicas que Cocker cantaria e incrível, da sua lista imaginada, ele só falhou em uma aposta, a se tratar do blues: “Saint James Infirmary”, aliás, um blues sensacional que eu adoro e lastimei que o Cocker não o tenha incluído no seu repertório, para aquela noite.

Em uma outra ocasião, em outro teatro, esse rapaz fez uma longa explanação sobre a carreira do Zé Ramalho (que aguardávamos para assistir ao vivo), que ele conhecia de cor e salteado e curioso, o Ramalho estava só naquele instante de 1977, a vivenciar um sucesso de ordem mainstream, porque anteriormente mantivera-se como um artista bastante obscuro em termos de grande massa, restrito apenas aos freaks mais antenados, que o adoravam, nosso caso.

Então foi isso, do jeito que apareceu em nossas vidas, esse profeta do caderninho, sumiu. Já em meados de 1978, esse freak desapareceu dos shows e nunca mais soubemos de seu paradeiro. 

Espero que esteja vivo, bem de saúde e hoje em dia, se manteve o mesmo espírito que teve na década de setenta, ele deve estar enlouquecido com a possibilidade infinita da informação e pesquisa que a Internet proporciona e certamente a contribuir para postar mais informações preciosas para enriquecer o acervo e exercer, em essência, uma das marcas registradas por todos que encantaram-se pelos ideais, que foi o desejo de se compartilhar tudo fraternalmente e sem mesquinharias. Hippie mode on!