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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Crônicas da Autobiografia: A Queda em Câmera Lenta - Por Luiz Domingues

                       Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em 1987

Acontecimentos extra-musicais ocorrem o tempo todo no ambiente de um estúdio de gravação e muitas vezes, a depender de cada caso, pode ajudar a descontrair a tensão ou ajudar a criá-la, portanto para melhorar ou piorar o foco dos artistas e dos técnicos ali envolvidos em torno do trabalho de gravação de um disco ou de uma simples demo-tape de uma banda. 
 
Todo músico que teve a felicidade de poder registrar um trabalho, tem uma história para contar nesse sentido, eu tenho certeza. Em meu caso, depois de mais de vinte discos (e mais de quinze fitas demo-tape, até este momento), gravados, acumulei muitas lembranças, boas e más, aliás. Por sorte, tenho mais recordações agradáveis para guardar com carinho na memória. 
 
Sobre a que narro nesta crônica, é um acontecimento engraçado, embora não tenha sido uma história mirabolante, e pelo contrário, a revelar-se como um acontecimento singelo.
O clima não estava bom entre os membros da nossa banda nas sessões de gravação do LP The Key. Aqueles dias foram os últimos em termos de esforços de nossa parte, para manter a banda em atividade, infelizmente. Em meio aos problemas que enfrentávamos, eis que algo inusitado ocorreu em uma das sessões, a envolver-me diretamente.
Estávamos a ouvir um trecho de uma música, eu, Luiz Domingues, junto ao guitarrista, Rubens Gióia e o técnico Pepeu, do estúdio Guidon. A cadeira em que eu estava sentado continha rodinhas e era reclinável, a mostrar-se bastante confortável. 
 
Pois foi em um instante onde estávamos concentrados para ouvir um determinado detalhe de uma música, que eu reclinei-me para ficar mais concentrado. 
 
À medida que escutava com atenção tal trecho da canção, a buscar ter a certeza que não havia nada de errado naquele detalhe que investigávamos, eu não percebi que a cadeira pôs-se a sair discretamente do seu eixo. 
 
Sorrateiramente, eis que a ação da física fez-se valer e praticamente em câmera lenta, eu senti a precipitação da cadeira que fatalmente culminaria em jogar-me ao solo. Foram frações de segundos, certamente, mas a ação pareceu lenta no calor dos acontecimentos e assim, a minha reação e também dos amigos que cercavam-me foi a mesma, ou seja, a revelar um sentimento entre a estupefação pelo inusitado da situação e a letargia, por conta da estranha ação que pareceu lenta. 
 
Pois foi quando a cadeira quase tocou o solo, que o Rubens Gióia teve o reflexo enfim para segurá-la e evitar a minha queda total.

Salvo no último estertor, após uma inevitável e epidêmica sessão de risadas, ninguém ali realmente conseguiu entender a cena, não pelo fato da cadeira ter virado, algo trivial em uma cadeira com rodas e nem mesmo pelo excesso de inclinação em que ela foi submetida, por conta de minha própria ação corporal. 
 
Entretanto, o que realmente chamou a atenção de todos foi a questão da morosidade com a qual o evento transcorreu. Tivesse sido um efeito especial para realçar uma cena de um filme, perfeito, que belo recurso, mas ali, na vida real, foi algo muito inusitado.
Bem, foi engraçado, inusitado e até misterioso em certa medida, mas não ajudou em nada a amenizar o clima pesado com o qual a nossa banda gravou o LP “The Key”, uma grande pena.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Crônicas da Autobiografia - A Gaiola dos Doutores Alegres - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol... em agosto de 1982   

Estávamos bem no princípio das atividades da nossa banda (A Chave do Sol) e nesses primeiros dois meses em que estávamos em atividade, ainda não havíamos estabelecido o nosso QG, em um quarto disponível na edícula da residência da família Gióia, fato que ocorreu logo após a realização de nossos primeiros dois shows, em setembro de 1982. 

Dessa forma, os primeiros ensaios realizados em meados de julho e no decorrer de agosto e setembro desse ano, foram realizados nas dependências do Café Teatro Deixa Falar, bem próximo da residência da família Gióia, por sinal, a se tratar de uma extrema gentileza de sua proprietária, uma senhora francesa, chamada, Sabine que nos oferecera a sua casa de espetáculos. 

Tal espaço estava decadente naquela ocasião e obtivera os seus dias de glória, anos antes, quando na metade dos anos setenta, ostentara o nome de: “Be Bop a Lula”, uma casa de espetáculos que apresentou em seu palco, quase todos os grandes nomes do Rock Brasileiro dessa década. 

Portanto, mesmo em declínio acentuado, a casa ainda mantinha a velha estrutura do palco, coxia, camarim e uma iluminação em mau estado de conservação, é verdade, mas ainda em condições de ser usada, razoavelmente. Portanto, ensaiar ali, apesar dos pesares, teve o seu lado bom, afirmo com certeza. 

E por estar decadente e naquele instante por ser um mero bar maltratado, Dona Sabine fez o que esteve ao seu alcance para gerar receita e no caso, ela costumava alugar o espaço para ensaios de musicais, peças teatrais, espetáculos de dança e o que mais aparecesse. 

Foi em um dia de ensaio d'A Chave do Sol, que recebemos o comunicado da parte de Dona Sabine, que teríamos um atraso para poder usar o palco para o nosso ensaio, visto que uma trupe de teatro que alugara o espaço, atrasaria para entregar-nos a instalação. Bem, não poderíamos reclamar, ensaiávamos ali gratuitamente, portanto resignamo-nos prontamente.
Esperamos do lado de fora por um bom tempo e cansados do atraso muito grande, resolvemos entrar para verificar o andamento desse ensaio dos atores e assim que chegamos ao salão central, deparamo-nos com a trupe a todo vapor, ainda a trabalhar. 

Os atores passavam o seu espetáculo inteiro, como ensaio geral, daí a demora e dessa forma, sentamo-nos em uma mesa e assistimos um pouco a performance. Tratava-se de uma espécie de revival do Teatro de Revista dos anos quarenta ou cinquenta, com sketchs musicais, dança, muita piada maliciosa à moda antiga e vedetes a sensualizarem, bem naquela perspectiva antiga do machismo explícito. 
Só que houve um detalhe a mais nessa equação: todos os atores eram homens e a desmunhecada foi total ali. Foi quando Dona Sabine abordou-nos e pediu-nos mais paciência pela demora e aproveitou para revelar-nos que esses rapazes eram atores amadores ali a ensaiarem e que na verdade eram todos médicos de um famoso hospital público localizado na zona sul de São Paulo. 

Nesse instante, enquanto rebolavam travestidos e desmunhecados, eles cantavam aquela velha canção carnavalesca do Ari Barroso, imortalizada pela Carmem Miranda, chamada: “Como Vaes” (“Como vaes você? Vou navegando, vou temperando/pra baixo todo santo ajuda/pra cima a coisa toda muda”...). 

Mas o mais surpreendente mesmo foi verificarmos a completa transformação pós-ensaio dessa orquestra de senhoritas, quando os seus membros saíram do estabelecimento a usarem as suas roupas brancas e jalecos e a carregarem as suas malas típicas para médicos, e sobretudo a falarem "grosso", pisarem firme e ao tratarem-se uns aos outros como: “Doutor”, na maior seriedade...

Foi quando um colega de minha banda, cujo nome não revelarei, soltou a frase: -“se eu passar mal, fiquem avisados para não levarem-me para esse hospital”... 

Sei que foi um outro tempo, movido a preconceitos enraizados, mas a afirmativa do amigo, foi tratada apenas como uma pilhéria entre nós.

terça-feira, 13 de março de 2018

Crônicas da Autobiografia - Estigmas Alheios & Preconceito - Por Luiz Domingues

  Aconteceu no tempo da minha sala de aulas, por volta de 1992...

É fato cabal que nós vivemos em uma sociedade regida por paradigmas de toda ordem, que se enraízam e são perpetuados ad nauseam, até que alguém lute (e muito aliás), para quebrá-los e assim se estabeleça algum tipo de avanço para se mudar a mentalidade generalizada e dessa forma, trate por melhorar o panorama sociopolítico e cultural na civilização humana. 

Matérias como antropologia, psicologia, sociologia e filosofia, entre outros estudos e especialidades, servem para estudar tais mudanças comportamentais e a apontar-nos novos caminhos mais avançados, mas o fato é que os estigmas demoram para serem superados.

Eu nem quero entrar nesse mérito, mas é público e notório o quanto os preconceitos arraigados causam sofrimento de toda a monta e no caso, a imagem do Rocker sempre entrou nesse mesmo rol de estigmatizações padronizadas. 

E não importam as inúmeras graduações e até antagonismos entre as mais diversas tribos surgidas nesse bojo ao longo de muitas décadas, pois no imaginário popular, o Rocker, seja lá de que vertente ou época for representante, é sempre considerado um pária ante os olhos das ditas pessoas ''normais", regidas pelos usos & costumes de uma sociedade absolutamente padronizada e preconceituosa em diversos aspectos.

Posto isso, eu recordo-me que enquanto ministrei aulas de música entre 1987 e 1999, eu tive um relacionamento maravilhoso com muitos pais de alunos adolescentes com os quais eu lidei e em alguns casos, forjei até amizade com alguns desses progenitores de meus pupilos. 

No entanto, eu sempre esperei reações de cautela como um modus operandi, principalmente da parte de pais de alunos recém-ingressos no meu curso e diga-se de passagem, como algo absolutamente natural, visto que como pai, eu não deixaria um filho meu frequentar a residência de um professor, sem certificar-me da idoneidade de tal profissional, obviamente. 

Por sorte, em meio a um universo com mais de duzentos alunos que eu tive ao longo dos anos em que mantive tal atividade, nunca observei problemas com essa questão de natural desconfiança natural da parte dos pais de alunos e pelo contrário, só colecionei boas lembranças por conta desse relacionamento amistoso, cordial e muitas vezes a se transformar em amizade de fato. 

Porém, houveram dois casos que foram amenos e não me aborreceram de forma alguma. Um deles, eu já relatei dentro da autobiografia oficial (disponível no capítulo "Sala de Aulas", nos meus Blogs 2 e 3 e também na versão do livro impresso: "Quatro Décadas de Rock"), a dar conta de um pai, por volta de 1990, que fez questão de acompanhar a sua filha em sua primeira aula para me conhecer e tudo bem, foi uma investigação velada, porém cordial na forma de uma visita social em minha residência.

A outra ocorrência foi menos invasiva, mas curiosa por conta da questão do preconceito que a envolveu. Pois eis que um então novo aluno, recém-ingresso em algum momento de 1992 e já depois de estar bem ambientado na minha sala de aulas, contou-me que o seu pai lhe indagara, logo quando ele iniciou os seus estudos comigo: -"qual é a desse tal de Luiz?"

Bem naquele espírito de um pai que estabelece uma comunicação direta com o filho e veja bem, eu acho esse tipo de abordagem bem salutar na relação entre pai & filho, o progenitor do meu aluno, avançou na especulação e quis saber que tipo de drogas eu, Luiz, usava costumeiramente, se bebia, tomava ácido ou até mesmo heroína pela via da introdução venosa (-"ele injeta nos canos?"), e se eu exibia muitas tatuagens no meu corpo.

As respostas negativas da parte do meu aluno ao seu pai, a dar conta que eu, Luiz, não mantinha tatuagens no meu corpo, não usava nenhum tipo de droga ilícita e nem mesmo lícita, ao colocar-me como abstêmio e não tabagista, foram comprovadas a posteriori por esse preocupado pai e não haveria como ser de outra maneira.

E o engraçado nessa história, foi que o senhor em questão ostentava tatuagens grafadas em seus braços e pernas e mantinha um histórico de alcoolismo com gravidade, além de ser um tabagista inveterado. 

Portanto, não me queixo dele, que inclusive foi sempre gentil comigo a posteriori, enquanto o seu filho estudou comigo, visto que eu achei legítima a sua preocupação inicial de querer me investigar e ter a segurança de que eu não seria uma dita "má companhia" para o seu filho adolescente.

A minha estupefação foi institucional na realidade, pois mais uma vez o estigma do Rocker drogado se fez presente. Nesse âmbito, se o sujeito toca em uma banda de Rock e não corta os seus cabelos como uma "pessoa de bem", só pode ser um vagal errante à margem dos bons costumes regidos pela sociedade e certamente a se colocar como um contumaz usuário de drogas, não é mesmo?