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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Crônicas da Autobiografia: Sobre a Guitarra Gibson Firebird, Johnny Winter e o Eterno Loki - Por Luiz Domingues

Luiz Domingues & José Luiz Dinola em ação com A Chave do Sol, no início de 1983, no Victória Pub de São Paulo. Foto: Seiji Ogawa
Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, entre fevereiro e abril de 1983

Sem dúvida alguma, a temporada que A Chave do Sol fez na badalada casa de espetáculos, “Victoria Pub”, entre fevereiro e abril de 1983, marcou o primeiro ponto de ascensão na trajetória da nossa banda, ao ter sido o pico dessa primeira fase de onde saímos da inércia absoluta, em setembro de 1982, quando do nosso primeiro show. 

E no texto da minha autobiografia, eu relato com detalhes como tudo ocorreu para a nossa banda nesse instante, a contar alguns casos pitorescos ali ocorridos, mas muitas histórias ficaram de fora do livro, primeiro por uma questão de espaço, a visar não alongar mais do que já ficou expresso no decorrer do texto final e segundo, também para eu poder contar agora tais ocorrências, separadamente.

E ali no Victória Pub, dada a badalação que acontecia a cada noite, por múltiplos fatores, foi comum a presença de pessoas proeminentes do mundo artístico em geral, de atores famosos do mundo do Teatro, Cinema & TV a personalidades do mundo esportivo, dos playboys da dita “High Society” a jornalistas, empresários & empreendedores culturais dos mais diversos ramos e pasmem, até políticos, que enxergavam ali a oportunidade para expandirem os seus conchavos com empresários e a jovem burguesia paulistana.
Era essa a formação do Tutti Frutti que atuava como atração fixa do Victória Pub em 1983, e com a qual interagimos muitas vezes

Em uma dessas tantas noitadas em que ali vivemos, a nossa missão nessa noite fora abrir o show do "Tutti Frutti" (revezámos toda noite, a abrirmos o Tutti-Frutti ou o "Fickle Pickle"), e mesmo ao nunca termos sido a atração principal, para efeito de espetáculo, tocávamos em igualdade de condições, com o mesmo equipamento e sem diferenciação na potência sonora e uso da iluminação, uma prática comum no mundo do show business, portanto, independente do óbvio maior status e currículo do velho Tutti-Frutti, quando tocávamos, a pista estava sempre cheia de gente a dançar e o som e iluminação foram de primeira qualidade.
Nessa noite em específico, a que refiro-me, tivemos uma surpresa especial, quando vimos uma pessoa famosa, mas muito mais próxima da nossa relação afetiva Rocker, do que os atores de novelas e jogadores de futebol, que ali costumavam surgirem.

Ainda a convalescer do grave acidente que sofrera em 1981, eis que apareceu à nossa frente, a figura de Arnaldo Baptista, instalado em uma cadeira de rodas e amparado por pessoas de seu apoio pessoal. 

A sua aparência denotara claramente que ainda estava a se recuperar e inspirava cuidados, mas por outro lado, como foi prazeroso para nós, tocarmos e verificarmos a sua alegria por estar diante de uma banda de Rock a tocar ao vivo ali e a cada música que encerrávamos, a sua demonstração de carinho a aplaudir e sorrir para nós, foi um bálsamo para todos os envolvidos nessa comoção que a sua presença gerou, mesmo porque nem todo mundo (é claro), mas os Rockers ali presentes ligaram-se nessa situação e vibraram por verem o Arnaldo em processo de franca recuperação.

Ainda naquela noite, eu fui testemunha de um momento bonito nos bastidores, quando o grande Luiz Carlini fez questão de mostrar a sua recém adquirida nova guitarra, uma bela Gibson, modelo “Firebird” e ao exibi-la para o Arnaldo, nunca esqueço-me dele a afirmar com ênfase

: - "Olha Arnaldo, a minha nova guitarra, igualzinha à do Johnny Winter”... 

E ainda mais esfuziante, Arnaldo abriu um sorriso largo, como costumava dizer o Guilherme Arantes e com a guitarra em seu colo, ele fez ali a sua reinserção afetiva ao mundo do Rock, um fato que todos ao seu redor torciam muito para ocorrer, desde a notícia de seu acidente, dois anos antes. 

Foi um momento maravilhoso ocorrido ali em uma daquelas câmaras labirínticas do Victória Pub, ao dar-nos a certeza de que o grande "Loki" do Rock brasileiro estava a voltar.
E não deu outra, durante o show do Tutti Frutti, Carlini tocou: “Bonie Morony”, a evocar o som e a aura do genial albino texano, Johnny Winter, ao jogar fagulhas de fogo ao público, através dos solos a bordo de uma Gibson Firebird!

E convenhamos, para a alegria dos Rockers ali presentes, incluso nós d'A Chave do Sol e Arnaldo Baptista.

sábado, 25 de novembro de 2017

Crônicas da Autobiografia: O Rock Morreu em 1975? Não, foi em 1969... - Por Luiz Domingues


                       Pitbulls on Crack em ação, em foto de 1994...

Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack, por volta do segundo semestre de 1994...

Desde meados dos anos oitenta, eu havia cunhado uma frase de efeito, que repetia em rodas de conversa com amigos, sob título de brincadeira, mas a desvelar na verdade uma opinião forte e polêmica para a maioria, a descrever a minha profunda contrariedade com o rumo que o Rock, enquanto instituição em geral, havia adotado ao final dos anos setenta e que tal desvio de curso ditou normas nas décadas de oitenta e noventa inteiras, praticamente. 

Ao responder aos meus interlocutores que inquiriam a minha opinião sobre o panorama do Rock na ocasião, a minha explanação sobre o desalento que sentia, eu sempre tive o reforço dessa frase de efeito que criei: -“o Rock morreu em 1975”. 

Não houve nenhuma demarcação inspirada por algum fato histórico concreto em tal afirmação, mas tão somente foi baseada em um cálculo aleatório de minha parte, ao raciocinar que em 1975, os sopros contrários ao Rock ainda se mostram confusos e insignificantes, portanto, vivia-se em tese uma continuidade da normalidade do Rock setentista, sob suas múltiplas vertentes, com artistas a produzirem normalmente as suas obras inéditas, a administrarem as suas respectivas carreiras e sem demonstrarem, naquele instante, nenhum temor por uma reviravolta que os ameaçasse, até sobre sua própria sobrevivência, pois o que veio logo a seguir foi virulento nesse ponto e com tal intenção destrutiva e declarada.
E assim, eu atravessei tais décadas citadas e entre amigos, a minha afirmação mais provocava risadas, ao enxergarem exagero e comicidade de minha parte, mas a despeito da pilhéria, no fundo, houve um fundo de verdade e que fazia sentido para explicar como transcorreram as décadas de oitenta e noventa no mundo do Rock. 

Eis que um dia, eu que era ironizado por alguns ao ser acusado de portar-me como um saudosista radical, fui surpreendido por alguém que detinha uma visão ainda mais dura do que a minha.
Eu, Luiz Domingues em ação no ano de 1994, a tocar com o Pitbulls on Crack. Foto: Marcelo Rossi 

Eu tocava no Pitbulls on Crack nessa ocasião, uma banda que estava a ter uma oportunidade de exposição bem interessante naquele instante, metade de 1994, tanto que negociava naquele momento, um contrato de gravação com uma gravadora de pequeno porte internacional, mas que acabara de abrir um escritório de representação em São Paulo, a visar investir em artistas brasileiros, visto que um dos seus contratados foi a banda de Heavy Metal, "Sepultura", que nessa altura já estava consagrada mundialmente nesse nicho e isso motivara os holandeses, donos da gravadora, a investirem mais em artistas do mesmo país dos rapazes dessa banda e assim, uma nova porta abrira-se. 

Independente disso, também motivado pela expansão que a nossa banda demonstrara na ocasião e por ser amigo de pessoas da equipe dessa gravadora com a qual negociávamos, eis que surgiu o interesse de um empresário que também vivia o seu momento de crescimento em sua carreira, um inglês radicado no Brasil, chamado: Ray Ward. 

Ele era empresário de uma banda Punk, que fazia grande sucesso na ocasião, conhecida como: “Os Raimundos” e naturalmente ao sentir que estava em ascensão pessoal, planejou expandir o seu escritório, ao contratar mais artistas emergentes e nessas circunstâncias, ele quis conversar conosco. 

Em tal reunião, passada a conversação mais formal sobre nossa banda e os seus planos para o trabalho empresarial conosco, uma conversa informal e amistosa ocorreu, ao tratar logicamente sobre música e o Rock em específico, a conter a obviedade do fato dele ser inglês e mais velho que eu e Chris Skepis éramos na ocasião e sendo assim, evidentemente que haveria de ter as suas reminiscências sobre o Rock britânico sessenta-setentista. 

Claro que foi agradável e gerou momentos muito eufóricos até e assim, em um dado instante, senti-me a vontade para acrescentar a minha polêmica opinião e ao ouvir-me, Ray respondeu de pronto: -“discordo... o Rock morreu em 1969, no Festival de Woodstock. Ali foi seu último suspiro de criatividade e relevância”.
Lógico que eu parei para pensar nesse ponto de vista ainda mais radical do que o meu e mesmo ao discordar pois na minha percepção o início dos anos setenta ainda teve uma produção viva, criativa, além de comprometida fortemente com a contracultura e particularmente tem o meu apreço, o que ele afirmou teve também seu fundo de verdade. 

Pois se levarmos em conta detalhadamente que “Woodstock” teve um papel simbólico, como marco de uma Era, dá para imaginar que dali em diante o sopro da novidade e a força da sua mensagem inerente começou a diluir e assim, tudo que adveio, foi mera continuidade motivada pela força empregada e que fora despendida anteriormente, tal qual um carro que continua a andar rápido, mesmo com o motorista a tirar o pé de seu acelerador e sendo assim, como consequência lógica, demora um pouco para a velocidade diminuir e chegar-se ao ponto da completa inércia.
"Ending Theme Tune", o improviso final de Jimi Hendrix no documentário sobre o Festival de Woodstock, em agosto de 1969, a embalar as imagens do fim do sonho Hippie de um mundo fraterno, baseado na premissa do conceito de "Paz & Amor", quiçá, o final dessa utopia... 

Nesse aspecto, o que o Ray afirmou faz sentido, sim, e o Rock morreu em 1969, portanto, ao ver o documentário, com Jimi Hendrix a tocar o tema: "Ending Theme Tune", intercalado com a imagem melancólica do fim do Festival de Woodstock, com o grande público já a se evadir em meio a uma montanha de sujeira acumulada, tal simbologia pode mesmo ser computada como uma espécie de premonição metafórica, um prenúncio do porvir... e que infelizmente confirmou-se a seguir.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Crônicas da Autobiografia - Show Acrobático, Ensurdecedor e Inspirador (mas não pela música em si) - Por Luiz Domingues

    Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em janeiro de 1983...

Bem naquela virada de década de setenta para oitenta, a vida de um Rocker versado pela estética sessenta-setentista (meu caso), esteve dificílima e na verdade, tal panorama já vinha a degringolar desde 1977, pelo menos e só intensificara-se tal estado de coisas à medida que a mídia, de mãos dadas com a dita “formação de opinião”, decretou que o sonho hippie acabara e quem não comungara com tal ideia, havia perdido o bonde da história. 

Eu nunca acreditei nisso, é óbvio, mas paguei um preço amargo pela minha resistência em não correr ao salão de barbearia para acabar com a minha longa cabeleira "woodstockeana" que permaneci a ostentar e é óbvio que ao contrário dos “moderninhos de plantão”, ávidos pela estética blasé do Pós-Punk, eu só enxergava deméritos na produção artística oitentista em geral, salvo raríssimas e honrosas exceções.
Mas mesmo que houvesse um campo do Rock que ignorava retumbantemente essa turma altiva e invariavelmente raquítica, musicalmente a falar (o termo “raquítico” foi inspirado por um amigo meu que usa tal palavra nos dias atuais (2017), para designar tais artistas dessa estética e este fala com propriedade, visto que militou nesse métier nessa época, mas reconhece nos dias atuais, a fragilidade musical de quem embarcou nessa vertente), tal tipo de opositores não foi formado exatamente por tradicionalistas como eu, a respirar por aparelhos em uma espécie de UTI contracultural, mas uma turma que se por um lado era oposta ao Pós-Punk, ainda assim não significara ser algo compatível e agradável que encaixasse-se plenamente aos tradicionalistas em prol de um “religare”, através de seu clamor nostálgico. 

Refiro-me simplesmente a uma vertente que professava o dito “Heavy-Metal”, uma estética que nasceu em algum momento dos anos setenta, quando alguém jogou condimentos demais no molho do Hard-Rock e a comida passou do ponto, digamos assim... ao precipitar que se ramificasse tal como uma metástase, ao gerar subdivisões as mais diversas. 

Um desses ramos, foi parar na Califórnia, Estados Unidos e lá, mesmo a conter em seu bojo, certos artistas radicais, como em qualquer parte do planeta, a tendência para tudo que surge ali, é que a cultura local amenize e incorpore elementos seus muito particulares. Portanto, mesmo que a proposta seja um som pesado e acelerado, sempre vai haver o calor abrasador do asfalto da "Rodeo Drive", de Los Angeles em sua música, assim como uma latinidade caliente e festeira, mesmo que os artistas sejam genuinamente “wasp” em sua mentalidade inerente, a se pensar em outras temáticas mais rudes. 

Bem, eis que nesse estado da costa leste, meca do cinema e curiosamente berço do estopim do movimento hippie na América sessentista, surgiu ali na metade dos anos setenta e passou a ficar famosa ao final dessa década, uma banda formada por dois irmãos de origem holandesa, que ao se juntarem a dois amigos, formaram o seu grupo ao nomeá-lo com o sonoro sobrenome de sua família: Van Halen.
Eu só fui tomar conhecimento de sua existência por volta de 1980, mais ou menos e a primeira impressão que tive foi que o seu som som parecia um trabalho moderno para aquela ocasião, mas baseado no Power Blues-Rock acelerado do Ted Nugent, pelos riffs etc. e tal.

Tal banda nunca causou-me nenhuma comoção especial, mas tampouco a ojeriza, como eu nutria pelo Punk-Rock e seus derivados como o nascente Pós-Punk. Mas ali, por volta de 1981, 1982, eu passei a ter uma certa simpatia pela banda, não ao ponto de tornar-se uma referência na minha vida, mas por enxergá-la como uma espécie de boia salva-vidas, ao se considerar que o mar revolto oitentista consumir-me-ia por completo e dessa forma, agarrei-me no Van Halen como uma esperança de sobrevivência em meio à escassez de outras formas defensivas para se lidar com o ambiente hostil que desenhara-se. 

Mas é bom que eu esclareça, esse “admirar”, não significou que tornei-me seu fã inveterado, ao deixar de cultuar os artistas que realmente influenciavam-me, mas simplesmente foi melhor saber que o Van Halen existia ali em 1982 e ao menos os sujeitos usavam instrumentos e configuração de um quarteto Hard-Rock tradicional, cabelos longos/figurino Rocker mezzo setentista e postura de palco Rocker, em confronto com os dândis oitentistas arrogantes que inundavam os vídeoclips que passavam na TV, na ocasião.
 
Então, com a minha banda, A Chave do Sol a dar seus primeiros passos no segundo semestre de 1982, foi quando soubemos que o Van Halen viria ao Brasil no início de 1983. Tirante apresentações sazonais com artistas internacionais, desde os anos sessenta, o Brasil não era ainda uma rota internacional para shows, consolidada. 

A logística do show business era precária e nas raras apresentações com artistas internacionais, tudo fora feito com muito improviso, a se gerar falhas e reclamações generalizadas do público e principalmente da parte dos próprios artistas estrangeiros, desacostumados a lidarem com um tipo de amadorismo gerencial e vergonhoso. 

Anos depois o Brasil pôs-se a crescer nesse quesito e creio, após o advento do Festival Rock in Rio de 1985, a máquina engrenou e o país finalmente ganhou espaço na rota das turnês mundiais dos grandes e médios artistas e hoje em dia, é uma alternativa interessante até para os pequenos também, a abrigar um circuito menor bem organizado para trazê-los ao país.
Mas ali em 1983, ainda havia muito amadorismo, como por exemplo na completa omissão por parte da produção do mesmo, para anunciar que haveria uma atração nacional como show de abertura. No caso, todos ficaram surpresos ao verem o equipamento da Patrulha do Espaço montado no palco do Ginásio do Ibirapuera. 

E foi um show espetacular, eu posso atestar, com a banda nacional a viver o auge de sua formação como trio, com Rolando Castello Junior, Serginho Santana & Eduardo Chermont, a cumprirem uma apresentação incrível e com direito a um solo de bateria do Junior, aplaudido com ênfase pelas doze mil pessoas aproximadamente que ali encontravam-se, eu incluso, além de Rubens Gióia e José Luiz Dinola, os meus colegas de banda, e vários amigos que estiveram conosco.
A Patrulha do Espaço em sua fase de ouro como Power-Trio no início dos anos oitenta. Essa formação, com Dudu Chermont, Rolando Castello Junior e Serginho Santana, respectivamente da esquerda para a direita, abriu os três shows do Van Halen em São Paulo, no mês de janeiro de 1983 

Bem, a despeito dessa apresentação memorável, a praxe do show business cumpriu-se e a valorosa banda brasileira tocou com cerca de 20% da potência de som e iluminação. Ou seja, depois que os Rolling Stones sentiram-se ofuscados pelo então desconhecido King Crimson, no Hyde Park de Londres em julho de 1969, nunca mais o artista principal quis deixar bandas de abertura tocarem com o mesmo equipamento de som e iluminação e assim, mesmo que a banda de abertura faça um show maravilhoso, quando a banda principal entra em cena, o impacto sonoro e visual é tão grande que automaticamente isso faz com que se apague da memória da plateia, a apresentação do artista emergente que abriu a noite. 

Portanto, quando o show do Van Halen iniciou-se, a carga sonora e a iluminação foram frenéticas, ou como diz outro amigo meu, e que entende muita da matéria: alucinante!
Diante de tal impacto, claro que o show foi impressionante, pelo aparato todo em si, mas por um fator, ou melhor, dois, que foram méritos do Van Halen e devo ser justo em reconhecer isso: o preparo físico da comissão de frente da banda, falo sobre as personas do baixista, vocalista & guitarrista que ao fazerem um mise-en-scène muito agressivo, com direito a coreografias e acrobacias ousadas, imprimiam um tipo de atração de tirar o fôlego.

E segundo ponto, a fama do guitarrista Edward Van Halen como virtuose ao instrumento, era concreta e em meio ao seu frenesi cênico impressionante, a sua performance musical foi igualmente marcante, ao segurar toda a banda nas costas, pois sem outro instrumento harmônico de apoio, Ed representou ali a usina de riffs, bases “ganchudas” e solos virtuosísticos acintosos, tudo ao mesmo tempo. 

Ao se considerar que o baixista era bem limitado, praticamente a tocar baixo contínuo sem frasear e o baterista, apesar de manter andamentos acelerados sem oscilações e fazer boas viradas, não era nenhum “assombro” no seu instrumento, dessa forma, o guitarrista segurava tudo ali, sem sombra de dúvida.  
Lembro-me que apenas para o uso do Eddie Van Halen, haviam doze cabeçotes Marshall, com vinte e quatro caixas a formarem os seus gabinetes de amplificadores. Mas na realidade, ele deve ter usado de fato, três no máximo, pois isso já gera uma potência absurda em cima do palco e a bastar mixar essa carga no PA com parcimônia, é mais do que o suficiente para suprir um ginásio daquele tamanho. 

O cenário usado foi uma tela imensa cuja ilustração básica simulava mais amplificadores, ao dar a impressão ótica da “montanha” ser ainda maior do que o fora na realidade. E na parte superior, houve a presença de uma tela com uma estampa a retratar um leão dourado, também mote secundário da contracapa do álbum. Pelos cantos, vimos bandeiras vermelhas daquelas de sinalização náutica, pois reproduziam também o visual da capa do mais recente disco: "Diver Down", que conteve essa temática baseada no mundo do mergulho submarino. 

A bateria do Alex Van Halen se mostrou descomunal. Foram quatro bumbos com extensão, a formarem portanto, bumbos duplos, um absurdo total.  

Como já observei, a movimentação dos três músicos da frente foi tão frenética, que chegara a embaralhar a vista. Os artistas pulavam, faziam acrobacias e sem parar de tocar. Achei o baixista Michael Anthony bastante limitado ao instrumento, mas gostei muito de seus backing vocals afinados, a demonstrar bastante potência vocal, além de sua movimentação esfuziante pelo palco, mas sobretudo, apreciei a sua simpatia.
A espetacular dupla de cantores/humoristas, formada pelo genial Louis Prima e a incrível, Keely Smith, a garota que não sorria... 

O David Lee Roth se portara de uma maneira extremamente divertida. Ele parecia no entanto, mais um entertainer do que um vocalista de Rock. Tanto foi assim que anos depois este artista deu início à sua carreira solo ao regravar um clássico de um artista dessas características (com a música:“Just a Gigolo”), a se tratar-se no caso, do genial cantor/humorista, Louis Prima, que fora basicamente um entertainer à moda antiga, muito famoso na América do Norte, entre os anos 1930 e 1950, e certamente David Lee Roth devia adorá-lo, ao ouvir as suas velhas bolachas da coleção de discos de seus pais e por vê-lo cantar na TV, em programas cinquentistas em preto e branco. 

Sobre a atuação de Roth ao vivo, mediante as suas poses acrobáticas e trejeitos, foram engraçados e acima de tudo, ficara a impressão de que ele divertia-se em assumir-se como um canastrão desses que fazem shows com alto teor popularesco em cassinos de Las Vegas. 

E o Eddie Van Halen representara sem dúvida a solidez musical da banda, pois a sua guitarra virtuose era incontestável (embora para o meu gosto, isso canse em tese e de fato, eu admito que “orei” aos Deuses do Rock para que o seu solo interminável e sob um volume ensurdecedor, terminasse, com os meus tímpanos em frangalhos ali no ginásio do Ibirapuera), além da sua simpatia e movimentação de palco alucinante. 

Quanto ao Alex, o achei um baterista seguro, mas muito simplório para o meu gosto. Particularmente, acho o Rolando Castello Júnior da Patrulha do Espaço, muito superior, tecnicamente. E falo isso de cátedra, pois toquei com ele, Junior, por quase seis anos e sei bem disso, sem exagero. 

No cômputo geral, esses três shows do Van Halen marcaram muito para nós, pois dera-nos esperanças de que nem tudo estava perdido no Rock. Haviam artistas ainda a acreditarem nos parâmetros setentistas, mesmo sendo algo bem sutil no caso dessa banda em específico, mais ligada ao Hard-Rock oitentista, uma corrente mais amena do Heavy Metal, naturalmente.
Em suma, saí do Ginásio do Ibirapuera não exatamente a amar tal banda norte-americana, mas aquela predisposição de se imprimir uma movimentação frenética no palco, influenciou-nos ao ponto de poucos meses depois, em julho, quando apresentamo-nos no palco do Sesc Pompeia, em filmagem ao vivo para o programa “A Fábrica do Som”, ao menos de minha parte (e isso é nítido nos vídeos de nossa aparição inicial), a lição de casa foi feita, pois esforcei-me bastante para seguir o parâmetro que assistimos no Ginásio do Ibirapuera sob noites quentes de verão, em janeiro daquele mesmo ano, 1983...
Acima, um dos shows do Van Halen em São Paulo, no mês de janeiro de 1983, com filmagem da Rede Bandeirantes de TV. Eu; Rubens Gióia e José Luiz Dinola estávamos nessa plateia, além de muitos amigos nossos que gravitavam na órbita d'A Chave do Sol.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Cronicas da Autobiografia - A Árdua Tarefa de Decidir um Destino - Por Luiz Domingues

Aconteceu em meados de 2001, no tempo da Patrulha do Espaço...

Recebi o convite certa vez para ser componente de um corpo de jurados, a fim de apreciar e eleger uma banda vitoriosa em um embate desses em tom de festival. 

Menos mal, pela questão de cada artista ter pelo menos trinta minutos de exposição no palco, não se tratou de um festival tradicional nos moldes da qualificação de compositores, a se elegerem-se músicas inéditas, tampouco show de calouros, para buscarem-se aspirantes a cantores, mas sim, um festival de bandas cover ou melhor a dizer, bandas “tributo”, a visar premiar a melhor performance da noite. 

E a premiação se mostrara bem razoável ao vencedor, ao oferecer uma quantia em dinheiro e uma data para uma apresentação regular e remunerada, na casa em questão. 

O mundo das bandas cover não é da minha predileção e mesmo os mais convincentes intérpretes que empenham-se com afinco impressionante a reproduzir o trabalho de artistas consagrados, não comovem-me, apesar de todo o seu esforço e apuro, com todo o respeito. 

Não menosprezo a sua labuta e nem mesmo o seu nível técnico, muitas vezes bem alto e que justifica a sua condição para reproduzir o trabalho de artistas de alto nível, ainda assim, ou mesmo por isso, sempre vou achar que seria bem mais interessante que tais artistas da reprodução musical do trabalho alheio, dedicassem-se ao trabalho autoral e não tenho dúvida, muitos tem um talento criativo, latente e enorme, portanto, contribuiriam com a formatação de uma cena artística muito mais forte.

E claro que eu levo em consideração que muitos gostariam de ter uma carreira autoral sustentável, mas em um país como o Brasil, isso é praticamente impossível. Ao ir além, cabe ressaltar que eu jamais poderei deixar de reconhecer que artistas que dedicam a sua carreira à execução do trabalho consagrado de outrem, também estudaram para aprender a tocarem instrumentos e cantarem, muitas vezes por anos a fio com dedicação e mediante sacrifícios pessoais acentuados, além de invariavelmente, terem gasto um significativo montante para investirem em bons instrumentos, equipamentos e acessórios para poderem atuar com qualidade assegurada de seu áudio, portanto, mais um esforço pessoal notável de sua parte. 

E para encerrar as minhas ressalvas respeitosas aos músicos que vivem desse tipo de expediente, é lógico que sendo uma atividade honesta, tem a sua legitimidade e além disso, o simples fato de que através desse trabalho, esses artistas podem colocar comida em cima da mesa de suas respectivas famílias, já ganham o meu inteiro respeito e convenhamos, desperdício de talento a parte, o que fazem é manter acesa a chama da arte vinda da parte de artistas consagrados que admiramos, portanto, não poderia ser nunca considerado um malefício, mas muito pelo contrário, é uma espécie de serviço de perpetuação da boa arte, ao manter o seu valor agregado, portanto. 

Só mais um ponto a ressaltar-se, também não é fácil tocar geralmente para plateias desinteressadas e quase sempre formada por pessoas embriagadas/drogadas e muito mais ocupadas em procurarem parceiros sexuais nas noitadas, do que a prestarem atenção em tais músicos, portanto, há esse lado obscuro e desagradável para quem atua nas ditas bandas cover, como dissabor pessoal, eu reconheço e solidarizo-me com tais músicos.
Feitas as minhas respeitosas ressalvas para quem milita nesse mundo profissionalmente, digo que não fiquei nada empolgado ao receber o convite para ser componente de um corpo de jurados, a fim de analisar performances de bandas cover, por todas as razões acima elencadas, mas acrescento que fiquei constrangido em ter a responsabilidade de fazer um julgamento pessoal de cada banda ali a colocarem as suas esperanças de vitória e a dependerem de minha avaliação. 

Se fosse pela minha vontade, o tal festival jamais teria enfoque na competição, mas haveria de ser uma mostra livre, com cada banda a fazer o seu show e sem julgamentos da parte de ninguém, a não ser pela legítima espontaneidade do público, mediante a intensidade maior ou menor da salva de palmas, gritos & assovios e até mesmo de uma eventual vaia, que não é agradável para o artista em cima do palco, mas é aceitável como manifestação natural e legítima mediante um possível sinal de desagrado por parte da audiência.  

Todavia, não foi essa a intenção da casa de espetáculos que convidou-me e como ali eu já houvera participado com shows de minha banda, a Patrulha do Espaço, em ocasiões próximas passadas, recusar teria sido uma quase afronta aos dirigentes do estabelecimento, mesmo porque o convite fora feito sob o signo da honraria, a denotar que a minha participação lhe era importante por eu ser membro de uma banda autoral consagrada no métier do Rock Brasileiro e por conseguinte, a minha presença ali, no seu imaginário e principalmente para os músicos das bandas cover que apresentar-se-iam, fora tida como um estímulo e certamente um sinal de status da casa em ter alguém ali oriundo de uma banda de projeção nacional, para compor o corpo de jurados. 

Certo, diante dessas prerrogativas, lá fui eu em um sábado a noite de 2001, ao bairro Assunção, da cidade de São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, fazer parte dessa aventura diferente, pois eu nunca houvera sido convidado para tal tarefa, anteriormente.
Desconfortável pela missão desagradável em ter que estabelecer um parecer sobre a performance de outros artistas, e pior ainda que isso, na perspectiva do meu voto vir a significar alegria para um e frustração para os demais, imbuí-me de resignação pela situação inevitável e assim munido com as fichas de cada banda em mãos e caneta, fui a redigir os meus relatórios sobre o que achei de cada uma e sobre as suas respectivas atuações. 

Infelizmente, a grande maioria ali inscrita para o festival, professava o Heavy-Metal como um baluarte e notadamente eis aí um gênero musical que eu desgosto profundamente. Pior ainda, entre os que atuaram dentro dessa vertente, alguns representaram bandas internacionais voltadas ao dito "Metal Melódico”, pleno de virtuosismos, exageros & afins, para tornar a minha noite, uma tortura sonora a sentir-me desconfortável em ter que opinar nessas circunstâncias adversas. 

Claro, esforcei-me ao máximo para não misturar o meu (des)gosto pessoal com a análise e procurei exprimir no relatório, os méritos de cada banda e emitir, quando fiz comentários negativos, um tom de crítica construtiva, sem execrar deméritos, mas a sugerir melhorias, que espero terem absorvido com respeito e quiçá a enxergar algo bom para corrigirem.
Somente uma banda agradou-me pela proposta estética e tratou-se de uma  a ter a proposta de homenagear a imortal, Janis Joplin, cuja vocalista esforçou-se muito para chegar minimamente perto da voz e performance da grande pérola de Port Arthur, Texas, mas convenhamos, isso foi quase humanamente impossível. 

Conheci algumas cantoras que dedicam-se a isso com brilhantismo, caso de Vera Negri nos anos oitenta e Xandra Joplin e Fabi Joplin mais recentemente, e de fato, essas três são muito boas na proposta de fazer tributo a Janis Joplin, mas mesmo assim, Janis é inimitável em essência, tamanha a sua condição monstruosa, sobre-humana, praticamente como cantora e performer. 

Mas eu fiquei tão feliz por ver uma banda fazer um tributo a um ícone sessentista dessa grandeza, ali em 2001, quando a maioria estava naquele momento inebriada por "Iron Maiden", "Metallica", "Dream Theater", "Red Hot Chilli Peppers" e "Motorhead", que cheguei a escrever no relatório que chegou às mãos da banda, que eles haviam salvado a minha noite. 

E o grupo era bom, tocava com um balanço legal. A cantora não era ruim, mas apenas a sua tarefa fora inglória ali e como um trunfo a mais, eles tiveram o bom gosto de usar um visual “hippie chic” bem convincente, a fugir do estereótipo de um figurino de festa a fantasia mal-ajambrado e caricato.
E foi assim, após uma overdose de Heavy Metal e virtuosismos histriônicos sem fim, ao menos eu pude ouvir canções marcantes como: “Ball and Chain”, “Try” e “Piece of my Heart”, com uma performance razoável e no tocante às minhas avaliações, esforcei-me para ser 100% justo em minhas ponderações ao emitir opiniões sinceras e procurar ser construtivo ao comentar aspectos negativos em respeitoso tom de crítica justa.  

Mas vamos combinar assim, doravante: festivais para novatos, sim, mas sem caráter de competitividade! Sem avaliações, notas, vencedor e perdedores, mas com espaço para todos tocarem livremente e de preferência, a executarem as suas composições próprias, certo? A cena musical agradece!