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domingo, 5 de novembro de 2017

Crônicas da Autobiografia - Hippie Chic e Encapotado - Por Luiz Domingues

                      Aconteceu no tempo do Boca do Céu, em 1976... 
 
Sabe aquela clássica cena da Árvore de Natal estilizada como se vivêssemos tal data sob o frio rigoroso do inverno europeu?
Pois é, a síndrome do brasileiro tropical ao querer imitar signos naturais que não correspondem a nossa realidade geográfica, estigmatizou-se em diversos aspectos da nossa cultura. Se nos estados do sul ainda seja possível se experimentar um gostinho de inverno parecido minimamente com o rigor europeu, a verdade é que na maior parte do território de Pindorama, o calor abrasador é que embala o nosso natal, em pleno verão tropical. 
 
São Paulo era considerado um estado da região sul, mas a geopolítica mudou em um dado momento da história quando o nosso estado foi retirado dessa região e passou a ser considerado da região “sudeste”. Não cabe esmiuçar aqui os aspectos pró e contra de tal mudança forçada pelas autoridades federais, mas psicologicamente, digo que o sentimento paulista foi sempre o de sentir-se sulista, em muitos aspectos e aqui, o que importa neste relato é falar sobre a nossa condição climática e o efeito cultural que isso trouxe-nos, principalmente a se abordarem os paulistanos, pois como é sabido, as cidades interioranas do nosso estado, são tradicionalmente muito quentes.
E ao se pensar que por séculos, antes dos eventos causados pelo fenômeno do “El Niño” e do surgimento da imensa selva de pedra em que a cidade transformou-se, o clima típico da cidade de São Paulo era de frio na maior parte do ano, com garoa forte toda noite e com direito a névoas, sentíamo-nos mais próximos da realidade de Londres do que das paisagens tropicais típicas do litoral brasileiro.

Portanto, aliado às tradições culturais múltiplas que recebíamos dos europeus (e reforçado pelo fato da cidade ser um celeiro de imigrantes, com colônias espalhadas pelos bairros da cidade), quando o cinema passou a influenciar-nos ainda mais fortemente, isso acentuou-se. 
 
Passadas mais algumas décadas e o Rock também passou a impressionar-nos com contundência e assim, ao assistirmos os filmes e fotos, víamos que os Rockers muitas vezes usavam roupas pesadas de inverno, o normal para o padrão dos europeus e norte-americanos, a lhes preservar o calor do corpo e consequentemente da sua saúde, mas para o nosso imaginário, o aspecto da moda inerente que isso causara, saltava-nos aos olhos. 

Rockers a usarem roupas de couro na década de cinquenta, dava-lhes um aspecto de elegância inerente, é verdade. Depois vieram os "Mods" britânicos e a sua elegância em terninhos de tweed etc.
Quando a Era hippie chegou, a explosão total de cores mergulhou-nos em meio a um caleidoscópio de infindáveis possibilidades visuais, as mais atrativas, e quando o inverno apertava para os Rockers do meridiano norte, os casacões estilosos surgiam, para que eles usassem até capotes militares (alguns a exagerarem ao fazerem uso de fardas “vintage” de séculos passados), ou vestimentas de peles, para se aludir à moda da Idade Média, fora a influência brutal de culturas exóticas do oriente, notadamente da Índia. 
 
Portanto, nessa transição entre o fim dos anos sessenta e início dos setenta, acostumamo-nos a vermos filmes e fotos de bandas de Rock, com vestimentas pesadas de inverno, super estilosas, o que convencionou-se no mundo da moda a ser designado como um estilo “Hippie Chic”. 
 
Dessa forma, ali no início e na metade da década de setenta, foi o padrão que gostávamos e queríamos seguir, a driblarmos as adversidades climáticas que não favoreciam-nos, exatamente por estarem fora dos nossos padrões naturais.
Eu e muitos amigos queríamos usar casacões o tempo todo e mesmo em dias que não foram exatamente gelados, embora naquela época, ainda existisse a incidência da garoa diária em São Paulo e o outono e inverno fossem bem rigorosos, ao menos para os nossos padrões.

O primeiro vocalista da minha primeira banda, o “Boca do Céu”, foi um desses que usava diariamente um casaco pesado e bem bonito, mas nem sempre necessário e dessa maneira chamava a atenção por isso. Bernardo, conhecido como “Janjão” entre todos na escola que frequentávamos, fora mais um desses jovens Rockers que queria seguir tal padrão, mas que no Brasil, infelizmente para nós que gostamos do frio intenso, não era possível ser usado por muito tempo.
 
Eu também tinha uma dessas vestimentas pesadas, que aliás não era minha exatamente, mas do meu pai. Tratara-se de um “sobretudo” de lã, preto, muito estiloso, daqueles que víamos aos montes em filmes franceses cinquentistas. O meu pai o comprara-o na década de cinquenta e o usou muito. Quando tornei-me adolescente e coube nele, passei a pegá-lo emprestado para usar nas noites frias e sentir-me elegante na porta de shows de Rock que frequentava

Vendo que eu gostava dele, o meu pai doou-me a peça ainda nos anos setenta e tal casaco acompanhou-me até meados dos anos 2000, quando já não houve mais jeito que o alfaiate pudesse dar para reformá-lo.
 
Eu nunca conformei-me com modismos posteriores, acintosamente propostos para afrontar e destruir ícones sessenta-setentistas. Entre outras coisas, abomino as bermudas, as quais considero anti-Rock, mas fazer o que? Essa mania impregnou-se nas gerações posteriores.
Sou do tempo em que o Rock era luxo e não lixo, simples assim...

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