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segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Crônicas da Autobiografia: Sobre a Confusão entre a Cítara e a Meditação - Por Luiz Domingues

          Aconteceu no tempo da Patrulha do Espaço, em 2000

Apesar de anotada como uma passagem ocorrida no tempo em que eu fui um componente da Patrulha do Espaço, esta crônica não diz respeito diretamente a alguma ação realizada pela banda em alguma atividade oficial ou extra-oficial em seu favor. 
 
A conexão singela dá-se apenas com o fato de que esta história ocorreu graças a um convite que eu recebi da parte da produtora musical, Sarah Reishdan, que nesta época e até meados de 2003, produziu vários shows da nossa banda. Por conta dessa proximidade, forjamos amizade também pelo fato de nutrirmos apreço por assuntos com cunho filosófico e esotérico. 
Então, eis que Sarah avisou-me que haveria uma palestra ministrada por um guru indiano e que pelo fato dela ser amiga da assessora de imprensa que estava na organização do evento, esta viabilizara dois ingressos para ela, e que, por conseguinte, segundo a Sarah, que eu considerasse-me convidado para comparecer em sua companhia. 
 
Não seria a primeira vez que eu iria assistir uma palestra de um orador indiano, fosse ele um guru, swami, bhramani ou um pensador sob qualquer outra classificação. Desde os anos setenta, eu já havia assistido palestras dessa natureza com gurus indianos a expressarem-se através de um inglês macarrônico e a misturar diversas palavras em sânscrito ou hindi em seu discurso, portanto, não haveria por tratar-se de uma grande novidade. 
No entanto, chamou-me a atenção quando a Sarah falou-me o nome do guru em questão: Ravi Shankar. Ora, eu nunca ouvira absolutamente nada a respeito dele, mas naturalmente que achei curioso o fato desse homem possuir o mesmo nome do grande músico, muito provavelmente o mais famoso artista indiano conhecido pelo imaginário dos Rockers, Freaks & Hippies em geral. 
 
Sobre o citarista, Ravi Shankar, não há muito o que comentar dada a sua grandiosidade dentro da música indiana e também pelo fato da sua fama ter espalhado-se no mundo ocidental, graças à explosão da sua arte, devido à sua introdução via George Harrison & The Beatles no imaginário da juventude dos anos sessenta, que aliás, sonhou em mudar o mundo para torná-lo um lugar sem guerras e regido apenas pela fraternidade, sem egoísmo. 
 
Portanto, estranheza a parte, o fato do rapaz ostentar o mesmo nome, pode ter sido uma mera coincidência. Na mesma proporção (eu ouso comparar), em que no Brasil houve época em que muitos meninos recebiam o apelido de “Pelé” ou mesmo foram batizados como “Romário”, Ronaldo” etc. Raciocínio simplório, eu sei, mas poderia ser uma explicação plausível para explicar a coincidência.

Bem, lá fui eu então, acompanhado de minha amiga e produtora de shows, Sarah, para uma casa de espetáculos de luxo, localizada em São Paulo. Ao chegarmos ao ambiente, verificamos que estava bem lotado e em sua predominância, por pessoas altamente abonadas. 
 
Isso também não surpreendeu-me, pois como eu já havia narrado, não foi a primeira vez em que assisti uma palestra dessa natureza e já sabia, portanto, que gurus com alcance midiático geralmente atraem pessoas das classes mais abastadas, a designar uma espécie de “esoterismo gourmet”. Sei que é algo pejorativo ao ser colocado dessa forma, e deixo claro que não pretendo jactar-me de absolutamente nada e tampouco desenhar de quem quer que seja. 
 
Apenas relato o que vi e nessa circunstância, tirante a boa vontade de alguns, certamente, havia mais deslumbramento da parte da imensa maioria, em estar conectado com algo que supostamente poderia ser considerado como um sinal de status. 
 
Ou seja, praticar “meditação” ou “Yôga”, com esse acento a denotar a pronúncia que essas pessoas adoram verbalizar normalmente, é muito mais um modismo a denotar estar conectado com algo em voga que é benquisto entre os “formadores de opinião”. A questão da busca espiritual passa ao largo para esse perfil de pessoas e infelizmente, foi o caso do grande contingente ali presente.
Bem, eis que o guru entrou em cena, e simpático, fez uma explanação por cerca de uma hora, sobre a prática da meditação, inclusive com a parte final de sua fala, por cerca de quinze minutos, dedicada a uma prática coletiva leve e bastante ligeira. 
 
Em sua palestra, Ravi Shankar falou sobre os princípios mais elementares a respeito da meditação e foi tão superficial em sua abordagem, que eu surpreendi-me, pois sinceramente esperava por um discurso mais substancial. 
 
Em um tipo de analogia, seria como convidar Stravinsky para uma palestra sobre música e este ministrar uma aula primária, a ensinar os rudimentos de uma simples escala maior, ou seja, ao pressupor-se que estariam presentes na plateia: músicos, maestros, musicólogos e professores de música e que assim, ficasse óbvio que ele apresentasse em seu discurso, elementos mais avançados e não uma aula simplória que seria ministrada em uma escola infantil, a ensinar os primeiros passos da iniciação da teoria musical.

Bem, a observar o respeito máximo, naturalmente, eu e Sarah assistimos até o final, participamos da sessão de meditação bem simples que foi proposta pelo guru e na segunda parte da palestra, foi aberta a possibilidade de perguntas vindas da plateia. 
 
Algumas pessoas pediram a palavra e o nível das perguntas escancarou de vez a minha suspeita, pois de fato, as madames ali presentes (eram mulheres em sua maioria), não estavam preparadas para acompanhar algo além da superficialidade dessa matéria. E tudo piorou muito, quando uma senhora apanhou o microfone e fez uma saudação ao guru, ao dizer-lhe que o admirava muito, há muitos anos. 
 
Nesse momento, eu pensei comigo que o fato de que nunca ouvira falar dele, até receber o convite para a sua palestra configurava uma enorme ignorância de minha parte, pois a senhora em questão que falava ao guru, acentuara o fato de que o seguia há anos. Todavia, tudo veio abaixo, quando em seguida, a senhora formulou enfim a sua pergunta: -“mestre Ravi Shankar: de onde vem a inspiração para compor aquelas músicas maravilhosas que o senhor toca em sua cítara?”
Bem, muitas pessoas corrigiram a senhora aos gritos, a explicar-lhe que ele não era o famoso citarista, todavia a revelar-se um homônimo do músico, enquanto outras, simplesmente riam. 
 
Eu e Sarah ficamos profundamente constrangidos com a situação e tomados por um inevitável sentimento de “vergonha alheia”. 
 
Nesse momento, dissipou-se o meu constrangimento pessoal sobre nunca ter ouvido falar desse palestrante. Aliás, com todo o respeito, não sei se perdi alguma coisa em não tê-lo conhecido antes e nem mesmo depois, ao não acompanhá-lo com um real interesse, doravante.
E sim, continuo a apreciar com muito carinho a música maravilhosa de Ravi Shankar, o citarista. Namastê!

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Crônicas da Autobiografia - Valorize o que Você Conquistou - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack, em meados de 1997

Certa vez, eu fui interpelado pela opinião de um colega de profissão e a sua intervenção, provocou-me uma reflexão muito interessante. Ocorreu uma reunião, por volta de 1997, com representantes de algumas bandas da cena Rock paulistana de então, e nesse bojo, a maioria dessas bandas rezava por uma cartilha indie e não pelas vertentes pesadas e oriundas do Heavy-Metal/Hard-Rock, sobretudo sob viés oitentista, e naturalmente que pelo fluxo noventista em voga, havia ali naquela reunião, uma turma mais jovem e que recebera diretamente como influência em sua obra artística, a boa nova vinda em torno do Brit Pop. 

Ora, o Brit Pop foi uma tendência que transitou por um bom período nos anos noventa, a apresentar bandas britânicas profundamente influenciadas pelo cabedal sessentista, notadamente o estilo do Rock Bubblegum praticado no Reino Unido na década de 1960. 

Dessa forma, que ótimo que isso tenha ocorrido enfim, para dar um alento ao Rock, após tantos anos marcados pelo obscurantismo Punk e Pós-Punk, e com direito ao niilismo barato, revanchismo e todo o tipo de ataques proferidos por agentes fanáticos em torno de tais falácias e pior, a adotar o famigerado comportamento fundamentalista em prol de tais ditames etc. e tal.

Em termos de Brasil e São Paulo, para ser específico, a banda em que eu mais atuei nos anos noventa, o Pitbulls on Crack, não foi fundada com a intenção de desfraldar acintosamente a bandeira vintage em termos estéticos, mas pela força das circunstâncias e sobretudo por muita pressão pessoal da minha parte (eu assumo que forcei a barra no âmbito interno da banda), tal grupo pendeu para a estética sessenta-setentista, ainda que de uma forma apenas insinuada e assim, eis que eu estive em tal reunião organizada com representantes de bandas simpáticas às estéticas vintage, a visar um tipo de cooperação para a organização de um festival nesses termos. 

E um dos mais eloquentes a manifestar-se nessa reunião, foi o baterista de uma banda Pop-Rock, cem por cento comprometida com a estética sessentista, e cujo trabalho eu admirava (admiro), por tal entrega pela qual os seus componentes demonstravam possuir em torno de tais ideais. 

Essa banda chamava-se: "The Teahouse Band", a tratar-se de um trio muito competente e criativo e que emocionava-me pelo seu entusiasmo em promover o resgate, o religare do Rock, um ideal em que eu também pautava-me e nessa ocasião, sobretudo, o meu empenho foi total dentro dessa prerrogativa.

Bem, eis que em algum momento da reunião, eu comentei que a situação das bandas ali reunidas, incluso a minha na ocasião, era difícil, por sermos todos marginalizados pela mídia mainstream. E por conseguinte, jamais sermos sequer cogitados para fazer parte do elenco de gravadoras de porte major etc. e tal. 

O que eu afirmei, foi absolutamente verdadeiro, não houve nenhuma falácia em meu discurso, no entanto, o que o baterista da "The Teahouse Band" retrucou, chamou-me a atenção e certamente provocou a minha imediata reflexão e retomada de posição, em termos. 

Eis que o bom baterista e cantor, Raul Antonio, estranhou a minha fala e questionou sobre o que eu reclamara, visto que o Pitbulls on Crack estava há anos no mercado, a contar com constantes oportunidades, a registrar-se uma maciça execução radiofônica, inclusive de mais de uma música, na estação de Rádio Rock mais popular de São Paulo naquela década (89 FM), e também com clips em constante exibição na MTV, além de farta cobertura na mídia impressa. 

Foi nesse momento em que eu parei para pensar e creio ter entendido a mensagem vinda do colega. De fato, o meu sentimento expresso em um discurso pleno de vitimismo, fora fruto de um paradigma arraigado há anos, em torno de uma visão derrotista de minha parte, em relação a considerar impossível que artistas da nossa estirpe, pudessem alcançar o patamar mainstream da música profissional, por conta de barreiras formadas por interesses escusos da parte de poderosos. 

Nesses termos, de fato, o que eu falei procedia, no entanto, a observação feita pelo Raul, levou-me a entender o fator da graduação. De fato, o Pitbulls on Crack não chegou ao mainstream como eu desejaria, mas a projeção que atingiu mediante tal exposição, foi um fato (mesmo que em um estágio alojado no mundo underground), e dessa forma, eu percebi que não teria o direito a reclamar, pois outras tantas bandas e inclusive muito boas, sob o ponto de vista artístico, não obtiveram tal exposição semelhante.

Enfim, a minha lição neste dia foi aprender a valorizar cada conquista que eu tive. Se na minha avaliação mais criteriosa, tais conquistas foram insuficientes para atingir objetivos maiores, isso jamais poderia ser motivo para desvalorizá-las, portanto, o Raul mostrou-se correto em sua intervenção. 

E que bom, o The Teahouse Band também teve oportunidades boas, logo a seguir, inclusive na MTV, com clip elogiado e bem exibido em tal emissora, disco por gravadora, incursões radiofônicas e pela mídia impressa. Não chegou ao mainstream, como merecia, mas fez um percurso bonito, dentro das possibilidades de uma banda underground, ou seja, a tratar-se de um caminho exatamente parecido com que o Pitbulls on Crack também transitou na década de noventa.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Crônicas da Autobiografia: A Queda em Câmera Lenta - Por Luiz Domingues

                       Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, em 1987

Acontecimentos extra-musicais ocorrem o tempo todo no ambiente de um estúdio de gravação e muitas vezes, a depender de cada caso, pode ajudar a descontrair a tensão ou ajudar a criá-la, portanto para melhorar ou piorar o foco dos artistas e dos técnicos ali envolvidos em torno do trabalho de gravação de um disco ou de uma simples demo-tape de uma banda. 
 
Todo músico que teve a felicidade de poder registrar um trabalho, tem uma história para contar nesse sentido, eu tenho certeza. Em meu caso, depois de mais de vinte discos (e mais de quinze fitas demo-tape, até este momento), gravados, acumulei muitas lembranças, boas e más, aliás. Por sorte, tenho mais recordações agradáveis para guardar com carinho na memória. 
 
Sobre a que narro nesta crônica, é um acontecimento engraçado, embora não tenha sido uma história mirabolante, e pelo contrário, a revelar-se como um acontecimento singelo.
O clima não estava bom entre os membros da nossa banda nas sessões de gravação do LP The Key. Aqueles dias foram os últimos em termos de esforços de nossa parte, para manter a banda em atividade, infelizmente. Em meio aos problemas que enfrentávamos, eis que algo inusitado ocorreu em uma das sessões, a envolver-me diretamente.
Estávamos a ouvir um trecho de uma música, eu, Luiz Domingues, junto ao guitarrista, Rubens Gióia e o técnico Pepeu, do estúdio Guidon. A cadeira em que eu estava sentado continha rodinhas e era reclinável, a mostrar-se bastante confortável. 
 
Pois foi em um instante onde estávamos concentrados para ouvir um determinado detalhe de uma música, que eu reclinei-me para ficar mais concentrado. 
 
À medida que escutava com atenção tal trecho da canção, a buscar ter a certeza que não havia nada de errado naquele detalhe que investigávamos, eu não percebi que a cadeira pôs-se a sair discretamente do seu eixo. 
 
Sorrateiramente, eis que a ação da física fez-se valer e praticamente em câmera lenta, eu senti a precipitação da cadeira que fatalmente culminaria em jogar-me ao solo. Foram frações de segundos, certamente, mas a ação pareceu lenta no calor dos acontecimentos e assim, a minha reação e também dos amigos que cercavam-me foi a mesma, ou seja, a revelar um sentimento entre a estupefação pelo inusitado da situação e a letargia, por conta da estranha ação que pareceu lenta. 
 
Pois foi quando a cadeira quase tocou o solo, que o Rubens Gióia teve o reflexo enfim para segurá-la e evitar a minha queda total.

Salvo no último estertor, após uma inevitável e epidêmica sessão de risadas, ninguém ali realmente conseguiu entender a cena, não pelo fato da cadeira ter virado, algo trivial em uma cadeira com rodas e nem mesmo pelo excesso de inclinação em que ela foi submetida, por conta de minha própria ação corporal. 
 
Entretanto, o que realmente chamou a atenção de todos foi a questão da morosidade com a qual o evento transcorreu. Tivesse sido um efeito especial para realçar uma cena de um filme, perfeito, que belo recurso, mas ali, na vida real, foi algo muito inusitado.
Bem, foi engraçado, inusitado e até misterioso em certa medida, mas não ajudou em nada a amenizar o clima pesado com o qual a nossa banda gravou o LP “The Key”, uma grande pena.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Crônicas da Autobiografia - O Acordo Leonino - Por Luiz Domingues

                 Aconteceu no tempo da Patrulha do Espaço, em 2001

Ainda bem, a Patrulha do Espaço fez bastante shows em teatros; arenas e salões espaçosos, embora tenha tocado também em casas noturnas, vez por outra. E principalmente na cidade de São Paulo, não foram muitas as apresentações em casas noturnas, para a nossa sorte, visto que tocar sob uma infraestrutura mais adequada, era (é) sempre muito melhor. 
 
Entretanto, foi em 2001 que o dono de uma casa noturna com bastante tradição na noite paulistana, contatou-nos mediante uma oferta bastante digna em termos de cachê. Ora, se aventou pagar um cachê bastante razoável e a oferecer uma infraestrutura operacional satisfatória, claro que aceitamos tocar. 

E assim, com o tempo a passar, a propaganda foi para a rua, normalmente e quando chegou o dia do show, a perspectiva pareceu-nos ser muito boa em torno da casa lotar e apesar de não dependermos de tal desempenho popular, exatamente para termos um bom resultado financeiro, claro que sempre queríamos a lotação máxima, independente do cachê estar assegurado previamente ou não. 
No entanto, enquanto ainda estávamos em meio aos trâmites do soundcheck vespertino, foi que uma tentativa de coação foi perpetrada e só não foi inteiramente deprimente, pois no calor dos acontecimentos, revelou-se tão patética que gerou risos ao invés de indignação de nossa parte. 
 
Pois eis que o proprietário da casa entrou no recinto e ao mostrar-se eufórico, disse que a casa estava com os seus telefones a ser usados de forma intermitente, com pessoas a perguntar sobre ingressos e a reservá-los. Disse-nos então, que a casa estava a receber uma consulta recorde e que já havia a certeza de uma superlotação e até cogitava-se a possibilidade de ficar gente na rua, sem condições para entrar. 
 
Que bom, ótima notícia, pensamos e assim respondemos a ele. Entretanto, tal afirmativa super otimista vinda de sua parte, teve na verdade, uma outra intenção e esta fora escusa. 
 
O fato, foi que a seguir, o rapaz escancarou a sua real intenção quando propôs-nos uma mudança de nosso trato financeiro, ao alegar que o cachê fixo que oferecera-nos, poderia ser muito inferior à soma que a bilheteria poder-nos-ia render, dada a “demanda excepcional” que ele alardeara ao início de seu discurso eufórico. 
 
Mediante uma calculadora manual, ficou a mostrar-nos então que poderíamos ganhar até o triplo do valor acertado, se aceitássemos desfazer o acordo firmado anteriormente e doravante, fechássemos com a resolução em torno de uma porcentagem sobre a bilheteria, ao invés de um valor fixo em nosso cachet.
Relutamos, é claro, mas ele insistia em sua argumentação, ao mostrar-nos o cálculo matemático que dizia ser plausível, mediante a perspectiva que os telefonemas estavam a apontar, entretanto, mesmo assim, não demovia-nos de nossa decisão em manter o acordo anterior. 
 
Melodramático, gastou todos os argumentos possíveis e em dado instante, estava a portar-se como um vendedor de eletrodomésticos em casas populares, ao usar um discurso piegas, risível e certamente apelativo. 
 
Quando notou que não mudaríamos o nosso acordo, saiu a mostrar contrariedade, ao repetir que nós fatalmente arrepender-nos-íamos quando víssemos a casa super lotada e o dinheiro do nosso cachet ficar aquém do que poderíamos ter recebido, se não fôssemos cautelosos em excesso.

Pois chegou a noite e a casa recebeu um bom público, porém, bem longe da loucura excepcional que ele preconizara no período da tarde. Pois é, onde estavam aquelas pessoas ausentes que telefonaram enlouquecidas, no afã de conseguir reservar ingressos?

Simplesmente desistiram em comparecer? Recebemos então o nosso cachê combinado e não falamos nada sobre o ocorrido. Todavia, um funcionário da casa, que presenciara toda a pressão que o sujeito exercera sobre nós, anteriormente, não conteve-se e ao abordar-nos, disse: -“ele sempre faz isso, com todo artista que vem aqui apresentar-se. 

Combina um cachê fixo e na hora do soundcheck, vem pressionar os artistas a mudar o acordo, mediante a falsa esperança de que ganharão muito mais, em face da “chuva de telefonemas” que supostamente estaria a ocorrer no escritório administrativo da casa. 

E quando chega a noite e a expectativa não é cumprida, ele acerta a porcentagem, que sempre fica muito abaixo do cachê anteriormente acordado e se o artista questiona sobre a quantidade de público que fora dada como certeira, ele simplesmente inventa desculpas esfarrapadas sobre a condição climática que repentinamente ficou desfavorável ou sobre possíveis transtornos no trânsito da cidade e pronto, o artista vai embora com uma quantia modesta no bolso e a lamentar a falta de "sorte”...