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domingo, 31 de maio de 2015

A Chave do Sol - Capítulo 12 - Fim do Primeiro Semestre de 1986: Telefone a Tocar e Portas a se Abrirem! - Por Luiz Domingues

Quando percebemos que a conversa sobre a realização do vídeoclip realmente esquentara e sinalizara que essa produção seria mesmo concretizada, tratamos por escolher uma música nova para alavancar o rumo de nossas mudanças estruturais. 

Enquanto as outras bandas não tinham esse tipo de preocupação, por que não pensavam em mudar a sua estrutura estética, nós precisávamos usar essa oportunidade de obter um vídeoclip com tal perspectiva. Por isso, vivíamos um impasse, pois não poderíamos mergulhar de cabeça em tal produção, antes de possuir o áudio da demo-tape e isso só foi possível ao final de abril. 

A outra desvantagem foi técnica. Com um áudio inferior, obtido através de uma gravação de demo, portanto gravado às pressas e em um estúdio de segunda (ou quiçá, terceira), linha, é claro que não foi o ideal. 

Contudo, estávamos novamente sob uma situação embaraçosa, pois mesmo que decidíssemos usar uma faixa do disco oficial em voga, o EP de 1985, a voz presente era de um outro vocalista. 

"Um Minuto Além" era uma canção com potencial comercial para um clip, mas estava inutilizada doravante para tal propósito, justamente por conter uma outra voz na linha de frente. E mesmo que não fosse só por isso, o fato é que a música apresentava um tamanho, em termos de metragem, inadequado para tal veículo, outra falha estrutural não pensada por nós, quando de sua composição e arranjo final.

Enfim, foi o "viver e aprender" que exercemos na prática, infelizmente sem um produtor com visão calculista a orientar-nos e dessa forma, a nossa carreira seguiu por uma trilha marcada por percalços e muitos deles, gerados por nós mesmos.

De volta ao clip, propriamente dito, a nossa dificuldade para termos o áudio ideal foi entendida pelos produtores, mesmo por que eles estavam a se proporem para fazer quatro clips simultaneamente, portanto, a solução da sua parte foi até óbvia em deixar-nos por último na fila de produção, pois também não tinham estrutura para realizar quatro clips ao mesmo tempo, e dessa forma, poderiam tranquilamente, esperar-nos. 

No "brainstorm", fechamos com a ideia em filmar o clip da música: "Saudade". Tratou-se de longe da nossa aposta mais Pop, proveniente da nova demo e mostraria a um público televisivo e inteiramente novo, um som simples e direto, em que nada lembraria a "velha" A Chave do Sol, mediante as suas firulas setentistas centradas no estilo do Jazz-Rock. Daí em diante, tenho histórias engraçadas a relatar sobre os bastidores dessas filmagens!

Inevitavelmente, ao escolhermos "Saudade" para compor o clip, as ideias giraram em torno de uma historieta a acompanhar, ipsis litteris, a letra da canção e aí, foi algo bem previsível. 

Seria bem no estilo dos clips do "Whitesnake", com o David Coverdale a usar e abusar de recursos "sensuais", sob uma proporção que muito o aproximava de verdadeiros canastrões da música popularesca em geral, incluso alguns brasileiros óbvios. A ideia foi que o Beto, por ser o vocalista, protagonizasse algumas cenas "românticas" ao intercalá-las com intervenções da banda, não necessariamente a tocar ao vivo, mas a aparecer sempre ao longo da edição final.

Claro que o Beto adorou a abordagem, e lógico também, que foi um dos que mais alimentou o brainstorm nesse tipo de orientação, exatamente por acreditar ser esse o caminho ideal para a popularização em grande escala para a nossa banda. 

Bem, uma primeira ação foi marcada para colher as primeiras imagens e seriam cenas românticas do Beto com uma garota, a usar uma casa noturna como locação. Os demais membros da banda apareceriam fortuitamente no ambiente, mas o foco da ação concentrar-se-ia no Beto com a garota, a conversarem, flertarem e com o casal a viver os seus momentos "felizes". 

Os rapazes da produtora sugeriram o bar "Singapura", localizado em Cerqueira César, bairro nas cercanias da Avenida Paulista, para fazer tal filmagem, pois tratava-se de um estabelecimento cujo proprietário era de um conhecido deles, e o cederia gratuitamente, como locação para tal filmagem. 

E por falar em economia, a produção foi bem simples. Não houve equipe técnica profissional a conter eletricistas e iluminação adequada, tampouco figurinista, maquiador, cabeleireiro, continuísta e que tais. Foram os dois rapazes da produtora, uma garota como assistente de produção e como equipamento, uma simples câmera VHS, um pouco acima do padrão de uma amadora, mas bem abaixo de qualquer câmera minimamente profissional.

Seria lógico que tal produção jamais teria o padrão de um clip profissional nessas condições e no máximo seria exibido em programas de menor expressão, jamais em emissoras de primeira grandeza como a Globo. 

Mas o que poderíamos fazer? Além de ser gratuito e feito pela extrema boa vontade de Rene e William, eles também tinham parcos recursos, igualmente como nós e lutavam para estabelecer-se no mercado como produtores musicais. Foi portanto, a clássica corda bamba do artista independente e situações assim sempre deixavam-nos entre a cruz e a espada, ou seja, o eterno "pegar ou largar"...

E houve um outro aspecto: como poderíamos recusar fazer, se os rapazes estavam empolgados e a esforçarem-se tanto em prol da produção do show do Palmeiras, a mostrar serviço, e a projetar expansão, crescimento etc? Nesses termos, claro que aceitamos e com toda a boa vontade, empenhamo-nos em colaborar.

Evidentemente que em um bar, a iluminação natural do ambiente já seria escura por natureza, e ainda por cima a filmar-se sem nenhum recurso de luz cênica, e câmera quase de padrão caseiro, a possibilidade da fotografia ficar boa, foi nula. Enfim, a justificativa foi de que poucos frames dessa filmagem em específico, seriam aproveitados, mas mesmo assim, para imprimir-se uma inteligibilidade visual mínima, aquele padrão esteve abaixo do aceitável.

A garota que fez a cena, era uma amiga do Beto, e claro que não haveria dinheiro para contratar uma atriz profissional, e também é lógico que nenhuma atriz aceitaria participar de uma produção audiovisual simples que comprometesse a sua imagem, a não ser que fosse uma novata e aspirante à cata de qualquer oportunidade para aparecer. 

Nessas cenas, o trivial do casal feliz foi feito. Mãozinhas dadas, olhares lânguidos, beijos "de leve" e pequenos closes dos respectivos rostos. Ou seja, nada muito diferente do que acontecia em 90% dos clips oitentistas "românticos", com a diferença de ser uma produção nível "Boca do Lixo" (no bom sentido da escassez de recursos), longe do glamour global. A próxima cena programada para filmagem foi "picante", e o Beto estava a adorar ser o galã.

A cena dita "picante" seria no ambiente de um quarto de motel.
Seriam tomadas rápidas, mas a mostrar o casal na cama, aos beijos etc. e tal. Para tanto, a produção recorreu ao próprio Beto, que era amigo do dono de um estabelecimento desse molde, na região do Jardim Bonfiglioli, bairro da zona sudoeste de São Paulo, nas margens da rodovia Raposo Tavares.

Como a produção foi toda amadora, exatamente como na filmagem no ambiente do bar Singapura, a garota que aceitara rodar a cena, foi apenas uma amiga, e não uma atriz profissional. 

No bar, até que essa moça enganou bem, ao realizar cenas simples, como uma namorada fictícia, mas nessa hora do motel, ela teve bastante dificuldade devido ao constrangimento inerente que esse tipo de cena traz, até para profissionais tarimbadas, imagine uma menina muito inexperiente e amadora. Ao prever tal situação sob constrangimento da parte dela, ficou acertado que os demais membros da banda não presenciassem as filmagens, a evitar-se assim uma aglomeração atrás da câmera, e o inevitável clima pesado para a garota se inibir.

Ela de fato ficou bastante inibida, mesmo com uma equipe reduzida na locação improvisada, mas as cenas foram feitas. Claro, naquelas condições de iluminação e câmera com baixa qualidade, fora o set todo improvisado, com atores amadores, não havia como ficar bom, mas foi o que tivemos em mãos. 

Ao ir além, ao analisar muito friamente e com o clássico distanciamento histórico em torno de trinta anos de distância (2016), claro que toda a mentalidade estava muito equivocada desde o início dessa produção e se achávamos válido em tal ocasião, denotou claramente um quase desespero de nossa parte em querer adentrar o mainstream. 

Pior ainda fora a concepção que achávamos adequada para lograr êxito em tal missão, pois uma música com o teor de "Saudade", em termos de letra e um clip com cenas românticas, poderia ser o mais correto, sob uma visão sem muito apuro, mas por outro lado, se pensávamos em seguir os passos do "Whitesnake", aqui é o Brasil, e nesses termos, mais aproximávamo-nos do Fábio Junior ou quiçá do Wando, se insistíssemos nesse caminho.

Enfim, desde 1984, estávamos cegos pela determinação por ingressarmos no mainstream e todos os nossos esforços afunilaram-se nesse sentido. As várias e repentinas mudanças de estratégia, mostram isso claramente, e nesse momento de 1986, que na verdade iniciou-se a partir da entrada do Beto, ao final de 1985, pareceu ser enfim, o caminho mais fácil para atingirmos o nosso objetivo perseguido. 

Corremos o risco enorme de darmos passos no sentido da cultura popularesca, que pareceu ser a única solução naquele instante, e se serviu-nos como consolo, não estávamos sós nessa empreitada. Bandas de espectro pesado, tais como, "Salário Mínimo", "Platina" e "Proteus", também estavam a buscar tal caminho. 

Por outro lado, bandas como: "Rádio Táxi", "RPM", "Kid Abelha", "Metrô" e similares, faziam sucesso no mainstream, com esse tipo de abordagem popularesca. Bem, isso justifica o direcionamento desse clip para o romantismo, mas não o isenta totalmente de seu pecado cometido em direção ao mau gosto. 

A próxima cena a ser filmada foi marcada para um domingo, no período da tarde, e seria uma externa, com a participação da banda inteira, em uma avenida de grande circulação na cidade de São Paulo. Seria o nosso "dia da vergonha". E o foi, de fato...

Foi em um domingo de sol que fomos munidos com baixo, guitarra, e baquetas de bateria, à Avenida Paulista, para uma sessão de pantomima constrangedora entre os pedestres e carros. A ideia fora filmar tomadas dos membros da banda em situações inusitadas de rua, a fazer poses etc.
 
Matéria que saiu publicada na Revista Metal, no início de 1986, ainda a repercutir o ano de 1985, e a citar-nos (com foto), como destaque dessa cena "Heavy-Metal". Já estávamos em outra direção, com outro vocalista, mas ainda publicavam matérias nesse sentido, na mídia especializada...

Claro que demos uma respirada profunda e fomos enfrentar esse martírio, pois por não sermos atores, tornara-se evidente que situações assim para nós, seriam sempre constrangedoras. Um fator é ter mise-en-scène no palco, com o calor de um show de verdade, com o músico a tocar e sentir aquela pressão sonora, fora a iluminação adequada, fumaça, efeitos etc. Mas uma outra bem diferente, seria fazer pose como, "Rock Star" na rua, com instrumentos desligados, e no nosso caso, com a agravante em não sermos suficientemente famosos para despertar o conhecimento público imediato, e daí, estarmos sujeitos ao escárnio por parte de populares e os inevitáveis zombeteiros de plantão, em uma situação dessas... então...

Fomos para a Avenida Paulista, em um domingo de bastante movimento. As ideias que surgiam da parte dos produtores, foram feitas sob total improviso, do tipo: -"Rubens, que tal uma tomada contigo na esquina da Alameda Joaquim Eugênio de Lima, a simular estar a tocar a base da música?" Ou ainda: -"Agora o Zé Luiz vai fazer malabarismos com as baquetas, a caminhar pelo Parque Trianon"... enfim, o óbvio ululante e completamente amadorístico, mas claro, isento-os totalmente de qualquer culpa, pois além de não haver grandes alternativas (e a reconhecer mais uma vez a extrema boa vontade dos rapazes da produtora), fora o fruto pelo conjunto da obra, isto é: a proposta da música e década de oitenta em curso.

Lembro-me de estar a filmar na ilha entra as pistas, no uso de figurino de show, e munido com meu Fender Jazz Bass em mãos, a sentir-me completamente idiota com aquele contingente formado por transeuntes a olhar-nos, carros a passar com os seus transeuntes a mirar-nos com olhares de espanto, enfim. 

Foi então que algo prosaico ocorreu bem nessa hora: pois é... em uma cidade de "pequeno porte" como São Paulo, seria de esperar-se que alguém conhecido avistasse-me nessa situação, não é mesmo?

Eu, Luiz Domingues, e Marco Antonio Turci, meu primo, em foto bem mais recente, de 2001. Acervo familiar

Enfim, brincadeiras a parte, vi um carro com cor amarela (o velho Corcel II), e familiar, a passar devagar. Mediante buzinadas de advertência perpetradas pelo motorista em questão, verifiquei ser quem deduzira ser... o meu primo, Marco Antonio Turci, acompanhado de sua namorada, Silvana Rubano e ambos atônitos por verem-me naquela situação. A seguir eles pararam em uma rua próxima e foram a pé verificar o que ocorria, quando então eu pude contar-lhes sobre a filmagem de um vídeo-clip etc. 

Ainda a descrever essa filmagem, lembro-me também de duas garotas que ficaram a seguir-nos o tempo todo. Eram fãs da banda e claro, sob um número reduzido, foram bastante respeitosas, sem intenção alguma de causar tumulto. Se fôssemos o "Menudo", que foi o fenômeno Pop-brega daquele momento, nem haveria condição de filmagem externa, com milhares de garotas histéricas a darem trabalho para a polícia...

Filmamos mais algumas tomadas tolas, a fazer caras & bocas pela Avenida Paulista e aos primeiros sinais do entardecer, encerramos o expediente. Segundo os produtores, com todas essas cenas filmadas, eles encerraram as tomadas e consideraram o material satisfatório para a realizar a edição final. 

Com a experiência que eu tenho hoje em dia, acho que faltou-lhes noção básica desse tipo de trabalho, pois o material bruto que dispunham, fora absolutamente insuficiente para se pensar em uma edição final com um mínimo de qualidade, sem contar a precariedade absoluta da produção, como um todo.

No entanto, não foi só pela precariedade técnica, pois as tomadas que dispunham, mostravam-se sob uma baixa qualidade dramatúrgica, em todos os quesitos imagináveis. Se realmente tivesse sido editado, esse clip teria ficado sob gosto duvidoso, acredito. Falo isso com grande pesar, pois os rapazes da produtora estavam na maior boa vontade e tal empenho da parte deles jamais poderia ser desconsiderado, a despeito de qualquer análise técnica, estética ou artística. 

E também falo com tristeza, por que precisávamos de um vídeoclip, desesperadamente, pois nos anos oitenta, tão ou mais importante que uma música a tocar nas emissoras de rádio FM ou um disco nas prateleiras das lojas, o vídeoclip a ser exibido na TV, revelara-se fundamental.

A década de oitenta foi a década dos clips, sem dúvida alguma. Ter um clip foi vital, e se fosse produzido com qualidade, seria o diferencial entre se habitar o underground ou o mainstream. 

Porém, convenhamos, com aquelas condições, o clip com o qual estávamos envolvidos, jamais poderia ficar bom. Acho que nem mediano ficaria e portanto, o fato dele nunca ter sido finalizado, pode ter frustrado-nos à época, mas poupou-nos de um constrangimento que tranquilamente poderia ter sido revertido em anti-propaganda. 

E por que não foi para frente se os rapazes estavam tão empenhados em sua realização? Bem, os dois rapazes em questão foram muito animados e voluntariosos, mas faltara-lhes experiência e conhecimento da área, ao menos na época, não descarto que tenham crescido posteriormente, é claro. Portanto, chegou-se um ponto onde eles notaram que não conseguiriam produzir quatro vídeo-clips (estavam simultaneamente a tentar produzir os das outras bandas envolvidas, como já expliquei anteriormente), e preparar o show de grande porte que estavam a trabalhar, ao mesmo tempo.

Claro que tudo ficou nebuloso e eles comunicaram às quatro bandas envolvidas, que tornara-se inviável preparar os clips antes do show, e que paralisariam tal produção momentaneamente, para dedicar-se à produção do espetáculo, e só posteriormente retomariam o projeto dos clips.

O fato é que o show aconteceu, conforme eu relatarei logo mais, todavia, depois do evento, o contato esfriou completamente e os clips foram engavetados. Nunca vi os "copiões" desse material, e acredito que tenham sido apagados. Gostaria imensamente de ter acesso ao material, pois hoje em dia, tal material bruto, independente de sua má qualidade técnica e mau gosto estético, seria muito positivo para ser postado como promo (sob ressalvas, naturalmente), ou mesmo constar em um possível documentário sobre a história da banda. Mas realmente desconheço o paradeiro desse material. Se alguém tiver uma pista, que avise-me, por favor.
Antes porém, de falar do show em si, preciso contar um fato novo que surgiu na mesma época, e que animou-nos muito além do que já estávamos animados com as conquistas da banda nesse final de primeiro semestre de 1986. Por um momento, ficamos completamente eufóricos com a perspectiva de termos dois clips, ao invés de um! A diferença foi que a segunda proposta, ao contrário desta que comecei a contar e malogrou, deu certo!

Os primeiros meses de 1986, representaram um raro momento de escassez de shows, desde 1984, quando a banda alcançara uma regularidade, graças a crescente exposição na mídia e advento do primeiro disco, ao emendarmos com o segundo álbum, um ano depois. Mas por incrível que pareça não ficamos preocupados, apesar de chateados, é claro. 

A ausência de preocupação deu-se pelo fato de que sabíamos que seria um hiato meramente ocasional, e que em breve, retomaríamos a agenda com constância e perspectiva de expansão. E um aspecto fora certo em 1986: "o telefone estava a tocar"...

Essa expressão que eu citei acima, é um jargão entre artistas de uma forma geral e na música é bem usado, ao designar que o momento é bom e as oportunidades estão a surgir espontaneamente e não o contrário, com o artista a procurá-las e invariavelmente a ter portas fechadas para ele. 

Dentro dessa dinâmica, ficara nítido que os anos empregados em nossa labuta, estavam a serem recompensados nesse "momentum", pois a cada dia, novas oportunidades surgiam naturalmente, e foi o caso do que contarei a seguir.

Desde 1983, tínhamos uma boa relação com a TV Cultura de São Paulo, por termos participado do programa, "A Fábrica do Som", por cinco oportunidades. Contou pontos também, quando tocamos em uma sexta ocasião, que não foi ao ar, porém, com essa sexta participação não televisionada, nós ajudamos a evitar um tumulto generalizado, ao entretermos o público do Teatro Sesc Pompeia, sob condições técnicas inóspitas, em uma situação que já descrevi alguns capítulos atrás. Também tivemos boas participações na rádio Cultura, que representava um braço da Fundação Padre Anchieta, que regia essas duas instituições de comunicação. 

Então, nessa mesma época em que estávamos entretidos em preparar a demo-tape com músicas novas e filmar um vídeo-clip (conforme estou a narrar nesta fase da cronologia), nós recebemos um telefonema do departamento de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, para filmarmos um vídeo-clip produzido por eles, sem nenhum ônus, e que seria exibido em vários programas dessa rede. 

Pessoas ligadas à antiga produção da Fábrica do Som, já sabiam que estávamos com uma demo-tape a conter músicas novas no gatilho, e uma dessas novas canções continha uma temática interessante sob cunho sociopolítico, a falar sobre o "apartheid" na África do Sul, o que despertou-lhes o interesse, visto que fora um assunto jornalístico muito em voga naquele ano. 

Claro que aceitamos, e colocamo-nos à disposição, imediatamente.
Foi um desses fatos típicos do "telefone que estava a tocar" e paralelo ao clip que fazíamos com a música, "Saudade", uma oportunidade de ouro para possuirmos dois clips para veicular na TV, simultaneamente, e sem custos para a banda. 

E lá fomos nós, em uma tarde de terça-feira, ao final de abril de 1986, para participarmos dessa filmagem, nos estúdios da TV Cultura de São Paulo.

Chegamos aos estúdios da TV Cultura, no horário combinado, por volta das 10:00 horas da manhã. A única informação prévia da qual dispúnhamos, foi que seria um clip bem simples, com cenas da banda a dublar a canção, ao intercalar-se com cenas do Apartheid sulafricano, extraídas de matérias jornalísticas, oriundas do conteúdo gerado por agências internacionais de notícias (aliás, uma boa pergunta: foram imagens liberadas para qualquer uso? Seria domínio público?). 

Muito bem, não tínhamos como emitirmos palpites naquela circunstância, com despesa zero de nossa parte. Então, ficamos à disposição, sem ressalvas, mas apesar da simplicidade toda, não fugiria muito dessa ideia central, em intercalar cenas reais sobre o Apartheid da África do Sul com a banda, na nossa concepção sobre um possível roteiro, também.

Como a música é praticamente um manifesto da banda, a posicionar-se contra a segregação racial, o caminho mais simples seria esse, em uma primeira instância, e se houvesse verba de nossa parte, talvez a sofisticação viesse com uma abordagem mais metafórica, ao usarmos alegorias, representações oníricas etc.

Se pudéssemos contratar o diretor de cinema britânico, Ken Russel, certamente faríamos desse clip, um delírio onírico, quiçá com elefantes negros e encapuzados, sendo arrastados para o mar por "criptonazistas", ou coisa que o valha... (de fato, como são bons e loucos os filmes do saudoso Kenny). 

Enfim, em nossa realidade, o negócio seria dublar a canção e torcer para o editor escolher imagens significativas do jornalismo, a mostrar-se a injustiça naquele país. Então, veio a pior parte na minha opinião.

Após sairmos da sala de maquiagem e colocarmos o nosso figurino de show, fomos convidados pelo diretor em questão (o leitor vai execrar-me, mas não lembro-me de seu nome, tampouco achei alguma anotação, que ajudasse-me a recordar desse fato), a dirigirmo-nos para um local ermo das instalações daquela emissora. 

Até então, achávamos que filmaríamos em um estúdio tradicional, com iluminação adequada, e uso do Chroma Key, para depois facilitar a vida do editor, ao somar as imagens do jornalismo. Mas por azar total, todos os estúdios estavam ocupados com outras produções, e como essa produção fora um encaixe repentino e desprovida de maiores recursos, eles resolveram improvisar.

Aí, entrou a cabeça do rapaz e os seus paradigmas distorcidos sobre o que seria o Rock e sobre qual ambientação ficaríamos mais adequados, e a confusão pessoal dele ao não entender nosso espectro artístico etc. 

Em suma, alojaram-nos sob um lugar ermo, inóspito e rude. Foi uma espécie de área de despejo para resíduos, onde colocavam sobras de material destinados ao lixo, e ali ficavam amontoados sob uma forma muita feia, a parecer um depósito de escombros desoladores ao ar livre.

Eu que sempre fui um crítico contumaz desse tipo de ambientação rude, tive que submeter-me mesmo que remetesse em meu entendimento ao Punk-Rock enquanto ideologia de destruição, aspereza, baixo astral, decadência, sujeira devastadora a denotar desleixo, depravação, ruína social etc. Ou seja, foi um desastre filmar em um lugar feio desses, como se fosse um set de filmagem para filmes oitentistas mediante a mentalidade Punk, como "Mad Max", e "Blade Runner". Dessa forma, eu fiquei muito chateado com tal decisão repentina, mas houveram dois argumentos da produção que não poderíamos contestar: 

1) A falta de um estúdio decente naquele momento para nos atender, ou seja, foi uma demanda técnica da parte da emissora.

2) Se falávamos de uma crise social em um país onde um povo segregacionado pela sua condição racial, vivia na miséria, em detrimento de outro que privilegiado pelo poder, usufruía de conforto total com a tal praia privativa ("Sun City"), fazia sentido que a banda colocasse-se na ambientação miserável, como forma do espectador do clip identificar-nos como os "mocinhos" nessa história...

Nesse aspecto, fazia sentido, mas na minha visão, internamente, foi uma lástima estar todo arrumado como Rocker à moda antiga, bem vestido, naqueles escombros com o aspecto do baixo astral dos anos 1980. Enfim, não nos coube dar muitos palpites nessa produção, quiçá nenhum, pois tratou-se de um gentil oferecimento sem ônus, portanto, não teria cabimento estabelecer contestações.

Dessa maneira, a nossa postura não poderia ser outra, a não ser a da resignação. Filmamos ali naquele lixo desagradável e só restou-nos fazer uma mise-en-scène e torcer para a edição caprichar nas imagens do jornalismo. 

Bem, fizemos três ou quatro tomadas da música inteira e com uma câmera única, móvel. Tratou-se de uma câmera portátil, dessas usadas em externas para reportagens do telejornalismo, mas com padrão profissional, obviamente, ao usar Vide-Tape, U-Matic, uma fita profissional com qualidade muito acima das VHS caseiras que já existiam no mercado, há anos.

A ideia seria praticar a clássica dublagem, como se estivéssemos em um programa de TV, com a diferença de que pelo menos o Zé Luiz pôde simular a performance no uso de uma bateria verdadeira (aliás a clássica carcaça da "Gope", acrílica e alaranjada, presente em quase toda produção musical dessa emissora), visto que nas infames dublagens de TV, o baterista foi sempre o maior prejudicado com a costumeira e triste atuação mediante uma caixa e um prato, tão somente. 

A equipe de produção foi hiper enxuta, mas simpática o tempo todo, conosco. Foi uma equipe reduzida, a conter o cinegrafista, o diretor, e um caboman apenas, fora a maquiadora, mas essa estrutura da maquiagem fora feita na sala onde todo o elenco da TV Cultura usava tal serviço, portanto essa profissional não estava à nossa disposição, exclusivamente. 

O próprio diretor tratou de soltar o play no micro PA que foi montado para ouvirmos a canção e podermos fazer a pantomima toda.

Terminado o processo, por volta das 14:00 horas, disseram-nos que dali em diante, deveríamos esperar o pessoal da edição trabalhar.

Como esse clip fora realizado sob um encaixe camarada que fizeram para nós, é claro que a ilha de edição da emissora e o profissional envolvido para tal tarefa, só trabalharia nele em horário alternativo, e claro que a prioridade seria o trabalho normal da emissora, a providenciar a preparação do seu jornalismo, linha programas etc. 

Nem precisou ter avisado-nos, pois foi óbvio que teria que ser nesses termos e assim, estávamos preparados para uma espera razoável e como foi tudo gratuito, portanto feito na maior camaradagem, claro que tornou-se justo aceitarmos tais condições. 

Fora isso, estávamos tão animados com a produção do outro clip, apesar de toda a aura amadorística que o envolvia, que nós achávamos que esse clip produzido pela TV Cultura, seria um acréscimo repentino e dessa forma, o encarávamos como um verdadeiro bônus, portanto, a nossa expectativa maior, por incrível que pareça, foi em torno da conclusão do clip de "Saudade", e os preparativos para o show no salão de festas do Palmeiras, que aproximava-se.

Mais ou menos em maio de 1986, fomos avisados que o clip estava pronto e que seria exibido pela primeira vez no próprio jornalismo da TV Cultura, o que mostrou-se muito exótico para nós. 

Por essa não esperávamos e foi uma grata surpresa, pois vimos o clip a ser apresentado como reforço de uma pauta sobre a situação na África do Sul, o que forneceu um status diferente para a música, o clip e para nós mesmos, enquanto banda. Lógico, posteriormente foi exibido muitas vezes nos programas mais adequados da casa, direcionados à música e cultura, como "Som Pop" e "Panorama", mas que foi ótimo assisti-lo no Jornal da Cultura, claro que foi.

Na edição final, ficou exatamente como esperávamos, com a banda a exibir a sua performance fictícia, a intercalar-se com imagens da situação tensa na África do Sul, no uso de imagens do jornalismo internacional, via agências de notícias tradicionais do mundo, tipo Reuters e API. 

Não faço nem ideia de como são as normas de direitos autorais nessas condições sobre o uso de imagens do jornalismo dessas agências. Mas se usaram, e por tratar-se de uma emissora estatal como era (é), a TV Cultura de São Paulo, claro que tinham o respaldo jurídico que deu-lhes a segurança para usar sem problemas. Portanto, duvido que tenham pago alguma taxa para habilitar direitos, e jamais tal assunto foi ventilado conosco.

Enfrentamos um problema com esse clip, no entanto. Achávamos, inocentemente, que poderíamos usá-lo em outras emissoras. Conversamos com a equipe de produção da TV Cultura, e da parte deles, não houve restrição, mas eles mesmos advertiram-nos que dificilmente outras emissoras o veiculariam, por ter sido uma produção feita pela TV Cultura. Não tratava-se de uma regulamentação jurídica e formal nesse sentido, mas veladamente, ninguém aceitaria, por algum tipo de pudor peculiar entre emissoras de TV. Fomos avisados.

Teimosos, solicitamos cópias U-Matic para tentar abordar outras emissoras, mas infelizmente constatamos na prática o que haviam preconizado, pois o clip só foi veiculado mesmo na TV Cultura, infelizmente (alguns meses depois, tivemos uma abertura em outra emissora, enfim, mas falo disso no momento adequado, é claro).

Técnica e esteticamente a falar, fixou-se como uma produção muito simples, eu sei disso. Estava a anos-luz de vídeo-clips luxuosos, portanto caros, que as bandas mainstream do BR-Rock 80's em voga possuíam aos montes, para difundir as suas respectivas carreiras, mas foi o melhor que pudemos fazer e a partir daí, tivemos um vídeo-clip enfim, ou seja, o sonho de consumo de qualquer artista, independente da sua estética, nos anos oitenta.

Eis o vídeo-clip de "Sun City", cuja produção eu descrevi acima.
Ainda incomoda-me o lixão e sempre incomodará, pois definitivamente não associo o Rock aos escombros...

Eis o link para assistir no YouTube:

http://www.youtube.com/watch?v=2cz_mZleBSo

Muitos anos passaram-se, e um novo vídeoclip de Sun City surgiu na internet, produzido por um rapaz chamado, Will "Dissidente".
Esse rapaz tornar-se-ia um verdadeiro historiador da carreira da banda, ao criar o Blog, "A Chave do Sol", que considero o maior museu virtual sobre a carreira da banda, na blogosfera. 

Em 2009, ele editou por sua própria iniciativa, um novo vídeoclip da música, "Sun City". Utilizou o áudio da gravação oficial do LP "The Key" e na minha opinião, a sua edição é muito mais interessante que a produzida pela TV Cultura, no primeiro clip de 1986. Além de ter tido a grande perspicácia em colocar a letra da canção como legenda, a utilização de fotos significativas do problema em questão (apartheid), foi muito feliz.

Will "Dissidente", que além das atividades virtuais, também costuma apresentar shows de Heavy-Metal em São Paulo e Minas Gerais, principalmente

Will não usou nenhuma imagem do vídeo-clip original, e foi sábio nessa escolha, para evitar problemas com a TV Cultura. Mas com isso, não privilegiou o baterista, Zé Luiz, que ficou alijado desse clip, que mostrou o Ivan Busic, em proeminência pelo fato dele ser o baterista mais presente no LP The Key. Outro pequeno vacilo foi mostrar imagens d'A Chave ao vivo, mas na fase de sua dissidência e sem o Rubens, portanto, com Eduardo Ardanuy na formação (eu sou muito enfático nessa questão, inclusive, pois considero tal banda, um outro trabalho, na realidade), mas por favor encarem tais ressalvas como uma crítica construtiva, pois reconheço que o promo é agradável, e encaro-o como um presente do abnegado, Will, um jovem pelo qual tenho grande admiração pelo seus esforços em preservar a memória da banda, com o seu sensacional, Blog A Chave do Sol, que mantém com grande entusiasmo.


Segundo vídeoclip de Sun City - 2009: 
Eis o link para assistir no You Tube:
http://www.youtube.com/watch?v=M3J7LX3NtIA

Concluído e já em exibição na grade da TV Cultura, é claro que o clip de Sun City auxiliou-nos e muito na construção de nossa fama. Foi um elemento a mais, para somar-se aos nossos esforços que vinham de uma luta ao longo de quatro anos. Nessa altura, o telefone estava a tocar com frequência e na ausência de um escritório de representação artística, realmente profissional, trabalhávamos como podíamos para não desperdiçar as oportunidades. 

Muitos dos contatos que apareceram, foram pela via de Luiz Carlos Calanca. Através da gravadora, Baratos Afins, muita gente procurava-nos com propostas para shows, agendamento de entrevistas, produção de Rádio e TV e também surgiram propostas bizarras, como muitas que eu já revelei anteriormente.

Todavia, faltou-nos um "manager", um empresário com estrutura, carisma e contatos, que impulsionasse-nos de fato. A nossa experiência com empresários fora péssima até então. 

Lidamos com pessoas em condições para empreender, mas que não enxergaram potencial em nós, aventureiros completamente despreparados, e até lunáticos. Particularmente, o meu sonho de consumo seria contar com o trabalho de Jerome Vonk, como nosso manager. A minha experiência artista/empresário com a sua condução, no meu tempo como componente do Língua de Trapo, fora exemplar, e eu projetava a expansão d'A Chave do Sol em caráter definitivo ao mainstream, com o seu dinâmico trabalho em nosso favor. 

Mas isso nunca ocorreu, e hoje em dia fica claro para a minha percepção, que ele jamais enxergou potencial Pop/comercial na banda, e daí a sua recusa para vestir a nossa camisa. Agora, a aposta seria nessa dupla de jovens radialistas, Renê e William, que sinalizavam-nos ideias e dinamismo para concretizá-las. 

O show no Ginásio do Palmeiras seria realizado com um porte que os credenciava nesse sentido, aparentemente. Então, estávamos a pagar para ver, e a sua produção correu nesse mês de abril de 1986...

Independente dessa dupla de jovens empresários vir a firmar-se e trabalhar efetivamente conosco a posteriori, nós tomamos uma resolução interna. 

Pensamos em criar uma espécie de autogestão empresarial, para abrir espaço para pequenas autoproduções, que poderiam correr em paralelo, independente de dar certo ou não com esses rapazes, ou outro empresário que aparecesse em nossa trajetória. 

Como eu disse anteriormente, estávamos muito apreensivos quanto a demora em não providenciar alguém competente ou minimamente astuto para aproveitar o "momentum" da banda, portanto, resolvemos dar esse passo, internamente a falar. E a primeira ação que tivemos nesse sentido, foi a de produzir um show no interior de São Paulo, uma semana depois do show que faríamos no salão de festas do Palmeiras, na capital.

Foi uma oportunidade para testar a nossa capacidade de autogestão, e não foi à toa que escolhemos a cidade de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, para fazer esse show teste, como esforço em regime de autoprodução. 

Sob uma primeira instância, claro que pareceu ser uma loucura produzir um show fora de São Paulo e o foi mesmo. Contudo, tínhamos fortes indícios de que uma produção ali seria uma certeza de sucesso, em termos de perspectiva de lograrmos êxito. Por que?

Primeiro por que havíamos feito um show em 1985, naquela mesma cidade e ali constatamos que tínhamos muitos fãs locais. O segundo ponto, foi que havíamos feito três shows na cidade vizinha, Atibaia-SP, também entre os anos de 1983 e 1984, e lá também havia um público Rocker. 

Em Atibaia tínhamos o apoio de um fã abnegado, chamado Hélcio Junior, que inclusive eu citei muitas vezes quando comentei sobre fatos ocorridos em 1984, muitos capítulos atrás. E um outro fator, em Bragança Paulista-SP, não seria diferente nesse aspecto de apoio local, com o apoio de um grande fã, que tornou-se amigo e roadie da banda, logo a seguir, ainda em 1986, o saudoso, Eduardo Russomano. 

Esse rapaz morava em São Paulo, mas a sua cidade natal era Bragança Paulista e lá, ele conhecia a cidade inteira, na maneira popular de se dizer, principalmente a comunidade Rocker da cidade. 

Ao ir além, ele conhecia Rockers das cidades vizinhas, também, como Atibaia, Socorro, Piracaia e Extrema, esta no estado vizinho de Minas Gerais, pois ali em Bragança Paulista, é muito perto da fronteira entre os dois estados, São Paulo e Minas. Então, baseado nesses fatos, achamos que seria uma experiência boa testar a nossa capacidade auto-gerencial e resolvemos bancar essa loucura.

Para tanto, criamos uma "empresa" e se a experiência desse certo, daríamos o passo para legalizá-la em todos os trâmites governamentais, cartorários e fiscais, para torná-la o nosso escritório próprio de gerenciamento. Se arrumássemos um empresário de maior envergadura e claro que essa sempre fora a nossa meta, o escritório próprio ficaria no estado de suspensão, mas sempre estaria a postos para entrar em ação, em qualquer missão. 

Na verdade, o escritório já existia, pois em todas as ações do fã clube que eram tocadas por eu e Zé Luiz, nós usávamos as instalações do consultório dentário do pai dele, em Pinheiros (bairro da zona oeste de São Paulo), que tinha em anexo, uma estrutura de escritório, com arquivos, máquinas de escrever e material de papelaria a vontade para usarmos, sob uma gentileza de seu progenitor, o simpático Doutor Dinola. 

Com tal estrutura, não só gerenciávamos o fã-clube, como as ações de divulgação da banda saíam dali, na falta de uma assessoria de imprensa profissional. Então, a estrutura para o escritório de representação já estava lá, montada, e em pleno uso, desde 1983...

Dessa forma, eu e Zé Luiz criamos o "Núcleo ZT", um nome fantasia que designava por iniciais os nossos nomes, prosaicamente a falar, é claro, pois "Z" era de "Zé" e "T", de "Tigueis" (aquele apelido infeliz pelo qual fui conhecido naquela época). 

Abro um parêntese, neste ponto, pois acho oportuno, como constatação, deixar essa observação histórica: entre janeiro e abril de 1986, não fizemos shows, mas realizamos ações importantes em prol da banda. Como por exemplo:

1) Preparamos uma demo-tape com seis músicas inéditas.
2) Filmamos um clip para a música, "Saudade".
3) Filmamos e lançamos o clip de "Sun City".
4) Envolvemo-nos na produção do show no Palmeiras.
5) Criamos o "Núcleo ZT".
6) Começamos a produção do show em Bragança Paulista.
7) Fomos ao Rio de Janeiro abordar gravadoras majors, com a nossa demo-tape em mãos.
8) Continuamos a trabalhar fortemente no fã clube (e logo mais nesta narrativa, eu falarei com detalhes sobre a criação do informativo do fã clube, que fez sucesso entre fãs!). 


Em suma: trabalhamos intensamente!

Com o apoio do amigo/fã/roadie, Eduardo Russomano, mobilizamo-nos e a sua primeira dica foi sobre um pequeno salão pertencente a uma associação cultural formada por descendentes de japoneses. Segundo o Russomano, a localização mostrava-se muito boa, próxima do centro da cidade de Bragança Paulista, e tinha uma vantagem, aliás duas:

1) Ele conhecia pessoas da diretoria de tal associação.
2) Sabia de antemão que o aluguel ali cobrado para a realização de eventos, era barato.


Com tal afirmativa, fechamos com a Associação Nipo-Brasileira o aluguel do seu salão de festas e checamos orçamentos para a locação de equipamento de PA e iluminação na região. Se fosse da própria cidade, melhor ainda para minimizar custos. Fechamos um apoio na emissora de rádio local, sem ônus, com chamadas grátis, em troco de patrocínio, nos cartazes e faixas que mandaríamos fazer e espalhar pela cidade.

Em São Paulo, eu conversei com o Calanca, e consegui apoio da Baratos Afins, que viabilizou uma verba, e assim pagamos a despesa de gráfica para confeccionar o material. As faixas, mandamos fazer na própria cidade, e obviamente que eles detinham todo o esquema para colocá-las nos principais pontos da cidade.

Parecia tudo azeitado e esperávamos uma bilheteria forte que cobriria a despesa com o equipamento alugado, a nossa viagem e pequenas despesas com alimentação. O Zé Luiz foi duas ou três vezes até Bragança Paulista no mês de abril (fora a viagem para o Rio, já citada!), de moto, onde preparou toda a produção e entregou o material a conter cartazetes, ao amigo Russomano, que prontificou-se a espalhá-lo com a ajuda de seus amigos pela cidade.

Ficou-nos a impressão de que seria uma produção que daria um impulso ao Núcleo ZT, e tal ação aconteceria logo após o show no Ginásio do Palmeiras, portanto a impulsionar-nos novamente em um embalo de apresentações. 

Entretanto, para corroborar a máxima que eu sempre cito, "o telefone estava a tocar" para nós, nessa época. Por exemplo, houve mais um convite para participarmos do programa "Realce", da TV Gazeta de São Paulo. Aconteceu no dia 17 de abril de 1986. 

Desta vez, foi ainda mais hilária a nossa participação, pois antes de entrarmos no cenário, o Mister Sam estava a gravar uma entrevista com duas garotas que eram modelos profissionais e com certa fama no meio. Essas moças falavam sobre sua carreira etc. e tal, e claro, eram lindas e muito insinuantes em seus trajes que valorizavam-lhes as suas curvas femininas. Quando acabou a gravação delas, o Sam, naqueles seus improvisos louquíssimos e repentinos, pediu para que elas participassem da nossa gravação, e elas aceitaram... contudo, o que fariam?  

Pois é, foi hilário dublar com as duas a dançarem aquelas canções, sem a menor noção, claro, por não estar acostumadas com o Rock pesado. Digno de nota, no camarim do estúdio da TV Gazeta, encontramos com o pessoal do “Ira”, que também gravaria participação no programa. Infelizmente, não existe registro em vídeo dessa aparição. Se surgir uma cópia, obviamente que posto no YouTube, imediatamente. 

E mais um convite inesperado e irrecusável novamente colocou-nos em uma espécie de situação indelicada. Uma nova versão do evento conhecido como "Praça do Rock" ocorreria. Mas seria em outro espaço, pois os moradores do entorno do Parque da Aclimação haviam organizado um abaixo assinado e com a intervenção de políticos famosos do bairro (até deputado federal intrometeu-se na questão), eis que pressionaram a prefeitura e dessa forma, o evento fora cancelado naquele seu espaço tradicional.

Todavia, os seus abnegados produtores não conformaram-se e mediante pressão exercida na Secretaria Municipal de Cultura e na Paulistur (o departamento de eventos turísticos & culturais da Prefeitura de São Paulo), tratou-se por achar uma solução, ainda que amargasse um hiato com meses sem a realização do evento, a esperar a burocracia oficial tomar uma posição. Então, ficou determinado que a nova versão da "Praça do Rock" realizar-se-ia doravante no Parque do Carmo, um imenso parque público (muito maior que o Ibirapuera que já é gigante por si só), localizado no bairro de Itaquera, na zona leste de São Paulo.

O produtor musical, Antonio Celso Barbieri, que costumava apresentar as edições da "Praça do Rock", quando realizadas no Parque da Aclimação
 
Foi muito bom a cúpula de sua organização ter lembrado-se de nós, e convidado-nos para fazer parte dessa nova fase do evento, em um espaço novo. Mas o tal constrangimento estava concretizado, pois a data do evento ocorreu um dia após o show do Palmeiras, portanto, o nome d'A Chave do Sol a constar da divulgação dessa edição, fora um constrangimento para nós, perante os produtores do show do Palmeiras. 

Isso por que, foi óbvio que esse show da Praça do Rock fora marcado bem depois e nós sabíamos que eles ficariam bravos conosco, pois todo o empenho fora feito em prol desse show e não teria cabimento empenharmo-nos em divulgar o outro, que seria em caráter gratuito. 

Enfim, repetimos a mesma situação de 1985, quando tocamos em um sábado no Sesc Pompeia, e no domingo participamos a Praça do Rock com entrada gratuita. Falo agora sobre o show no Palmeiras, e retomo essa história da Praça do Rock e de Bragança Paulista, na sua cronologia, a seguir.

Mesmo envolvidos com diversas frentes de trabalho simultaneamente, não perdemos de forma alguma o foco no show que faríamos no Ginásio do Palmeiras. Pelo contrário, estávamos bastante motivados e a acreditar que o sucesso de um show desse porte, abriria muitas portas para nós, e quiçá sedimentaria a parceria com a dupla de empresários da "Galeria Produções", o nome do escritório de Renê e William. 

Queríamos mais é que eles prosperassem, e de fato o seu escritório crescesse ao ponto de investir em nós, para gerenciar a nossa carreira. Então, apesar de estarmos envolvidos em tantas atividades, simultaneamente, foi evidente que o foco maior centrou-se nesse show do Palmeiras, nessas semanas que antecederam-no, no mês de abril de 1986.

Bem, no "Brainstorm" inicial, muitas ideias mirabolantes foram colocadas para incrementar visualmente esse espetáculo, mas é evidente que não reuniam condições para concretizarem-se. Foi simples a equação: sem dinheiro, sem delírios. Portanto, ter outdoors com grande porte nas ruas, chamadas em emissoras de Rádio e principalmente na TV, mostrara-se impossível. Sendo assim, dentro de uma realidade plausível, respaldada pelos pequenos patrocinadores arregimentados, ao menos o trivial foi providenciado, com filipetas, cartazetes & lambe-lambe.
Nos anos oitenta, ainda era possível mandar notas para as redações dos grandes jornais mainstream e obter êxito, mesmo sem ter vínculo com a estrutura de uma assessoria de imprensa profissional, dessa forma, muitas notas saíram publicadas nos jornais e revistas mais importantes de São Paulo, fora publicações de menor porte (jornais de bairro, por exemplo), e na imprensa especializada, e claro que comemoramos esse reforço. 

Apesar de estar marcado para um dia que emendava-se a um feriado prolongado, tínhamos a informação que o evento estava bem comentado e que ingressos antecipados estavam a serem vendidos em bom número.

Teria tudo para ser um bom evento, e de fato, o foi! Ao chegar a semana do show, estávamos bem ensaiados e motivados para o espetáculo. 

Paralelamente, tínhamos equacionado as outras frentes de trabalho e estávamos tranquilos para o show da semana seguinte em Bragança Paulista, a nossa primeira aventura em torno dos esforços empreendidos pelo "Núcleo ZT", mas não tratou-se da primeira vez que aventurávamo-nos na autoprodução, pois em 1983, já havíamos feito isso (relatado com detalhes, muitos capítulos atrás). 

Fomos para o Ginásio do Palmeiras no horário combinado para a realização do soundcheck e lá montamos rapidamente o equipamento de palco. O PA contratado foi de porte, e da parte de uma empresa fidedigna do mercado, portanto ficamos tranquilos por verificar que nos quesitos do som e iluminação, seriam de qualidade.

Mas o backline (equipamento de palco), no entanto, não fora alugado, portanto, o arranjo foi em ritmo de cooperativa, com as quatro bandas a unirem-se para suprir o palco em regime comunitário com os melhores amplificadores possíveis para que todos usassem-nos. 

No caso da bateria, nem seria o caso de ser a melhor, mas optou-se pela permanência de uma bateria com Kit grande, pois era uma necessidade das outras bandas e o Zé Luiz aceitou usá-la, apesar de tradicionalmente usar um Kit simples, com dois tons e um surdo apenas, na sua carcaça básica.

Fora disso (e não foi nada problemático para ninguém), o palco ficou adequado para todos, sem insatisfações da parte de nenhuma banda. 

E de fato, o clima foi marcado por muita camaradagem entre as bandas, aliás, não haveria de ter sido de outra forma. O telão previsto estava providenciado, igualmente. Na ante-sala do show, seriam exibidos vídeos com bandas internacionais apreciadas pela maioria, e eu comemorei internamente o fato de que haveria em predominância, várias opções setentistas previstas na programação, visto que a tendência seria a de se exibir vídeos com bandas modernas de então, e voltadas ao Heavy-Metal. 

Tudo parecia estar azeitado, e eu não posso deixar de mencionar que tive o meu "deja vù" pessoal ali dentro daquele grande salão de festas...

O Boca do Céu, a minha primeira banda, em foto de 1977, com a formação que tocou no Festival Fico, no Palmeiras, nesse referido ano. 

Isso por que significara muito para a minha percepção estar a apresentar-me com uma banda autoral naquele espaço, visto que apenas nove anos antes, eu fui apenas um sonhador adolescente a apresentar-me ali, em duas eliminatórias do Festival FICO, de 1977, com a minha primeira banda o Boca do Céu (história amplamente contada no capítulo dessa banda). 

Foram tempos desbravadores e mágicos. Ao mesmo tempo em que eu engatinhava na música, sob todos os aspectos, foram os últimos momentos da vibração Hippie que ainda ecoava por aqui no Brasil, sob a chancela do atraso. Então, embalado pelo sonho sessentista anacrônico, lá estava eu naquele salão, em 1977, a ambicionar ser um Rocker, mas sob a aspereza de lutar contra os meus parcos recursos técnicos. Eu era apenas um sonhador com muita vontade para mergulhar nesse universo, mas sem nenhuma condição técnica minimamente razoável, e desprovido de talento bruto e nato. Foi pura vontade, só isso...

                          Eu, Luiz Domingues, em foto de 1978
 

Portanto, eu fui acometido por uma emoção interior, enquanto andava naquelas dependências nessa tarde de maio de 1986, pois nesse novo instante eu sabia tocar, tinha uma banda que estava a fazer sucesso (claro, dentro dos parâmetros do patamar underground, tinha a plena consciência disso), e estava ali para fazer um show com um público 100% interessado em ouvir-me, e não a concorrer como um ilustre desconhecido em um Festival Colegial e pronto a ser hostilizado por cinco mil adolescentes mal-intencionados e exclusivamente preocupados em praticar bullying coletivo contra qualquer um que subisse naquele palco. 

Foi portanto, uma vitória e tanto para quem só tinha um sonho em mãos, e nesse caso, senti-me muito bem nessa breve e secreta epifania que eu tive ali, naquela tarde. Mas nem tudo foram flores, pois ainda nas dependências do Palmeiras, eu fui vítima de uma pequena ação de "bullying"...

Bem, após realizarmos o nosso soundcheck, resolvemos dirigirmo-nos à lanchonete interna do clube, normalmente só frequentada pelos sócios do mesmo. Estávamos acompanhados de outros músicos de outras bandas, menos o pessoal do "Abutre", que estava a realizar o seu soundcheck naquele instante. 

Eis que aproximamo-nos da lanchonete e enquanto fazíamos pedidos ao garçom, ouvimos um grupo de mulheres a falar alto propositalmente, para que ouvíssemos: -"este clube já não é o mesmo... olhem os tipos que deixam entrar aqui"...

Ninguém respondeu e continuamos a comer, beber e conversar animadamente entre nós, e de fato, que episódio triste ouvir desaforos gratuitos daquelas senhoras pequeno burguesas. O que melhor poderíamos ter feito, fizemos, ou seja, ignoramos retumbantemente a provocação. Encerrado o lanche, voltamos ao salão de festas, não sem antes ver de longe a fila formada, que mostrava-se enorme, formada por fãs das bandas que já aglomeravam-se no portão principal do Parque Antártica, na rua Turiaçu (hoje em dia, Rua Palestra Itália).
Nesse momento, o presidente do Palmeiras na ocasião, Nelson Duque, passou por nós e foi à portaria, acompanhado de seguranças. Pudemos ouvir muita gritaria quando ele foi reconhecido pela multidão e logo um improvável coro irrompeu, a quebrar toda a ideia de que aquele bando de cabeludos ali supostamente interessados em assistir um show de Rock, não acompanhasse o futebol, pois eis que começaram a gritar: -"Presidente, não vende o Mirandinha"...

Tratava-se de um atacante que jogava no Palmeiras naquela ocasião, e naquele momento estava a gerar polêmica na imprensa esportiva, porque estava-se a especular a sua venda para um clube do exterior. Foi muito surpreendente ouvir tal coro, pois não obstante o fato de que acompanhavam futebol, denotou-se que haviam muitos palmeirenses na fila. Realmente o Mirandinha não saiu do Palmeiras naquele momento, mas logo a seguir, seu "passe" foi vendido de fato, com tal jogador a ir atuar no clube, "Newcastle", da Inglaterra...
 

Já começava a escurecer, quando recolhemo-nos aos camarins. A primeira banda da noite foi o "Salário Mínimo" e por uma passagem reservada, conseguimos sair do camarim para assistir um bom pedaço do show deles em um camarote reservado para a produção do show.  

A carga do público ainda não se mostrara como máxima quando tocaram, mas foi bastante significativa, e assim ficamos animados por verificar que o fluxo de pessoas a chegar, não parava, a denotar que teríamos um ótimo público nessa noite. O som e a iluminação estavam bons, e o palco estava bonito, mesmo com o backline ao estilo "Frankenstein" que fora montado na base da cooperação entre as bandas.

Voltamos para o camarim e começamos a arrumarmo-nos ainda com o "Abutre" no palco, e haveria o show do "Centúrias" para aprumarmo-nos. Nesse show, teríamos uma novidade sensacional. 

O irmão do Beto Cruz, o baixista do "Harppia", Marcos Cruz, que já mostrava-se um experiente vendedor de instrumentos vintage no mercado paulistano naquela ocasião, havia oferecido uma guitarra Gibson SG de dois braços, ano 1966, para o Rubens. A vontade de comprar foi imensa, e a torcida da banda para que ele a adquirisse, idem, mas ela custava uma exorbitância, e o Rubens não poderia comprá-la naquele momento.

Mas, mesmo assim, o Marcos emprestou-a para que o Rubens a usasse no show. Claro, a guitarra ficou por volta de dez dias nas mãos do Rubens, e ensaiamos com ela para que ele se adaptasse.

Seria para tocar as canções, "Um Minuto Além" e "Crisis (Maya)", apenas, com o restante do show sendo conduzido pelas guitarras usuais do Rubens, naturalmente. Mas confesso, o som da Gibson, principalmente no braço de doze cordas, mostrou-se inacreditável, e assim, os arpejos de "Um Minuto Além" soaram com um brilho incrível! Foi como se a nossa música tivesse ganhado ares de "Stairway of Heaven", fora a beleza visual que ela ostentou, com aquela cor de vinho, a lembrar ipsis litteris, a guitarra do Jimmy Page. Depois de preparados, só restara-nos esperar a hora de subir ao palco.

Quando entramos no palco, pudemos verificar que o público mostrava-se muito bom e concentrado, coeso, formado por pessoas que eram realmente fãs, e estavam ali para ver as bandas do festival. Só a gritaria que fizeram quando entramos, já denotou isso fortemente e claro que estávamos motivados para fazer uma bela apresentação. E o foi mesmo... tocamos com muita animação, a explorarmos bem todos os espaços do palco e com muita desenvoltura. "Um Minuto Além" tocada com a guitarra Gibson SG de dois braços, arrancou suspiros. De fato, a sonoridade dos arpejos nessas circunstâncias, ficou magnífica!
Áudio da nossa execução da música, "Um Minuto Além", nesse show do Palmeiras. Captura de época: Claudio Cruz. Produção para Internet em 2015: Will Dissidente e Edgard "Bolívia Rock" Franz.

Eis o Link para ouvir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=3Q5jl3SaoQQ
Fotos recentemente postadas na Rede Social Facebook (2016), por um dos produtores desse festival em que tocamos no Palmeiras. Clicks, acervo e cortesia de Rene Mina Vernice

Além de "Um Minuto Além" que arrancou suspiros com essa sonoridade especial devido ao uso de uma guitarra de doze cordas, "Crisis (Maya)", também ficou muito bonita com toda aquela sequência de acordes iniciais e finais, executadas mediante o uso dessa guitarra maravilhosa.
Mais fotos recentemente postadas na Rede Social Facebook (2016), por um dos produtores desse festival em que tocamos no Palmeiras, em 3 de maio de 1986. Clicks, acervo e cortesia de Rene Mina Vernice

"O Que Será de Todas as Crianças?", mesmo com aquele andamento equivocado, foi muito aplaudida pelo público, além de "Sun City".

Foi um de nossos primeiros shows a imprimir um repertório completamente renovado, mas revelou-se extraordinário notar como tais músicas novas já caíram no gosto do público, quase que por apagar-se da memória o repertório peso pesado da fase do vocalista, Fran Alves, conosco, a não ser pela inclusão de "Um Minuto Além", que continuava querida e muito pedida pelo público e "Crisis (Maya)", do repertório antigo da banda, desde os seus primórdios. 

O mesmo pode dizer-se em relação ao Beto Cruz, como novo membro. Ao contrário da rejeição que o Fran sofrera, infelizmente, o Beto demonstrou contar com um grau de aceitação muito grande, para não dizer total, e as opiniões que chegaram até nós, foram positivas, ao dar conta de que encontráramos enfim o vocalista adequado, após tantas mudanças sistemáticas.

Ao analisar com o famoso distanciamento histórico, digo que realmente chegamos perto do ideal como banda sob aspiração Pop a visar o mainstream, com essa formação, e para corroborar tal tese, digo que existe um verdadeiro contingente de fãs da banda que acintosamente prefere essa fase Hard-Rock, e outra que gosta do Power-Trio ao estilo do Jazz-Rock, predominantemente. 

Poucos lembram com saudade da formação com Fran Alves, e quase ninguém lembra-se dos primórdios pré "A Fábrica do Som" (e curiosamente, essa é a minha fase predileta). Enfim, nesse show do Palmeiras, comemoramos uma grande performance, e animamo-nos com as perspectivas geradas pelo repertório e nova formação.

Estávamos com uma boa demo-tape em mãos, perspectivas para shows, mais inserções de mídia, e o melhor de tudo: o telefone estava a tocar! Em breve falarei detalhadamente sobre as boas propostas que estavam a surgir com frequência muito forte, para nós. 

Para encerrar o assunto desse show no Palmeiras, apesar de ter sido uma ótima apresentação, os dois jovens empresários amargaram um resultado financeiro não muito bom.

O fato, foi que os patrocínios que haviam conseguido não garantiram a cobertura total das despesas arroladas. O resultado da bilheteria, com cerca de dois mil pagantes, foi ótimo, mas nas expectativas deles, contavam com pelo menos três mil e quinhentas pessoas para pagar tudo, e alavancar a próxima investida que desejavam fazer em uma cidade da região do ABC. 

Provavelmente teria acontecido no Clube Aramaçan, tradicional por receber grandes shows de Rock em Santo André-SP (Até o Deep Purple tocaria nesse clube, no futuro dessa cronologia que descrevo). 

Enfim, diante desse quadro, os dois jovens recuaram e adiaram o projeto de continuidade. Estavam a postergar o show de Santo André, e o projeto dos quatro clips que produziam para as bandas, foi congelado momentaneamente, também. Mas o tempo pôs-se a passar e os dois rapazes adiaram os planos, até que pararam de ligar, e sumiram do mapa, a denotar desistência absoluta do projeto.

Cerca de seis anos depois, A Chave do Sol já nem existia mais, e eu estaria no Pitbulls on Crack, no avançar dos anos noventa, quando o baterista do Centúrias, o meu amigo, Paulo Thomaz, ofertou-me uma cópia do show d'A Chave do Sol no Palmeiras, com o copião bruto, sem edição das duas câmeras do palco. 

Tal cópia chegara às suas mãos, com o material do Centúrias, e o nosso em anexo, e ele gentilmente deu-me uma cópia só com o material d'A Chave do Sol. São trechos cortados, sem edição, e em alguns momentos com falhas, mas é um registro histórico. 

Foi assim o "Metal 4", onde tocamos para um público estimado em duas mil pessoas aproximadamente, na noite de 3 de maio de 1986, um sábado de outono.

Eis abaixo, o vídeo com dezessete minutos de um copião bruto desse show d'A Chave do Sol no Palmeiras em 3 de maio de 1986. Produção de Rene Mina Vernice e William para a "Galeria Produções" e uma produção para a Internet em 2016, de Jani Santana Morales.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=AuwvAON9Jh0

No dia seguinte, teríamos um outro show sob grande porte para cumprir: Praça do Rock, com endereço novo, no Parque do Carmo, na zona leste de São Paulo.
Fora a nossa quarta participação em tal evento, mas desta feita ele foi realizado em um outro endereço, pois a pressão dos moradores do bairro da Aclimação, foi forte e mediante abaixo-assinado e bedelho de políticos identificados com o bairro, quando um vereador, um deputado estadual e até um deputado federal colocou a mão pesada em cima, ficou difícil para os organizadores manter o simpático e histórico Parque da Aclimação, como palco do evento.

Dessa maneira, a solução encontrada pela Paulistur (a empresa paulistana de turismo, subordinada à prefeitura de São Paulo), foi deslocá-lo para o Parque do Carmo, localizado no bairro de Itaquera, na zona leste da cidade. 

Por ser um parque gigantesco, com área maior que a do Ibirapuera, naturalmente que a tendência seria a de não incomodar a vizinhança, mesmo por que, o som de um PA, mesmo com potência absurda para alimentar show de Rock internacional em estádios de futebol, mal seria escutado no parque inteiro. Hoje em dia, aquela região desenvolveu-se muito, mas trinta anos atrás (1986/2016), a locomoção era difícil para chegar-se em tal parque. O metrô passava longe, e só restavam linhas de ônibus ou carros particulares/táxis para poder acessá-lo.

O equipamento que a Paulistur disponibilizou foi digno, porém inadequado para a imensa área livre onde o público aglomerar-se-ia para assistir. Se realmente lotasse aquela área, receio que as fileiras colocadas mais distantes do palco, receberiam a carga sonora de um som embolado, fora de sincronia (graças ao "delay"), e com volume baixo, a irritar as pessoas. 

O palco se mostrou bem simples, por tratar-se de uma armação daquelas improvisadas e montadas para eventos em praça pública, notadamente para abrigar pequenos comícios políticos. Não havia equipamento de iluminação e a determinação seria tocar com a luz natural do dia, tão somente. Eu não importo-me em tocar ao vivo, e ao ar livre sob a luz natural diurna, mas claro que fazer um show com o recurso da iluminação causa outro impacto, totalmente diferente, e evidente que eu vou preferir, se eu puder optar.

Enfim, foi mais um a oportunidade que aceitamos a observar a máxima que prega: "pegar ou largar", e nós julgamos ser bom aceitar como mais uma oportunidade de show/divulgação, com perspectiva de grande público. 

Como eu já observei anteriormente, houve um conflito instaurado por termos aceitado participar desse evento em caráter gratuito para o público, pela óbvia razão de que na noite anterior fizéramos um show no Palmeiras, com cobrança de ingressos. 

Certamente que muita gente que esteve nesse show da Praça do Rock deva ter optado por assisti-lo e deliberadamente não foi ao Palmeiras para ver-nos, a pagar. Contudo, houveram shows de outras três bandas no Palmeiras e no Parque do Carmo, tocaríamos com outras três diferentes, portanto, teoricamente o sujeito que economizou ao não ver-nos no Palmeiras, perdeu as outras bandas que não tocariam no domingo. 

O clima no Parque do Carmo estava bom quando chegamos. Confraternizamo-nos com o pessoal do Harppia, do qual éramos amigos, há tempos. Não lembro-me quem eram os membros da outra banda, "Expresso Paulista", no entanto.

Não houve tempo para um soundcheck decente, pois sendo um parque público, quando mal os técnicos ainda terminavam de montar o PA, já havia uma boa plateia a espreita, e ao menor sinal de som, mesmo com os testes preliminares para afinação do estéreo do PA, já tendia a agitar, ao pensar que o show estava prestes a iniciar-se, e essa euforia desmesurada, sempre atrapalha muito o processo. 

Então, um ajuste mínimo e certamente insuficiente foi feito e logo pressionaram o "Expresso Paulista" a entrar no palco e começar a sua apresentação. A minha lembrança sobre o som dessa banda é bastante vaga, pois eu estava nos bastidores a conversar com os amigos, e mal fui olhar o movimento por trás dos amplificadores. 

Remotamente lembro-me de que o som deles pareceu-me anacrônico para os anos oitenta, mais a denotar ser influenciado pelos Rolling Stones, ainda que sob uma versão mais "modernosa" de Jagger, Richards & Cia, ao assemelhar-se com o som da banda britânica, no Pós LP "Tatoo You". Para o meu gosto pessoal, claro que fora um oásis ver alguém naquela década a demonstrar gostar dos Rolling Stones, e não do Iron Maiden ou do New Order, mas se fosse o som dos Stones na fase do LP "Black and Blue" para trás, para o meu gosto pessoal teria sido muito mais agradável... enfim...

O Harppia tocou a seguir e um pouco antes dos amigos entrarem no palco, vimos o ônibus do "Metalmania" a chegar. Tratava-se da banda do Robertinho do Recife, um tremendo guitarrista, que fora sideman de inúmeros artistas importantes da MPB setentista, e agora tentava impor-se como guitarrista de Heavy-Metal. 

Foi exótico para todo mundo, ver alguém que habitara o mundo mainstream, ainda que como sideman, a tentar emplacar-se em um outro mundo que notoriamente estava alojado no underground, mas por outro lado, mostrava-se até como uma esperança por dias melhores para nós que vivíamos em tal patamar inferior, verificarmos que alguém que vinha de cima estava a apostar nessa perspectiva do Rock pesado.

                 O Metalmania, de Robertinho do Recife & Cia.

Naquele momento, achamos a postura dele e da banda, arrogante, pois os seus membros permaneceram dentro do ônibus, ao transparecer não querer confraternizar-se conosco no mesmo camarim. 

Somente o seu empresário e roadies passaram a circular, para checar o equipamento e demais pormenores, e nitidamente a reforçar a ideia de que os componentes da banda só desceriam do veículo na hora de subir ao palco. Ao analisar tal atitude hoje em dia, acho a postura normal, pois não havia uma estrutura adequada com camarim confortável para acomodar todos os artistas e assim, usar o seu ônibus próprio como refúgio, não teve nada demais. 

Anos depois, eu mesmo fiz isso muitas vezes quando fui membro da Patrulha do Espaço, ao aguardar para tocar em situações onde o nosso próprio ônibus indicava ser o lugar mais seguro e confortável possível para se aguardar a subida ao palco.

O vocalista do "Metalmania", Luciano, ou "Lucky" Luciano, como queira, que tornou-se meu amigo no Rio de Janeiro, anos depois

A reforçar, cerca de quatro anos depois, tornei-me amigo do vocalista do Metalmania, Luciano, por conta dele ser amigo da minha namorada na ocasião, e muitas vezes reunimo-nos para ouvir um som na casa da minha namorada, e prosear por horas a fio. E aí, constatei que o amigo era gentil, não tinha nada de arrogante, e aquela postura no Parque do Carmo, fora absolutamente normal. 

O Harppia saiu do palco e os nossos amigos reclamaram muito da monitoração. Se esse quesito é complicado até quando faz-se um soundcheck eficiente e o técnico é da sua própria equipe, o que dizer de shows coletivos, sem soundcheck, e com a operação a cargo de um técnico estranho? 

É óbvio que o sujeito vai deixar tudo "flat" e montar um monitor muito básico, sem chance de preocupar-se em arrumar o desconforto gerado aos músicos, no meio do seu show, mesmo que você peça para ele tomar alguma providência emergencial.

E assim foi o nosso show, também, com bastante dificuldade de monitoração. A nossa sorte, ou melhor, o nosso grande trunfo, residiu no fato de que A Chave do Sol foi uma banda que tendia a não errar ao vivo, pois ensaiava muito. Estávamos sempre em excelente forma e seguros, portanto, mesmo sob condições insalubres de sonorização, foi raro ficarmos perdidos ao vivo. 

Na determinação e na resignação, fizemos o show e arrancamos aplausos do público. Claro que a maioria ali presente mostrava-se como fã de Heavy-Metal, mas houve bastante fãs d'A Chave do Sol e nesses termos, foi uma plateia muito boa, mesmo que não eufórica, como houvera sido na nossa participação anterior no evento, em 1985, ainda com a presença do vocalista, Fran Alves, na formação. 

Essa nova edição da Praça do Rock em outro parque, teve curta duração pois a proposta com quatro bandas no evento, e toda a produção a pressionar para terminar antes do início do crepúsculo, foi determinante para que cada banda fizesse um show de choque. E não ficamos para ver o Metalmania, pois ficamos chateados com a postura deles que julgamos arrogante nos bastidores. Hoje eu sei que não tem nada a ver, e mesmo no início dos anos 1990, já pensava dessa forma, e ao narrar essa história para o Luciano, demos boas risadas juntos sobre tal fato. 

E assim foi a nossa participação, pela quarta vez no evento: "Praça do Rock". Foi na verdade, a última vez em que participamos. No ano de 1987, houve a cogitação de uma quinta participação, mas que não concretizou-se. Bem o que relatei ocorreu então no dia 4 de maio de 1986, no Parque do Carmo, localizado no bairro de Itaquera, zona leste de São Paulo. Segundo estimativa da Polícia Militar, haviam cerca de cinco mil pessoas presentes no local. Mas como a área era gigantesca, pareceu-nos que havia pouca gente, pela dispersão em proporção ao vasto campo. 

Infelizmente, não tenho nenhum material fotográfico, audiovisual ou com portfólio, referente a esse show do dia seguinte, no evento Praça do Rock.

O telefone tocava... como eu já salientei outras vezes e perspectivas novas surgiam. Recebemos um convite muito bom da Editora Três, que editava a famosa, Revista Som Três e diversas publicações sazonais sobre música e o Rock em específico, como desdobramentos de seu carro chefe. Se tratavam dos famosos posters de bandas de Rock clássicas, que muita gente que viveu a década de oitenta, há de recordar-se.

Para a minha sorte em particular, apesar de estarmos em pleno ano de 1986, no olho do furacão oitentista, a Som Três privilegiava bandas clássicas setentistas e quando enfocava as tendências, mais contemporâneas de então, pendia para o Rock pesado ao invés da tendência natural que seria a enaltecer o Pós-Punk, que ditava as regras naquela década. 

O Rock internacional mainstream predominava, mas houve um poster desses que foi parar nas bancas de jornais e revistas, onde duas bandas brasileiras com raízes nos anos 1960 e 1970, foram prestigiadas, a tratarem-se do Made in Brazil e da Patrulha do Espaço. Dessa forma, em 1986, a cúpula de tal editora resolveu dar uma nova investida no Rock pesado, desta feita para falar de bandas brasileiras oitentistas que estavam em voga e A Chave do Sol foi uma das bandas sondadas para aparecer em tal publicação.

Daí a concretizar-se teve um tempo com algumas semanas, mas só o fato do telefone ter tocado, já mostrara-se genial, a denotar que em 1986, o esforço empreendido desde os primórdios da banda em 1982, estava finalmente a levar-nos à colheita. 

No momento oportuno falo sobre o dia da sessão de fotos desse poster. O próximo passo foi o show no Clube Nipo-Brasileiro de Bragança Paulista, no interior de São Paulo. Seria o teste de fogo para o "Núcleo ZT!"

De fato, não poupamos esforços para fazer dessa experiência de autoprodução, um sucesso. Com a verba que tínhamos, graças ao patrocínio concedido pela Baratos Afins, conseguimos enfim preparar um material que julgávamos suficiente para promover o show na cidade de Bragança Paulista. 

Tínhamos faixas nos pontos cruciais do centro dessa cidade e no entorno do grande lago que é famoso na cidade, além de cartazetes nos locais estratégicos, selecionados a dedo pelo nosso colaborador, Eduardo Russomano, que era oriundo da cidade, e sabia exatamente onde chamariam a atenção do público alvo que iria ao show, potencialmente.

O Zé Luiz foi várias vezes à cidade, alinhavar contatos de produção e conseguira uma entrevista na emissora de rádio local e testemunhais na sua programação. Verificamos a agenda da cidade, e não haveria nenhum show de Rock concorrente na cidade, nem mesmo atrações Pop do mainstream a apresentarem-se ali, ou nas cidades vizinhas, naquela noite. E a previsão de meteorologia foi de tempo bom, para a noite do sábado em que tocaríamos. 

Portanto, cumprimos todo o "caderno de encargos" de um bom produtor de shows, sem nada em que pudéssemos arrependermo-nos posteriormente e que justificasse um fracasso de público para essa produção... mas...

Chegamos à cidade de Bragança Paulista na tarde do dia do show.
O cronograma estava todo correto e tudo acontecia como o combinado, com o clube aberto, o pessoal do PA e iluminação contratados a trabalhar em seu interior e as faixas espalhadas na cidade, intactas. Apesar de ser uma tarde fria de outono, o tempo mostrava-se bom, o sol predominava e dessa forma, não nos deu nenhum indício de que poderia chover. 

Deixamos os nossos instrumentos no local com os roadies, Edgard Puccinelli Filho e Eduardo Russomano, que a partir desse show acompanhar-nos-ia dali até 1987, com regularidade e fomos para a emissora de rádio local, onde concedemos uma rápida entrevista ao vivo para reforçarmos o convite para o público de Bragança Paulista acompanhar-nos mais a noite. Na passagem de som, tudo ocorreu com normalidade, com apenas um acidente a ser registrado.

Como já explicitei diversas vezes, desde os primórdios da história d'A Chave do Sol, o Zé Luiz fora o nosso coringa para qualquer tipo de serviço emergencial. A sua capacidade criativa para dar um jeito em tudo, sempre fora notável. 

Desta feita, na falta de uma verba para elaborar um cenário que quebrasse a rudeza estética do salão daquele clube, resolvemos levar o cenário que havíamos elaborado para os shows de lançamento do EP, meses antes, no Teatro Lira Paulistana de São Paulo, com exceção do painel do Ser Humano masculino e nu, que realmente não passava a ideia pura de humanismo que imagináramos, mas em um país com mentalidade lasciva como o Brasil, fora objeto pronto para chacotas que desviavam o foco de nossos propósitos, digamos assim. 

Então, a ideia foi usar a parte que dava formato de fechadura, com elevações de uma instalação simples sob cunho cênico, mas que oferecia um belo efeito visual e simbólico ao show. E quem sabia instalar aquilo como peça de cenotécnica?

Pois lá estava o Zé Luiz pendurado em uma enorme escada de pintor de paredes, a trabalhar com uma furadeira, quando um dos roadies foi buscar o tecido, enrolado sob uma enorme bobina de papelão. Ao apanhá-lo, o roadie descuidou-se e a cena que vimos foi bizarra, com a bobina desgovernada em suas mãos, a chocar-se com contundência na escada e a derrubá-la, sem chance para que evitasse-se tal desastre.

Lembro-me em ter chocado-me com a cena, por ver naquela fração de segundos, o Zé Luiz a sofrer uma queda feia, e quiçá para contundir-se com gravidade. 

Mas ele teve um sangue frio extraordinário, pois ao sentir o impacto, largou a furadeira sem pestanejar e manteve-se equilibrado o suficiente para saltar quando a escada quase tocava o piso do palco, a minimizar o efeito da sua queda. 

A sua experiência na Faculdade de Educação Física fizera-o aprender a amortizar quedas, sem dúvida. Então, nada de mais grave ocorreu, nem mesmo com a furadeira que ele jogou no solo, para evitar algo pior. 

Passado esse susto, o soundcheck foi tranquilo, embora no salão vazio, a reverberação tenha preocupado-nos, mas como sabíamos, na hora do show, com um bom público, tal tipo de dificuldade sonora sempre minimizava-se, pois muitos corpos humanos aglomerados, tendem, acusticamente a falar, a abafar a reverberação natural de um salão. Posto isso, agora seria somente descansar, jantar e esperar a hora do espetáculo.

Quando chegamos ao local do show, constatamos que haviam poucas pessoas no recinto, a despeito da noite bonita que fazia, apesar de fria. E a temperatura baixa não seria nenhuma desculpa, pois a pracinha próxima ao grande lago, estava abarrotada de gente jovem, incluso vários Rockers paramentados, que supúnhamos, iriam para o show a seguir. 

De fato, é tipicamente brasileiro deixar tudo para a última hora e em cidades interioranas com pequeno ou médio porte, isso ganha a agravante de que todo mundo o faz deliberadamente, pelo fato das distâncias serem mínimas em cidades de tais dimensões. Mas a nossa esperança de que o público aumentasse pôs-se a diminuir na inversa proporção em que o tempo passou, e a faltar pouco tempo para o horário de início do espetáculo, não houve indícios de que a parca presença de público aumentaria.

E para piorar as coisas, o público presente foi formado em sua esmagadora maioria por headbangers radicais, que muito provavelmente não tinham orientação alguma sobre o que era oi trabalho d'A Chave do Sol. Nem o repertório do EP de 1985, que representara o ponto onde mais chegamos perto do Heavy-Metal oitentista, chegava minimamente próximo do metal extremo que esperavam.

Foi uma turma bastante agressiva, e antes do show começar, estavam a espantar o tédio a arrastar longas correntes de ferro pelo chão e a usá-las eventualmente como chicotes para dar chibatadas nas paredes, para produzir um som horripilante, que faria o grande cineasta norte-americano, Roger Corman, contratá-los imediatamente para trabalhar na sonoplastia de seus filmes de terror, ambientados em castelos medievais. 

Consultamos o nosso roadie, Eduardo Russomano, que era da cidade, e fomos informados por ele, que aquela turma era a dos "headbangers" radicais e que eles costumavam ir em todos os shows de Rock produzidos na cidade, independente do espetáculo ser destinado ao Heavy-Metal ou não. 

Estava bem, então, fora compreensível ao tratar-se de uma cidade interiorana, diferente da capital onde haviam shows para todas as tribos e tendências, simultaneamente.

Mas, onde estava o público Rocker de gosto mais moderado?
Por que não chegavam se a cidade tinha essa tradição de possuir um público significativo com tal gosto musical e a nossa banda em específico, era querida ali? 

Tais perguntas jamais foram respondidas, mas uma lição tivemos ali: o empreendedorismo sofre derrotas inexplicáveis e no ramo da produção artística, muitas vezes fatos dessa monta acontecem. 

Muitos fatores podem decretar o insucesso de um espetáculo: chuva, greves repentinas deflagradas por trabalhadores do transporte público, queda de energia elétrica, shows de grande apelo popular na mesma hora, último capítulo da novela na TV, final de um campeonato de futebol transmitida ao vivo na TV etc. 

Mas na ausência desses fatores, e ao deixar claro que o preço cobrado no ingresso foi extremamente acessível, qual a explicação para o nosso fracasso?

Bem, alheios ao resultado de bilheteria, registrado como aquém de nossas expectativas, subimos ao palco e demos o nosso recado com o profissionalismo colocado acima de nossa decepção. 

Tocamos o nosso repertório normal, e sinto muito se frustramos os apreciadores de Heavy-Metal extremo que ali encontravam-se. Justiça seja feita, apesar de mostrarem-se radicais e não muito preocupados em se portarem de uma maneira educada, eles não hostilizaram-nos, ao respeitar a nossa proposta muito "leve" para os seus padrões extremados. 

Sei que estou a insistir em um lamento sobre um eventual fracasso de público, desde que iniciei esse assunto, mas visto pela ótica atual, de 2016, o número de pagantes ali presentes não caracterizaria um fracasso, propriamente dito. Digamos que esteve aquém do que esperávamos, sem dúvida, mas cento e vinte pagantes não configurou exatamente um fiasco.

Bem, o show ocorreu no dia 10 de maio de 1986. A seguir, faríamos um show no Rio de Janeiro, que reputo ter sido histórico para a banda. 

Mas antes desse relato e para reforçar a máxima de que o "telefone estava a tocar", fomos contatados para concedermos uma entrevista para uma nova revista que entraria no mercado e que teria peso editorial, sem dúvida. E nada teve a ver com o convite para fazer parte de um poster, editado por outra revista, da concorrência, devo esclarecer, pois se tratou de uma outra publicação. 

Programas de TV e rádio chamavam-nos sem que os procurássemos, e a agenda de shows começara a aumentar, mesmo que ainda não possuíssemos um empresário eficiente para cuidar de nós. Nessa metade de 1986, o "momentum" mostrava-se excepcional. 

Acho que muito provavelmente foi o nosso pico com a exposição midiática e gerencial. Artisticamente não foi o melhor momento da banda ao meu ver, mas gerencialmente, acredito que sim. 

Dessa metade, até o final de 1986, acredito que foi o nosso auge como banda emergente, que quase chegou ao mainstream, e daqui para frente, vou relatar vários fatos que corroboram tal impressão.

O fato do show de Bragança Paulista não ter tido o resultado que esperávamos, não desabonara o esforço empreendido pela produção, planejamento e logística do Núcleo ZT. Tudo o que esteve ao nosso alcance, foi feito. 

Principalmente pelo Zé Luiz, que tomou a dianteira de toda a logística na cidade, mediante as dicas valiosas de nosso amigo, Eduardo Russomano. O que ocorreu, então?

Para ficarmos ainda mais irritados com o infortúnio, o Eduardo Russomano contou-nos que durante os dias posteriores, muitas pessoas abordaram-no em Bragança Paulista para perguntar-lhe se A Chave do Sol havia mesmo tocado no sábado na cidade. Ora, esse fato real estava a ser tratado como um boato e as pessoas lamentavam não terem sabido do show!

Como isso fora possível em uma cidade interiorana, com faixas espalhadas pelo centro, cartazes nos pontos cruciais, chamadas na emissora de rádio local, matéria no jornal da cidade e repercussão "boca a boca?" 

Pois aprendemos uma lição importante nesse dia e todo produtor de show sabe bem disso que estou a falar: nem sempre contar com todas as condições favoráveis garantem o sucesso da produção. Principalmente em cidades interioranas, existe esse imponderável, misterioso e incompreensível fator. Demos o azar supremo de enfrentá-lo logo na primeira tentativa da nossa autogestão e esse foi um momento crucial para a banda, pois se tivesse sido um sucesso total tal empreitada, teríamos tomado um outro rumo no aspecto gerencial, eu acredito.

O revés financeiro não foi acachapante mas gerou um abalo no nosso caixa, é claro. Por sorte, o telefone estava a tocar, como tenho alardeado nos últimos parágrafos e perspectivas gerenciais estariam por bater em nossa porta, conforme explicarei logo mais. 

Antes de falar sobre o show significativo que fizemos a seguir, no Rio de Janeiro, comentarei sobre algumas intervenções em emissoras de rádio e TV que tivemos nesse meio-tempo e um importante parêntese para falar sobre o informativo do fã-clube, uma ideia que tínhamos tido ainda em 1984, mas que nessa metade de 1986, transformara-se em uma ferramenta a mais para a nossa divulgação.

Já em termos de TV, fomos participar mais uma vez do programa "Realce", da TV Gazeta de São Paulo. Esse programa, ao lado da extinta "A Fábrica do Som" e do programa de Rádio, "Balancê", da Rádio Excelsior, foram certamente os que mais participamos, com diversas ocasiões arroladas na história da banda. 

Tempo bom (sei que já repeti isso muitas vezes, mas nunca canso-me de enfatizar!), em que a indústria maldita do Jabá ainda não havia dominado tudo, literalmente. Portanto, contar com programas assim, foi fundamental para que tornássemo-nos muito populares, ainda que jamais entrássemos de fato no seleto rol de artistas alojados no mainstream da música profissional. 

Certo, hoje temos a internet, mas naquele tempo, para o artista sobressair-se, seria pela via da TV, rádio e mídia impressa, e não posso queixar-me, por que para uma banda do underground, A Chave do Sol fez muita televisão, rádio e colecionou muitas matérias de jornais e revistas.

Frame da nossa primeira exibição no "Realce" da TV Gazeta de São Paulo, em julho de 1984

Enfim, lá estávamos nós mais uma vez no estúdio da TV Gazeta, a entrarmos na divertida loucura sob improviso, perpetrada pelo apresentador, Mister Sam, um comunicador que sempre foi gentil com A Chave do Sol, também. E uma nova investida no programa "Panorama", da TV Cultura de São Paulo, ajudou-nos bastante a divulgar o show do Palmeiras, sem dúvida. 

Desta vez, a apresentadora, Paula Dip que entrevistara-nos nesse mesmo programa em 1985, não estava mais como âncora desse jornal cultural importante. Quem o comandava naquele instante foi o jornalista, Maurício Kubrusly, que era bastante conhecido na mídia impressa, como editor da Revista Som Três, colunista de vários jornais, e eu lembrava-me dele desde o bom tempo da revista, "Rock, a História e a Glória", nos anos setenta.

Bastante performático, Kubrusly, na noite em que fomos, fez uma matéria inteiramente mergulhado em uma banheira, a molhar-se, literalmente, ao usar apenas uma sunga... bem, não foi nada agradável para se ver, mas foi inusitado, certamente. 

Para a nossa sorte, quando apresentou-nos, ele estava já seco e vestido e a trajar um roupão de banho. No Realce, da TV Gazeta, a nossa aparição aconteceu no dia 17 de abril de 1986, e no Panorama da TV Cultura, dia 23 de abril de 1986. 

Infelizmente, esses dois programas citados entraram para a lista dos perdidos em termos de imagens preservadas. Lamento muito não ter essas imagens disponibilizadas. Foram duas fitas VHS lotadas com aparições na TV, que nós perdemos. 

A nossa próxima participação na TV, só voltaria a ocorrer em setembro desse mesmo ano, e para a nossa satisfação, em outro estado, e até mesmo uma outra região do país. A seguir, falo do jornal do fã-clube, uma investida do Núcleo ZT que deu muito certo.

Desde 1984, quando criamos o fã clube d'A Chave do Sol, empreendíamos esforços para fazer dessa ferramenta, um braço de apoio da banda. Por vivermos em uma Era pré-Internet naquele tempo, o fã-clube foi o nosso melhor meio de comunicação com os fãs, mas claro, desde que cadastrassem-se nele para estarem presentes na mala postal. 

No início, as nossas ações limitavam-se a responder manualmente as cartas que recebíamos na nossa caixa postal (19090 - São Paulo!), e eu fui o responsável por tal tarefa, pessoalmente. Entre 1984 e 1989 (e a postergar-se até um pouco além do fim das atividades da banda, no início dos anos noventa), a minha rotina cotidiana nesses anos, foi recolher as correspondências na caixa postal da banda, em uma agência de correio muito próxima da residência do Rubens Gióia, e respondê-las em minha casa durante a madrugada, para poder postá-las na minha visita à mesma agência, sob um modus operandi em ritmo de moto perpétuo.

Revista Rock Brigade a anunciar a entrada de Beto Cruz em nossa banda.

E além de responder as cartas, passamos a emitir comunicados de shows, com uma confecção de filipetas caseiras, bem simples, datilografadas e geralmente sem ilustrações. A produção disso foi obra do Zé Luiz na arte-final/lay-out e a minha colaboração deu-se com a elaboração de textos/redação e na parte burocrática, a envelopar e colar os endereços nos envelopes e colocar o carimbo do fã-clube no remetente, fora a tarefa de postar na agência dos correios. 

À medida que o tempo passou, o contingente de participantes aumentou muito e nós chegamos em um tempo onde contabilizávamos cerca de duas mil e duzentas pessoas inscritas no fã-clube e daí, cada ação da mala postal elaborada sem uma infraestrutura de apoio de um escritório profissional, tornou-se muito trabalhosa e consumia horas e horas de nossos esforços. 

Por outro lado, valia muito a pena, pois tais fãs mostravam-se fieis e ávidos por novidades da banda. Eu esmerava-me para manter o fã-clube em dia e contava com o apoio fundamental do Zé Luiz, também. No início do segundo semestre de 1984, tive a ideia para criar um fanzine em formato de revista, no intuito de manter os sócios do fã-clube, informados sobre todos os aspectos da carreira da banda, a focar em novidades, mas também por cobrir o cotidiano interno da banda sob o ponto de vista artístico e assim incluir curiosidades sobre a banda e até particularidades de seus integrantes.

 

Eu e Zé Luiz trabalhamos nesse projeto e dessa forma, conseguimos elaborar um fanzine com quatro páginas, mas o custo para rodar tal material, e distribuí-lo aos sócios do fã-clube ficou caro em um primeiro instante. 

A ideia original, seria a de possuir uma formatação como revista, com capa a conter manchetes e matérias divididas em pequenos boxes, com ilustrações, em um padrão clássico em termos de lay-out. 

Claro, feito de uma forma absolutamente simples, com parcos recursos, não poderia jamais ter um aspecto profissional, mas diante das circunstâncias, atenderia as nossas necessidades para mantermos os fãs informados sobre as novas da banda, e assim preservar sempre a sua atenção em nossa carreira. 

Nesse piloto inicial de 1984, o enfoque principal foi a entrada do vocalista gaúcho, Chico Dias em nossa banda. Nesses termos, eu escrevi um texto a descrever a sua origem, características técnicas e acrescentei algumas bravatas, admito, como forma de atiçar a curiosidade dos fãs. Por exemplo: "dono de uma voz arrepiante e de uma espetacular presença de palco"...

E algo mais exagerado ainda: "para a legião de fãs d'A Chave do Sol, ele fez uma promessa bombástica: vai ser o nº1 (vocalista) do Brasil".

Em outro tópico, eu falei sobre algumas emissoras de rádio que estavam a executar o nosso som, e nesse caso, a citação de emissoras como Eldorado FM e Gazeta FM, ambas de São Paulo, não foi uma mentira, como alguns chegaram a pensar, mas de fato, tais emissoras haviam executado a nossa música de trabalho, "Luz", mas poucas vezes, ao contrário de emissoras como a Fluminense FM (Rio de Janeiro), Ipanema FM (Porto Alegre), e 97 FM (Santo André-SP), que tocavam-na com constância nas suas respectivas programações. 

Citações sobre os últimos shows realizados, assim como a gravação do primeiro compacto da banda, além de anúncios de shows a serem realizados, garantiram conteúdo para um outro box. 

Acrescentei também uma autêntica bobagem, mas com risco calculado! Como eu sempre fui fã do estilo de redação do Ezequiel Neves, enquanto jornalista/crítico de Rock por diversas publicações pelas quais ele foi colunista (e principalmente na revista: "Rock, a História e a Glória", dos anos setenta), achei por bem dar esse toque de pilhéria, misturada ao conceito cafona de colunismo social (a la Ibraim Sued), onde ele foi um mestre. 

Nesses termos, eu convenci o Zé Luiz sobre usarmos essa pequena licença, para dar um contraponto à sisudez dos outros textos, mais burocráticos e parecidos com o estilo jornalístico engessado do noticiário tradicional. Então, eis que eu inventei uma brincadeira tola para essa edição inicial, em forma de "Quiz". 

Ao alegar que Rubens Gióia havia relatado ter avistado um "disco voador" quando dirigia por uma estrada, lancei uma pergunta aos leitores:
1) É mentira.
2) É verdade.
3) Anda com a imaginação muito fértil.
4) Ele está a tocar tão rápido a sua guitarra Fender Stratocaster, que isso já afetou o seu cérebro.

Além de quebrar a seriedade do restante do texto, a minha aposta também foi por agradar os adolescentes, um grande contingente de nosso público.

Uma especial atenção aos shows de lançamento do compacto, no Teatro Lira Paulistana, mereceu box separado, pela óbvia importância que tais eventos tiveram para a banda. 

Ainda com um número reduzido de membros no fã-clube, foi viável para os nossos recursos, enviar gratuitamente tal material para todos, mas à medida que esse quadro avolumou-se (e o crescimento foi enorme e muito rápido), ficou inviável que tal formato com quatro páginas, fosse mantido, pelo menos nessa fase. 

Então, mais ou menos em maio de 1985, nós tivemos o ímpeto para lançar novamente uma próxima edição, em que tentamos de forma periódica, alimentar os fãs com novidades. 

É bem verdade que o simplificamos para viabilizá-lo economicamente e reduzido, com uma página apenas, assumiu-se inicialmente o formato de um informativo simples, quase um "memorandum", em detrimento de uma revista mais complexa, como sonháramos em 1984. 

Seria um formato de fanzine, xerocado como muitos fanzines que foram típicos dos anos oitenta, mas dentro de nossas possibilidades, esmerar-nos-íamos para dar-lhe o melhor acabamento possível. 

De fato, de comum acordo, o Zé Luiz incumbiu-me da tarefa de ser o redator dos textos novamente, e ele responsabilizou-se pela diagramação e lay-out.

O primeiro número (consideramos o piloto lançado em 1984, como o n° zero da publicação), saiu em junho 1985, e o foco, é claro, fora o advento do EP que ainda estávamos a finalizar e com o Fran Alves como componente da nossa banda. Lembro-me que ficamos muito contentes em concretizá-lo, apesar dessa nova versão mais tímida, com apenas uma página. 

E ainda mais animados ficamos, quando o enviamos para os fãs, que nessa época chegava na casa de mil pessoas (ou um pouco mais que isso). Em sua primeira edição, ele continha apenas uma folha, e trouxe os seguintes tópicos:

1) TV: Anunciamos que a TV Cultura de São Paulo estava a lançar um novo programa nos moldes da saudosa, "A Fábrica do Som" e que nós, d'A Chave do Sol, havíamos gravado participação no programa piloto, o que foi verdade. O tal programa chamar-se-ia: "Trilha Sonora". De fato, gravamos o piloto dentro do estúdio da TV Cultura, a tocar "Anjo Rebelde", mas o programa nunca foi ao ar, ao frustrar-nos, pois uma nova atração nos moldes da velha "A Fábrica do Som", teria sido muito salutar não só para nós, mas para toda a cena da época.


2) LP: Claro que anunciamos o lançamento do EP e aproveitamos para anunciar também que o compacto estava a esgotar-se em sua primeira tiragem.

3) Rádio: Falamos sobre a participação da banda em programas de rádio que tínhamos feito recentemente.

4) Toque: Fizemos uma propaganda de apoio para a Baratos Afins, a nossa gravadora, a indicar os discos de outros artistas que o Calanca estava a lançar naquela ocasião.

5) Shows: Anunciamos shows que faríamos no futuro próximo, incluso um que não concretizara-se na prática, na cidade de Americana, no interior de São Paulo.

6) Fã-Clubes: Descrevemos a presença de vários fã-clubes que apoiavam-nos, sob uma ação de colaboração mútua, muito parecida com o que ocorre nos dias atuais nas redes sociais da internet, entre blogs. Enfim, esses foram os assuntos e o jornal saiu com uma foto promocional da formação de 1985, logicamente, com a presença do hoje saudoso, Fran Alves.

A retroagir um pouco na cronologia, ainda a falar da fase com a presença do Fran Alves, conosco na banda, em 1985

Ainda a falar sobre o jornal/fanzine do nosso fã clube, o sucesso foi enorme entre os fãs que receberam-no e claro que animamo-nos a prosseguir, a tratar de melhorá-lo cada vez mais. 

Em princípio, tentamos mantê-lo sob uma periodicidade trimestral, e apesar da crescente chegada de novos membros, mantivemos a prática do envio gratuito para todos, por que o caixa da banda permitia tal gentileza, e claro que tratava-se de um investimento de carreira que valia a pena, visto que graças a essa propaganda, não fomentávamos só a carreira da banda, de uma forma direta, mas também movimentávamos o seu merchandising, com a venda de produtos, naturalmente.

Nesses termos, lançamos o número 2, em setembro de 1985 com uma pequena melhora no formato, em relação ao primeiro, por acrescentarmos uma página a mais (na verdade, como verso e reverso), além de uma nítida melhora no lay-out. Os tópicos do número 2, foram os seguintes:

1) Disco - Anunciamos o lançamento oficial do disco com uma breve descrição da ficha técnica e repertório do mesmo, além da orientação sobre como adquiri-lo na loja Baratos Afins.


2) TV - Muitas dicas sobre programas que fizemos recentemente e alguns onde havia a perspectiva em aparecermos, mas que não concretizaram-se, tais como: "Clube dos Esportistas" (TV Record), "Destaques" e "Foco" (TV Gazeta), "Batalha 85" (TV Bandeirantes); "Perdidos na Noite" (TV Record, e sobre este inclusive, eu já contei uma história hilária em capítulo anterior), e "Marília Gabriela" (TV Bandeirantes). 

Além de falar que a TV Cultura ainda não havia anunciado alguma perspectiva sobre o programa, "Trilha Sonora", cujo piloto nós participamos, mas na verdade, tal programa nunca foi aprovado e cancelado, morreu nos arquivos daquela emissora.

3) Rádio - Falamos sobre muitos programas de rádio que haviam tocado nossas músicas e/ou citado-nos com testemunhal. De fato, ao longo desta autobiografia, falo bastante sobre emissoras que auxiliaram-nos bastante ao executar o nosso trabalho em suas respectivas programações (Fluminense FM do Rio, Ipanema FM de Porto Alegre, 97 FM de Santo André-SP, entre as mais significativas), mas tivemos apoio de inúmeros programas de rádio, isoladamente, mesmo que a tocar alguma música nossa ao menos uma vez, seguido de um pequeno testemunhal, fora esporádicas entrevistas. Neste número do jornal, citamos alguns deles, tais como: Sinergia (USP-FM), Rádio Matraca (USP-FM), Matéria Prima (Cultura FM), Tempo de Rock (Alvorada FM de Ribeirão Preto-SP), Sessão Rockambole (97 FM de Santo André-SP), Heavy Metal Rock (FM Notícia de Americana-SP), Super Stars do Rock (Eldorado FM de Bauru-SP), Concerto de Rock (USP-FM), Central Rock (Ipanema FM de Porto Alegre-RS) e Rock Expresso (Cultura AM).

4) Revista - Anunciamos uma entrevista que concedemos à Revista "Visão", uma publicação voltada à pauta de economia & negócios, predominantemente, mas que esboçava ter um caderno cultural a ampliar assim o seu leque jornalístico. 

Mais uma outra oportunidade bastante exótica para nós, foi uma entrevista que foi publicada na revista, "Amiga", uma revista popular-popularesca, mais centrada no métier da TV, e em artistas da música popularesca. Mas por um lado, fora genial para nós estarmos a sermos comentados fora do nicho fechado do Rock e assim, podermos alcançar um novo público, mais diversificado. 

E tal inserção em publicações assim tão distantes do nosso universo habitual, seguiu de certa forma, uma tendência que tínhamos iniciado com várias incursões em programas de TV populares, alguns típicos femininos, inclusive, desde 1984.

Ainda a falar a respeito de revistas, anunciamos com ênfase, o lançamento do álbum de figurinhas "Rock Stamp", em que A Chave do Sol também estava representada com um cromo e anunciamos uma misteriosa novidade, que viria a ser o "Songbook" com partituras que na verdade nunca concretizou-se, e cuja história já contei com detalhes, muitos capítulos atrás.

5) Claro que a ênfase sobre os próximos shows que aconteceram, recaiu sobre os shows de lançamento que fizemos sob uma micro temporada no Teatro Lira Paulistana, em setembro de 1985.
Há um comunicado em tom de desabafo, que ao ler hoje em dia soa hilário... transcrevo-o abaixo:

"O show do Radar Tantã (20 de setembro de 1985) foi cancelado por falta de profissionalismo dessa nefasta danceteria"

Ora, realmente tínhamos uma data marcada nessa danceteria, mas ela mostrava-se decadente ao final de 1985, e assim, não atraia para as suas dependências aquela multidão que costumava arrebatar nos seus primórdios de 1984, portanto, o trato fácil, com o oferecimento dos cachês robustos (muitos capítulos atrás, contei a incrível história de nossa apresentação nessa casa, em julho de 1984, com uma incrível revelação sobre o cachê que recebemos), não era mais a realidade daquela casa de shows, portanto, o cancelamento sumário, após termos disparado divulgação via mala postal, a nos fazer gastar dinheiro, gerou frustração, daí o tom de desabafo no fanzine, mas ao pensar hoje em dia, acho que livramo-nos de um tremendo aborrecimento, isso sim...
6) Falamos sobre o espaço de merchandising nos nossos shows, que naquele instante tornara-se uma constante e com a presença do Edgard no comando, o Extraterrestre que viera do "Planeta Glapaux", essa fora uma brincadeira com citação ao estilo "Sci-Fi" que eu forjara, ao evocar o Rock setentista, certamente, e que causou um efeito benéfico para chamar a atenção. Claro que o Edgard aceitou a brincadeira e apreciava o assédio das meninas com essa história de ser um extraterrestre radicado no planeta Terra etc. e tal...

7) Um curioso adendo no tópico sobre shows que passaram, deu conta de que o Rubens passara a usar um transmissor da marca "Nady", modelo GT 49. Tratava-se de um típico recurso tecnológico da década de oitenta e foram poucos os que dispunham da possibilidade de possuir um naquela época no Brasil, daí o destaque dado, como se fosse uma grande nova tecnológica da banda e de certa forma, o foi mesmo.

E mais curioso ainda, foi o depoimento em defesa do Fran, quando eu escrevi que seria a hora dos fãs pararem de reclamar da presença dele como vocalista, e assim aspirar a volta do trio instrumental de outrora. Infelizmente, lutávamos contra a maré e a rejeição à participação do Fran na banda foi muito grande. Tanto que alguns dias depois dessa edição chegar às residências dos membros do fã-clube, ele anunciou a sua vontade de sair da banda. Fora inevitável. 

8) Um outro anunciado que que hoje em dia soa hilário, pelo seu caráter prosaico! Anunciamos que este seria o último número enviado gratuitamente para as pessoas, pois a despesa não poderia ser mais coberta pelo caixa da banda. A frase final do comunicado, é uma pérola: "aproveitamos para deixar claro que esta situação não foi imposta por nós, mas sim pelo sr. Delfim Neto", ou seja, o velho Delfim e o seu "milagre econômico" não teve meios para colaborar com o fã clube d'A Chave do Sol...

8) Anunciamos que estávamos a vender fotos, doravante. De fato, tal receita extra, ajudou-nos bastante a manter o fã-clube e auxiliar a divulgar a banda por extensão.

9) Fã clubes que estavam a nos apoiar: "Quiet Riot of Bad Girls Fan Club", "Karisma Dirt Club", "SP Liga Metálica", "Neapdor Club do Rock", "Heavy Metal Maniac" e "Rock Brigade Fan Club de Heavy Metal". A tendência foi essa mesma, ou seja, havíamos feito a opção em alinharmo-nos com essa turma, a partir de 1984 e assim fomos por tal trilha. Mesmo não tendo nada a ver com o mundo do Heavy-Metal, muita gente enxergava-nos dessa forma e claro que o apoio, ainda que inadequado pela não similaridade de ideais, foi sempre bem-vindo. 

Com essa história da crise financeira que não permitiu-nos prosseguir a enviar gratuitamente o fanzine para todos os fãs cadastrados, criamos uma faixa para membros que tornaram-se apoiadores financeiros. Claro que os interessados em colaborar representaram uma fatia ínfima do contingente total, mas ficamos muito surpreendidos com a adesão, que beirou a faixa de cento e cinquenta pessoas, aproximadamente. 

No entanto, tivemos um atraso operacional com essas mudanças e o terceiro número que deveria sair em dezembro, ficou para janeiro de 1986. Tornou-se uma rotina administrarmos também a entrada de recursos financeiros, e pelo movimento de vendas através do correio e na loja/barraca dos shows, uma contabilidade caseira, foi estabelecida, para não misturar tal féria com o dinheiro dos cachês de shows e acertos com a venda de discos por parte da gravadora. 

Foram, portanto, três receitas distintas e esforçamo-nos para não misturá-las, para que o fã clube pudesse ser administrado com os seus próprios meios, sem recorrer ao caixa da banda, propriamente dito. Caixa 2 e caixa 3, que hilário e outra coisa: o volume de trabalho para o fã clube, cresceu muito e quando 1986 chegou, e assim começamos a cogitar seriamente a possibilidade de contratarmos um funcionário e arcar com o seu salário etc. 

Seria em princípio algo informal, pois ainda não tínhamos condições para abrir uma firma, oficialmente a falar, com CNPJ e demais oficializações contábeis e governamentais, mas seria uma possibilidade para médio prazo, inevitável, eu diria.

Por enquanto, a única certeza que tivemos, foi que o volume de trabalho e movimento financeiro estava a aumentar, e isso tomou o meu tempo e do Zé Luiz, a prejudicar a rotina de ensaios da banda. Lançaríamos o terceiro número, no início de 1986, e daí, já com a presença do Beto Cruz, na formação.

Ainda a falar sobre os números do jornal/fanzine, a edição número três, saiu em janeiro de 1986. Desta vez, a grande novidade foi a mudança na formação da banda, com a saída de Fran Alves e a entrada de Beto Cruz. E a ênfase foi sobre uma mudança radical que causaria uma guinada na orientação musical da banda, praticamente ao descartar o repertório do EP, como se estivesse a enterrar uma fase da banda, aliás, foi isso mesmo o que aconteceu. Os itens do jornal foram:

1) Disco: A despeito de veladamente anular-se a divulgação do EP, com a nova fase da banda em curso, claro que o promovíamos como última novidade fonográfica da banda e não poderia ser de outra forma. Uma frase de efeito que eu escrevi, tem um tremendo de um ranço de despeito, que atribuo à falsa compreensão de que éramos "injustiçados" por não termos chances nas gravadoras majors. 

Não pela banda em si, que é claro que reunia condições técnicas para pleitear isso. Aliás, por esse quesito, com todo o respeito aos maiores expoentes do BR-Rock oitentista que estouraram no mainstream, o nível baixíssimo das bandas que usufruíam dessas benesses do sucesso popular, denotava que não tinham condições de rivalizar conosco, e essa sensação de "injustiça" acabou por tornar-se um paradigma para nós. 

Mas ao analisar pelo lado real da indústria fonográfica-mídia e formadores de opinião, como poderíamos pleitear um espaço no mainstream com o som que fazíamos? 

Nem a nossa fase "Jazz-Rock" fazia sentido nesses termos, com todas aquelas firulas que elaborávamos em nossos arranjos super anticomerciais e fora da estética do Pós-Punk, obviamente. Aliás, foi um contraste, se levarmos em conta que tal estética que dominava a formação de opinião do mercado, primava pela rudeza musical acima de tudo. 

E talvez pior ainda ficamos, ao adotar o peso do Hard-Rock e do Heavy-Metal, para afugentarmos ainda mais as nossas chances em ingressar nesse seleto rol de artistas que contavam com apoio de uma gravadora major e por conseguinte, de todas as suas mordomias. Abaixo, faço a minha "mea culpa", pois realço a frase lapidar que proferi, onde fica claro a "síndrome de inferioridade" que acometia-nos naquela época:

"O EP d'A Chave do Sol continua vendendo bem, mesmo sem o aparato monumental das grandes multinacionais, o disco está vingando. Dá-lhe Chave!"     


2) Rádio: Comentamos sobre mais uma série de emissoras/programas que deram-nos força, como: "Os Rapazes da Banda" (USP FM), Globo FM Rio, "Rock 98" (98 FM Presidente Prudente-SP), Beira Mar FM (São Sebastião-SP), 89 FM de São Paulo, e programa "Highway" (Bandeirantes FM). 

3) TV: Anunciamos a nossa sexta aparição na TV Gazeta de São Paulo, através do programa "Realce", ao enaltecer o fato de que duas dançarinas "esculturais" haviam participado da pantomima habitual da dublagem. Foi verdade, mas meramente ocasional a participação das duas garotas, que aliás, mostravam-se razoavelmente famosas na época, por conta das suas respectivas participações em vários comerciais da TV e campanhas publicitárias em revistas, também. 

Outra notícia que publicamos, foi que a TV Cultura estava a reprisar números musicais isolados, oriundos do extinto programa, "A Fábrica do Som", todo dia, na faixa das 19:30 horas. E o ponto alto da nota, ao meu ver, foi a advertência dada aos fãs-leitores:      

"Devemos esclarecer aos fãs que todos os programas de TV que nós dissemos que A Chave do Sol iria aparecer, publicados no informativo nº 2, e que não vingaram, não foi por culpa nossa ou da banda, mas sim dos produtores dos referidos programas que hipocritamente fazem promessas e não as cumprem". 

Mas que demonstração pueril de desencanto! A alfinetada foi para alguns programas que deram como certo a nossa participação, mas não as confirmaram, a faltar apenas agendar-se data e que misteriosamente, desmarcaram-nas.

4) Revista: Uma relação de matérias recém saídas em revistas importantes, como "Roll", "Metal", "Bizz", "Rock Stars", "Som Três" e o anúncio de que sairíamos em breve no poster da Revista "Som Três".

5) Shows: Uma descrição de como foram os shows de
lançamento do EP, algo que deveria ser o ponto mais alto do jornal, mas soou anacrônico com apenas três meses de defasagem do fato anunciado, pois falava-se sobre o lançamento de um disco que rapidamente passamos a rejeitar, ao menos veladamente, e com a presença de um outro vocalista que nem era membro mais da banda.


6) Uma micro propaganda sobre souvenirs reforçara a ideia de que estávamos a valorizar tal expediente.

7) Inauguramos uma nova coluna, denominada: "Perfil de Chave", para dar a oportunidade a falar-se diretamente dos componentes da banda e mesmo a tropeçar na ética, por que eu fui o redator do jornal, rasguei elogios ao companheiro, Zé Luiz, que aliás, era o diagramador do mesmo.

Assassinamos a ética com requintes de crueldade, mas o jornal mostrava-se "chapa branca" velado e havia uma atenuante, pois não assumíamos publicamente a autoria do trabalho, mas usávamos o nome de duas pessoas: Eliane Daic e Claudio T. de Carvalho.

Tais pessoas existiam de fato, não eram meros nomes inventados como pseudônimos. Eliane era namorada do Zé Luiz e verdadeiramente, trabalhou como produtora da banda, principalmente entre 1984 e 1987, apesar de não ter qualificação pregressa para a função. Verdade seja dita, foi que ela aprendeu a lidar com tal função, mediante o tempo, e já em 1986, mostrava-se bastante funcional no cargo, ao ajudar-nos muito. E o Claudio, tratava-se do popular, "Capetóide", amigo do Rubens desde o início dos anos oitenta, e que acompanhou a banda desde os primórdios como um apoiador entusiasmado.

Eliane Daic a preparar uma explosão a ser detonada em um show ao ar livre, realizado pel'A Chave do Sol, em foto de 1986

A Lili (Eliane Daic), ajudou muitas vezes nas tarefas do fã clube, principalmente quando precisamos de esforços em ritmo de mutirão para tarefas braçais como envelopar as filipetas para a mala postal.

E o "Capetóide", muito ajudou-nos em muitas circunstâncias, inclusive ao atuar como "ator" nas intervenções cênicas loucas que criamos para os shows de lançamento do compacto e do EP, respectivamente (1984 e 1985).

8) Equipamento: A novidade deste número foi a nova guitarra do Rubens, uma "Jackson". Essa guitarra era considerada sensacional nos anos oitenta, principalmente no nicho do Rock pesado, portanto causou furor quando o Rubens passou a usá-la ao vivo, pois nessa época, só dois guitarristas a possuíam em São Paulo e quiçá no Brasil: ele, Rubens e Fernando Costa, o guitarrista do "Inox". 

9) "Fofoca" foi uma outra coluna nova, onde eu imitei acintosamente o estilo debochado que o Ezequiel Neves tivera em sua saudosa coluna na revista, "Rock, a História e a Glória", nos anos setenta, ao descrever aspectos extra musicais dos músicos de Rock, como se estes vivessem em um mundo ao estilo do "Jet Set Hollywoodiano". Foi a minha maneira para homenagear o velho mestre fanfarrão, do jornalismo musical brasuca...

Não inventei nenhuma mentira, mas valorizei fatos banais do cotidiano extra-musical nosso, como por exemplo: "Rubens agora dedica-se a um esporte exótico, o arco e flecha". 

Foi verdade, pois ainda ao final de 1985, ele passara a frequentar um Bar/Arqueria, que oferecia aos seus frequentadores a possibilidade de se usar o arco e flecha, com direito a orientação de técnicos especializados da Federação Paulista de Arco e Flecha. 

E na determinação para falar sobre dois membros a cada edição, falei que eu mesmo (ah, a quebra da ética, da modéstia e da falta de noção), fora visto a circular pelas dependências do Pavilhão da Bienal, a prestigiar a Bienal de Artes de São Paulo, recentemente. Foi verdade, também, e estive presente mesmo, como costumava visitar toda edição da Bienal, desde 1977.

10) Repertório: Publicamos nota a dar conta de que assim que o Beto entrara na banda, a sua contribuição como compositor enriqueceu as possibilidades de composição e dessa forma, produziu muito rapidamente, uma série de músicas novas e que isso realmente propiciou que déssemos uma guinada na carreira, ao abandonar o repertório base de 1985. 

Citamos canções como: "O Cometa", "O Que será de Todas as Crianças", e "O Rock me Fez Assim", esta, aliás, uma música que foi rapidamente descartada, pois outras que consideramos mais fortes, logo surgiram e ela foi suplantada. Falo sobre o jornal nº 4 a seguir, e volto à cronologia, em seguida.

O quarto número do jornal informativo, saiu em abril de 1986.
Com maior verba advinda da colaboração monetária dos membros do fã-clube que inscreveram-se para continuar a recebê-lo, pudemos não só garantir o seu envio, como ampliar o seu formato e trazer ainda mais informações sobre os feitos da banda no trimestre enfocado. E os tópicos publicados foram os seguintes:

1) Disco: Falamos que realmente o Luiz Calanca sinalizava novas prensagens para o compacto de 1984 e o EP de 1985.

2) Rádio: A 89 FM de São Paulo realmente estava naquela altura a executar duas músicas do EP, em sua programação: "Anjo Rebelde" e "Um Minuto Além". Mencionamos novamente a maior apoiadora da nossa carreira, a Fluminense FM do Rio, e também a Ipanema FM de Porto Alegre. "A Hora do Rock" (Rádio Progresso de São Carlos- SP), "Rock Time" (Rádio Cultura de Araraquara-SP), "Rock Festival" (Globo FM-SP) e "Disque Rock" (Imprensa FM de São Paulo), foram programas que tocaram e falaram sobre A Chave do Sol. 

Uma novidade, foi que o Beto Peninha, produtor do programa, "Sessão Rockambole" da 97 FM de Santo André-SP, estava a anunciar o lançamento de uma revista impressa do seu programa, e que A Chave do Sol constaria do primeiro número, mas isso não confirmou-se posteriormente. E uma rádio pirata chamada: "Xilik", prometia um especial d'A Chave do Sol, com uma hora de duração para breve. 

3) Revista: Matérias recentes haviam saído nas revistas "Metal", "Roll", "Som Três" e agora anunciávamos enfim o lançamento do poster coletivo com quatro bandas, onde A Chave do Sol fora uma delas. 

4) Uma coluna nova chamada, "Stars", visou citar pessoas famosas que haviam declarado apoio público para A Chave do Sol. Não poderíamos perder a oportunidade de fazer tais menções que muito contribuíam para a formação de opinião. 

É bem verdade que muitas dessas citações não foram checadas, como faz-se no jornalismo profissional. Fontes informais deram-nos a notícia e nós tentávamos capitalizar ao nosso favor a opinião de pessoas relevantes. Claro, muitas foram comprovadas, mas algumas realmente não, todavia, aceitávamos o boato como verdade, por que interessava-nos (confesso!). 

Neste caso, alguém disse-nos que o Raul Seixas teria escutado algumas músicas nossas, e teria elogiado o Rubens Gióia, ao compará-lo ao Sérgio Dias, dos Mutantes. Nunca comprovamos tal informação, mas claro que publicamos, como se fosse um fato cristalino!

Fora "O Cometa", também citei duas outras músicas que foram compostas nessa época, mas que foram descartadas da gravação e do set list de shows: "O Rock Me Fez Assim" e "Dezoito Anos", cuja letra contava de forma bem-humorada o receio de um jovem dessa faixa etária, que não queria se alistar no exército. Outra canção que não vingou também nessa época, foi: "Vivendo p'ra Entender".

11) Fofoca: Como a festa de anti-carnaval na casa do Rubens ganhou coluna própria, aqui segui com a linha iniciada em números passados, ao falar dos membros da banda em atividades extra-musicais. Por exemplo, eu citei a tendência esportiva do Zé Luiz, em correr logo no início das manhãs pelo campus da USP, na cidade universitária. Isso foi 100 % verdade, pois o Zé Luiz era (é) de fato um esportista em potencial e costumava exercitar-se regularmente. 

Mais uma vez a me citar, mas via pseudônimo, falei que o "Luiz" fora visto regularmente em salas de cinema alternativas, cine-clubes e similares. Foi verdade, e nesse ano de 1986, realmente eu tive uma assiduidade enorme em eventos cinematográficos underground, ao prestigiar mostras obscuras, a assistir filmes absolutamente "vintage" em exibições realizadas em fã-clubes etc. 

Lembro-me até de ter visto o clássico "Birth of a Nation", do diretor D.W.Griffith, que é um filme mudo de 1915, com três horas de duração, exibido sob uma tela improvisada (que na verdade fora um lençol branco), estendido em uma lousa (quadro negro), de uma sala de aulas da FAAP, graças à ação abnegada de alunos do curso de cinema que criaram um Cine Clube (Cine Clube Chico Boia), a usar o espaço de uma sala de aulas da instituição. 

Uma declaração hilária (mas autorizada!), do Rubens Gióia, teve a clara intenção de atiçar a imaginação das fãs da banda e de fato, o Rubens sempre foi o galã da banda, e costumava receber muitas cartas com "cantadas", fora o assédio natural nos shows. Eis a frase hilária: 

"Rubens Gióia anda murmurando aos quatro cantos que está farto de experiências efêmeras com garotas. Agora ele deseja uma relação duradoura"...  

Outra nota hilária, falou sobre o "ET" Edgard, que teria feito uma performance em plena Avenida Santo Amaro. Foi verdade, pois o Edgard adorava escandalizar em público com as suas vestimentas nada usuais e trejeitos tresloucados, mas isso revelava-se algo corriqueiro em sua vida, e do jeito que eu citei, pareceu algo excepcional.

O poeta, Julio Revoredo, em pessoa, a exibir a capa do EP d'A Chave do Sol, onde ele assina duas letras, em foto de seu acervo pessoal, de 1985

Falei também sobre o fato do poeta, Julio Revoredo ter algumas fotos inéditas d'A Chave do Sol em seus arquivos e que estava a planejar disponibilizá-las para o fã clube. Isso não ocorreu na ocasião, por que o fanzine optou por outras matérias, mas esteve na pauta o tempo todo. Recentemente (2014), o poeta cedeu-me tais fotos, e elas já ilustram os capítulos sobre a minha trajetória com A Chave do Sol que publiquei nos meus Blog 2 e 3. 

Finalmente, eu pude citar a visita que fizemos ao estúdio Mosh, onde "Os Inocentes" gravavam um novo álbum, o primeiro pela gravadora Warner. Essa história será contada com detalhes na narrativa, pois contém informações muito importantes, e também traz momentos hilários que eu desejo revelar aos leitores. 

11) Equipamento: Uma descrição sobre as guitarras do Beto Cruz e seus pedais. De fato, cada vez mais o Beto participava como compositor na banda e a sua atuação como guitarrista, aumentava.

Na época, ele tinha duas guitarras sensacionais, uma Gibson Les Paul, e uma Gibson SG com dois braços. Essa na verdade foi uma guitarra que pertencera ao seu irmão, Claudio Cruz, que estava a vendê-la, e o Rubens a usou no show do Palmeiras, em maio de 1986.

12) Perfil de Chave: Nessa edição, o enfocado foi o Rubens Gióia e o texto investiu na descrição de como o nome, "A Chave do Sol", fora um sonho de sua infância etc. e tal.

13) TV: A descrição de um fato exótico ocorrido em um programa de TV, foi o mote principal dessa coluna. Participamos do programa "Realce" da TV Gazeta, pela sexta vez em nossa história, e um imprevisto não permitiu que o Zé Luiz participasse dessa específica aparição. Então, eu, Rubens e Beto fizemos a dublagem, a suscitar dúvidas para alguns fãs. 

Nessa nota, apressamo-nos em esclarecer as razões pelo não comparecimento do Zé Luiz, para não gerar especulações. Muito interessante lembrar desse fato, pois denotava o crescimento da banda, que mesmo em uma Era pré-Internet podia provocar reações públicas desse porte, a gerar boatos. 

A outra nota dessa coluna, deu conta de que o Rubens participara de um comercial de TV, para anunciar uma marca de um calçado (um tênis), e esse comercial fora realmente ao ar. Além dele, fez parte dessa banda fictícia, Charles Gavin (Titãs), Renato (guitarrista do "Vírus") e o cantor/compositor da MPB, Tatá Guarnieri. De fato, após o Rock in Rio, muitas agências de publicidade insistiram nessa temática, e muitos músicos famosos ou emergentes, foram cooptados a participar de tais campanhas publicitárias. 

Geralmente produtores de agências ligavam para a Baratos Afins a procura de músicos com visual de "Rocker moderno da estética do Pós-Punk", ou "cabeludos Metaleiros". E nessa circunstância, apareceu essa oportunidade para o Rubens, em que ele recebeu um bom cachê. Daí, surgiria um outro convite, sobre o qual eu vou detalhar em um momento mais para a frente, deste mesmo capítulo.

14) Shows que rolarão: Nessa sessão criada para anunciar futuras apresentações, o grande anúncio feito em abril de 1986, não poderia ser outro: o show "Metal 4", a ser realizado no Palmeiras, em maio. 

Falamos também sobre o show que faríamos no Rio de Janeiro ao final de maio, mas omitimos o show de Bragança Paulista-SP, simplesmente porque quando fechamos o jornal, ele ainda não estava confirmado totalmente. 

Deixamos no ar uma esperança aos fãs-leitores: estávamos a estudar um mecanismo para oferecer descontos aos sócios contribuintes, em shows produzidos pelo Núcleo ZT. Queríamos mesmo fazer promoções assim, mas infelizmente nunca conseguimos viabilizar tal intento. E assim foi publicado o jornal de número 4, em abril de 1986.

Após o show no Palmeiras, que foi muito importante para nós, mais uma boa aparição no evento Praça do Rock, e a experiência de Bragança Paulista (que se não foi um fiasco artístico, foi certamente um revés financeiro/gerencial para o Núcleo ZT), tivemos uma perspectiva muito boa adiante, em termos de show (fora todas as coisas boas que estavam a acontecer-nos paralelamente), e em breve, falarei sobre algumas dessas possibilidades. 

De volta ao foco, o que teríamos adiante, seria um show no Rio de Janeiro, que tratava-se de um objetivo importante para nós, como estratégia de carreira, evidentemente. Já havíamos feito um show no Rio, em um local e situação bastante confortável aos nossos anseios, no ano de 1984, mas não capitalizamos a oportunidade como gostaríamos, naquela ocasião. 

Ainda em 1984, tivemos outra boa incursão no Rio, ao participarmos de um importante programa de TV, ali no epicentro do BR-Rock 80's e melhor ainda, a interagir (em ambas as ocasiões), com a "turma certa", que dava as cartas no mainstream oitentista. Agora, no entanto, teríamos uma oportunidade, mas com outra perspectiva, ao interagirmos no mundo do Rock pesado, dentro de um esquema de produção underground, mas mesmo assim, seria uma ótima investida para nós.

Havia um rapaz no Rio que estava a produzir shows em um espaço alternativo na cidade, denominado: "Caverna II". Na realidade, meus amigos cariocas esclareceram-me que ele realizava shows anteriormente em outro espaço, ao denominá-lo como, "Caverna", mas por ser um local alugado, houve a necessidade de se buscar um outro espaço na cidade, para continuar a produzir os seus espetáculos. 

Ele passara a usar então o espaço de uma escola estadual no bairro de Botafogo, bem próximo do túnel da Av. Princesa Isabel que dá acesso ao Leme e Copacabana, ou seja, um ponto absolutamente maravilhoso, na zona sul do Rio. Tal colégio ficava ao lado, literalmente, do Shopping Rio Sul e do Canecão, a mais famosa casa de shows da cidade naquela época, portanto, não poderia ser melhor, como localização.

O fato de ser um auditório de escola pública, não seria demérito algum para que realizassem-se shows, mesmo sendo um espaço rústico e diante dessa simplicidade, supostamente não haver glamour. Mas independente dessas considerações sobre a simplicidade da produção se o espaço mostrava-se rústico, o produtor, um sujeito conhecido como: "Alemão", não mediu esforços para providenciar o melhor possível e de fato, não tenho queixas sobre esse show e pelo contrário, só elogios pela maneira com a qual fomos tratados.

O "Azul Limão", banda carioca Hard-Rock/Heavy-Metal dos anos oitenta, em foto promocional mais ou menos dessa época em que estou a narrar

A nossa ida ao Rio, fora também um esforço pessoal do guitarrista da banda carioca, "Azul Limão" (Marco), que intercedeu pessoalmente para que o produtor "Alemão" contratasse-nos e desse-nos condições ideais de viagem, estadia e qualidade na produção do show em si. 

E claro, o "Azul Limão" tocaria, assim como outra banda local, chamada: "Fim do Mundo". Fomos ao Rio de Janeiro, bastante motivados, pois o Marco alimentou-nos com boas informações sobre o evento, e sobre a pessoa do "Alemão". A nossa expectativa seria a de fazer um show com casa lotada, e no dia, isso não só aconteceu, como eu diria, que superlotou, com gente a sair pelas janelas!

Apesar de estarmos a viver o fim de maio no Rio de Janeiro e o outono quase a beirar o inverno, não foi muito refrescante por lá, e sendo assim, na tarde em que o show transcorreu, estava bem quente para nós paulistanos, acostumados com temperaturas muito mais amenas. E por que estou a estabelecer tal consideração meteorológica? No decorrer da narrativa o leitor vai entender tal menção.

Resenha do nosso show no Palmeiras, realizado poucas semanas antes, publicada na Revista Metal

Chegamos no início da tarde no Rio e logo que avistamos as imediações do colégio estadual onde o "Caverna II" realizar-se-ia, vimos um bom contingente formado por Rockers nas imediações, a denotar que teríamos mesmo um grande público. 

Ao ingressarmos no local, ficamos contentes por verificar que fomos saudados por muita gente, que conhecia-nos. Naquela altura, 1986, já tínhamos quatro anos somados com esforços empreendidos, e o resultado de tal labuta fora um bálsamo para nós. 

Após tantas reportagens em jornais e revistas, dois discos, aparições na TV e principalmente pela força que a Rádio Fluminense FM sempre forneceu-nos, tínhamos fãs no Rio, e sem medo de faltar com a modéstia, creio que eram muitos. 

Claro que a nossa motivação com tal simples recepção já potencializou-se de uma forma contundente. Estávamos bem ensaiados, motivados e vínhamos de um bom embalo de shows realizados recentemente, portanto, prontos para fazer uma grande apresentação que certamente sanaria a expectativa daquele público em grande número que estava ali presente.

E na edição anterior da Revista "Metal", Rubens e Beto receberam citação en passant, como "personalidades" presentes em um show do "Platina", realizado no Teatro Artur Azevedo, em São Paulo

Fizemos um soundcheck muito rápido, por que os shows estavam programados para começar ainda ao final da tarde, antes do crepúsculo. 

O palco não era muito grande e mostrava-se bem rústico. Tratava-se de um auditório cimentado, que naturalmente era usado para apresentações de teatro amador dos alunos, ou festivais musicais amadores. Sob o formato de um retângulo, com janelas laterais bem antigas e enormes, a denotar ser uma construção dos anos trinta ou quarenta, talvez. 

Deu tempo de encerrar o soundcheck na ordem decrescente do line up do show, e sob uma questão de minutos, a primeira banda já estava no camarim a preparar-se rapidamente, e a ser devidamente pressionada para subir ao palco. Tratou-se da banda, "Fim do Mundo", que pareceu-me fazer um Hard-Rock oitentista com um grau além no quesito, "peso"... não recordo-me de nada muito extraordinário na apresentação desses rapazes que valha a pena destacar aqui, no entanto. 

Em seguida, o "Azul Limão" entrou em cena. Tratava-se de uma banda dotada de um outro nível musical, sem dúvida. Apesar de praticar o típico Hard-Rock oitentista, os rapazes tinham boas influências setentistas na bagagem, e isso fazia a diferença no palco. Era uma boa banda, e de certa forma tinha similaridades com a nossa, principalmente depois que o Beto Cruz ingressou em nossas fileiras, para tornar A Chave do Sol bem mais próxima do patamar Pop. Eles fizeram uma ótima apresentação, e o seu público foi logicamente bem grande, por tocarem em seus domínios, por ser uma banda carioca. 

Foi uma gentileza da parte do Marco, guitarrista do Azul Limão, deixar-nos como headliner da noite, pois a intenção do produtor, "Alemão", fora para que tocássemos como segunda atração da noite.

O calor já mostrava-se insuportável durante o show do Azul Limão, e quando entramos no palco, mesmo ainda sem a iluminação acionada, estava inacreditável. As paredes estavam úmidas e lembravam as paredes do Teatro Lira Paulistana, onde esse fenômeno acorria sempre que a casa lotava. 

Mesmo com as tais janelas que mencionei acima, abertas, o espaço retangular do auditório fazia com que as pessoas ficassem absolutamente comprimidas, a potencializar a sensação de calor no ambiente.

Quando começamos a tocar, o público entrou em um frenesi que foi impressionante. Claro que empolgamo-nos e tocamos com uma volúpia muito grande, para darmos a resposta adequada à expectativa gerada, mas com aquele calor e a agravante da iluminação acrescida do uso da malfadada máquina de fumaça, "Smoke Mary", tal soma de fatores fez a temperatura subir muito mais.

Eu tocava e sentia a minha camisa completamente ensopada, mas pior que isso, por ser uma camisa de seda muito fina, percebi que o seu tecido deteriorava-se, literalmente, pelo suor corrosivo e potencializado pelo calor excessivo dos spots de luz. 

Apesar desse desconforto, a performance esteve sensacional, com o Beto a dominar a plateia com as suas investidas, ao cobrar-lhes interatividade e os demais a tocar com aquela garra que caracterizava a nossa banda, desde os seus primórdios. Mas quando aproximou-se o final do show, tivemos um tremendo susto!

As músicas estavam a serem executadas em meio a uma performance incrível, pelo fato da sinergia com o público estar totalmente estabelecida, mas houve um elemento além, que foi o fato de que por não pararmos para estabelecer pausas, mesmo que mínimas, (ao considerar-se que ainda faltava algumas músicas), foi um fator de superação atlética, eu diria, pois o calor estava infernal e a impressão que tivemos, foi que o melhor antídoto para enfrentá-lo, fora mesmo não estabelecer pausas demasiadas entre as músicas. Mas um colapso estava por vir, e causou-nos um susto tremendo.

Quase no fim do nosso set list, uma pequena pane ocorreu no amplificador que eu estava a usar. Tratava-se de um cabeçote "Hiwatt", cujo dono era amigo dos membros do Azul Limão, e que cedera-o, amigavelmente para o evento. Não foi nada demais, apenas a queima de um fusível, certamente pelo desgaste que o calor estava a impactar sobre todo o equipamento, também. Aliás, foi a primeira vez que usei um cabeçote Hiwatt ao vivo, que ao lado do Acoustic 360, Marshall, Fender Bass Man e Orange, estava na lista dos amplificadores que eu sonhava possuir desde os anos setenta, quando via os meus ídolos, através de fotos e vídeos, a usarem tais marcas.

John Entwistle, o mítico, "The Ox", baixista do The Who, em ação nos anos setenta. E se ele usava, Hiwatt, automaticamente com o seu aval e a considerar-se que vinha de um músico extraordinário desses, claro que configurava-se como um ótimo amplificador...

No caso do Hiwatt, a lembrança do John Entwistle fora automática em minha memória afetiva, e portanto, gostei muito de fazer um show com um amplificador desse quilate. A caixa que sustentava-o não era Hiwatt, infelizmente. Claro que se o fosse, eu teria tirado um timbre monstruoso, a la Entwistle, nos seus melhores momentos com o The Who, mas mesmo com uma caixa simplória, handmade, e com alto falante nacional (acho que era da marca, "Arlen", se não engano-me), eu tirei um som incrível, com peso e timbre de arrepiar. 

Enfim, de volta a comentar sobre o "susto", o fato é que essa parada para a troca de fusível no amplificador, estabeleceu uma ruptura no ritmo insano em que estávamos e ao pararmos, aí sentimos o calor verdadeiramente infernal!

E desesperamo-nos quando vimos o Zé Luiz a desmaiar e cair, literalmente, sobre o surdo da bateria! Aconteceu quando ele estava a enxugar-se naquele momento de pausa, mas por não suportar a queda brusca de sua pressão sanguínea, desmaiou e perdeu os sentidos por alguns segundos. 

Em meio à balbúrdia instaurada no palco naquele instante, com roadies a arrumar o amplificador que eu estava a usar, nem todo mundo percebeu tal cena. Lembro-me do Rubens e do Beto a correr para socorrê-lo, mas tirante poucas pessoas do público que perceberam o fato, a maioria do público gritava e saudava-nos, por que estavam a apreciar muito o show, e com a atenção voltada apenas à pane que o amplificador de baixo havia sofrido. 

Foram poucos segundos, pois logo ele voltou à consciência e resoluto, não quis nem saber de nossos apelos para retirar-se ao camarim, e procurar atendimento médico. Dinola quis voltar imediatamente, para prosseguir com o show, ao afirmar estar a sentir-se bem.

Ora, o correto teria sido encerrar o show e conduzi-lo ao pronto-socorro de um hospital para um exame imediatamente, mas com a fibra que o Zé Luiz tinha (tem), isso foi descartado de pronto por ele, ao insistir em prosseguir. 

Convenhamos, naquelas condições climáticas, a tocar bateria em uma banda de Rock, sob o impacto de spots de luz a ferver, foi uma temeridade prosseguir após um desmaio. Mas o Zé Luiz foi até o fim e nós terminamos o show sob uma ovação incrível. 

O público vibrou muito e aquilo comoveu-nos, até, pois sabíamos que tínhamos um público grande no Rio, por tudo o que já comentei anteriormente, mas aquela reação fora muito além do que nossas previsões mais otimistas, poderiam supor. Portanto, a sensação de satisfação foi ótima, apesar do calor.

No camarim, o Zé Luiz mostrara-se bem. Estava cansado e incomodado pelo calor, como todos nós, mas nem parecia ter tido um colapso motivado pela queda de pressão sanguínea, poucos minutos antes. 

Um amigo carioca, mostrou-me um termômetro que tinha em mãos, ao deixar-me atônito: exibia a marca de 52 graus Celsius registrados naquele palco! Uma condição climática do padrão do deserto do Saara. Não fora à toa que o Zé Luiz tenha passado mal.

A minha camisa rasgou, ao desmantelar-se como se tivesse caído em um balde a conter ácido sulfúrico e era uma camisa de seda bonita, com um tecido fino e que eu encomendara para uma costureira em 1984, a custar caro. Enfim, ossos do ofício, tudo pela arte, tudo pelo Rock! 

O saldo desse show foi maravilhoso para nós, com um público quentíssimo, surpreendente, até. 

Hospedamo-nos no apartamento da irmã mais velha do Zé Luiz, que morava no Rio, a Eliane Dinola. Muito gentil e nossa "torcedora", nos cedeu o seu apartamento para ser nosso QG naquela ocasião. Comemoramos o ótimo show que fizéramos, com um jantar no restaurante, Sagres, da Gávea, estabelecimento frequentado por artistas de teatro, jornalistas e músicos, e que eu conhecia desde 1984, quando fui ao Rio fazer temporada com o Língua de Trapo. 

A Eliane Dinola seria uma aliada nossa em outras ações importantes no Rio, que eu relatarei em um outro momento. Ela era mais velha que o Zé Luiz, alguns anos, e dava para sentir que estava empolgada com o sucesso emergente que o seu irmão caçula estava a conquistar, e nesse embalo, ofereceu-se para ajudar na produção, em frentes cariocas. 

Claro que aceitamos, mesmo por que, apesar de não ser uma pessoa do ramo do "show business", ela era bastante inteligente e articulada, fora ser uma mulher linda e muito charmosa, ou seja, seria o tipo de produtora que não teria dificuldades para entrar nos lugares importantes e conversar com "tycons" da música mainstream. Uma matéria sobre esse show, saiu posteriormente na revista "Metal", que mais para frente na narrativa, reproduzirei o seu teor.

Foi assim o nosso show no espaço, "Caverna II", no Rio de Janeiro, no dia 25 de maio de 1986, com mil e trezentas pessoas presentes, a produzir um forte calor humano, em todos os sentidos.

O nosso próximo compromisso com show seria em São Paulo, mas em uma casa noturna com pequeno porte, e sob circunstâncias bem menos esfuziantes do que as que vivemos no Rio.

Depois dessa aventura calorosa (em dois sentidos), vivida no Rio de Janeiro, voltamos a São Paulo muito contentes, naturalmente. Além do sucesso imediato dessa empreitada no palco carioca, comemoramos também um ótimo resultado em termos de vendas de produtos que oferecemos como peças de merchandising, e as fichas cadastrais que levamos para angariar mais fãs registrados no fã-clube, voltaram com centenas de novos pedidos de adesão.  

Teríamos um trabalhão enorme no escritório do fã-clube para organizar tais novos membros, mas o "Núcleo ZT" estava motivado para dar prosseguimento, e claro que isso foi um fator extra para animar-nos cada vez mais. O próximo show que faríamos, seria bem mais calmo, como já insinuei no parágrafo anterior. Voltamos, portanto ao pequeno palco do Bar, "Café Brasil", no bairro do Bexiga em São Paulo.

Conforme eu mencionei alguns capítulos atrás, ao final de 1985, o dono desse estabelecimento quis fomentar a casa com shows de Rock, com bandas autorais, e nós fomos uma das primeiras a experimentar esse modelo. 

Muitas outras bandas foram agendadas, depois de nós e ao final de maio, voltamos a apresentarmo-nos lá, a demonstrar que o projeto tivera uma continuidade e isso foi bom, pois representara mais uma casa de shows na cidade, a abrir suas portas para o Rock autoral.  

Vou mencionar um fato, neste instante, que pode soar bastante presunçoso de minha parte, mas absolutamente, não possui tal intenção! Trata-se apenas de uma constatação que faço, amparado pela boa margem de distanciamento histórico em que encontro-me hoje (2016), para registrar tal observação, na minha autobiografia.

Ocorreu o seguinte: na época, a quantidade de espaços abertos para shows de Rock com bandas autorais, mostrava-se enorme. 

A despeito da ótima intenção do dono do Café Brasil, e claro que o apoiávamos com entusiasmo, a verdade foi que não achávamos vital para a cena, o surgimento de casas desse porte, com característica de bar/casa noturna, porque julgávamos ser muito mais interessante apresentarmo-nos em teatros, casas de shows e eventos ao ar livre e/ou ginásios/arenas de esportes e isso havia aos montes em São Paulo, Rio de Janeiro ou outras capitais e grandes cidades interioranas. 

Hoje em dia, com os teatros com portas cerradas para os artistas autorais do underground e com a presença de casas de show sob grande porte que só abrem agenda para atrações internacionais ou para os artistas privilegiados do mainstream, simplesmente não existem mais espaços, pois sob um contraponto cruel, as pequenas casas também não abrem espaço para a música autoral ao preferirem ceder os seus palquinhos mal iluminados e mal sonorizados, para bandas cover, em suma, naquela época, achávamos positivo o Café Brasil abrir espaço, mas a verdade nua e crua é: não achávamos que isso fosse vital para o incremento da cena, muito menos para a carreira da nossa banda. Moral da história: como regredimos, culturalmente a falar...

Feita essa explicação (e que fique bem claro que trata-se de uma análise histórica, tão somente), fomos ao Café Brasil, e apresentamo-nos no dia 30 de maio de 1986, com cinquenta pessoas na plateia. 

Não foi um público maravilhoso, mas também não foi decepcionante, tampouco. Uma data a mais nos foi oferecida para cobrir uma lacuna na programação da casa, motivada pelo cancelamento de uma outra banda. Portanto, voltamos ao Café Brasil, e tocamos no dia 7 de junho de 1986, desta feita com cem pessoas na plateia, e a explicação para que o dobro de pessoas tenha comparecido uma semana depois, no mesmo local, só pode residir em dois fatores: o efeito da divulgação, via mala postal e o fator financeiro, pois com a proximidade do famoso dia "10", a tendência foi das pessoas terem tido mais suporte financeiro para sairem e se divertirem. 

Enfim, explicações sócio/mercadológicas a parte, o fato foi que fizemos esse show a mais, e com esse resultado bem melhor em termos de público. 

Vou falar agora sobre algumas matérias de imprensa escrita que haviam resenhado os últimos shows, incluso o do "Caverna II", do Rio, a aumentar o volume do nosso portfólio. E posteriormente, um parêntese para comentar vários fatos ótimos, que paralelamente aos shows, animou-nos nessa época, de metade do ano de 1986.

Por exemplo, na Revista "Metal", em sua edição de número 22, o jornalista, Antonio Carlos Monteiro, falou sobre as suas impressões a respeito do show: "Metal 4", realizado no Palmeiras em maio de 1986:

"...Mais uma pausa, e surge A Chave do Sol". É impossível falar dessa banda sem usar adjetivos elogiosos. 

Inexplicável a cegueira absoluta das grandes gravadoras, que ainda não descobriram esse grupo. Além de músicas conhecidas, a Chave ainda mostrou  alguns ótimos temas novos, provando que sempre é possível se superar"...

Na mesma Revista, em sua edição de n° 23, a jornalista carioca, Claudia C. Schäfer, resenhou o show que fizéramos no "Caverna II", do Rio de Janeiro, ao final de maio do mesmo ano, e comentado nos capítulos imediatamente anteriores:

"No último domingo de maio, um grupo paulista muito querido pelos cariocas se apresentou pela terceira vez no Rio de Janeiro: o Chave do Sol. Além do Chave, tivemos a presença do Azul Limão e Fim do Mundo. Como de costume, ás quatro horas, os vídeos começavam a agitar a galera...

...Apesar de ter vindo poucas vezes ao Rio, a galera carioca o conhece pelo EP da Baratos Afins. A chave é uma banda extremamente profissional e seus músicos são excelentes, todos tem o mesmo nível. São eles: Luiz Domingues (baixo), Zé Luiz (bateria), Rubens (guitarra) e Beto (vocais). 

Com temas falando de amor e também com conotações humanitárias eles levaram "Anjo Rebelde", a baladinha "Um Minuto Além", um protesto contra o Apartheid, "Sun City", entre outras encerrando com um belíssimo blues "Forças do Bem"...

A comentar as matérias, agora, em relação a resenha do Tony sobre o show do Palmeiras, digo que o seu entusiasmo para conosco sempre foi emocionante. Daí em diante (para ser mais preciso, acredito que desde, 1985), ele sempre demonstrou publicamente em suas matérias que não conformava-se com o fato d'A Chave do Sol não ser cogitada por nenhum produtor de gravadora "Major" para uma possível contratação e decorrente remanejamento de nossa banda no mainstream.

Isso foi muito positivo como lobby para nós, ao considerar-se que o Tony já era um jornalista de primeira grandeza e escrevia para publicações bem situadas no ranking das publicações musicais do Brasil, caso das revistas "Roll", "Metal" e "Mix", todas da mesma editora, além de colaborar com jornais e fanzines independentes, também. 

No caso da resenha da Claudia, ela preocupou-se em situar a banda no imaginário do público carioca, ao fazer uma descrição das músicas. Contudo, a canção: "Forças do Bem", era uma pauleira, quase um Heavy-Metal. Ela deve ter confundido o nome, pois ao descrevê-la como um Blues, referiu-se naturalmente à "Que Falta me Faz Baby", essa sim, um Blues. 

Lembro-me que tocamos várias músicas novas, dentro daquela determinação de extirparmos o "ranço heavy-metal", inadequadamente adquirido após o lançamento do EP de 1985. 

Mesmo assim, tocar "Forças do Bem" foi uma escorregada em nossa estratégia. Ela omitiu a questão do calor, com o consequente desmaio do Zé Luiz no palco, e a ovação incrível que tivemos, fatos marcantes do espetáculo, ao escrever uma resenha quase burocrática, apesar de simpática.

Como dado curioso, acrescento que ela era uma mulher muito bonita, loura natural e com biotipo germânico, a destoar do padrão típico da carioca bronzeada e na mesma época em que escrevia na Revista Metal, apresentava um programa com vídeo-clips na TV Bandeirantes do Rio. 

Pouco tempo depois, ficamos amigos, pois ela fora muito amiga da minha namorada nessa futura ocasião, que era do Rio, também. Chegamos a irmos juntos ao show do Eric Clapton, na Praça da Apoteose, em 1990: eu; minha namorada (Sandra), Claudia e o seu namorado, o baixista da banda "X-Rated" (banda, aliás, que fez relativo barulho na cena do início dos anos noventa).

Mais uma entrevista que saiu publicada, desta feita na Revista "Roll", número 25, e o entrevistado fui eu mesmo, Luiz. Vou reproduzir o questionário, as minhas respostas e posteriormente faço os devidos comentários. Claro, na transcrição abaixo, "modernizei" a matéria, ao substituir o antigo apelido pelo qual eu fui conhecido naquela época, por meu nome artístico atual.

"Técnicas

Luiz Domingues (Chave do Sol)

"Luiz Domingues, músico há nove anos e um dos fundadores da Chave do Sol, vem se destacando no cenário Rockeiro como um dos melhores baixistas surgidos nos últimos tempos. Aqui ele dá alguns dicas sobre técnica, equipamentos e influências.

Roll - Qual o seu instrumento?

Luiz Domingues - No momento uso um Fender, modelo Jazz Bass.

Roll - Há alguma modificação nele?

Luiz Domingues - Sim. Dois captadores Di Marzio, que tem maior qualidade de som e mais ataque. E troquei a ponte, também : tirei a original Fender e coloquei uma Badass.

Roll - Quais os efeitos que você usa?

Luiz Domingues - Nenhum, seja no palco ou no estúdio.

Roll - Qual o seu sistema de amplificação?

Luiz Domingues - Um Duo Vox

Roll - Você toca com os dedos ou usa palheta?

Luiz Domingues - Só os dedos, desaprendi totalmente a a usar palheta. Quando eu comecei a tocar,  preferia a palheta, mas uns dois anos depois descobri que tocando com os dedos, se tem uma qualidade de som muito melhor. Eu ganho brilho no som e mais volume. Além disso, é possível se desenvolver vários macetes. Eu, por exemplo, deixo a unha do dedo médio um pouco maior para obter timbres mais agudos. Uso também muita estilingada, o que é raro no Rock brasileiro. Isso vem da grande influência que tenho do Funk e da Soul Music, e procuro encaixar essas características no Heavy Metal.

Roll - Qual a marca das suas cordas?

Luiz Domingues - Rotosound

Roll - Quais os baixistas que o influenciaram?

Luiz Domingues - Jack Bruce, Chris Squire, John Entwistle e Geezer Butler.

Roll - Dos baixistas atualmente em atividade, qual mais o impressiona?

Luiz Domingues - São dois: Geddy Lee e Steve Harris".


Agora, as minhas considerações sobre tal entrevista, amparadas por trinta anos de distanciamento histórico (2016):

1) De fato, eu só tinha o meu baixo, Fender Jazz Bass, nessa época. Só fui ter meu segundo baixo, o Tajima, modelo Fender Precision, em 1989, nos momentos finais de uma outra banda, no caso, A Chave, "sem Sol".

2) Valorizei bastante essa resposta, por que na verdade, quando adquiri esse instrumento (o Fender), ele já estava com essas modificações que eu relatei ter feito. De fato, os captadores Di Marzzio e a ponte Badass são peças com qualidade, mas hoje em dia, eu não tenho essa convicção de que sejam "melhores" que as mesmas peças originais da Fender, e ao ir além, se eu comprasse um baixo Fender, hoje em dia, não efetuaria a troca de tais peças, ao deixá-lo todo original.

3) Isso não mudou, isto é, continuo avesso aos efeitos, pedais e que tais e observe o leitor que trinta anos depois, o mundo tecnológico de hoje em dia (2016), inunda o mercado com novidades sob um ritmo frenético, e nada apetece-me. Continuo a gostar do som puro do instrumento e tenho dito.

4) Nessa resposta, eu proferi uma mentira estratégica e por motivo de vergonha. Sei que não justifica-se, é claro, mas na época em que concedi tal entrevista, fiquei envergonhado em expor a minha situação pessoal e vexatória de não possuir um amplificador na ocasião. 

De fato, quando a minha banda cover do período 1979/1982 (Terra no Asfalto), encerrou atividades, eu poderia ter optado por ficar com o amplificador que usava, quando da divisão do espólio da banda. Mas decidi ficar com o mini PA, a mesa de som e uma câmara de eco. 

Graças a esse sacrifício pessoal, A Chave do Sol nasceu com uma pequena estrutura de apoio para ensaiar, e esse mini PA não só sustentou os nossos ensaios por mais de quatro anos, como também deu suporte em vários shows sob pequeno porte que fizemos. Mas o preço que paguei por isso foi alto, pois só consegui comprar um amplificador, em 1987, nos momentos finais d'A Chave do Sol. 

Explicado isso, quando o jornalista formulou tal pergunta, é claro que eu não poderia citar essa longa história para justificar a minha situação de não possuir um amplificador, simples que o fosse. E ao mesmo tempo, revelava-se ridículo àquela altura dos acontecimentos, expor tal situação, pois seria uma contradição à fama que eu havia construído nos últimos anos, portanto, foi um embaraço que obrigou-me contar uma mentira com boa intenção, se é que isso possa existir. 

Claro que arrependo-me e mesmo assim, hoje em dia, responderia de pronto que não possuía um amplificador e ponto final, qual o demérito?

Em 1987, eu finalmente consegui comprar um amplificador. E por ironia do destino, em 1990, eu compraria um segundo amplificador, e seria um Duovox, ou seja, parece que foi profético!

5) Impressionante como podemos mudar de opinião de uma forma radical com o passar do tempo! Na época, defendi com veemência a técnica do Pizzicato (técnica tradicional para tocar baixo a usar os dedos, da mão direita), como algo superior, a alavancar diversas vantagens que eu achava válidas na ocasião. Hoje, penso exatamente o contrário!

Com palheta, o baixista tem muito mais precisão, timbre, brilho ou seja, o dedo, na técnica pizzicato funciona em estilos musicais mais calcados em linhas tradicionais do contrabaixo, ainda a pensar-se como uma extensão do baixo acústico, ao tentar simular as situações e timbres característicos do baixo acústico. 

Desde 1992, voltei para a palheta com toda a convicção, e passados 24 anos (2016), não tenho dúvida de que é muito melhor para os meus propósitos, e basta ouvir os discos que gravei depois desse advento, e comparar os timbres. Na minha ótica, não há discussão. 

Engraçado eu ter usado a palavra "estilingada" para designar a técnica do "Slap". De fato, eu incorporava tal recurso à época, mas de uma forma comedida. E também, causava uma certa estranheza entre os adeptos do Rock pesado oitentista, notadamente o pessoal do Heavy-Metal. 

Mas era algo normal na minha atuação, pois conforme disse na entrevista, sempre gostei de Black Music, sob suas várias vertentes. Contudo, pus-me a abandonar a técnica do slap, e posso afirmar que há anos nem cogito usar tal recurso. Acho-o muito chato hoje em dia, e se for para buscar o swing da Soul Music/Funk/R'n'B, uso outros recursos. 

E por fim, foi lamentável ter falado em Heavy-Metal, acho que fui infeliz nessa colocação pois já tínhamos virado essa página em 1986, e pelo contrário, tentávamos a todo custo retirar os resquícios desse erro estratégico cometido em 1985, quando então eu vou conceder uma entrevista para uma revista de circulação nacional e falo uma bobagem dessas, em suma, mereci um cartão amarelo!

6) Citei quatro baixistas sensacionais que realmente admiro (nada contra o Geezer Butler, mas eu deveria ter escolhido o John Paul Jones, que influenciou-me muito mais, além do Gary Thain), mas na verdade, poderia falar de outros vinte, pelo menos, que tem o mesmo peso de influência em minha formação como baixista. 

Nessa pergunta em específico, aconteceu algo insólito, pois o repórter desligou o gravador e deu-me uma dica, ao sugerir: tudo bem eu gostar desses baixistas "do passado", mas isso poderia desapontar os leitores/fãs. Pediu-me então que citasse ao menos um que fosse moderno, para que houvesse uma identificação maior com os leitores. 

Não foi uma exigência, mas uma sugestão de amigo, visto que quem entrevistou-me foi o Tony Monteiro, um jornalista que mostrava-se admirador confesso d'A Chave do Sol e queria muito ver-nos em uma situação de carreira, melhor. Portanto, foi quase uma orientação feita por um assessor de imprensa pessoal.

Então, só veio uma ideia na cabeça: Geddy Lee, o baixista do "Rush". Não fora exatamente um baixista moderno, mas a despeito de ser um artista que veio dos anos setenta, estava a atravessar a
década de oitenta com muita dignidade e respeito da nova geração de adeptos do Rock pesado, com trânsito livre inclusive, entre os amantes do Heavy-Metal. 

Mas mesmo assim, foi uma espécie de falácia educada de minha parte, pois mesmo a reconhecer que ele é excelente e o Rush, uma boa banda, eu nunca fui um admirador contumaz dele, tampouco da banda. Indo além, até acho bons os primeiros discos desse grupo, mas nunca emocionaram-me ao ponto de eu ser um fã, potencialmente a falar, e nunca interessei-me em absorver alguma coisa dele, Geddy Lee, como músico.

Mas pior ainda, foi quando o Tony sugeriu que eu incluísse mais um artista. A sua intenção foi ótima e eu lembro-me dele a falar textualmente: "coloque mais um nome moderno, por que esses que você citou, são desconhecidos para essa garotada nova"...

E foi além, quando soprou: "Steve Harris". Não vou dizer que eu o ache ruim. Pelo contrário, dentro do seu estilo, ele é bom, competente, honesto e merece mais alguns adjetivos. Contudo, eu nunca gostei de Iron Maiden, pois como sempre digo, eu nunca apreciei o Heavy-Metal, e quando vi/ouvi o Iron Maiden pela primeira vez, em 1981, aproximadamente, eu já era um Rocker com a mentalidade forjada por um bilhão de outras influências que reputo mais importantes, e não havia motivo para encantar-me com aquela estética, aliás, pelo contrário. 

Porém, ao verificar que uma resposta diplomática poderia ser mais conveniente para carreira d'A Chave do Sol, e a minha por extensão, aceitei a dica e o disse, porém, pela resposta que dei, está nas entrelinhas que respeito-o, mas claro que não influenciava-me em nada. 

Hoje em dia, eu não acataria a sugestão e responderia 100 % o que penso. Mas isento em 1000% o Tony nessa questão, pois a sua intenção em ajudar-me foi nobre, sem nenhuma dúvida. Agora sim, vou falar sobre os tais fatos animadores extra shows que aconteceram nesse período, entre abril e junho de 1986.

Falo enfim sobre os tais fatos paralelos que mencionei superficialmente, alguns parágrafos atrás. Bem, são alguns acontecimentos que não tem uma cronologia bem definida, deixei para citá-los neste ponto, conjuntamente, para situá-los sob um período aproximado entre março e junho de 1986. O primeiro fato que vou relatar, é sobre a questão do poster da Revista Som Três.

Como sabemos, a Editora Três, que publicava a Revista "Som Três", tinha também a predisposição para lançar publicações alternativas, verdadeiros "splits", ou derivados, para explicar mais precisamente. 

Tais publicações eram edições especiais, como a "Enciclopédia do Rock", ou o "Livro Negro do Rock", mas dentro dessas publicações alternativas, a mais famosa fora a série de posters, onde no formato dobradura, apresentava um histórico de algum artista, e no seu interior, um poster gigante do artista enfocado. 

Tais publicações fizeram grande sucesso nas bancas de todo o país, ao final dos anos setenta e início dos oitenta. Foi praticamente um oásis para apreciadores da estética setentista, principalmente, pois ao nadar contra a maré da época, salvo raras exceções mais contemporâneas, se tornara quase que exclusivamente composto por artistas dessa década anterior (e também por alguns poucos sessentistas apenas, como The Beatles, Rolling Stones e The Who), como Deep Purple, Yes, Black Sabbath, Led Zeppelin, Rush etc.

Portanto, sob uma época muitíssimo hostil à estética sessenta/setentista, portava-se mais que anacrônica a linha editorial adotada em tais posters, mas para os órfãos do Rock, tão vilipendiado após o manifesto Punk de 1977, tornou-se um "porto seguro", ainda que sob certo tom nostálgico. 

Ao avançar no tempo, o tal poster da Som Três lançou pela primeira vez uma edição focada em artistas brasileiros. Apesar da ótima iniciativa, o formato compartilhado com o qual revestiu-se, denotou uma certa falta de confiança, infelizmente, nos artistas nacionais. 

Melhor que nada, o métier comemorou o fato da Patrulha do Espaço e o Made in Brazil terem saído na referida edição, ainda que sob maneira compartilhada, ao dividir o mesmo poster. Demorou um bom tempo para que a editora fizesse uma nova investida a enfocar artistas nacionais, quando surgiu a ideia de um novo poster com esse teor. 

Em princípio, seguiria a ideia de uma edição compartilhada, mas para piorar as nossas expectativas, a determinação da redação seria diminuir ainda mais o espaço, ao dividi-lo entre quatro bandas. O "normal" em plena metade de anos 1980, teria sido enfocar em bandas da estética do Pós-Punk, e no âmbito do mainstream, elas pululavam com pompa e circunstância, mas algum abnegado "mentor" (ouso dizer que desconfio quem foi o autor da ideia, mas não mencionarei, por não ter essa certeza), dentro da equipe de redação da Som Três, colocou a sua mão pesada na reunião de pauta, e assim, fechou-se com a ideia de se lançar o poster com quatro bandas brasileiras do cenário do Rock pesado e underground. 

Claro que quando recebemos o convite para estarmos entre tais bandas selecionadas, comemoramos muito e o aceitamos sem reservas.

Certamente que o ideal seria um poster para cada banda, individualmente, com maior capricho no texto e recheado com fotos, mas nós não poderíamos perder tal oportunidade, mesmo sendo mais modesta nesse tipo de espaço compartilhado. Aceito o convite, só aguardamos o agendamento da sessão de fotos e os trâmites para fornecer release, com o qual basear-se-iam para formatar o texto na publicação.
Ao falar do poster, o jornalista que escreveu o texto teve o cuidado de burilar o release oficial que cedemos-lhe e ao ir além, fez a leitura correta do histórico que enviamos-lhe em anexo, portanto, a redação final que foi publicada no poster, ficou bastante satisfatória. Destaco alguns trechos:

"Uma das mais queridas bandas de Heavy paulista, A Chave do Sol nasceu em 82"...

..."Começaram a tocar como Power-Trio e muitos de seus fãs preferem esta fase, em que a maior parte das músicas era instrumental"...

..."A Chave do Sol possui um estilo diferente, e a rapaziada faz questão de dizer que não sofre influência específica de nenhuma banda. Podem-se identificar influências de Heavy e muito Jazz Rock, que resulta numa mistura bem a gosto dos Heavies em geral"...


Agora eu comento algumas particularidades que notei no contexto geral:


1) Não posso afirmar ter sido um erro por parte do jornalista o fato dele ter rotulado-nos como "Heavy". Fora o ônus pelo segundo disco lançado e fruto de uma má estratégia na carreira. Naquele instante, foi trabalhoso aparar tais arestas e nomeações desse porte, mostravam-se quase inevitáveis na mídia.

2) Verdade, formou-se um grande número de fãs que gostavam da fase do trio mais instrumental, mas se serviu-nos como consolo, o fato de que a "fase Beto", que estava em curso, também angariava muitos fãs.

3) Verdade, também. O EP foi isso mesmo, ou seja: o velho Jazz-Rock que praticávamos anteriormente, mesclou-se ao Hard-Rock/Heavy-Metal, imprimido pelo peso, e esse é o seu som. Foi inevitável que o jornalista tenha feito tal afirmativa.

Para encerrar o assunto do poster, claro que tal publicação foi muito positiva para a banda e auxiliou-nos a atingir esse "momentum" precioso que atingíramos na metade de 1986.  

Não foi o fator preponderante, contudo, constituiu-se em mais uma ferramenta de divulgação e à medida que mais fama alcançávamos, mais oportunidades apareciam e sob um efeito potencializador, mais chamávamos a atenção, ou seja, foi o doce momento da retroalimentação espontânea que a banda estava a atingir, graças aos esforços somados por quatro anos de trabalho e apesar dos erros de estratégia e da falta de sorte em não termos atraído um empresário astuto, produtor ou manager esperto o suficiente para capitalizar o "momentum" e empurrar-nos enfim para o mainstream. 

Falo a seguir mais sobre os bastidores dessa produção do poster. 

De fato, o release que oferecemos com o adendo de um histórico mais pormenorizado em anexo, serviu como base para o jornalista escrever a resenha que compôs a nossa participação no poster.

Foi importante que o jornalista em questão, teve o cuidado para não copiar ipsis litteris, como muitos normalmente procedem (inclusive até hoje, no jornalismo cultural), quando vão realizar alguma matéria, apenas a aproveitar o release oferecido pelo próprio artista. Tal expediente é claramente preguiçoso por parte de alguns jornalistas e hoje em dia, com internet e google como ferramentas disponíveis, não querer fazer uma pesquisa básica e prévia, é no mínimo lamentável.

Foto da exótica edificação onde a Editora Som Três reunia as suas diversas redações, com tantas revistas que possuía no mercado editorial brasileiro, localizada no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo
 
Marcado o dia da sessão de fotos, dirigimo-nos à redação da Revista Som, localizada nas imediações do trilho de trem, na Lapa, bairro da zona oeste de São Paulo, e naquele quadrante do bairro, conhecido como "Lapa de baixo" sendo caracterizado pela presença de grandes galpões industriais.

A redação da Som Três ficava ali, sede da Editora Três, responsável não só pela Revista Som Três, e seus posters e edições extraordinárias (cujo teor já comentei anteriormente), mas também por outras publicações famosas, entre as quais, a revista "Isto É", (talvez a grande concorrente da "Veja", na área de política & economia), e a Revista "Planeta", especializada em esoterismo, misticismo & afins, que reputo até ser os carros chefe da editora, tanto que existem até hoje, e no caso da esotérica, "Planeta", sem interrupção, desde 1972. 

Bem, a ideia seria fotografar todas as bandas juntas, com os seus membros misturados para a composição do poster central, e sessões separadas para colher mais material, com o objetivo de compor as matérias individuais. 

Assim que chegamos, confraternizamo-nos com as demais bandas. Ali todos eram amigos cordiais, e o clima foi descontraído, naturalmente. Lembro-me que na sala de maquiagem do estúdio fotográfico, o clima foi pautado pela total descontração e claro, muita brincadeira surgiu entre nós, por que não sendo artistas assumidamente "glitter", mas com o visual oitentista (pelo menos no "moderno" Hard-Rock da época), quase que a promover-se um revival "Glam" no visual, foi pelo aspecto visual, uma questão contraditória, sem dúvida alguma.

E dentro desses parâmetros, e ao considerarmos o machismo inerente em nossa cultura popular, claro que a brincadeira tornou-se proeminente. Os técnicos presentes no estúdio fotográfico demonstravam absoluta imparcialidade diante desse clima, ao não entrarem nas brincadeiras do nosso seleto rol ali presente. Claro que estavam acostumados a fotografar muita gente esquisita, mas duvido que uma "fauna" daquelas aparecesse no estúdio frequentemente. Na hora de fotografar o poster coletivo, a ideia dos membros das bandas
a se misturarem ganhou força.

Hoje em dia, acho que seria melhor dividir o poster central em quatro pedaços, por que seria mais produtivo para cada banda.

Ali, aquele bando de cabeludos maquiados, misturados e sem identificar com precisão quem era quem, pareceu ser contraproducente para as bandas, enquanto divulgação. Mas o pessoal da Som Três tinha na ponta da língua, o argumento de que no encarte, o espaço individual de cada banda estava assegurado etc. 

Fora uma verdade, e também foi concreto que a ideia de todos misturarem-se, conferia uma ideia fraternal, portanto simpática.
Isso também foi correto e além do mais, ali todos eram amigos e estávamos acostumados a dividir camarins, estúdios de Rádio e TV e ajudarmo-nos mutuamente há tempos, portanto, não foi desagradável para ninguém a mistura, mas ainda acho que sob o ponto de vista do marketing, não foi positivo para ninguém. 

Outro aspecto a ser mencionado: na hora da captura dos clicks do fotógrafo, houve a disparidade fisiológica evidente. O pessoal do "Abutre" era muito alto, ao estabelecer um contraponto com A Chave do Sol, por exemplo, onde o Beto e o Zé Luiz tinham estatura mediana, e eu, sou, Luiz, bem baixo, com apenas o Rubens, mais alto entre nós, a aproximar-se levemente dos irmãos Giudice. 

O pessoal do Platina também tinha porte alto e o seu vocalista, Seman, era um gigante, com a sua estrutura corporal no patamar de um fisiculturista.

Já no figurino, todos pareciam seguir o Hard-Rock "Farofa" californiano oitentista como tendência, com exceção do pessoal do Centúrias que apresentava um visual rústico, no uso de jeans básico, e a evocar a simplicidade espartana do "AC/DC". Em suma, foi bastante divertida a sessão de fotos.
O poster chegou às bancas e vendeu muito bem. Recebemos a informação vinda da equipe de redação da revista Som Três, de que sua cúpula estava até surpreendida com o resultado apresentado na vendagem, por que estava a superar as suas projeções, que haviam sido baseadas no desempenho do poster que haviam lançado em 1981, com a Patrulha do Espaço e o Made in Brazil.

Foram cinco anos de defasagem entre os dois lançamentos, mas não podíamos reclamar, por que, enfim, a Editora Três dignou-se a lançar novamente artistas brasileiros, e lembrou-se de nós. 

Claro que no "momentum" que atravessávamos em 1986, foi um elemento a mais para animar-nos muito. Tal poster representou a nossa imagem pendurada pelas bancas de todo o país e assim somou-se às matérias que apareciam com frequência em outras publicações, o clip lançado pela TV Cultura, com a música, "Sun City", os shows com porte que estávamos a realizar, rádios que tocavam-nos em suas programações e/ou programas; o crescimento do fã clube, e outras coisas boas que aconteceram na mesma época, e das quais eu falarei a seguir.

A rádio 89 FM estava no ar desde o início de 1985, a tentar firmar-se no Ibope e colocar-se como uma emissora exclusivamente dedicada ao Rock. Claro, a sua estratégia de atuação fora privilegiar o Rock contemporâneo, e com pouco ou nenhum espaço dedicado ao Classic Rock.

No mercado paulistano, a 97 FM estava mais forte nesse setor, com muito maior audiência, ainda que fosse uma emissora de Santo André-SP, cidade vizinha e por conta disso, não poder ser chamada de paulistana, mas o pior mesmo, não ser ouvida na cidade de São Paulo inteira, por deficiência de sua infraestrutura.  

Por não ter uma antena potente, não era alcançada em muitos bairros da capital de São Paulo, e isso a atrapalhava certamente em relação à sua solidificação de mercado.

Por conta desses fatores, a 89 FM tinha tudo para crescer e concorrer com a 97 FM, pois ainda por cima, apostava no Rock contemporâneo e na década de oitenta, a aposta da 97 FM pelo Classic Rock, ainda que fosse um bálsamo para Rockers tradicionalistas como eu, representava, mercadologicamente, um suicídio, infelizmente.

Posto isso, o leitor há de recordar-se que capítulos atrás, quando enfocava fatos ocorridos no ano de 1985, eu revelei um incrível caso d'A Chave do Sol com a 89 FM ( a música "Anjo Rebelde" a ser tocada na rotação errada), mas agora, nesse primeiro semestre de 1986, teríamos uma outra passagem, ainda mais significativa e produtiva, de certa forma. 

Vamos aos fatos: não recordo-me se foi ao final de 1985, ou início de 1986, mas sob um esforço de crescimento, a 89 FM contratou Rita Lee e Roberto de Carvalho, para comandar um programa semanal, chamado: "Rádio Amador". 

O casal vivia a sua carreira Pop desde 1979, aproximadamente e o seu auge de popularidade havia ficado para trás, até 1982 ou 1983, mais ou menos e dali em diante, só voltariam à baila com sucessos sazonais. Mas em 1985, a percepção não foi essa, e o casal desfrutava de fama mainstream forte no imaginário popular e portanto, ter o passe de ambos representou uma vantagem para a emissora, que aspirava crescer no ranking das FM's paulistanas, e esse é um mercado fortíssimo, disputado a tapas pela concorrência. O programa era simpático. 

Costumava tocar músicas que o casal gostava, novidades "modernosas" e espaço para as sketchs humorísticas escritas e interpretadas pela cantora, que notoriamente gostava de usar tal tipo de humor, baseado na criação de "personagens", em suas aparições públicas.  

Sob uma ação promocional, Rita anunciou que estava a aceitar material de bandas emergentes, e mediante uma audição que garantisse um mínimo de qualidade de áudio do material e do aspecto artístico/técnico de cada banda, tocaria e teceria comentários sobre tais artistas novatos.

Claro que deve ter provocado uma enxurrada de materiais a chegar à emissora, e uma equipe da mesma deve ter feito mutirão para filtrar os materiais recebidos e escolher as melhores bandas. Nesse caso, animamo-nos para levar o nosso material também, mas aí tivemos um dilema: levarmos o compacto, o EP, ou a nova demo-tape, onde a proposta de sonoridade seria a que queríamos impor doravante?   

O fato de ser uma banda já existente no mercado, com dois discos lançados, tinha que ser enfatizada, é claro. Levar só a demo, implicaria em nivelar por baixo, ao denotar sermos uma banda iniciante, como deve ter sido o caso da maioria, que certamente abordara a produção do referido programa.

Contudo, levar o compacto apenas, deixava-nos na situação limitante em expor a voz do Rubens como carro chefe, e assim, tendo a obrigação de fazer valer a voz do Beto, como mostrava-se a atual formação daquela época, não interessava-nos, certamente. 

Mais inconveniente ainda seria o lado B do compacto, com uma música instrumental e longa, cheia de firulas anacrônicas para o momento oitentista. No caso do EP, pior ainda, pois queríamos esquecer aquelas pauleiras com aspecto de Hard-Rock/Heavy-Metal, e claro, tratava-se da voz de um ex-vocalista, que a despeito de ser um grande cantor, já não estava mais conosco, e por termos, portanto, um novo frontman.  

Sendo assim, levamos a demo-tape que acabáramos de gravar, com release, cópias das melhores matérias de nosso portfólio e claro, os dois discos lançados. O que fizemos, na entrega do material, foi enfatizar à produtora que recebeu-nos, que os nossos esforços de divulgação estavam concentrados na demo-tape recém gravada, e que se aprovado o áudio de tal gravação, preferíamos que tocassem músicas da demo, e não dos discos.

Claro que a gravação dos discos tinha maior qualidade de áudio, mas a demo tinha uma qualidade mínima para tocar no rádio e portanto, estávamos confiantes que a produção a aprovaria para a execução.  

Então, em um dia qualquer de junho de 1986, que não recordo-me exatamente qual foi, pois não consta de minhas anotações de época, fomos informados que a nossa música, "Sun City", havia sido executada no programa, e que a Rita Lee, em pessoa, havia tecido grandes elogios à nossa banda e ao ir além, havia comparado-nos ao "Bad Company".

O grande, "Bad Company", uma bela banda britânica setentista e que transitava entre o Blues-Rock, Hard-Rock e o Pop
 
Ora, quem conhece um pouco a história do Rock brasileiro setentista, sabe que na época de ouro de Rita Lee & Tutti-Frutti, foi público e notório que ela, Rita, adorava o "Bad Company", portanto, ficamos bastante entusiasmados quando recebemos a notícia de que ela tocara o nosso som em seu programa, e elogiara-nos com uma referência que mostrava-se muito querida por ela (e por nós, também).  

Sendo assim, forçamos uma barra e na semana subsequente, fomos in loco ao estúdio da 89 FM para tentar falar com ela, sob o argumento de que gostaríamos de agradecer-lhe.

Dessa forma, fomos munidos de uma enorme dose de ousadia e certamente com indisfarçável segunda intenção delineada, para tentar uma abordagem direta com Rita Lee, e cabe aqui algumas ponderações prévias sobre tal resolução de nossa parte:

1) A nossa intenção na verdade fora outra, além do agradecimento puro e simples, pois queríamos na verdade, estreitar relação com a "Rainha do Rock", e tentar assim angariar a sua simpatia, talvez ao ponto dela tornar-se nossa madrinha, se possível.

2) Era terminantemente proibida visitas nos estúdios da emissora e o programa era realizado ao vivo. Portanto, foi uma quase certeza de que não conseguiríamos nem passar da recepção.

3) Mesmo não sendo exatamente uma estratégia bem engendrada e a correr o risco em não lograr êxito, nós tentamos.
 

Sendo assim, chegamos a referida emissora em cima da hora do programa começar e isso foi proposital. Julgamos ser mais conveniente tentar entrar com a certeza de que ela e Roberto de Carvalho já estivessem no estúdio, a tentar uma abordagem de rua, quando naturalmente poderia haver a presença de seguranças truculentos, ou mesmo a possibilidade dos referidos artistas nem pararem para ouvir-nos, ao alegar pressa, pelo horário. Seria incerta a estratégia, portanto. 

Naquela época, não havia interceptação no hall de entrada do edifício onde a 89 FM localizava-se, portanto, entrar no prédio seria tranquilo, mas o impasse, no entanto, dar-se-ia para entrarmos nas suas dependências, no 18° andar.

Foto datada de 1952, da antiga loja de departamentos "Sears", na Rua 13 de maio, onde desde 1989, existe no mesmo espaço, o Shopping Paulista

Portanto, ficamos nas imediações da Praça Oswaldo Cruz, onde localiza-se o referido edifício e aguardamos alguns minutos, para efetuar a nossa entrada. Naquela época, as dependências da antiga loja de departamentos "Sears" que ficam em frente, no início da Rua 13 de maio, estavam decadentes. Somente três anos depois, ali reformar-se-ia e tornar-se-ia o Shopping Paulista. 

Na espreita, aguardamos na praça que marca o início da Avenida Paulista (Praça Oswaldo Cruz), quando vimos o casal a chegar apressadamente. Estavam em um carro particular, e com uma terceira pessoa presente que o dirigia, que deixou-os na porta do prédio e partiu, provavelmente com a incumbência de buscar estacioná-lo. Quem seria, esse motorista, não sabemos, talvez um produtor da equipe do casal, provavelmente.

Vimos portanto o casal a entrar apressadamente no edifício, e sem seguranças, tampouco abordagem da parte de fãs, pois acháramos que na porta do prédio aglomeravam-se caçadores de autógrafos, "paparazzis" e curiosos em geral. Entretanto, na verdade, nada disso ocorreu, foi tudo absolutamente tranquilo.

Subimos então, sem problemas, visto que naquela época o edifício não tinha uma recepção para filtrar a entrada das pessoas. Chegamos ao 18° andar, e aí sim, enfrentamos a barreira da recepção da rádio. Ao apresentando-nos à recepcionista, fomos francos: -"queremos falar com a Rita Lee".

A recepcionista da rádio não mandou-nos embora, como achamos que o faria de uma forma "incontinente", a obedecer ordens naturalmente, mas resolveu interfonar para o estúdio e anunciar a nossa presença e nosso desejo. Algum tempo depois, uma produtora apareceu, e educadamente disse-nos que a Rita estava no ar, e não poderia receber-nos.

Então insistimos no discurso de que a Rita gostara da nossa banda, que gostávamos do Bad Company também.

A produtora então disse-se que não era comum a Rita interromper a sua performance, que era ao vivo, para receber pessoas, mas falaria com ela. Ora, parecia que daria tudo certo, enfim, pois o normal teria sido convidar-nos a retirarmo-nos do recinto, imediatamente. 

Mais um tempo passou-se quando ela apareceu e disse para aguardarmos mais um pouco, pois a Rita falaria conosco, mas rapidamente, durante um intervalo comercial do programa, portanto seria bem rápido. Muito bem, ficamos animados com a perspectiva.

Mais um pouco, e apareceu enfim a "Rainha do Rock", no hall onde aguardávamos. Simpática e a brincar conosco, chegou perto de nós a dizer-nos que "adorava cabeludos", para quebrar qualquer gelo que pudesse haver entre nós, artistas do underground, e ela, consolidada no mainstream desde quando nós mesmos éramos crianças, apenas.

Ela mexeu com cada um, a brincar e comigo em particular, lembro-me que tocou nos meus cabelos, ao levantar uma mecha em meio à sua brincadeira carinhosa. E naquele tempo, minha cabeleira não era só vasta, mas bem recheada, posso afirmar com boa uma dose de saudade. 

Falamos muito rapidamente, onde ela reforçou a impressão que deixara no ar, ao dizer-nos que considerara a nossa banda muito boa, e que nós havíamos despertado-lhe a lembrança do Bad Company.

Agradecemos e tecemos rápidos comentários sobre o nosso trabalho, mas o tempo urgia e logo a produtora que atendera-nos anteriormente estava desesperada a sinalizar que o intervalo estava para acabar e a Rita deveria voltar ao estúdio e reiniciar a sua locução. 

Diante da inevitável ruptura, ela desejou-nos boa sorte, mandou beijos e voltou rapidamente para o estúdio. Saímos contentes com a abordagem. Acredito que nos dias atuais, seria impossível efetuá-la novamente, portanto, foi uma ação que podemos comemorar e muito.

Apesar disso, o resultado prático, não mudou a nossa vida, evidentemente. Tudo não passou da efemeridade de ocasião, e cabe uma reflexão de minha parte, agora que estou muito mais experiente. 

Abro um rápido parêntese, e digo, que não obstante o fato de não ter alcançado nem 1% da fama que Rita Lee teve (tem), eu também passei (e ainda passo), muito pela mesma situação, ou seja, jovens aspirantes a carreira artística, abordam-me a cata de uma avaliação de seus trabalhos, ou mesmo a buscar contatos que supostamente acham que eu tenho para auxiliá-los etc. Dentro dessa perspectiva, hoje eu sei que a Rita, apesar de seu prestígio e fama à época, o que poderia fazer por nós, exatamente? 

Talvez o seu aval abrisse algumas portas, talvez até impulsionasse-nos em alguns aspectos, mas dificilmente alcançaríamos o mainstream por conta da ajuda dela, a não ser que ela encantasse-se verdadeiramente, ao ponto de tornar-se nossa "madrinha", um autêntico "anjo da guarda", e colocasse a nossa banda como pauta de suas prioridades na agenda. Mas não foi o caso.

Ela ainda era jovem e a sua carreira prosseguia em sua rotina de shows, gravações de discos, compromissos na mídia etc. Apesar de na minha avaliação, eu achar que o seu "momentum" na carreira solo já havia passado, visto pela perspectiva histórica de hoje em dia, claro que ela na época não tinha tal percepção e naturalmente tocava a carreira a considerar sempre estar na crista da onda. E na base da descontinuidade gradual, a sua carreira seguiu com certa exposição midiática pelo menos até o início dos anos 2000, apesar do grande "boom" ter ficado mesmo para trás, até 1983, mais ou menos.

Portanto, claro que eu compreendo que não é assim que funciona, a não ser, como já disse, que o "famoso" em questão queira assumir a condução da carreira de um artista emergente, por ter envolvimento emocional com o seu apadrinhado, ou por acreditar muito no seu trabalho. 

No caso da Rita, creio que o seu elogio foi sincero e a comparação com o Bad Company, foi uma lisonja para nós, mas na prática, não mudou a nossa vida em nada. E assim foi a nossa aventura no programa, "Rádio Amador", com o posterior contato com Rita Lee e o elogio público que fez-nos, que foi muito honroso para nós. 

Poucos meses depois desse episódio, teríamos outro contato com ela, mas desta feita, de uma forma indireta, e aí sim, um pedido de ajuda formal foi formulado e negado por parte dela. Mas falo no momento correto da cronologia dos fatos. A seguir, falarei sobre a nossa relação de amizade e cooperação com a banda Punk, "Os Inocentes", e como isso gerou uma história plena de nuances interessantes.

Em praticamente todos os capítulos que venho a relatar sobre as bandas em que toquei/toco, eu já expressei a minha opinião sobre a "Revolução Punk" de 1977, e sei que minha visão sobre esse momento da história (e sobretudo as suas consequências para a música e o Rock em específico), é bastante polêmica, pois vai na contramão total da maioria das pessoas, que acham que tal movimento foi benéfico, e eu penso exatamente o contrário. Mas claro que minha bronca com o Punk Rock sempre foi institucional, jamais pessoal, sob uma primeiríssima avaliação. 

Em segundo lugar, a verdadeira bronca nem é contra o movimento em si, mas muito mais contra os ditos "formadores de opinião", que criaram um paradigma maldito ao meu ver, e em seu bojo, uma despejou uma carga de malefícios ao Rock, com desdobramentos múltiplos e praticamente irreversíveis.

Então, para deixar claro, e acho que já expliquei isso em outros capítulos, mas vou reforçar aqui, digo que:

1) A "filosofia" do "Faça Você Mesmo" (Do It Yourself), alardeada como revolucionária em 1977, não é abominável em si, mas abriu sérios precedentes, a causar estragos, que considero imperdoáveis para a história do Rock.

2) No bojo da dita, "Revolução", os seus marqueteiros criaram elementos detestáveis para realçar o seu "conceito/paradigma", e um dos mais terríveis foi a exaltação da ruindade musical como um recurso padrão de seu movimento. A ideia de não precisar ser um "virtuose de conservatório" para tocar em uma banda de Rock (da qual até concordo), fora válida, mas daí a forjar o extremo oposto como uma condição sine qua non, foi um desserviço que causou estragos a curto, médio, e longo prazo. 

Toda uma geração cresceu com a ideia do conceito: "quanto pior, melhor" e isso foi inadmissível. O direito a fazer um som simples, é legítimo. Quem quiser pautar a sua criação pela simplicidade, ao fazer Rocks com três acordes, não há problema algum, mas daí a propagar a ideia de se tocar desafinado propositalmente, tocar o mais toscamente possível, foi uma pura ação de marketing, mas que infelizmente os "formadores de opinião" elevaram à décima potência de importância, quando na verdade teria sido apenas uma ação de marketing para chocar mediante o ultraje, a avacalhação e portanto, ter durado por alguns poucos minutos, e não tornar-se uma tendência a gerar um paradigma, ou seja, jamais deveria ter passado disso.

3) Outro paradigma maldito, forjado nessa história, foi o do repúdio ao passado, como palavra de ordem. Distorceram o conceito de niilismo de tal forma, que tornou-se ma cruzada anti-Rock, com aquelas hordas formadas por abduzidos a massacrar o Rock clássico, e em específico, o Rock Progressivo. 

Toda sorte de ataque foi perpetrada e os ditos "exageros" do Rock Progressivo tornou-se o objeto de destruição a ser massacrado em praça pública. Esse ódio ao passado que eles fomentaram, criou um paradigma maldito, pois isso norteou todo o desenvolvimento da estética dos anos 1980, com a fuga absoluta das raízes e a obsessão pelo novo, que nunca revelou-se minimamente interessante, apenas sendo o "novo" e ruim (muito ruim). 

Tal predisposição fomentada pelos formadores de opinião em "hypar" tudo o que era novo, só por que era novo, criou aberrações. Se tudo o que foi novidade e fugia da estética 1950/1960/1970 era considerado "bom" por essa gente e consequentemente aceito pela massa não pensante, criou-se um terrível paradigma de que a ruindade musical era "cool" e isso explica a fragilidade absoluta da maioria esmagadora dos artistas do Pós-Punk, e seus derivados durante a década de 1980. Isso foi um crime lesa-Rock e causa-me espanto que em pleno 2016, poucas pessoas ainda, tenham tomado consciência do precedente terrível que essa famigerada mentalidade destruidora causou.

4) Uma desculpa na ponta da língua que esses mentirosos criaram, foi a de que o objetivo dos punks de 1977, fora o de romper com o Rock bem tocado, dominado por músicos com mentalidade de músicos eruditos, e assim "devolver" ao Rock, a sua raiz rebelde dos anos cinquenta, quando de seu surgimento. Pura balela! 

Basta olhar a história do Rock e verificar que existia uma dose forte de rebeldia nos primórdios, mas jamais sob a égide da avacalhação como os punks instituíram em 1977. Ninguém, nos primórdios cinquentistas, queria tocar mal propositalmente, alimentar atitudes anti-sociais para chocar na mídia, ou repudiar a música que os precedeu.

Pelo contrário, a seguir a normalidade, todos exaltavam os seus influenciadores, fossem nomes da velha guarda do Blues ou da Country Music, Folk Music etc. O tocar simples, para alguns de seus maiores expoentes, mostrava-se algo normal. Simples sim, mas esculhambado, jamais...

5) Para reforçar tal determinação, a minha contrariedade sempre foi institucional, contra o conceito e as suas consequências, jamais contra pessoas. Mais que o estilo musical, mas contra o seu caráter revolucionário enquanto manifesto artístico e tomada de posição estética, a bronca mesmo foi contra os marqueteiros, esses inescrupulosos que no afã de ganhar dinheiro, lançaram boatos, criaram modas e paradigmas sem mensurar os efeitos colaterais, e mesmo que tenham consciência do malefício que causaram, dão de ombros ao soltarem a sua bomba atômica sem dó, por nada importar-se com os estragos inevitáveis que causaram. Para tais energúmenos, deixo o meu repúdio.

6) Não sou contra o Punk Rock, ou o Pós-Punk ou quaisquer de seus derivados. E muito menos contra quem aprecia tais estéticas e ainda menos para quem os professa. Aceito como legítimo apreciar ou querer fazer música sob qualquer estilo, pois a democracia pressupõe a liberdade artística total.

Se o cidadão gosta e quer ouvir música tosca, não incomoda-me em absolutamente nada. Eu acho que todos tem o direito inalienável em expressar-se artística e culturalmente a falar, da maneira que lhes aprouver. 

E nessa prerrogativa, rejeito totalmente a antítese criada pelos "formadores de opinião", de que o contrário não possa acontecer na mesma medida. Reservo-me o direito de continuar a apreciar, fazer e incentivar jovens artistas a empreender música com qualidade, bem composta, arranjada e executada. Rejeito o paradigma punk da tosquice como instituição paradigmática. Rejeito o baixo astral, rejeito o "quanto pior, melhor". 

Feitas tais importantes explicações, vou contar sobre a boa relação construída sob amizade, que A Chave do Sol cultivou com Os Inocentes, um dos expoentes do Punk Rock no Brasil e com esse relato, creio que deixarei esclarecido de uma vez por todas, a minha opinião sobre o assunto, e sobretudo, o quanto a minha posição é coerente enquanto pensamento filosófico, e nada tem a ver com pessoas.

Foi a partir de 1983, quando paralelamente às ações com A Chave do Sol, eu voltei ao Língua de Trapo, que comecei a tomar contato mais direto com músicos que gravitavam no mundo do Punk Rock, pelo fato do Língua de Trapo ter mantido uma ligação estreita com o Teatro Lira Paulistana, e consequentemente ter gravado o seu primeiro disco pelo selo mantido pelo Teatro. 

Por ser um espaço absolutamente democrático e eclético, o Lira Paulistana não fora apenas a casa daquela cena chamada "Vanguarda Paulista", mas em realidade, abrigara diversos artistas oriundos de outras cenas, nichos e tribos. Nesse contexto, foram comuns as apresentações de bandas do universo do Punk Rock, do Pós-Punk e de seus derivados.

Então, foi ali, ao final de 1983 e durante 1984, que eu comecei a conhecer vários artífices de tal movimento e de fato, eles estavam na crista da onda, por que a cena oitentista foi dominada predominantemente por tais tribos, cuja raiz foi a mesma. 

Outro fator preponderante, foi que o técnico de som do Lira Paulistana e que operou quase todos os shows que o Língua de Trapo ali realizou com a minha presença na formação, tratava-se de um rapaz chamado, Canrobert Marques, que eu já citei bastante no capítulo do Língua de Trapo, e aqui mesmo, neste que fala sobre A Chave do Sol. 

A relembrar o que já falei vários capítulos atrás, o Canrobert Marques era um punk convicto, que aderira ao movimento desde o final dos anos setenta e estava dentro do seu epicentro, pois foi o técnico predileto de seus principais expoentes brasileiros, a citar bandas famosas desse meio, tais como: "Os Inocentes", "Cólera" e "Ratos de Porão", entre outras.

Como tornamo-nos muito amigos por conta do Língua de Trapo e ele era um rapaz com mente aberta e apesar de ser um inveterado punk, gostava de Classic Rock e muito de Rock Progressivo (apesar de esconder isso de seus amigos punks mais radicais que adotavam a cartilha de ódio ao passado, proposta pelo execrável, Malcolm McLaren).

Ele concordava com as ideias do movimento enquanto contestatório e antistablishment, mas na parte da estética, mesmo ao ter a plena consciência que tornara-se antagônico e a se revelar como um tabu, portanto para eles, ele gostava de música refinada, mesmo por que, como técnico, tinha o apuro musical e sabia distinguir entre o que era tosco ou sofisticado, é evidente. 

Por conta dessa amizade firmada com ele, graças ao Língua de Trapo, ele também tornou-se um amigo d'A Chave do Sol e apreciou muito o nosso som, quando operou-nos a partir de 1984 em todas as ocasiões em que tocamos no Lira Paulistana. E posteriormente operou o PA para a nossa banda em outros lugares, incluso fora de São Paulo, como já contei. 

E como era entrosadíssimo com os punks mais salientes da cena brasileira, foi através dele que conhecemos o pessoal d'Os Inocentes, Ratos de Porão e Cólera.

Lembro-me em ter sido apresentado ao Clemente, vocalista e guitarrista dos Inocentes, ainda ao final de 1983, no escritório do selo Lira Paulistana. Nessa ocasião, ele falava animadamente sobre os shows que acabara de fazer no Rio de Janeiro, com o Circo Voador abarrotado de gente etc. e tal. 

Muito expansivo e descontraído, deixou-me a impressão de ser um rapaz com boa índole, apesar de nós vivermos em mundos diferentes, onde teoricamente, éramos antagonistas. Mas eis que firmamos amizade e se eu ainda nutria algum preconceito sobre o comportamento do punk padrão, percebia que para o Clemente e em outras figuras do punk, havia uma tolerância bem maior em seus maneirismos típicos, do que eu imaginava, em relação à Rockers tradicionalistas como eu, com cabelos longos e paixão pelo classic Rock 1960 & 1970. O máximo que ouvi como algo "ofensivo" proferido por ele, foi que havia tornado-se punk, por que ficara com o "saco cheio" do Led Zeppelin, que gostara um dia.

Fiquei amigo também do Redson, líder do Cólera, que era um punk "gentleman". Por trás daquela casca a sugerir modos comportamentais toscos, havia um sujeito tranquilo, praticamente zen. Era um pacifista convicto, idealista de um mundo melhor, e mais justo. Ou seja, com tais ideais, era um hippie na verdade, e portanto, só faltava-lhe assumir-se como tal, e deixar a cabeleira crescer. Quanto ao João Gordo e o pessoal do Ratos, nunca aproximamo-nos de fato, ao ficarmos somente pautados por cumprimentos fortuitos. 

Bem, assim que A Chave do Sol também passou a gravitar na órbita do Teatro Lira Paulistana, e afeiçoar-se ao técnico de áudio, Canrobert Marques (e vice-versa), ficamos mais próximos d'Os Inocentes. 

Eles foram em peso assistir os nossos shows no Teatro e nós os vimos também em algumas ocasiões. Uns não gostavam da estética dos outros, mas apoiávamo-nos pela amizade e bom relacionamento construído. E assim o tempo passou e claro, apesar do Punk ter deflagrado a explosão do Pós-Punk, como consequência natural, por motivos estéticos e mercadológicos, foram os seus filhotes que foram parar no mainstream da música, exatamente por serem mais palatáveis ao mundo fonográfico e midiático.

Mas seria apenas uma questão de tempo para o Punk, propriamente dito, também embarcar na oportunidade do mainstream e assim, Os Inocentes fecharam contrato enfim, com a Warner, em 1986. 

Eles já estavam consolidados no underground dentro de seu nicho, mas agora, partiriam para uma aventura na primeira divisão da música, e para dar início nessa nova caminhada de sua carreira, entrariam em estúdio, no Mosh, exatamente onde gravamos o nosso primeiro disco, em 1984. Então, o Clemente fez-nos um pedido, que prontamente aceitamos pela nossa amizade firmada há tempos.

Os Inocentes não era uma banda abonada, apesar do Punk-Rock ser a raiz primordial de toda a estética oitentista (e tal banda, um de seus principais expoentes no país), na crista da onda, pois eram rapazes com origem simples, e apesar de estarem sedimentados com agenda cheia e a ganhar dinheiro, os rapazes não tinham instrumentos com um bom nível para enfrentar uma gravação profissional.

Não sei quanto aos seus álbuns anteriores e provavelmente suponho que tenham arrumado instrumentos importados para gravar nessas ocasiões anteriores, mas naquela nova situação a gravar pela Warner, uma gravadora multinacional, e em um estúdio de maior categoria como o Mosh, naturalmente foram pressionados pela gravadora para achar uma solução que suprisse condizentemente tal produção. 

Mesmo sendo uma banda orientada pelo Punk-Rock e onde a preocupação com timbres e performances instrumentais mostravam-se quase nulas, ao gravarem sob a tutela de uma gravadora major, a predisposição teria que ser diferente.

Nesses termos, eles recorreram a nós d'A Chave do Sol, para tomar tal providência e assim, de pronto ficamos felizes por podermos auxiliar os amigos, ao emprestarmos a guitarra do Rubens e o meu baixo, para que o Clemente e o Ronaldo pudessem contar com esses instrumentos na gravação.
Em retribuição, o Clemente disse-nos que a Warner estava a oferecer-lhes uma verba para locar instrumentos bons e claro que ele poderia ter ficado quieto e embolsado tal verba, visto que nós emprestamos prazerosamente em título de amizade. Mas ele repassou-nos o dinheiro, que aliás foi uma taxa alta, que surpreendeu-nos e deixou-nos ainda mais ansiosos por adentrar uma companhia dessas, com tantas mordomias oferecidas aos seus artistas. E graças a essa troca de gentilezas, Os Inocentes puderam gravar com maior qualidade sonora, o seu disco pela Warner.

Ao ir além, o Clemente tentou ajudar-nos ainda mais incisivamente, e aí tenho boas histórias para contar dessas sessões de gravação d'Os Inocentes. 

Além de dar-nos a possibilidade em ganharmos uma boa quantia de dinheiro extra, de uma forma inesperada, o Clemente quis ser ainda mais incisivo no seu esforço de cooperação conosco, pois convidou-nos a assistir as sessões de gravação do álbum, no estúdio Mosh. 

Claro que tínhamos a noção de que estúdio não é lugar para confraternizações, tampouco festas e reuniões descontraídas, entre amigos. Sabíamos de antemão que se fizéssemos de fato tais visitas, teriam que ser muito rápidas, sob um caráter bastante discreto. Mas estrategicamente o Clemente queria muito ajudar-nos e mesmo ao saber que tal presença poderia atrapalhar o processo de gravação de seu próprio disco, insistiu que aparecêssemos, pois seria vital aproximarmo-nos dos produtores Liminha e Peninha, que acompanhariam as sessões, certamente.

Claro que aceitamos tal convite e mesmo imbuídos da prerrogativa da discrição a ser observada, não poderíamos perder a oportunidade. Já tínhamos feito abordagens ao Peninha e também ao Liminha, por duas vezes, em 1984 e 1986, com recusas. 

Em 1986, havia ocorrido outra tentativa, muito recentemente, conforme o leitor leu alguns parágrafos atrás. Desta feita, seria outra abordagem, mas com estratégia diferente, sob uma aproximação mais gradual, não agressiva, porém na base da informalidade, via camaradagem. Já tínhamos o apoio do baterista dos "Titãs", Charles Gavin e agora, o pessoal d'Os Inocentes estava a indicar-nos, portanto, mais que isso, estaríamos ali com o papel de apoiadores d'Os Inocentes, a denotar a nossa amizade, suporte e vice-versa. 

Foram algumas visitas ao estúdio Mosh, ainda no sobrado instalado da Vila Pompeia, zona oeste de São Paulo, e vale a pena descrever algumas histórias ali ocorridas, que reputo serem hilárias.

Sem dúvida que o esforço que Clemente e Ronaldo, d'Os Inocentes, fizeram para ajudar-nos foi muito salutar. Assim como Charles Gavin, que também esforçou-se para dar-nos um dito "empurrão", portanto, ambos foram muito solícitos nessa ocasião e logo mais contarei outros desdobramentos, também nessa prerrogativa deles terem auxiliado-nos bastante, nesse ano de 1986. 

Enfim, de volta ao foco da narrativa, seguimos a orientação do Clemente, e paulatinamente programamo-nos para visitar o estúdio Mosh, ao aproximarmo-nos dos produtores, Peninha e Liminha, que representavam os nomes fortes da Warner, e junto ao diretor da casa, André Midani, determinavam as contratações e estratégia de ação para o elenco da gravadora. Quem mais participou de tais visitas foram o Rubens, Beto e o Zé Luiz, no entanto. 

Eu fui apenas uma vez, e havia uma estratégia explícita de nossa parte, pois combinamos entre nós para que nunca estivéssemos os quatro membros da banda juntos, para não caracterizar uma ação predatória de nossa parte. 

Pelo contrário, queríamos transparecer despojamento em nossas visitas, ao máximo e tentar dessa maneira uma aproximação natural a buscar enturmarmo-nos com os formadores de opinião. Nesses termos, posso falar de uma visita em que eu estive presente, onde algo hilário, aconteceu.

Creio que posso contar isso sem constrangimento, pois a despeito da trapalhada que configurou-se, não caracterizar-se como algo ofensivo para o seu artífice, meu amigo, José Luiz Dinola.

Como eu já falei várias vezes em toda a narrativa, inclusive em capítulos concernentes a outras bandas, o Zé Luiz é um sujeito extraordinário como ser humano. A sua capacidade inventiva, também em aspectos extra-musicais é inacreditável e as suas qualidades musicais são indiscutíveis. Mas ele é extremamente distraído, e não foram poucas as vezes que protagonizou situações engraçadas por conta de sua conhecida e costumeira distração contumaz. 

No capítulo do Sidharta, trabalho que fizemos entre 1998 e 1999, revelo, por exemplo, a incrível história protagonizada por ele, a conter o ex-estilista, Clodovil Hernandes (está nos últimos capítulos daquela narrativa, inclusive). 

Mas neste caso das gravações do álbum d'Os Inocentes, em 1986, algo também incrível ocorreu e eu fui testemunha ocular. Fomos ao estúdio Mosh, em uma tarde de terça ou quarta, não recordo-me ao certo. Chegamos ao velho sobrado localizado na Vila Pompeia, e tocamos a campainha. Ao invés de um funcionário do estúdio receber-nos, atendeu-nos a porta, um dos vocalistas dos "Titãs", Branco Melo.

Os Titãs estavam na crista da onda, e com aquela fisionomia típica dele, com olhos esbugalhados e corte de cabelo a la "New Wave", seria impossível não reconhecê-lo, imediatamente. 

Eis que ele agiu com uma certa formalidade, como se fosse um funcionário do estúdio, ao abrir a porta a falar-nos: -"Pois não?"

Claro que eu o reconheci imediatamente, mas o Zé Luiz tomou a dianteira, e pôs-se a falar que estávamos ali a convite d'Os Inocentes etc. O Branco foi solícito ao deixar-nos adentrar a casa, e falou ser "Branco Melo, dos Titãs", ao formalizar uma auto-apresentação, mas mesmo assim, o Zé nem entendeu, e continuou a tratá-lo como se fosse um rapaz desconhecido, com educação, certamente, mas sem esboçar reconhecê-lo.

O Branco percebeu que o Zé Luiz não o reconhecera e sorriu-me, como se buscasse a minha cumplicidade nesse episódio, que se não chegou a ser constrangedor, foi no mínimo, atrapalhado. 

Então ele pediu para esperarmos um pouco na recepção e foi falar com o Clemente. Quando ele afastou-se do recinto, eu falei para o Zé Luiz que ele cometera uma gafe, pois não percebera que o rapaz era o Branco Melo, dos Titãs. 

Aí ele surpreendeu-se e ao esboçar aquela expressão facial de espanto, riu da situação, pois não acreditara que não pudesse ter reconhecido o Branco, mesmo sendo ele, visualmente a falar, talvez o Titã mais marcante, justamente por conta de sua fisionomia, com os olhos proeminentes e geralmente realçados por recursos de maquiagem para forjar uma imagem artística agressiva, a seguir o modismo do Pós-Punk etc. e tal. 

Enfim, não surpreendi-me com a distração do Zé Luiz pois já o conhecia de longa data, mas que foi engraçado, isso foi!

Nesse dia, conversamos com o pessoal, sob um clima bastante amistoso e o Clemente falou-me que o meu baixo fora bastante elogiado pelo Liminha, que o testara e o havia aprovado para a gravação do disco. 

Nessa altura, eu avistei o meu instrumento munido com cordas novas, da marca "Rotosound", justamente a que eu mais costumava usar (gostava/gosto, da "GHS" também), e ao ir além, ele falou-me que um jogo de cordas novo seria usado a cada dia de gravação, um requinte que um pobre mortal artista independente e sem recursos como eu, nem sonhava, pois um encordoamento novo, no meu caso, era algo bastante sazonal, infelizmente, por questões monetárias. 

Os produtores, Liminha e Peninha haviam saído para um lanche em algum lugar do bairro, demos azar nesse aspecto e a nossa determinação foi obviamente forjar uma aproximação com ambos, para seguir a estratégia planejada pelo próprio, Clemente.

Então, eu tive a ideia de sair, mas para deixar o Zé Luiz ali presente para forjar uma suposta naturalidade a dissimular a nossa real intenção, mas sabedor de que o Rubens apareceria ali, posteriormente. Seria excessivo ficarmos os três e o Beto já havia dito que pretendia ir em outra ocasião. 

E foi assim, de forma estratégica, que eu despedi-me de todos e aleguei ter um compromisso, para deixar o Mosh para que o Rubens pudesse chegar a seguir, e junto com o Zé Luiz, tentar essa aproximação velada. Uma segunda visita ocorreria no dia seguinte, conforme eu relatarei a seguir.

Nessa segunda visita, Rubens e Beto interagiram. O Beto sempre foi bastante extrovertido, era de seu temperamento normalmente e assim, seria teoricamente o melhor entre nós quatro, para quebrar o gelo. Eu tendia a ser formal e discreto sempre. Dificilmente estabeleço uma amizade instantânea, a não ser que as pessoas com as quais esteja a interagir, tenham enorme compatibilidade de ideias e ideais, quando, aí sim, costumo comunicar-me com maior entusiasmo e desenvoltura.

O Rubens também era circunspecto, mas não tão fechado quanto eu. Tinha uma característica pessoal a primar pelo extremo cavalheirismo em situações sociais e até exagerava um pouco, ao chamar a atenção pelo excesso de palavras não coloquiais nos cumprimentos, mas claro que não estou a reclamar, pois quem conhece-me, sabe que aprecio valores de boa educação & cidadania, e nesse quesito, ele portava-se como um diplomata em meio à cerimônias oficiais. 

Já o Zé Luiz, era educado, mas bastante despojado. A sua maneira de colocar-se era sempre coloquial, sem afetações, mesmo quando estávamos em alguma situação de glamour, em meio aos fãs e/ou jornalistas, portanto, jamais sentia-se inibido em tomar uma atitude em público, fator que no meu caso que sou muito mais retraído, sempre foi bastante complicado (a não ser no palco, onde com exceção dos primeiríssimos shows da vida, no longínquo ano de 1977, eu nunca tive problema algum em falar ao microfone e não importava-me o número de pessoas que estivessem a fitar-me).

Dessa forma, o Beto fora realmente o mais adequado para quebrar qualquer gelo, e os demais poderiam conduzir conversas posteriores com outra desenvoltura. 

Mas houve um dado bastante óbvio nessas visitas: ali não era lugar para visitas sociais, e pelo contrário, a nossa presença se configurava como basicamente um estorvo ao trabalho ali realizado.

Sinceramente, hoje em dia eu valorizo ainda mais a predisposição d'Os Inocentes em ajudar-nos, pois mostrara-se muito inadequado convidar pessoas que nada tinham a ver com a sessão de gravação em si, para tumultuar o ambiente.

Ali seria um ambiente para a extrema concentração, foco e ainda mais com a agravante de ser um estúdio terceirizado e bastante caro, mesmo ao levar-se em consideração que naquela época, as gravadoras majors trabalhavam com bastante fartura financeira, para dar as melhores condições possíveis para os seus artistas. Eu, quando vou gravar um álbum, quero o máximo de privacidade e fora os companheiros da banda e os técnicos envolvidos, não acho conveniente a presença de mais ninguém.

O baixista/guitarrista d'Os Inocentes, Ronaldo, um amigo extremamente gentil e solidário

Mas Clemente e Ronaldo estavam realmente empenhados em ajudar-nos, e deixo aqui o meu agradecimento público, embora tenha externado isso a eles na época, naturalmente. 

Mas foi em uma terceira visita que algo muito emblemático ocorreu e nesse dia, a percepção foi toda do Zé Luiz, que foi muito perspicaz...

Nesse dia, eu não fui ao estúdio, mas o Zé Luiz estava lá com o Rubens. Nessa altura, o clima estava mais descontraído com a produção e dentro daquele caráter comedido básico para não tumultuar, já haviam pequenos diálogos e momentos de descontração, com brincadeiras e piadas, a denotar-se maior proximidade. 

Mas se houve um contato maior, não posso afirmar de forma alguma que tenha sido o suficiente para estabelecermos amizade com Peninha e Liminha. O fato de rirmos das piadas e eventualmente sentirmo-nos aptos para tecer comentários nesses momentos lúdicos, não caracterizou de forma alguma que "estávamos inseridos na turma", enfim.

A situação foi muito mais complexa do que imaginava a nossa vã filosofia, digamos assim, com o perdão pelo clichê, e ao analisar hoje em dia tal situação, percebo que ali a confraria era 100% fechada naquela estética do Punk/Pós-Punk, e fim de conversa.

Só por olhar-nos e ver-nos com nossas cabeleiras setentistas, estávamos estigmatizados como antiquados e simplesmente fora de qualquer possibilidade para sonhar em fazer parte do mundo mainstream oitentista.

Então, quando decidiram encerrar aquela sessão, o Zé Luiz ouviu o Liminha a comentar que precisava sair rápido para o aeroporto de Congonhas, pois tinha um compromisso firmado no Rio de Janeiro, ainda para aquela noite. 

Rápido no gatilho, o Zé Luiz afirmou que estava de saída para ir à casa de sua irmã, na zona sul, perto do aeroporto, e que oferecia uma carona com prazer, para ele. Pura mentira, pois a Elizabeth Dinola, irmã do Zé Luiz que morava em São Paulo, na verdade residia em Pinheiros, na zona oeste da cidade, mas a ideia do Zé Luiz foi genial, em promover uma ação de camaradagem e mais que isso, quem sabe falar mais incisivamente sobre a nossa banda.

Então, eis que o incensado, Liminha, ex-baixista dos Mutantes nos anos setenta, e celebrado produtor musical nos anos oitenta, partiu a bordo da famosa Kombi de propriedade do João Dinola, irmão do Zé Luiz, e que tantas vezes auxiliou a nossa banda, desde o início de nossas atividades, em 1982. 

A falta de glamour em andar em uma Kombi com carroceria aberta, não causou nenhum constrangimento no celebrado produtor, que fora sem dúvida, o maior do Brasil na ocasião.

Pelo trajeto, ao tentar usar da estratégia do despojamento, o Zé Luiz iniciou a falar apenas sobre amenidades sobre o trânsito, meteorologia e esperou um tempo para comentar sobre as sessões de gravação d'Os Inocentes, que presenciara. 

Quando a conversa fixou-se em música, o Zé Luiz sacou do porta luvas uma cópia de nossa demo-tape e colocou-a sutilmente para tocar, mas sem forçar nenhuma conversa. 

A conversa fluiu e o Liminha perguntou se aquele som era de nossa banda, e limitou-se a falar muito timidamente que era bom. Pura balela, pois foi evidente que aquele som não dizia-lhe absolutamente nada. Naquela altura dos acontecimentos, a sua mentalidade como produtor estava sedimentada há tempos, em prol de uma estética 100% calcada no Pós-Punk e seus derivados, e nesses termos, pelo contrário, uma banda a soar setentista com solos de guitarra e cozinha sofisticada, devia incomodar-lhe sobremaneira.

A ignorar retumbantemente a audição que o Zé Luiz estava a promover veladamente no toca-fitas da velha Kombi, na reta final da viagem até o aeroporto, Liminha jogou a pá de cal sobre as nossas parcas esperanças, ao iniciar um discurso inflamado sobre a banda que ele mais adorava naquele "momentum 1986": "Camisa de Vênus"... praticamente uma banda Punk, bem tosca, ainda que seu líder, Marcelo Nova fosse influenciado pelo Rock'n' Roll cinquentista (e claro que isso em tese amenizaria bastante a verve punk dos rapazes, mas que na prática não ocorria), realmente não havia como convencê-lo de que o nosso som teria possibilidades comerciais, que davam-nos elementos para pleitear o mainstream. 

Nem vou elucubrar sobre o caráter "Pop" da demo que graváramos em abril, e com nítido teor mais comercial, pelo menos em nossa ingênua ótica. Claro que algumas de nossas canções poderiam tocar na programação das rádios, claro que algumas poderiam figurar em trilhas de novelas da Rede Globo e é evidente que poderíamos aparecer no programa do "Chacrinha", porém, na mente do formador de opinião padrão dos anos 1980, não havia espaço para tal hipótese, e a rudeza punk daquela década, norteara a sua percepção de mercado, inteiramente.

Então, o Zé Luiz deixou o famoso produtor no aeroporto e apesar de encerrar essa etapa com a sensação do dever cumprido, estava frustrado com o rumo da conversa, é claro. 

Ainda tentaríamos mais duas abordagens com a Warner nesse ano de 1986. Éramos tenazes, não posso negar. Mais que tenacidade e/ou teimosia, acreditávamos no trabalho e apesar de ter estado nítido que produtores de gravadoras majors estavam fechados com uma estética avessa à nossa, achávamos que poderíamos dissuadi-los a enxergar-nos com outra perspectiva, ao mirar a porção Pop que supostamente achávamos que tínhamos, em meio àquela seara árida do Punk e Pós-Punk, que mais parecia a representação do set de filmagens do filme "Mad Max".

E certamente que tínhamos tal potencial, mas infelizmente não éramos uma banda norte-americana, e São Paulo não era Los Angeles, portanto, não havia meios para que uma sonoridade Hard-Rock emplacasse comercialmente, ainda que fosse moderna, com roupagem oitentista. 

O Brasil era e de certa forma continua a ser, a nação que mais ama o Punk-Rock e os seus derivados. Costumo brincar, ao afirmar que na minha opinião, a "Revolução Punk de 1977" não passa de um movimento pusilânime ou seja, tem esse apoio maciço dos brasileiros, por que a preguiça aqui impera, como dizia Mário de Andrade.

Uma estética que tem como "pilar", a máxima a determinar que saber tocar um instrumento não é algo necessário para ingressar-se em uma carreira musical, cai como uma luva para preguiçosos, não é mesmo?

Quanto aos Inocentes, eles gravaram seu disco (o EP, "Pânico em SP"), com uma qualidade de áudio bem interessante e graças ao empréstimo de meu baixo, e da guitarra do Rubens, sem dúvida que contribuímos para tal resultado final e em contrapartida, além desse esforço de tentar introduzir-nos para mandatários da parte artística de uma gravadora major, graças aos esforços de Clemente e Ronaldo, e por terem proporcionado-nos um bom dinheiro em título de aluguel, pago regiamente pela gravadora. 

Tal álbum que eles gravaram, é considerado pelos críticos, como o melhor trabalho da carreira da banda, opinião compartilhada pelo próprio, Clemente. Portanto, fico contente por ter contribuído, mesmo de forma modesta, para esse êxito dos amigos, Clemente e Ronaldo, com quem mais interagíamos. 

E em um breve futuro, eles ainda tentariam ajudar-nos em outras circunstâncias, conforme relatarei no momento oportuno da cronologia. Mais para frente, falo de outras investidas que fizemos na gravadora, multinacional Warner, também.

Conforme eu já havia mencionado anteriormente, o Rubens havia participado de uma peça publicitária para a TV, em 1986, graças a um contato que surgira na Loja/Gravadora Baratos Afins.

E algum tempo depois, mais ou menos em junho de 1986, surgiu uma outra oportunidade para uma outra campanha publicitária, desta vez focada em roupas e os publicitários tencionavam trabalhar com o mote da "juventude" e assim procuravam por músicos reais que sabiam empunhar instrumentos corretamente e não modelos desajeitados, sem familiaridade com o universo musical e Rocker, sobretudo.

Claro, seria imprescindível ter cabelos longos, mais para imprimir uma aparência sob ambientação Hard-Rock ou Heavy-Metal, em detrimento da corrente majoritária na década de oitenta, ou seja, seguidores da estética do Pós-Punk. 

O telefone tocou na residência do Rubens, portanto e o convite foi para a nossa banda comparecer em peso para a realização de um teste de câmera a ser concretizado pela produtora de vídeos contratada pela agência de publicidade, que faria a campanha.

Todos aceitaram, mas eu criei um mal-estar interno na banda, pois recusei-me terminantemente a participar dessa ação, e cabe uma boa explicação para justificar a minha atitude:

1) Não fora um convite para a banda apresentar-se a usar a sua imagem. Se o fosse, eu participaria, mesmo que a peça publicitária não representasse um produto digno e a sua estética fosse de gosto duvidoso, pois eu jamais deixaria de estar presente em uma ação oficial da banda. Nesse caso, cabe salientar que se fosse um produto do qual eu não gostasse de estar pessoalmente vinculado (cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo), eu ainda assim colocaria a questão em discussão interna, mas se perdesse em uma eventual votação, acataria a decisão da maioria, democraticamente. 

Não sentir-me-ia nada confortável em estar a participar de uma propaganda de maço de cigarro ou bebida alcoólica, pois nunca fiz uso de tais produtos, e tenho inúmeras restrições a eles, enquanto convicções pessoais que tenho sobre a sua existência na sociedade, mas se a banda achasse que a oportunidade de exposição midiática ou o cachê oferecido fizesse isso valer a pena, mesmo sob protesto, eu participaria, ainda que sob constrangimento pessoal intenso, pois tais produtos atentariam contra as minhas convicções pessoais.

Posso incluir nesse rol a questão da alimentação carnívora, pois se detesto militância vegetariana, que muitas vezes atua com truculência nazifascista ao meu ver, por ser um vegetariano respeitoso ao extremo com pessoas que são carnívoras, mesmo assim sentir-me-ia ridiculamente falso ao estar inserido em uma propaganda de uma churrascaria ou indústria frigorífica, a rir e compactuar com a ideia de que aqueles produtos ou serviços seriam de meu agrado.

Outra situação limítrofe seria estar em uma campanha política, para fazer propaganda acintosa e assumida de um partido ou candidatos que ideologicamente a falar, ferissem os meus princípios democráticos. Seria terrível estar vinculado a radicais, seja lá de que lado da polarização direita/esquerda, fossem.

Mesmo assim, se a banda fechasse em tal determinação de que fosse uma ação benéfica para a nossa carreira, mesmo sob conflito ideológico gritante, a questão de não abrir mão de meus princípios seria suplantada pela ética ao estar fechado com a minha banda, acima de tudo.

2) O outro ponto crucial para a minha consciência, foi o fato da agência publicitária não estar a convidar a nossa banda especificamente para a campanha e isso incomodou-me de uma maneira muito incisiva. 

O leitor pode interpretar essa minha reação como um arroubo de "orgulho" de minha parte, mas acho que posso justificar tal sentimento. Eu achava que seria ofensivo à nossa banda, participar de um comercial, só pelo fato de sermos "cabeludos" com instrumentos musicais na mão, como se fôssemos anônimos ou simplesmente modelos (sem nenhum demérito a esses profissionais, mas só a exprimir que para eles era/é, normal encenar coisas falsas, quase como a interpretar situações, portanto, ao atuarem como atores, praticamente).

Na minha ótica, se chamassem a nossa banda para fazer um comercial de TV, não teria problema algum se na peça publicitária ficasse claro quem éramos e também sem problemas por colocarmos a nossa imagem para visar vender um produto. 

Muitos artistas fazem isso exaustivamente, incluso medalhões. E não só atores de cinema e TV, mas muitos músicos, cantores e compositores famosos. Mas da forma como o convite chegou, foi algo vago e na minha opinião, até ofensivo, pois denotou que não interessava-lhes quem éramos, mas simplesmente se éramos "cabeludos", e se sabíamos segurar instrumentos musicais de uma maneira mais convincente do que modelos sem nenhuma intimidade com o universo musical. 

E o maior agravante, interessou-lhes apenas a aparência de cada músico a ser escolhido. O teste seria para avaliar a desenvoltura em frente à câmera, mas sobretudo para medir-se a beleza física dos candidatos. Nada contra essa expectativa da parte deles, pois isso é norma nesse métier, mas ao partir do princípio de que não éramos modelos, mas sim artistas genuínos, essa perspectiva em submetermo-nos a esse tipo de avaliação, foi ao meu ver, uma indignidade.

Acha exagerado, leitor? Mas foi o que eu senti a época e ponderei isso com meus amigos, ao argumentar fartamente. Contudo, eles não importavam-se em serem tratados como anônimos, e só interessou-lhes a perspectiva em ganhar um bom cachê.
Insistiram muito comigo para que eu mudasse o meu posicionamento, mas em nenhum momento consideraram que a banda seria prejudicada pela minha recusa em participar e pelo contrário, não acharam que aquilo prejudicaria a imagem da banda. Sendo assim, os três foram para o tal teste, em uma agência de publicidade, acho que nas imediações da Avenida Faria Lima, não recordo-me ao certo.
Ao chegarem lá, estavam outros músicos conhecidos, a maioria da cena do Heavy-Metal, logicamente pela questão das cabeleiras, mas houveram outros, representantes de outras vertentes, também. Todos submeteram-se a testes individuais e alguns dias depois, o telefone tocou e os três, Rubens, Zé Luiz e Beto, haviam sido aprovados.
 

Com os três aprovados, lembro-me que mesmo por ser uma situação irreversível no meu caso, eles ainda falaram bastante que eu havia portado-me como irredutível ao extremo por manter-me firme nos meus princípios e que dessa forma, eu amargaria a falta do cachê substancial que eles receberiam. 

Ao irem além, na visão deles, mesmo ao aparecer como anônimos no comercial, muita gente reconhecer-nos-ia, pois naquela altura, metade de 1986, tínhamos um público grande, conquistado através de todos os nossos esforços acumulados ao longo de quatro anos de trabalho.

Nesse aspecto, eles tinham razão, pois realmente a nossa banda tinha alcançado tal visibilidade, até a ultrapassar certos limites do nicho Rocker e assim atingir pessoas alheias a esse universo, pois tínhamos feito bastante TV, aparecido em revistas, inclusive fora do mundo especializado e assim, após tantos programas de TV sob cunho feminino, éramos conhecidos por donas de casa, não necessariamente Rockers. 

Nesse caso, mesmo ao não sentir-me arrependido de forma alguma, eu entendia a colocação deles como legítima, pois nesses termos, uma exposição, ainda que aleatória, seria mais conveniente com a banda completa na peça publicitária.

Não caí em um possível sentimento de remorso no entanto, pois a minha convicção de que esse fator seria algo muito vago, não deixou que a argumentação deles provocasse-me arrependimento. 

Então, lembro-me que eles foram convocados para um teste de figurino e a gravação do comercial consumiu-lhes um dia inteiro de dedicação. Um quarto músico apareceu na peça, e o rapaz era o Mauro Sanches, baterista da banda Pós-Punk, "Nau", que fez relativo sucesso mainstream na metade dos anos oitenta.

O comercial foi uma peça publicitária criada para promover uma coleção de roupas dita, "jovem", de um magazine famoso, no estilo das Lojas de Departamentos. Tratava-se da Mesbla, uma rede que estava espalhada nas principais capitais do Brasil. 

O comercial ficou bem simples, com imagens a conter jovens a dançar em meio a uma banda fictícia. Tais jovens, rapazes e moças, foram recrutados em agências de modelos, logicamente. E uma das garotas fez o papel de crooner da banda, aliás uma bela morena. 

Um fato curioso, na hora de filmar, cismaram em não usar uma bateria tradicional na horrenda dublagem, e o Zé Luiz foi esperto e antes que sugerissem-lhe o lastimável uso de caixa e prato (como a seguir o padrão dos programas de TV), ele pediu-me o meu baixo, e no dia da gravação, apareceu a tocá-lo na propaganda. 

Essa peça teve apoio gráfico significativo e garotas a usar peças de tal coleção, semelhantes às do comercial, apareceram em muitas revistas, jornais e outdoors de São Paulo e Rio de Janeiro, e creio que em outras capitais e grandes cidades interioranas. 

A trilha sonora foi um Pop insosso de FM, bem sem vergonha e com os típicos timbres medíocres, oitentistas. A produção musical de tal jingle foi do guitarrista da banda Blitz, Ricardo Barreto e também de Bernardo Vilhena (parceiro do Lobão, e de outros artistas da época), o que explica de certa forma a concepção desse pastiche oitentista. 

Aquele reverber indecente na bateria, guitarra gravada em amplificador Roland Jazz Chorus, teclados horrendos e demais porcarias inerentes à mentalidade da época, ou seja, para seguir a cartilha Pop baseada na estética do Pós-Punk, típica daquela década.

Foi engraçado ver a propaganda a ser exibida na TV, com os companheiros naquela situação inglória. Ele foi veiculado com bastante repetição nos primeiros quinze dias, pois tratou-se de uma conta publicitária peso-pesado, e depois diminuiu a sua aparição, paulatinamente, até desaparecer. 

Passou em horário nobre, e de fato, muita gente reconheceu os três e o Sanches, mas a despeito de qualquer argumentação em contrário, nada acrescentou para a carreira d'A Chave do Sol, tampouco do "Nau". 

Na prática, creio que a vantagem alardeada pelos meus companheiros, ficou só pelo cachê mesmo (de quem participou, logicamente), e sem nenhum pudor de minha parte, apesar de ter sido uma boa quantia, até hoje não arrependo-me de minha atitude de recusa em participar. 

Eis abaixo a propaganda em que Zé Luiz, Rubens e Beto participaram, para o leitor assistir: 

Eis o link para ver tal comercial no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=Umh7l_AeHoE&feature=youtu.be

Foi filmado no teatro do Sesc Pompeia, em São Paulo e dá para ver bem o Zé Luiz, bem no início, com o meu baixo em mãos, mesmo que a edição seja bem ligeira e fossem poucos "frames", na verdade. 

Quando a atriz principal (que de fato era uma cantora também, e chamada: Karla Sabah), está a começar a "rasgar" as embalagens de papel que envolvem as pessoas, o Rubens passa a correr por ela, com sua guitarra, Jackson, em mãos. Beto, e Rubens podem ser vistos novamente, quando entram em um ônibus, na companhia dos demais modelos. 

A Karla Sabah fez o tipo "Punk de Boutique", com visual inspirado em cantoras espalhafatosas da cena Pós-Punk oitentista, tais como Cindy Lauper e principalmente, Nina Hagen. Claro que existia a referência à personagem de Daryl Hannah no filme "Blade Runner", também e os replicantes tão cultuados naquela década.

As suas expressões faciais em alguns momentos são constrangedoras, mas talvez tenha sido ideia "brilhante" do diretor e não culpa dela, no afã de imprimir uma suposta "irreverência jovem" à sua personagem. E a marca da coleção dita "jovem" que a Mesbla estava a lançar, chamava-se: "Alternativa Nativa". 

A seguir, falo de algumas visitas muito inesperadas na nossa sala de ensaio em 1986.

Muitas visitas apareciam na nossa sala de ensaios, desde os primórdios da banda, em 1982. Na maior parte do tempo, amigos que gravitavam na nossa órbita costumeiramente, é claro, mas muita gente que teve envolvimento profissional de ocasião, também circulou pela residência da família Gióia, nos anos em que ali trabalhamos, no famoso quarto da edícula. 

Mas houve também uma terceira via, que foi a de visitas completamente inesperadas que vinham sem avisar e algumas vezes por conta de convites não necessariamente formulados por nós, membros da banda.

Foto de janeiro de 1984, com Rosana Gióia a participar da gravação dos Backing Vocals da música: "Luz". Ela usa camiseta preta com a estampa da capa do LP "Black Sabbath Volume 4"

Nesses termos, muitos amigos, e amigos dos amigos da irmã caçula do Rubens, Rosana Gióia, por exemplo, apareciam inesperadamente, e para nós isso nunca foi problema, por não causar-nos nenhum incômodo. Em uma dessas situações (com adolescentes amigos dela da escola, geralmente), apareceu um rapaz que era amigo de um amigo dela. 

Serei sincero: não lembro-me dessa situação que vou descrever especificamente, ali no calor dos acontecimentos. A minha lembrança sobre visitas de amigos e agregados da parte da Rosana Gióia, é uma verdadeira "mônada", a misturar-se, portanto, sem que haja alguma ocasião, ou pessoa que se destaque em específico.

Contudo, muito tempo depois, no ano de 2002, eu tive uma surpresa incrível, quando um guitarrista conhecido mundialmente, contou-me com emoção, que fora o tal garoto amigo do amigo da irmã do guitarrista d'A Chave do Sol que eu mencionei no início desta passagem, e a experiência que ele teve por assistir um ensaio da banda que ele admirava pelas apresentações nossas que via pela TV, principalmente, nunca fora esquecida por ele. Ao ir além, ele foi taxativo, ao dizer-me que tal visita fora a gota d'água em sua vida, pois saíra decidido a tornar-se um músico profissional, após ter tido a confirmação de que aquela vida, seria a que desejava ter, ao assistir-nos a ensaiar. Seu nome: Andreas Kisser, guitarrista do "Sepultura"...

Convido os leitores a lerem com maiores detalhes esse relato sobre como Andreas Kisser fez-me essa revelação, no capítulo mais adequado, que é o da Patrulha do Espaço, onde na cronologia correta, contei com detalhes essa história, ocorrida em janeiro de 2002. Aqui, o comentário é en passant, pois no calor dos acontecimentos de 1986, eu não poderia imaginar que aquele garoto imberbe tornar-se-ia um dos mais famosos guitarristas do mundo, aliás, nem ele imaginaria isso naquela época, embora devesse sonhar com isso, naturalmente.

Outro caso de uma visita exótica e inesperada é muito mais vívido em minha memória, e passarei a relatá-lo agora. Estávamos a ensaiar um dia, na maior rotina, e sem expectativa de receber ninguém naquele dia em específico, quando ouvimos em um momento em que não tocávamos, alguém a bater na porta. O Beto estava mais próximo e tomou a iniciativa de abri-la, e imediatamente espantamo-nos com o grito que ele proferiu: -"Ferrugem!"

Foi quando deparamo-nos com o famoso ator/comediante da TV, teatro e cinema, e também muito conhecido pela sua atuação em comerciais de TV. Ficamos atônitos, naturalmente, por que nenhum de nós o conhecia, ou sabia de alguém da nossa relação que o conhecesse. 

A explicação para a sua presença ali, deu-se também por ele ser um amigo do amigo da irmã do Rubens, como muitas vezes aconteceu em relação a outras visitas.

O próprio Ferrugem ficou muito surpreendido também, com a recepção escandalosa com a qual o Beto procedeu, e a justificativa da parte dele, Beto, foi que recebera-o daquela forma contundente por que ele era obviamente famoso e portanto, ficara contente com a sua presença. Bem, isso foi verdade. 

O Ferrugem era (é), um sujeito sensacional e o clima de sua visita foi sob extrema camaradagem, com muitas brincadeiras, risadas, e foi de fato uma tarde/noite das mais agradáveis para todos.

Mas houve uma outra surpresa vinda da parte dele: ao alegar ser baterista e paralela à carreira de ator/comediante e garoto propaganda, ter uma banda cover do "Whitesnake", isso surpreendeu-nos. 

Eu, particularmente, não imaginava que ele fosse músico e ainda melhor, um Rocker. Portanto, claro que o convidamos a tocar no ensaio, e mais uma vez surpreendi-me, pois a sua pegada como baterista era como profissional, com peso e técnica. 

Divertimo-nos muito ao tocarmos várias músicas do "Deep Purple", "Led Zeppelin", "Whistesnake", "Rainbow" etc. Ao final despedimo-nos com a promessa mútua para encontrarmo-nos em shows, mas por um acaso, isso nunca concretizou-se, infelizmente. 

Apenas fui vê-lo novamente nos anos 2000, mas sob uma forma muito fortuita, pois eu estava a circular por uma rua do bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo e reconhecemo-nos no trânsito, mas a circunstância do tráfego não permitiu-nos parar e conversarmos naquele momento, portanto, ficamos só nas "buzinadas & acenos" mútuos. 

Bem, contada essa história, falo agora sobre a "banda de quartinho" que montamos de brincadeira, com o Beto Cruz a tocar baixo, e eu na bateria.

Os nossos ensaios eram sistemáticos, com a preocupação de aproveitarmos ao máximo o tempo. Claro que mesmo não tendo a estrutura de um estúdio com vedação e equipamento profissional, o fato de possuirmos um mini PA desde o começo das nossas atividades, garantiu-nos um mínimo de qualidade sonora para trabalharmos e a falta de vedação foi amplamente compensada pela extrema boa vontade da família Gióia, que suportou os nossos ensaios diários e esticados das 15 às 22:00 horas, de segunda a sexta, e muitas vezes com a inclusão de sábados e domingos quando tínhamos uma necessidade premente de um eventual reforço, por conta de um show mais importante, ou a iminência de entrarmos em estúdio para gravar um álbum.

Ainda como trio, ao posarmos em nossa histórica sala de ensaios, na residência da família Gióia, em 1984

Como eu já comentei anteriormente, nos primeiros anos, a nossa determinação nesse sentido foi ferrenha, e isso é a explicação pela qual A Chave do Sol notabilizou-se como uma banda muito afiada ao vivo e raramente errava, pois ensaiávamos muito e com dedicação extrema, até exagerada, eu diria. 

Mas isso não quer dizer que não tenhamos tido momentos sob descontração em nossa rotina diária de ensaios. Apesar desse caráter sistemático com o qual trabalhávamos, nós tínhamos um clima leve e aberto a brincadeiras e dessa maneira, tivemos muitas ocorrências divertidas, como por exemplo a constante presença de convidados como descrevi nos parágrafos anteriores. Indo além, fora receber convidados, rir e conversar, muitas vezes foram realizadas jam-sessions absolutamente descompromissadas, quando amigos músicos apareciam na nossa sala de ensaio.

Hélcio Aguirra, em foto do início dos anos oitenta, quando ele ainda era membro do "Harppia"

Nesses termos, um dos que mais apareciam lá para conversar e tocar conosco, foi o guitarrista, Hélcio Aguirra, nosso amigo, e que nessa altura, 1986, já estava no Golpe de Estado, e a banda dava os seus primeiros passos mais firmes rumo ao sucesso, que ainda naquela década de oitenta, alcançaria. 

Nessas visitas, costumávamos tocar clássicos do Rock e temas livres, com o Hélcio a atuar com a sua habitual categoria e muitas jams ficaram na minha memória, pelo aspecto da química boa que ele tinha conosco, ao proporcionar-nos momentos com grande inspiração musical.

Todavia, ao irmos além, gostávamos também de tocar outros instrumentos nessas jams descontraídas, e mesmo ao abaixar o nível técnico por conta de assumirmos o instrumento em que não tínhamos o mesmo patamar técnico de nossas respectivas especialidades, o importante era a diversão, é claro.

No meu caso, sempre que havia uma brecha, eu corria para a bateria e nesta minha autobiografia, mesmo em outros capítulos a enfocar outras bandas onde atuei, já mencionei o fato de que aprecio muito esse instrumento e sob uma análise fria e isenta de emoção, eu diria até que se pudesse voltar ao passado e mudar o rumo que tomei, tranquilamente teria investido na perspectiva de ter sido um baterista, e não um baixista. 

Porém, mesmo tendo me desenvolvido,técnica e emocionalmente com o baixo e a partir de tal prerrogativa, ter construído um afeto por esse instrumento, realmente se pudesse ter escolhido lá atrás, eu teria preferido a bateria.

Enfim, baterista frustrado, no bom sentido, sempre gostei de tocar um pouco, de forma descompromissada nos momentos mais descontraídos dos ensaios e dessa forma, acabei por desenvolver uma condição mínima como baterista, que permitia-me tocar, ainda que sob uma forma muito simples, sem nem 1 % da técnica e genialidade do Zé Luiz, o meu colega de banda e de outros bateristas amigos que admirava. Sendo assim, em uma determinada ocasião em que o Hélcio apareceu no ensaio e o Zé Luiz não esteve presente, eu fui direto para a bateria e deixei o Beto a tocar baixo, para fazermos uma jam livre. 

Na empolgação, o Rubens colocou uma fita K7 no tape deck, para gravar essa brincadeira e quando a ouvimos, o som ficara tão interessante que combinamos de realizar outras jams. De fato, essa repetição ocorreu e mesmo jamais termos cogitado que isso tornasse-se uma banda de verdade, pois eu sabia de meus limites ao instrumento, é claro, e lógico que o foco para todos ali era A Chave do Sol para nós, e Golpe de Estado para o Hélcio, o lado positivo nessa história, em meu caso, foi que de uma certa forma eu apreciei muito não só a brincadeira, mas constatar que se estudasse e dedicasse-me, poderia ter sido um baterista de fato, pois ali na jam, apesar de muito limitado, não desapontei, ao conseguir manter o ritmo da banda, inclusive com várias mudanças de fórmulas de compasso, andamento e pulsação, além de viradas dignas, que colocavam-me no patamar de um baterista simples, sem muitos recursos técnicos, mas capaz de tocar em uma banda de Rock, claro, desde que produzisse um som básico, sem muita sofisticação musical.

Com o tempo, as oportunidades para tocar um pouco com a bateria dos colegas, rarearam e o pouco de técnica que que eu havia desenvolvido, dissipou-se. 

Estou bastante enferrujado e nos dias atuais, regredi, é claro. Mesmo assim, costumo ajudar no soundcheck de shows ao vivo, e em sessões de gravação, a tocar para o baterista titular ouvir de longe e buscar a melhor equalização de seu instrumento junto aos técnicos. 

Muito bem, contada essa história, cabe dizer que esse embalo que ganhamos no segundo trimestre de 1986, principalmente, receberia ainda mais impulso com a entrada do segundo semestre. 

O telefone estava a tocar, como diz-se no jargão, a denotar que a banda ganhava mais e mais oportunidades e somado aos esforços concentrados em quatro anos de trabalho aproximadamente, levou-nos a crer que o grande momento para abrir-se uma porta, e possibilitar-nos enfim chegar ao mainstream, estava a chegar. 

O segundo semestre de 1986, foi o período da história da banda, onde mais chegamos perto disso, e tem muitas histórias para serem contadas, a partir de agora.

Continua...