O ano de 1986, iniciou-se com muito trabalho para a banda. Não tínhamos agenda prevista para curto prazo, mas colocamo-nos nos ensaios a trabalhar com muitas músicas e rapidamente obtivemos um repertório renovado e sobretudo, ao adotarmos uma nova estética. Como reagiriam os fãs? E a crítica, o que teria a dizer sobre mais uma mudança radical?
Pois foram riscos que corremos, como se estivéssemos no ar, a pilotar um avião e simultaneamente a estabelecermos mudanças de rota a todo instante. Se tornara urgente a nossa necessidade de gravar uma demo-tape que retratasse essa nova fase da banda, com canções mais palatáveis ao mercado Pop sob o ditame midiático e radiofônico. O lado bom dessa cruzada inglória que enfrentamos, foi a determinação com a qual lançamo-nos na tarefa. O mau, na verdade desdobrou-se em algumas nuances.
Foi óbvio que tantas mudanças reverteram-se nocivas à imagem da banda. A troca frenética de vocalistas gerara confusão, certamente. Primeiro pela questão do material de divulgação, com a necessidade constante de atualização de foto, release, histórico e currículo, itens básicos do material da banda.
O lado mercadológico
disso seria ainda pior, com a não fixação de uma imagem e com a agravante
de um vocalista ser ainda mais incisivo para uma banda, por estigmatizar
o seu timbre de voz, interpretação e atuação como frontman. Pior
ainda, fora promover mudanças sonoras significativas. Isso gerou algo
além da confusão, mas uma autêntica quebra de confiança na banda, pois denotara
uma insegurança interna muito acentuada de nossa parte.
Isso por que ali no calor dos acontecimentos e diante de vinte e poucos anos de idade, só queríamos que a banda lograsse êxito, e dessa forma, mudar estratégia com o jogo em andamento não seria o ideal, mas não tivemos constrangimento de tentarmos tais mudanças de rota. Assim foi o nosso mês de janeiro de 1986, com os dias quentes de verão dedicados aos ensaios de composição e arranjos para um novo material.
O lado bom desse esforço frenético, foi que renovamos o repertório sob uma velocidade estonteante. Como se fôssemos uma banda recém-criada, com um material inteiramente inédito em mãos. Todavia, haveria um certo aspecto a ser levado em conta, também.
A despeito de nossa resolução interna para mudar radicalmente, tínhamos dois discos lançados. E diante desse fato, como lidar com o fato de que já tínhamos um público significativo e que mostrava-se dividido entre os dois trabalhos anteriormente lançados?
Quem gostava d'A Chave do Sol da fase do Power-Trio, versado pelo Jazz-Rock ao sabor setentista, das apresentações no espaço da televisão, via "A Fábrica do Som", não abriria mão de ouvir canções como "Luz", "18 Horas", e outras com essa sonoridade/estética. E a despeito do EP ter gerado controvérsias, "Um Minuto Além" caíra no gosto dos fãs, mesmo com o ranço Heavy-Metal, que evitaríamos, doravante. Descartaríamos o passado, então, para começarmos tudo de novo, do zero?
Nesse ínterim, uma atividade com aura de recreação movimentou o nosso carnaval de 1986. Como costumeiramente ocorria, o carnaval sempre foi um período infrutífero e entediante para Rockers como nós, não interessados na tal da "folia".
E como a família Gióia geralmente viajava para aproveitar a casa de praia que possuíam na cidade de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, o Rubens lançou a ideia de nós fazermos uma festa Rock, na sexta-feira que antecedeu o início dos festejos carnavalescos e convidar assim várias bandas da cena paulistana.
Deveria ter sido algo totalmente informal, mas o boato se espalhou, a ganhar uma maior proporção, pois até o jornalista, Antonio Carlos Monteiro (Revistas "Roll" e "Metal"), foi convidado e eis que ele aproveitou a ocasião para realizar entrevistas no ambiente da festa. Lembro-me bem dele a abordar o guitarrista de Blues, André Christovam, por exemplo, e realizar uma entrevista, ali mesmo.
Então, o equipamento de ensaio da nossa banda foi colocado à disposição de todos, montado na ampla sala de estar da residência dos Gióia e muitas bandas fizeram pocket shows ali. Estavam presentes bandas como o "Golpe de Estado", "Harppia", "Salário Mínimo", "Abutre", "Centúrias", "Inox" e muitos músicos avulsos de outras bandas, tais como o já citado, André Christovam, um músico da banda "Vírus" (um dos guitarristas), o trombonista superb, "Bocato" e o Rolando Castello Junior, da "Patrulha do Espaço" (ainda que nessa época ele fosse membro do "Inox").
Um momento incrível do qual recordo-me, foi quando o trombonista, Bocato, jogou-se no chão e ficou a rodopiar como se fosse o ponteiro de um relógio, e a solar o seu trombone, simultaneame3nte e deixar-nos todos boquiabertos, com tal performance ensandecida!
Além dos pocket shows, jams com os músicos das bandas misturados em combos improvisados, também aconteceram e claro, foi muito divertido.
Infelizmente
(mas previsivelmente, também), os vizinhos não gostaram do nosso "grito
de anti-carnaval" e com a polícia a ser acionada, a nossa "Festa do
Rock" teve que ser encerrada, graças ao simpático pedido feito pelo valoroso
policial que tocou a campainha da residência. Lamento muito a ausência de fotos e vídeos desse acontecimento, devo acrescentar.
Então, claro que mesmos dispostos a reformular o nosso repertório com bastante ênfase, não poderíamos sermos tão radicais ao ponto de ignorar tais preceitos básicos que eu citei anteriormente. Enfim, música s tais como: "Um Minuto Além", "Crisis (Maya)", "Luz" e "18 Horas", deveriam continuar no repertório de shows, normalmente, por uma questão de coerência.
Não tínhamos previsão para shows no curto prazo. Mas apesar desse hiato, não houve motivo para preocuparmo-nos, pois os ventos mostravam-se favoráveis, e a parada estratégica fora conveniente para que empreendêssemos esse esforço de renovação. Além disso, a questão da gravação de uma demo-tape e a sua respectiva estratégia para abordar gravadoras, foram as tarefas mais importantes que poderíamos executar naquele momento e foi exatamente o que fizemos.
Para aproveitar essa falta de compromissos a curto prazo, o Beto programou uma viagem à Nova York, para o primeiro semestre de 1986, com o objetivo de comprar alguns equipamentos e instrumentos. E também nesse espírito de renovação, eu e Zé Luiz empreendemos uma ativação na parte estrutural da banda, quando criamos diversos mecanismos para o fã-clube a conter material de venda de shows e merchandising da banda.
Aproveitamos portanto, esse tempo sem shows
que tivemos para também investirmos na organização do Fã-Clube. Na
verdade, já mantínhamos uma rotina forte com o "escritório" desde 1983,
mas à medida que a banda crescia, o movimento de fãs aumentava também, e
além da demanda, sentíamos a necessidade de melhorar os serviços,
a objetivar oferecer mais produtos de merchandising.
Então, a retroagir um pouco na narrativa, em junho de 1985, resolvemos lançar um informativo sobre as novidades da banda, com a ideia de ser na prática, um boletim periódico e enviado gratuitamente para os membros do fã-clube, via correio. É bem verdade que um piloto desse projeto houvera sido tentado antes, em 1984, mas na época, não foi lançado oficialmente.
Fora disso, percebemos que além dos itens básicos, como discos e camisetas, as pessoas pediam-nos muito material variado como: fotos da banda e letras das músicas. Pois ao considerarmos esse sinal que veio das pessoas, passamos a oferecer tais produtos e desde então, tornou-se uma fonte de renda extra para a banda, ao ajudar-nos bastante na manutenção do fã-clube.
Contudo, mesmo ao vendermos tais produtos pelo correio e também nos shows ao vivo, chegamos em um ponto onde enviar o informativo para duas mil pessoas, tornou-se inviável financeiramente, e dessa forma, passamos a cobrá-lo.
Claro que a adesão foi reduzida, mas ao menos, quem ficou, observou a gradativa melhora do material enviado e nos anos de 1986 e 1987, o informativo tornou-se quase uma revista, mediante colunas, seções e a se apresentar ricamente ilustradas com fotos.
Eu escrevia todos os textos e o Zé Luiz fazia a
diagramação. Ele comprava material na papelaria e eu visitava o correio
para efetuar as postagens. Éramos uma equipe de apenas dois componentes, mas
trabalhávamos em perfeita afinação, visto que esse esforço foi importante para o nosso bem mútuo.
Eliane Daic, namorada do José Luiz Dinola na época, e produtora da banda, em foto de Rodolpho Tedeschi em novembro de 1985
Para não deixar transparecer que nós mesmos fazíamos tudo, inclusive responder as cartas (eu as respondia de punho), usamos o nome da namorada do Zé Luiz na época,
Eliane Daic, como se ela fosse a responsável.
De fato, ela ajudou-nos muitas vezes em tarefas manuais, como envelopar os informativos e filipetas de shows, além de auxiliar em tarefas gerais, mas nunca foi a responsável pelo fã-clube, como alardeávamos, publicamente. Usamos também o nome de Claudio D. de Carvalho (o popular "Capetoide", amigo nosso desde os primórdios da nossa banda em 1982 e que recebera um "jingle" composto por nós em sua homenagem, de uso interno entre amigos, que dizia em sua letra de uma frase única: "Capetoide, o homem que veio de um asteroide"), como um colaborador, mas foi o mesmo caso da Eliane, ou seja, um ajudante fictício para não tirar-nos o "glamour" da publicação.
Ao final de 1986, esboçamos uma profissionalização do fã-clube e chegamos a
contratar um funcionário para auxiliar-nos, a se tratar do saudoso Eduardo
Russomano, que também tornou-se roadie da nossa banda, mas isso eu conto mais para a
frente, na cronologia.
Entretanto, também foi uma fase para estabelecermos contatos, e nesse aspecto, amigos que queriam dar-nos uma ajuda e estavam no mainstream, foram muito prestativos para conosco.
Por
exemplo, cito inicialmente o baterista dos Titãs, Charles Gavin, que
mostrava-se muito solidário com colegas que estavam na segunda ou
terceira divisão da música profissional, nosso caso.
Charles era um velho conhecido do Beto Cruz, pois ainda ao final dos anos setenta, houvera sido baterista de uma banda cover em que o Beto atuou, chamada "Zona Franca", e cujo baixista, fora o seu irmão, Claudio Cruz.
Gavin visitou-nos em nosso ensaio, e deu-nos dicas valiosas sobre o que precisávamos para compor o material que pretendíamos gravar em uma nova demo, além da explanação sobre os meandros da gravadora WEA. Contou-nos várias particularidades sobre como funcionava a mentalidade das pessoas que comandavam o departamento artístico daquela gravadora e também nos narrou histórias pitorescas (nada impublicável, mas não revelarei nada pois não acho correto, visto que são fatos que eu não presenciei, mas só ouvi dizer, fora o fato de que não poderia trair a confiança do amigo Gavin, por considerar terem sido revelações feitas sob segredo, mesmo com essa defasagem de tempo, enorme).
Gavin prontificou-se a levar a nossa demo em mãos para o produtor da gravadora, Liminha no Rio de Janeiro, assim que a tivéssemos pronta. Ele gostava da nossa banda e enxergava uma possibilidade, nesse ponto em que o nosso som estava mais adequado ao padrão Pop, portanto mais condizente à mentalidade das gravadoras e mídia, ainda que não fosse exatamente o ideal, pois aos parâmetros desse pessoal, éramos "pesados" demais e distante do maledetto padrão do Pós-Punk, a monolítica estética que ditou as normas na década de oitenta.
Contudo, com
esse amigo a interceder, ficamos muito mais esperançosos de haver ao
menos a boa vontade para fazer-se uma audição do material. Sendo assim, intensificamos os nossos esforços para ensaiar e marcar enfim, uma sessão de estúdio, para preparar a demo.
Preparados para enfrentarmos um estúdio, fechamos o repertório e o Beto Cruz trouxe a sugestão de um estúdio simples (e viável ao nosso bolso), mas em condições para proporcionar-nos uma qualidade sonora mínima, o suficiente para suprir as nossas necessidades diante do padrão de uma demo-tape.
Chamava-se, "Ensaio Estúdio", e a sua localização ficava no bairro do Planalto Paulista, na zona sul de São Paulo, razoavelmente próximo à estação São Judas do Metrô. Para minimizar ainda mais o custo dessa operação (e nós estávamos sem recursos, pela estiagem de shows dos primeiros meses de 1986), marcamos essa gravação para a sexta-feira "Santa", da Páscoa de 1986.
Caiu então
no dia 21 de março de 1986, com o desdobramento da sessão para se cumprir no sábado,
dia 22 de março de 1986. O dono do estúdio aceitou fazer o serviço
e promoveu também uma substancial redução no preço do pacote, devido à óbvia escassez
de clientes em uma "Semana Santa", na qual fatalmente ele teria que fechar as
portas e não ganhar nada. Nessas circunstâncias, fora melhor fornecer um
desconto e trabalhar, a não ganhar nada.
Enfim, foi ótimo para todos, e ainda que tratasse-se de um estúdio bem equipado com uma estrutura de captação e a conter paramétricos razoáveis, embora inferior, logicamente, ao padrão dos estúdios "classe A" de São Paulo.
O técnico foi solícito e prestativo, mesmo sendo meio carrancudo, mas não foi possível cobrar muita gentileza em uma sexta-feira, feriado e às 10 horas da manhã, convenhamos.
Claro, com um estúdio simples, mas bem municiado para satisfazer produções razoáveis sob um padrão de baixo orçamento para uma demo-tape, tudo foi planejado para ser executado muito rápido.
As bases foram gravadas ao vivo. Então, passamos gravando ao vivo, a valer a bateria, baixo e guitarra
base nas tomadas iniciais e com a consciência de que não teríamos muita
margem de erro para muitas repetições. Portanto, salvo erros crassos de
andamento, harmonia ou execução individual, a ordem combinada entre nós foi para relevarem-se
erros menores e arroubos de perfeccionismos que só seriam cabíveis em uma
gravação oficial de um álbum, com maior margem de tempo e dinheiro para bancar tais caprichos. E lá fomos nós!
Como de costume, estávamos absolutamente bem-ensaiados e reputo esse esmero, como um dos maiores méritos que A Chave do Sol teve em sua história. De minha parte, acredito que essa foi a banda em que atuei, que mais preocupou-se em manter-se sempre sob uma excepcional forma, com constância de ensaios e de certa forma, até a exagerar nessa determinação, pois ensaiávamos à exaustão.
Portanto, em uma circunstância em que teríamos que nos esmerar com uma produção de estúdio sem grande folga para correções eventuais, o nosso mérito foi estarmos sempre afiados, a evitar assim muitas tomadas nas gravações.
E por darmo-nos ao luxo
de gravar ao vivo, para economizar ainda mais o tempo. Particularmente,
não gosto de gravar ao vivo, pois o lado psicológico de tal tipo de
produção, desgasta-se com facilidade.
Torna-se inevitavelmente um barril de
pólvora, visto que um músico pode irritar-se com o outro por um erro tolo cometido e assim, arruinar-se a tomada, e como consequência, obrigar a descartar-se tudo o que havia sido
gravado previamente, e gerar um frustrante recomeço do esforço, tudo novamente.
Todavia, naquelas circunstâncias, não tivemos escolhas, e assim como nos dois primeiros discos e nas demos caseiras que havíamos gravado em 1983 e 1984, nós aceitamos o desafio de gravarmos novamente com tal metodologia periclitante.
Usei o amplificador que o rapaz possuía disponível no estúdio, e gostei muito do timbre ao vivo e pelo resultado final da gravação. Tratou-se de um "Hiwatt", que timbrava do jeito que eu gostava, à moda antiga, 1960 & 1970, a extrair um som robusto, com peso e brilho. Indo além, não tenho dúvida, nem vergonha de reconhecer que o som de baixo nessa demo-tape, ficou muito melhor que o som do disco oficial de 1985, o EP.
O Fender Jazz Bass timbrou exatamente da forma como deveria, ou seja com peso, brilho e corpo. Infelizmente no EP (e no compacto de 1984, também), a mixagem final tratou de achatá-lo (flat), a diminuir o impacto da sua característica natural. Mas nessa demo, gravada em um estúdio simples, e sob uma produção a toque de caixa, soou melhor, veja que ironia.
Hoje em dia, com a experiência acumulada, é muito óbvio na minha percepção que o técnico teve o bom senso de não coibir determinadas frequências na hora da mixagem, para deixar a timbragem que eu escolhera no amplificador, predominar, a despeito de possíveis choques que os técnicos em geral correm para corrigir ao olhar os gráficos de paramétricos, através do analisador de espectros.
Claro que certos
preceitos devem ser respeitados por serem parâmetros respaldados pelas leis da física e da acústica,
mas deixar de lado o excesso de rigor científico nessa hora, e permitir que o
velho e bom ouvido estabeleça a decisão final, respeita mais a integridade
artística da obra, ainda que possa incomodar o sofisticado crivo de
técnicos de som, mais argutos. Para resumir, o timbre de baixo nessa
demo despojada, ficou melhor que o dos discos oficiais, gravados em
estúdios profissionais e renomados como, Mosh e Vice-versa, por incrível que pareça.
O Dinola usou a sua própria bateria, naturalmente, a gravar com toda a segurança. A sua performance de estúdio foi sempre exemplar. Ele fazia aquelas viradas técnicas com uma facilidade assustadora e nos vídeos ao vivo onde ele aparece sempre sorridente, não era só por uma questão de performance, mas pelo fato dele ser 100% seguro, e fazer aquelas levadas difíceis, a divertir-se, como se fossem simples...
Já o Rubens, levou consigo o seu kit
tradicional de trabalho, com a Fender Stratocaster e o amplificador
Music Man. A novidade para as gravações d'A Chave do Sol, foi a segunda
guitarra, marca, Jackson, que representava o último grito da moda oitentista, e ele havia adaptado-se
muito bem à sua sonoridade e estética. Foi uma época onde uma guitarra
dessas era muito cobiçada, e chegou até a despertar comentários em
matérias de revistas, o fato dele possuí-la, só para ter-se uma ideia
desse tipo de valorização.
Hoje em dia, eu a acho uma guitarra defasada, e sou mil vezes a Fender Stratocaster '73 que ele ainda possui nos dias atuais, e certamente que uma guitarra estigmatizada como a Jackson não faz sentido para um músico como eu, que tem muita restrição aos parâmetros da década de oitenta. Enfim...
A gravação das bases ocorreu de forma muito eficaz e ainda na sexta-feira fomos direto para os overdubs de guitarra. O Rubens gravou com bastante rapidez os seus solos, contra-solos, e desenhos adicionais, sem nenhum problema.
E ainda deu tempo para o Beto iniciar a sua sessão de vocais na mesma sessão. Após oito horas de trabalho, a parte instrumental estava completamente pronta, e das seis canções gravadas, quatro já tiveram os seus respectivos vocais finalizados. Para o dia seguinte, iniciamos a sessão com os vocais que faltaram, e partimos para a mixagem.
A
mixagem foi rápida também, e sem nenhuma elucubração indevida. Claro,
ao se gravar em 8 canais, as reduções foram inevitáveis e dessa forma, a
bateria foi alojada em parcos dois canais.
Incrível como mesmo assim a sua
presença na demo é digna, mesmo sendo um procedimento rudimentar sob extrema pobreza
sonora pela falta de melhores recursos técnicos. O mesmo pode-se dizer sobre todos
os instrumentos e a voz do Beto, que teve um tratamento padrão em termos
de ambientação, com o clássico advento de reverber, delay, sibilância e uma sutil
equalização de timbre.
De fato, uma canção como "Solange", mantinha um apelo "romântico", não só pela letra, ao evocar o amor homem/mulher, mas em sua estrutura harmônica, melódica e até na interferência que tal preceito causou na confecção do solo de guitarra e no seu riff inicial.
Como eu já deixei claro anteriormente nesta narrativa, essa canção gerou celeuma no âmbito interior da banda, assim que foi sugerida pelo Beto, quando de sua entrada como componente, ao final de 1985. Tornara-se consenso geral entre os quatro componentes que devíamos aparar as arestas pelos erros estratégicos cometidos anteriormente, notadamente a opção pelo peso "heavy" imprimido no EP de 1985, e cuja maior vítima do vilipêndio público foi o vocalista, Fran Alves, infelizmente.
Mas daí a achar o ponto ideal nessa transformação, revelou-se uma missão difícil, pois esbarrara na visão particular de cada um, e na total falta de senso de mercado que tínhamos à época, por vários fatores.
Um deles, reputo ser o fato concreto de que éramos uma aeronave em pleno voo, portanto, algumas (para não dizer muitas), impressões que tínhamos, foram pautadas pelo frescor dos acontecimentos e nesse parâmetro, foi até legítimo que errássemos em certas avaliações, pois tínhamos um público em franca expansão que nos inibriava por conseguinte e isso contribuiu para a nossa visão ficar turva!
O
que quero dizer com isso, é que talvez o mercado mainstream soprasse de
forma inversa (e soprava mesmo, é óbvio), mas a nossa impressão pessoal
dera conta de outra perspectiva, pois os nossos shows lotavam, as pessoas
gostavam cada vez mais de nossa música (apesar das mudanças drásticas de
direcionamento artístico), e nosso portfólio só crescia,
recheados com matérias de jornais e revistas a conter elogios efusivos ao trabalho.
Portanto, achar o ponto certo da temperatura dessa tal mudança não foi uma conquista fácil de se obter. O nosso parâmetro único foi a da medição da temperatura de cada reação às músicas novas em nossas apresentações.
No entanto, tratou-se de uma avaliação pouco embasada ao considerar-se a nossa falta de conhecimentos mais sofisticados sobre produção musical & mercado. É
fácil neste instante eu realizar uma análise desse nível, com trinta e um anos de isenção histórica e
experiência acumulada (2016), mas é claro que nenhum de
nós pensara nesses
termos, naquela época. Talvez o Beto, para ser muito justo, eu reconheço,
tenha sido o membro da banda que mais tivesse essa percepção próxima da
realidade e portanto, foi o agente decisivo para que promovêssemos as mudanças.
No caso da canção "Solange", foi acintosa a sua perspectiva Pop e chegou a incomodar-nos justamente pelos fatores que expressei acima. E entre os três membros que estranhavam mais, o Zé Luiz foi o que mais incomodou-se, por considerar ser destoante das tradições da banda, ao comparar-se com o Jazz-Rock tipicamente setentista, que professávamos nos primórdios da carreira da banda.
Se a canção em si, já trazia tanta controvérsia interna, quando a sua letra foi mostrada-nos, o choque que tivemos, intensificou-se. Claro que tratou-se de uma letra sob alto teor romântico e nesses termos, poderia tranquilamente ter sido escrita pelo Fábio Júnior.
O Zé Luiz arregalou os olhos e ficou atônito com a
possibilidade de nós seguirmos os passos do Rádio Táxi, como ele tanto receara.
Mas se
realmente pleiteávamos um lugar ao sol (com o perdão do trocadilho), no
mainstream, foi na verdade uma música com potencial competitivo e tais
executivos de gravadoras pouco importavam-se com questões estéticas pelo viés artístico. "Solange" teve potencial radiofônico e poderia
tranquilamente ser incluída como tema de uma novela da Rede Globo, em nossa avaliação.
Portanto, parabenizo o Beto, trinta e um anos depois (2016), pois entre nós quatro, foi o que melhor enxergou a necessidade de adequação radical da banda aos parâmetros do mainstream.
Entretanto, mesmo assim, sendo
bem detalhista, hoje eu posso afirmar que nem mesmo "Solange" teria sido a ideal
para cumprir tal objetivo, pois realmente para adequar-se nesses termos, muitas arestas deveriam terem sido coibidas. É incrível
constatar, mas nem mesmo uma faixa que considerávamos incrivelmente Pop
para os nossos padrões de avaliação, foi na verdade preparada para agradar
os ouvidos dos homens das gravadoras. Hoje eu sei bem disso.
A sua estrutura harmônica e melódica foi bem adaptável ao padrão de pessoas não acostumadas às sonoridades do Rock de uma maneira geral. Por ser um tema Hard-Rock, era até amena em sua agressividade inerente, portanto, tornara-se híbrida e passível de ser digerida até por ouvintes não Rockers, inclusive. Bem, isso foi uma expectativa apenas, e não uma máxima científica, é claro.
E
houve um elemento a mais nessa equação: a letra da canção.
O Beto mostrou-nos sua primeira versão, e logo de início ficamos com a impressão que
seria oportuno o tema, pois abordaria um assunto que em 1986, tomou conta
da mídia. Tratou-se da passagem do cometa de Halley pela órbita da Terra, que cumprira a sua
rota de 76 anos para aproximar-se do nosso planeta.
Particularmente, a história do cometa era antiga em minha consciência, pois desde a infância eu convivia com essa perspectiva, visto que meu avô materno, contou-me sobre como ele havia tido a experiência de vê-lo, por ocasião de sua última passagem em 1910, quando ele fora um jovem com dezoito anos de idade etc. e tal.
Quando eu fui criança, achava esse relato do meu avô, fascinante e mal podia esperar para chegar o ano de 1986 e poder ver com os meus olhos a presença do astro celeste, porém, quando aproximou-se de fato a data, o meu interesse pelo fenômeno astronômico diminuíra substancialmente.
Todavia, claro
que a perspectiva de termos uma música a abordar tal assunto, soou-me
oportuna e dessa forma, contar com tal possibilidade, pode ser
considerada um trunfo a mais dentro dessa demo-tape.
Quando recorda-se desse ano de 1986, basicamente o que o cidadão comum que o viveu, lembra-se?
1) Copa do Mundo de 1986 ("la mano de Dios").
2) Araken o "showman".
3) O Plano Cruzado e os "fiscais do Sarney"
4) A aparição do Cometa de Halley...
Musicalmente a descrever, "O Cometa" lembrava bastante o som do "Whitesnake", principalmente em sua fase inicial ainda bem calcado no som setentista. De fato, a banda de David Coverdale atravessou a década de oitenta, com dignidade, mesmo sendo fiel a uma estética que fora violentamente desprezada, graças ao signo máximo oitentista, baseado no repúdio ao passado, via niilismo barato.
Claro, com tal roupagem, a canção teve bastante influência do "Led Zeppelin", "Bad Company" e "Free", bandas setentistas clássicas, em seu rol de predileções básicas. Foi uma das primeiras músicas da nova safra do repertório, assim que o Beto entrou na banda, ao final de 1985, e foi executada ao vivo logo no primeiro show do Beto como novo vocalista, na cidade de Santos, no ginásio do Santos Futebol Clube, conforme já relatei com detalhes, um capítulo atrás.
Infelizmente,
essa música cairia em uma espécie de limbo, posteriormente, ao sair do set
list dos shows, e nunca veio a ser gravada oficialmente em um disco, infelizmente, por sinal.
http://www.youtube.com/watch?v=SBCS5cVK
Ao falar de uma aposta muito incisiva que tínhamos para essa demo, em prol do padrão Pop, a música "Saudade" foi uma esperança tão ou mais forte do que "Solange". Criada a partir de um riff que o Rubens apresentou-nos, tal música foi deliberadamente concebida para ser "Pop" nas suas atribuições gerais.
Primeiro pela simplicidade generalizada com a qual concordamos em empreender na sua concepção e arranjo. O Riff e a harmonia são simples, bastante diretos e com caráter "bubblegum", ou seja, com a clara intenção de ser "grudenta", com fácil assimilação pelo público e não somente para o público Rocker, mas também ao procurarmos atingir um público mais amplo.
A melodia foi o
seu carro chefe, evidentemente, e nesses termos, o Beto trouxe a sua
contribuição, ao criar uma linha linear, que qualquer criança poderia
cantarolar e convenhamos, para o mundo da fonografia, tratou-se de um super indício de sucesso. No quesito, letra, o Beto tinha facilidade de
escrever letras coloquiais e sob o mote do romantismo.
Na parte instrumental, o maior esforço empreendido foi da parte do Zé Luiz, eu reconheço. Foi inacreditável ver a sua atuação sob uma condução simples, sem as suas costumeiras viradas técnicas nos tambores, sem inversões de ritmos, sem quebras no chimbau, enfim, ao ouvir a canção, ela parece gravada por um baterista comum e não pelo Zé Luiz, que já era reconhecido naquela época, como um baterista muito técnico, e fortemente influenciado pelo Jazz-Rock internacional.
De minha parte, a linha de baixo também foi
simples ao extremo, e sendo assim, eu limitei-me a fazer uma condução contínua em
notas colcheias, apenas a seguir a tônica dos (poucos) acordes presentes na
harmonia da canção.
Para os padrões d'A Chave do Sol, onde o esmero para criar-se uma cozinha com sofisticação rítmica sempre foi uma das marcas registradas da nossa banda, tornou-se chocante ter essa simplicidade "franciscana" na condução baixo/bateria.
Tal música destoou tanto do trabalho todo, que chegamos a discutir internamente a possibilidade dela ficar destinada exclusivamente à avaliação dos executivos de gravadoras majors, como objeto da demo em questão e não executada ao vivo, até segunda ordem. Temíamos pela reação dos fãs, que poderiam até chocar-se e julgar-nos mal pelo choque térmico que empreendêramos. E se rejeitassem-na? Será que julgar-nos-iam oportunistas por tamanha apelação e de certa forma ficaríamos estigmatizados por tal investida apelativa?
Porém, esse preconceito que fomentamos foi logo superado, pois ainda em 1986, nós a incluiríamos no set list dos shows. Além de não incomodar os fãs antigos do trabalho, pelo contrário, agradou muita gente, eu creio.
Talvez a
única conexão mais Rocker nela contida, seja o solo do Rubens, mais agressivo
aos ouvidos pouco acostumados às sonoridades do Rock. Mas mesmo com toda
a preocupação em fazê-la soar o mais Pop de FM possível, mantivemos a
pegada Rocker como uma pitada de dignidade e autoestima, acredito.
O "Autograph", uma das bandas daquela safra orientada pelo Hard-Rock oitentista, e pejorativamente chamadas como: "Hard-Farofa", tamanha a sua fragilidade musical e sobretudo pela "pasteurização" de seu trabalho em estúdio, no afã de soar como "Pop de FM", ou "AOR Rock"
No
estilo, a música lembrou o trabalho de bandas modernas do Hard-Rock
dos anos oitenta, principalmente o "Autograph", mas também o "Alcatraz",
além do "Dokken", "Y & T", quiçá "Ratt" e similares da época. De
minha parte, nenhuma delas influenciava-me em nada e assim, o meu coraçãozinho
sessenta-setentista esteve a hibernar, e assim esperar que o pesadelo oitentista
acabasse logo, mas em comparação com a proposta sonora advinda da turma do Pós-Punk, tais artistas seriam os que
mais aproximavam-se de sonoridades minimamente decentes para os nossos padrões, ainda que eu
tivesse muitas restrições aos respectivos trabalhos dessa turma.
No caso de nossa aposta nessa sonoridade Pop das FM's, foi uma grande esperança, e assim a gravamos com tal ideia em mente.
Cabe acrescentar que estávamos nessa época absolutamente obcecados pela ideia de alcançar o mainstream, mas ao mesmo tempo, não tínhamos noção real do mercado. Faltou-nos alguém que pudesse realmente orientar-nos nesse sentido.
Acredito que
as pessoas que mais orientaram-nos corretamente foram o Charles Gavin e o
Clemente, dos "Inocentes", que estavam dentro do furacão oitentista. Mas fora o
básico do básico, por que nós não percebíamos, apesar de todas as dicas e o
apoio que deram-nos (sobre a ajuda do Clemente, ainda não comentei, mas
está quase na hora de mencionar isso, nesta parte na cronologia), o que seria realmente o som que precisávamos fazer para chegar nesse patamar. De
nada adiantaria buscarmos parâmetros Pop dentro de elementos Hard-Rock, pior
ainda, Heavy-Metal, pois tais estilos jamais entrariam na crista da onda oitentista, do
mainstream nacional.
Portanto, quem surfou bonito nessa onda, aproveitou as suas chances entre 1982 e 1984, principalmente, e salvo consagrações extraordinárias, como o RPM, já citado, e o "Legião Urbana" (este calcado exclusivamente no talento como letrista e através do carisma de Renato Russo, pois a banda em si, beirava o constrangedor de tão frágil que o era musicalmente), a verdade foi que a moda estava a acabar. Se começou a ficar ruim para quem comungava da cartilha do Pós-Punk, o que dizer dos outsiders como nós?
Essa percepção é fácil de obter-se hoje em dia, mas na época, é claro que ninguém percebia tais sinais de decadência, com a clareza absoluta. Nem quem estava adequado ao mercado, quiçá os desajustados, como nós. Bem, o que poderíamos fazer a não ser intensificar os nossos esforços nesse sentido de desejar chegar ao mainstream? E foi o que fizemos.
Nos próximos capítulos, eu contarei muitos fatos, até dramáticos, sobre como esforçamo-nos para buscar um lugar ao sol. Se continuássemos a nossa toada sem tantas mudanças de formação, e principalmente sob um direcionamento musical espartano, talvez tivéssemos tido uma maior continuidade na carreira. Mas como poderíamos ter tido essa percepção ali no calor dos acontecimentos?
Aliado a uma série de fatores, entre os quais a falta de um produtor/empresário mais experiente e antenado nos parâmetros da época, contara como maior fator que faltou-nos discernimento. Você vai verificar, caro leitor, quando eu revelar outros fatos dessa época, e vai entender ainda mais, como foi difícil para nós nessa época, ter essa percepção clara.
A causa fora justa e humanitária, mas algumas colocações talvez tenham sido fortes demais se o objetivo foi buscar o sucesso popular. A questão ao meu ver apesar de justa, tratou de certos aspectos densos, a levantar a culpa da colonização britânica como elemento primordial da segregação e da luta de classes na África do Sul como é insinuado na letra ("praia que só tem burguês"), e assim, a luta contra o segregacionismo, pelo ponto de vista humanitário e sociológico foi correta, mas daí a se pensar em música Pop para se ganhar dinheiro, gerou-se o paradoxo. Se por um lado honrou as preocupações humanistas que a banda expressara em trabalhos anteriores, foi também antagônica ao que buscamos deliberadamente como estratégia de carreira do final de 1985 em diante, ou seja, caímos em contradição.
O mote da letra foi uma inspiração direta àquela canção internacional, também chamada, "Sun City", em que diversas estrelas da música Pop oitentista cantaram em prol do fim da segregação racial na África do Sul.
Acreditávamos na canção por três fatores básicos:
1) O riff criado pelo Rubens, é muito bom.
2) O tema da letra teve tudo para inflamar as pessoas, pelo seu ideal humanitário e nobre.
3) O refrão é bem "pegajoso" e já projetávamos as pessoas a cantá-lo a plenos pulmões, nos shows ao vivo, junto com a banda.
Não tenho dúvida, ao falar em termos de percepção atual, que foi a mais bem-sucedida canção dessa demo e tornou-se um dos grandes sucessos da banda, doravante, ao lado de "Luz", "18 Horas" e "Um Minuto Além". Creio que "Sun City" foi um dos maiores trunfos da carreira d'A Chave do Sol, ao lado das três outras que eu citei.
Pois é, para ficar ainda mais gostoso, a doceira inexperiente resolve dobrar a quantidade de açúcar da receita e quando a pessoa vai experimentá-lo, percebe que a nova versão do doce, piorou em demasia.
Pois foi assim, nós nos empolgamos tanto com o refrão "pegajoso" quando a música ficou arranjada, que o gravamos sob um padrão dobrado, com oito módulos de repetição. Em nossa santa ingenuidade e na ausência de um produtor que enxergasse o exagero nocivo, nessa versão o refrão ficou muito enjoativo. Parece mesmo um disco arranhado, de tantas vezes em que repete-se a mesma frase: "não pode haver Sun City"...
O meu primeiro sinal de estranheza, ao analisar tal determinação, trinta anos depois (2016), é óbvio: se não foram "necessárias", para que as gravamos?
O outro ponto que a nossa ingenuidade de outrora não deixou-nos enxergar: se não foram canções "competitivas", o simples fato de estarem inseridas em meio às demais, não foi contraditório e aos olhos dos executivos das gravadoras, não poderia desabonar todo o trabalho? É claro que poderia.
Para início, falo sobre: "O Que Será de Todas as Crianças?", música que realmente detinha uma concepção mais pesada, todavia, teve elementos interessantes inseridos em sua estrutura.
O Riff, no entanto, é muito bom e toda a sua estrutura harmônica dele advinda possui um potencial Pop, apesar do andamento acelerado.
Mais uma vez a correr um tremendo risco, o Beto foi fundo nessa abordagem sobre o "futuro" da humanidade, ameaçado por uma guerra nuclear etc. e tal.
Até aí, tudo bem, porém falar do futuro das criancinhas diante da iminência do fim aniquilador do planeta, foi extremamente perigoso. A nossa sorte, foi que a música fez muito sucesso e doravante, tornou-se uma das mais bem-sucedidas nos shows da banda no período 1986-1987.
"O Que Será de Todas as Crianças?", na versão da demo-tape de abril de 1986
http://www.youtube.com/watch?v=EEI8j
Praticamente um tema com teor Heavy-Metal, mediante o seu andamento rápido e a contar com uma letra a narrar a guerra entre o bem e o mal, parecia repetir os clichês exaustivamente usados por bandas desse gênero, portanto, em um momento em que queríamos sair "a francesa" de uma situação pela qual jamais deveríamos ter insinuado aproximação, foi no mínimo, contraditória a inclusão de um tema dessa natureza, na demo, quiçá mesmo ter sido composta.
Como mérito musical, talvez eu possa citar que algumas convenções criadas ao estilo da velha A Chave do Sol, em sua fase Jazz-Rock, estão ali presentes. Mas creio que é um mero detalhe diante do equívoco todo, pelo cômputo geral.
Essa canção foi tocada poucas vezes ao vivo, pois logo surgiriam outras com melhor qualidade, e sem o ranço desagradável do Heavy-Metal, do qual queríamos fugir.
http://www.youtube.com/watch?v=6TWqGVgQ
Depois de gravada a fita no referido estúdio, movimentamo-nos para preparar o material de divulgação. Não queríamos incluir o EP de 1985, no pacote de tal material, por motivos óbvios, e amplamente já comentados anteriormente.
Então, quando o material ficou pronto, o Zé Luiz prontificou-se a ir ao Rio para levá-lo diretamente nas mãos do produtor da gravadora Warner, Liminha. Como o Dinola tinha uma de suas irmãs a morar no bairro de Ipanema (Eliane Dinola), dispunha de infraestrutura para hospedar-se, fora o apoio logístico e emocional que teria, e de fato, a irmã dele torcia para nós com bastante entusiasmo, e devo antecipar a informação, ela ajudar-nos-ia decisivamente, outras vezes, além dessa ocasião, no futuro.
Dessa forma, além de tecer várias argumentações para a mocinha em questão, Dinola resolveu montar acampamento, no afã de tentar uma abordagem de rua, onde o filtro de proteção mediante agentes de segurança ou assessores, não poderia ser usado pela gravadora.
E quanto à BMG-Ariola, o contato foi indireto. Uma pessoa que quis ajudar-nos, e cujo nome omitirei, pois não acho relevante revelá-lo nesta narrativa, ficou com o material e assumiu a missão de levá-lo à cúpula de tal organização. Diante disso, seria a hora para cruzar os dedos, e esperar uma resposta que desejávamos ser positiva, naturalmente.
Independente disso, contatos continuavam a serem feitos, e desde o final de fevereiro, por exemplo, tínhamos sido abordados por uma dupla de jovens empreendedores que pareciam ter ótimas intenções, e demonstravam ousadia em seus planos (chamavam-se William- me esqueci de seu sobrenome- e Rene Mina Vernice).
Eles falavam sobre produzirem shows, obviamente, mas ao irem além, e por isso chamou-nos a atenção, pareciam mais ousados que produtores normais que só pensavam nos shows em si e no seu aparato de produção inerente. A ideia dos rapazes seria manter paralelamente um esforço de divulgação permanente, com as bandas escolhidas por eles a fazer parte do esquema, tendo uma assessoria de imprensa contundente e acoplada a uma produtora de vídeo, que produziria constantemente material audiovisual para alimentar as emissoras de TV.
Independente dessa crítica que faço, com os olhos de 2015 (embora na época, eu achasse também que houvesse muito exagero nesse campo), o fato é que ter tido no mínimo um vídeoclip em mãos, tornara-se vital para qualquer banda dos anos oitenta.
Não seria uma cooperativa, no entanto. Claro que havia uma amizade entre todas as bandas que os rapazes citaram estarem interessados e por coincidência, normalmente nos ajudávamos, espontaneamente no cotidiano.
Por duas vezes eu tentei persuadir o ótimo empresário, Jerome Vonk, com o qual trabalhei durante minha segunda passagem pelo Língua de Trapo, em 1983-1984. Eu admirava demais a atuação dele como empresário do Língua de Trapo e sonhava contar com sua condução empresarial a favor d'A Chave do Sol, mas por duas vezes ele recusou-nos. Foi óbvio que não enxergara em nós, um potencial comercial adequado aos seus anseios profissionais.
Outro produtor que admirávamos, foi Antonio Celso Barbieri, mas este não demonstrava querer ser empresário exclusivo de nenhum artista, propriamente dito, contudo, o seu raio de atuação fora o da produção independente.
Então, mesmo preocupados e focados com a produção da demo-tape, e a mantermos a abordagem às gravadoras como pauta do dia, tal conversa com essa produtora rendeu alguns encontros, telefonemas etc. E a primeira ação concreta que propuseram, foi para lá de ousada para os padrões de quatro bandas fora do mainstream: um festival com grande porte de estrutura, a ser realizado no salão de festas do Palmeiras.
Uma foto de 1979, durante uma edição do maior baile Black de São Paulo, quiçá do Brasil, por anos a fio, chamado: "Chic Show", no salão de festas do Palmeiras, onde tocaríamos em maio de 1986
Tocar nesse espaço seria sensacional, pois o Palmeiras mantinha uma longa tradição de realizar shows de Rock, MPB, e festivais de toda monta, há décadas.
Eu, particularmente, mantinha uma lembrança lúdica com tal espaço, e nem fora somente por acompanhar futebol desde a infância e ser um torcedor do Palmeiras, a frequentar o estádio Palestra Itália em anexo, desde o início dos anos setenta.
Continua...
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