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domingo, 17 de maio de 2015

A Chave do Sol - Capítulo 9 - Um Minuto Além com Fran Alves - Por Luiz Domingues

Os primeiros dias de 1985, trouxeram-nos muitos ventos de esperança. Estávamos a menos de vinte dias do início do Festival Rock in Rio e não obstante o fato óbvio de que não participaríamos do evento em si, por outro lado a euforia decorrente de tal evento, foi enorme. Isso por conta dos boatos que esparramavam-se pelo ar, tal como a ação de uma polinização, a dar conta que as gravadoras e a mídia, haveriam por proporcionar abertura para bandas com sonoridades mais pesadas. 

Tínhamos muito pressa para preparar o nosso novo vocalista, Fran Dias Alves, mais popularmente conhecido como "Fran", simplesmente, por imaginarmos que tal componente a mais na formação da nossa banda, seria o elemento catalisador da nossa adequação melhor aos parâmetros do mercado oitentista.

Resenha do show que fizéramos em outubro de 1984, no festival Lubrax Br Rock, no Circo Voador do Rio de Janeiro, e ainda a destacar com substancial atraso, a presença do ex-vocalista, Chico Dias. Lutávamos contra o relógio e também em relação aos desencontros da nossa estratégia estrutural, pois estávamos a todo vapor no esforço para preparar Fran Alves, como o novo vocalista da banda, no entanto, matérias com fotos do Chico Dias, o ex-membro, ainda saiam publicadas através da mídia impressa.

A animação dele, Fran, foi enorme igualmente, e sob um intensivo esforço de ensaios, começamos a prepará-lo para que ele pudesse estar em condições de estrear ao final do mês de janeiro de 1985, quando teríamos então, três compromissos marcados. 

No primeiro deles, iríamos participar de um show compartilhado com outros artistas, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Tal evento foi uma produção do Teatro Lira Paulistana, em parceria com a Secretaria de Cultura do Município, ao visar fazer parte das comemorações do aniversário da cidade de São Paulo, em 25 de janeiro. 

No segundo, voltaríamos ao salão de Rock, Fofinho Rock Club. Já o terceiro show desse mês, seria como parte de um Festival organizado pelo produtor, Antonio Celso Barbieri, que conhecêramos em agosto de 1984, quando tocamos pela primeira vez, no evento: "Praça do Rock", realizado no Parque da Aclimação.

Tal festival (denominado: "São Paulo Também tem Rock"), seria uma espécie de resposta bem-humorada ao "Rock in Rio", com uma série de shows de bandas independentes da cena paulista, sumariamente ignoradas pela organização do mega festival carioca. 

O importante naquele instante, fora colocar o Fran em condições para atuar, e não tínhamos muito tempo para fazê-lo decorar um repertório grande. Mas saliento que nos primeiros dias desse ano novo, a nossa vontade de acertar a banda, foi enorme. Não queríamos desperdiçar as oportunidades que estavam por aparecer, não só pela euforia em torno do movimento: "BR-Rock 80's" que insinuava-se crescer ainda mais, pelo advento do festival Rock in Rio, mas sobretudo pelas oportunidades que a própria, A Chave do Sol estava a obter, devido aos seus progressos acentuados, nos últimos meses. 

Pois foi assim que começou 1985, com a adrenalina da banda a mil por hora, por conta dessa euforia dupla...

Fran Alves, nessa foto acima em cena com sua ex-banda, o "Ano Luz"

O Fran foi um artista muito centrado nos seus objetivos. Estava empolgado por haver se tornado um membro d'A Chave do Sol, e segundo a expectativa que nós nutrimos naquele instante, foi o elemento certo na hora certa, ao considerar-se que estávamos a apostar em um direcionamento para o Rock pesado. 

Contudo, as nossas características naturais nunca foram centradas nesse sentido e mesmo ao imprimirmos mais peso ao novo material que estava a ser composto, nós jamais soaríamos como uma banda de Heavy-Metal genuína, nem que quiséssemos, pois não era a nossa natureza.

Dessa forma, as músicas novas que estavam a serem preparadas, continham o peso, mas nos riffs e arranjos, toda a nossa influência convergia para elementos do Jazz-Rock, Hard-Rock e Prog-Rock setentistas, na sua maior parte. 

Não mensurávamos, mas estávamos a criar um problema para a nossa carreira, que no decorrer da narrativa, analisarei com bastante atenção, naturalmente. 

Mas nesse momento inicial com o Fran, é claro que jamais poderíamos ter projetado algo diametralmente oposto aos nossos anseios. Pelo contrário, estávamos animados com a perspectiva de adequar o repertório às demandas oitentistas e com a inclusão do Fran, e mediante o seu potencial vocal adequado para tal necessidade, julgávamos estarmos no caminho certo.

Fran em ação com sua ex-banda, "Ano Luz", na "Praça do Rock" em agosto de 1984, em foto clicada pelo poeta, Julio Revoredo

Como pessoa, o Fran foi um ser humano, sensacional. A sua humildade cativou-me instantaneamente. Era muito correto, centrado e absolutamente convicto do que ambicionava na sua vida, portanto, foi o quarto remador importante, que agregáramos ao nosso barco, em meio ao mar revolto. 

Ensaiamos com bastante foco nas três primeiras semanas de janeiro, e com o rápido entrosamento, o Fran emitiu sinais de que estava apto, sem problemas. O primeiro compromisso com essa nova formação, seria na Praça Benedito Calixto, em um evento em comemoração ao aniversário de São Paulo.

Usamos esse show de choque, como uma avant-première da estreia do Fran, com a nossa banda. O espetáculo ocorreu no dia 25 de janeiro de 1985, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. 

Foi uma sexta-feira, mas a se constituir de um feriado, logicamente, na cidade. Cerca de duas mil pessoas estiveram presentes na Praça Benedito Calixto, mas os organizadores estavam nitidamente desapontados, por considerarem um público fraco. De fato, em um dia ensolarado, com muito calor, feriado em plena sexta-feira, e com diversos artistas a apresentarem-se gratuitamente... poderia ter tido mais gente para presenciar. 

Tocamos em companhia de artistas como Laura Finocchiaro, "Os Inocentes", Jean & Paulo Garfunkel e outros emergentes da cena mezzo Rock/mezzo "Vanguarda Paulistana". O Fran mostrou muita personalidade, apesar de ter sido um show de choque, portanto, muito curto. Contudo, já deu-nos uma amostra de que entrosar-se-ia, quase instantaneamente à banda.

Todavia, antes de realizarmos a estreia oficial do Fran, que seria no Teatro Lira Paulistana, tínhamos um outro compromisso agendado. No dia 26 de janeiro de 1985, fomos novamente ao Fofinho Rock Clube, no bairro do Belenzinho, na zona leste de São Paulo, onde já havíamos apresentado-nos em 1984. 

Sobre o que era o Fofinho naquela época, eu já falei quando mencionei a nossa primeira apresentação por lá. Desta feita, a novidade óbvia foi a presença do novo vocalista, Fran Alves, além de uma carga mais pesada de nossa parte, no afã de aproximar a banda do público adepto das sonoridades Hard-Rock/Heavy-Metal oitentista. 

A presença do público foi boa e o show bastante frenético, ainda que os equipamentos de som e iluminação disponibilizados, fossem totalmente inadequados. Dessa maneira, apesar do som ruim e da luz de serviço acesa sob uma forma ininterrupta, por ausência de uma iluminação adequada para show, a apresentação valeu pela energia que grande parte do público, ali absorveu.

É bom relembrar que ao imprimirmos um peso extra no nosso trabalho, entrávamos automaticamente no alcance de julgamento de um público novo, onde não éramos habitantes regulares de seu mundo. 

E pior que isso, tratava-se de um nicho cuja "tribo" era permeada por maneirismos típicos mediante códigos próprios de conduta, preconceitos etc. Portanto, esse foi um dos nossos erros ao tentar trilhar esse caminho, pois nunca seríamos aceitos nesse mundo inteiramente, pois os ditos: "headbangers", não reconhecer-nos-iam como parte de sua "tribo". Esse foi um dos problemas, mas teríamos outros, que no decorrer da narrativa, eu descreverei com comentários análogos, certamente.

Nesse show em específico, aconteceu um fato desagradável no campo pessoal, que aliás é de pequeníssima monta hoje em dia, mas acho que vale a pena mencionar, para deixar o registro de que todo artista sofre esse tipo de assédio moral e é sempre um aborrecimento lidar com esse tipo de questão inoportuna. 

O que ocorreu, foi que um rapaz ligado à produção da casa, procurou-me nos bastidores, e insistiu muito para que eu arrumasse dois ingressos para ele e a sua namorada irem assistir um show d'A Chave do Sol, no Teatro Lira Paulistana. A sua insistência passara dos limites, a denotar uma pressão incômoda e desmedida, ainda mais ao considerar-se que estávamos ali a realizar o show, portanto, não pareceu-me um pedido razoável, para que insistisse tanto em obter ingressos em regime de cortesia para um outro show, em outro espaço. 

Bem, no Lira Paulistana, a minha cota de ingressos cortesia estava esgotada para o show de estreia oficial do Fran, marcado para o dia 31 daquele mesmo mês, mas enfim, eu disse-lhe que poderia arrumar para uma futura apresentação, que eu já sabia que logo seria marcada, mesmo que ainda oficialmente, não houvesse essa data ainda fechada. 

Quando a oportunidade surgiu, em abril de 1985, o rapaz apareceu no Teatro e de fato, eu lembrei-me dele e do seu pedido, e reservei os ingressos. Foram dois dias de shows em abril, e no segundo show, eu já tinha uma reserva para a minha namorada na ocasião. Por um golpe fortuito do destino, a minha namorada chegou de surpresa no primeiro dia de show, mesmo ao saber que o combinado fora assistir somente o segundo show. 

Fiquei então sob uma situação chata, pois o sujeito que abordara-me na Fofinho, apareceu com a namorada. Sei que eu tive a minha parcela de culpa, pois nesse imbróglio, bastava eu comprar o ingresso da minha namorada, e ceder os dois reservados para a cortesia, ao rapaz e a sua namorada, mas esse sujeito, ao perceber a confusão, melindrou-se e teve uma explosão de nervos. 

Aos berros, ele passou a xingar-me e proferir pragas contra a minha banda, ao jurar que nunca mais tocaríamos no seu salão (e ele nem era dono, absolutamente, do citado salão), etc. Conclusão: todo artista sofre esse tipo de pressão inconveniente o tempo todo. Pessoas pedem ingressos, discos, souvenirs e acham que essas coisas caem do céu, ou pior, que o artista tem a obrigação de atender tais pedidos o tempo todo, no afã de angariar simpatia. E quando há uma negativa, essas pessoas tendem a explodirem de forma desmesurada, ao melindrarem-se e assim acusarem os artistas de que estes sejam "mascarados", ou coisas ainda piores...

Bem, essa historieta adiantou a cronologia, mas eu achei o registro conveniente aqui, no momento em que esse rapaz importunou-me para pedir ingressos, sendo que estava ali no referido salão, a assistir o show, dentro do espaço onde trabalhava. 

De volta à cronologia, o próximo passo, seria enfim a estreia oficial do Fran Alves, com A Chave do Sol, no Teatro Lira Paulistana.

31 de janeiro de 1985, no Teatro Lira Paulistana, foi o dia. Muitos avisos do show foram publicados em jornais, através de suas páginas de agenda cultural, ao dar-nos um suporte bom, além da divulgação tradicional mediante cartazetes e filipetas, proporcionadas pelo bom trabalho de Antonio Celso Barbieri, o produtor do show.

Claro, havíamos disparado a nossa mala postal, também, que naquela altura crescia vertiginosamente, com um volume significativo de adesões ao Fã-Clube, tocado por nós mesmos (leia-se: eu, Luiz Domingues, e José Luiz Dinola). 

O enfoque nessa data houvera sido proposital, como eu já salientei anteriormente, justamente por considerarmos que os dois shows que ocorreram dias antes, não teriam a estrutura que considerávamos adequada para tal momento significativo da banda, como a estreia de um novo vocalista, ao imprimir uma nova identidade visual, cênica e sobretudo, sonora, à banda.

Estávamos musicalmente preparados e de certa forma, o fato de ter havido dois shows, já com a presença dele, ajudou-nos a quebrar a ansiedade. Dessa maneira, estávamos seguros da performance e prontos para um grande show.
Esse projeto do produtor, Celso Barbieri, foi uma espécie de resposta irônica ao fato do Rock in Rio ter ignorado todas as bandas paulistas em condições de terem sido escaladas para aquele festival carioca (ao considerar-se o pessoal do mainstream, é claro, e nesse raciocínio, o que dizer de nós, e dezenas de bandas que habitavam o patamar underground?). Lógico, a estrutura do teatro Lira Paulistana em comparação com o mega festival de Roberto Medina, mostrara-se nanica.

Contudo, o Teatro Lira Paulistana sempre foi um baluarte do artista independente brasileiro, e muito orgulhara-nos o fato de termos mais uma oportunidade para apresentarmo-nos no famoso palco subterrâneo da Rua Teodoro Sampaio, 1091. 

Naquela noite, uma banda de abertura estava escalada por Barbieri. Chamava-se: "Fênix" e tratava-se da banda dos nossos amigos, Carlos Muniz Ventura e Iran Bressan. Nesse dia, o nosso amigo, Carlos, ousou na sua performance pessoal, ao usar os dentes para fazer um solo de baixo, mas tal performance radical, quase causou-lhe um transtorno dentário, óbvio. 

Terminado o show deles, chegara a hora do público conhecer o novo vocalista d'A Chave do Sol, o senhor, Fran Alves...

O show foi muito intenso, com o adendo de que a presença de palco do Fran fora esfuziante, mas não sabíamos exatamente como reagiriam os fãs do trabalho, pois foi algo totalmente inusitado para quem acostumara-se há anos, a nos ver sob a formação como Power- Trio, visto que o vocalista anterior, Chico Dias, mal teve tempo para marcar a sua presença na banda. 

Um outro ponto, com a entrada do Fran e a mudança de comportamento radical que a banda buscava musicalmente, constituiu-se de fato, em muita mudança radical para o público absorver. Tínhamos consciência de tais elementos, mas não da dimensão de sua consequência, certamente. Bem, de que forma reagiria o público, afinal de contas?

Entenderia que o momento "1985" seria para tornar o som mais pesado? E quem gostava d'A Chave do Sol das apresentações do programa "A Fábrica do Som", entre 1983 e 1984, com aquele Jazz-Rock setentista e sob suas inerentes firulas, o que acharia? Os "headbangers" oitentistas passariam a considerar a banda como interessante em seus anseios metálicos? Foram muitas perguntas.

De qualquer forma, de nossa parte, confiávamos em nosso potencial, com a decisão de incorporar um vocalista com potencial, como o Fran e também nas novas músicas com tais características, contudo, foi uma incógnita a reação do público com tantas mudanças. 

Nessa estreia, o Fran apresentou-se com muita intensidade. Aliás, essa fora uma de suas maiores qualidades. Quando pisava no palco, deixava de lado o rapaz sereno, tranquilo e equilibrado que o era normalmente no cotidiano, para dar vez a um vocalista decidido, com 100% de entrega à performance, banda e à música. 

E nessa entrega artística, entregava tudo de si, inclusive a dar margem às vezes, a deslizes, o que seria normal e de certa forma esperado, pois só a constância traria o equilíbrio perfeito e portanto, foi questão de tempo. 

Cito tais desequilíbrios como excesso de vontade de imprimir uma mise-en-scène muito vigorosa, e algumas vezes, a cometer excessos. Serei mais direto: nesse primeiro show, ao sentir o ímpeto de querer impressionar o público, ele exagerou um pouco na movimentação cênica, e duas ou três vezes desequilibrou-se, literalmente, quase a cair no palco, além de esbarrar no Rubens e também em minha pessoa (Luiz), ao fazer movimentações mais fortes, e se considerarmos que nós também movíamo-nos bastante, eu, bem mais do que o Rubens, isso revelara-se temerário. 

Entretanto ele era muito criterioso e chegou no camarim após o show, a dizer-nos que exagerara e precisava melhorar nesse quesito, ao demonstrar grande discernimento. Fran sempre foi um artista muito preciso nas suas observações e humilde, reconhecia os seus erros, sem nenhum sinal de melindre, a denotar uma enorme hombridade, qualidade que eu admirava nele. Quanto à parte musical, a sua voz mega potente, impressionava. Era uma emissão vocal portentosa, e com afinação incrível.

Ele gostava de usar o trêmulo na voz, mas ao analisar hoje em dia, creio que a sua intenção não fora imitar vocalistas setentistas dotados de voz rouca, como Rod Stewart e Noddy Holder (vocalista do "Slade", este último, uma influência confessa do Fran), ou para citar alguém da época (anos oitenta), Kevin Du Brown, (vocalista do grupo Hard, "Quiet Riot"), mas a sua intenção real foi buscar um "drive" natural do diafragma, para potencializar o vocal. 

Para nós foi um grande show e estávamos muito felizes pela performance poderosa do Fran, e ele também estava radiante.

Mas naquele mesmo dia eu colhi, particularmente, uma série de opiniões divergentes, e fiquei chateado com as afirmativas que ouvi. 

Algumas pessoas não haviam achado a inclusão do Fran, boa para a banda, e críticas desagradáveis ocorreram. Ouvi reclamações sobre o excesso de trêmulo na voz dele. Outros reclamaram dos deslizes cênicos, e uma opinião que achei pesada na hora, fez-me pensar a posteriori. O produtor do show, Barbieri, chamou-me de lado no camarim, e disse-me que precisávamos pensar no aspecto visual do Fran, pois ele destoara do trio. 
 
De fato, o Fran apresentou-se a usar uma calça vermelha acetinada, mas sem camisa, trajava também uma capa igualmente de cetim, parecida com capas ritualísticas de umbanda e candomblé, com a cor vermelha a predominar, mas a conter detalhes em preto. Dessa forma, realmente parecera um visual ritualístico, ao destoar de nós três, que usávamos calças de couro ou veludo, camisas de seda ou cetim, botinhas e adereços Rockers bem setentistas, como lenços indianos e/ou echarpes. Para piorar, apresentou-se descalço, a realçar a diferença com os demais.

Ingênuos, nem percebemos tal discrepância enquanto aprontávamo-nos no camarim. Particularmente, achei a tal vestimenta interessante, e o fato dele subir ao palco descalço e sem camisa, pareceu-me muito mais uma atitude hippie, que remetia ao Caetano Veloso dos bons tempos, ao fazer uso do famoso, "Parangolé" (invenção do artista plástico, Hélio Oiticica), do que rituais de religiões afro-brasileiras (nada contra tais vestimentas, mas dentro de seu ambiente ritualístico, e não em show de Rock, só isso!). 
 
E da parte do Fran, certamente que ele pensara estar condizente, ao considerar-se estar a usar um figurino Rocker e compatível com a importância daquele show, fora estar de acordo com os demais integrantes da banda.

Além disso, pesara o fato dele não ter maiores opções de figurino disponíveis naquele momento. E nesse fator, só restara-nos torcer para a banda ter uma agenda robusta, que permitisse condições para que ele pudesse preparar-se melhor nesse quesito. 

Fora isso, que seria algo corrigível, preocupou-me as opiniões sobre o estilo vocal dele não ser compatível com a banda, mesmo diante de músicas novas, com características mais pesadas. E com a devida ressalva de que nesse show, ele quase não cantou de fato, pois tivemos poucas músicas novas preparadas e a base foi o repertório de 1983/1984, incluso longos temas instrumentais.

Mas vida que seguiu, estávamos confiantes e muito contentes com a entrada dele. Esse show foi gravado direto da mesa, com carinho pelo técnico/amigo, Canrobert Marques e por muitos anos, tive essa fita K7, bem guardada.

Em um dia de 1989, um amigo, que gravitara na órbita da banda em 1984, apareceu em minha casa e pediu-me emprestado tal material, com a promessa de devolução em poucos dias, com o objetivo de fazer uma cópia. Bem... espero até hoje por essa devolução (2016), e nem é preciso descrever o quanto lamento essa perda, pois foi o único registro da voz do Fran Alves, ao vivo, com A Chave do Sol. 

Nesses tempos em que coloco a minha energia na construção de minha autobiografia, e por conseguinte, promover o resgate total de material inerente (além da possibilidade de lançamento no YouTube), tal material seria um tesouro inestimável para os fãs da banda, para nós mesmos, ex-integrantes, e para a viúva e os dois filhos do Fran. Só lamento a falta de educação, por essa falta de devolução, "seu" Hélio...

Ainda a falar da estreia oficial do Fran, além da divulgação tradicional, tivemos também apoio de dois programas de TV. 

No mesmo dia do show, 30 de janeiro de 1985, havíamos ido novamente ao programa feminino e vespertino, "A Mulher dá o Recado", da TV Record de São Paulo. No período da tarde, no dia do show, gravamos o "Realce" da TV Gazeta, que foi ao ar às 18:00 horas do mesmo dia, e tal programa sempre deu-nos um bom apoio. 

No programa da TV Record, apesar de ser ao vivo, não esperávamos tanto retorno assim, visto que sua audiência básica não era formada por Rockers, mas muito pelo contrário, baseada em donas de casa, e certamente idosos. 

Contudo, achávamos muito válido aparecer em tais programas, pois mesmo ao posicionarmo-nos como uma banda de Rock, queríamos angariar um público maior. Claro que um programa dessas características não constituía-se no mais adequado para nós, mas eu ficava muito contente quando abria a caixa postal da banda, na agência do correio, e via cartas enviadas por pessoas que estavam a elogiar-nos por terem assistido-nos em programas dessa natureza, e neste em específico, rendeu bons frutos nesse sentido.

Vivíamos nessa época, o mesmo problema de outrora, quando fizemos programas de TV com a presença do vocalista anterior, Chico Dias, ou seja, lá estávamos nós novamente, para enfrentar uma dublagem, onde um novo vocalista iria apresentar-se a fingir cantar, com o áudio da voz do Rubens, da canção, "Luz". Nesse sentido, o fato de possuirmos nessa época, somente um compacto simples, e com uma música cantada apenas, e a outra, por ser instrumental, limitara-nos naquele instante.

A necessidade de um novo álbum, e com a voz do Fran no comando, tornara-se urgente, também por esse aspecto televisivo.

Nesse programa da TV Record, como de costume, tivemos o compromisso de estarmos no estúdio da TV Record, às 8:00 horas da manhã. Não foi fácil, portanto, estar com o semblante limpo e mediante bom humor, prontos para entrarmos no ar, sendo músicos, e naturalmente notívagos, porém, todo sacrifício foi válido. 

Desta feita, optamos portanto pela não participação do Fran na apresentação, para não cometermos o mesmo erro já citado, que cometêramos com o antigo vocalista, Chico Dias.

Eis acima, essa aparição no programa "A Mulher dá o Recado", da TV Record de São Paulo, no 31 de janeiro de 1985.

Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=_xSsxMCtIbE

E na TV Gazeta, no dia seguinte, atuamos com a tradicional "esbórnia" perpetrada pelo apresentador, Mister Sam, que proporcionou-nos mais uma divertida aparição. Desta vez, tivemos a oportunidade de executarmos a música: “Luz,” e novamente evitamos que o Fran Alves participasse, para não cometermos assim o mesmo erro que houvéramos cometido com o vocalista, Chico Dias, ao fazê-lo dublar a voz do Rubens, mediante o áudio oficial do nosso disco de estreia.

E também fizemos dois programas de Rádio, como apoio ao show. Na verdade, foram duas entrevistas concedidas ao programa "Balancê", da Rádio Globo de São Paulo, onde o comandante de tal atração, foi o Fausto Silva.

Já havíamos sido entrevistados nesse programa algumas vezes antes, e nesse dia 28 de janeiro de 1985, especificamente, a banda foi representada por Zé Luiz e eu, Luiz Domingues, dentro daquele revezamento que havíamos combinado internamente, ao visarmos conceder entrevistas em duplas, sempre que possível, para render mais nos programas radiofônicos, que tendiam a ficarem confusos, quando mais de duas pessoas eram entrevistadas. 

No entanto, como o programa mantinha um público in loco, apesar de ser radiofônico, uma bizarra condição instaurara-se: os seus produtores pediam aos artistas musicais que dublassem, mesmo que isso não fizesse nenhuma diferença para quem assistia presencialmente no auditório.

Então, eu (Luiz), Rubens e Zé Luiz, geralmente levávamos um par de baquetas, e uma mini guitarra, chamada, "Chiquita", que mais parecia uma guitarrinha baiana, dessas usadas por músicos que tocam em trio elétrico, simplesmente para facilitar a nossa logística. 

Dessa forma, nesta ocasião em específico, nós combinamos de eu usar a guitarrinha na dublagem, e o Zé Luiz, fazer malabarismos com as baquetas, e ambos dublaríamos a voz do Rubens. Ou seja, bizarrice total. Mas tivemos um azar inesperado, nessa manhã de 28 de janeiro de 1985!

O que ocorreu, foi que naquele específico dia, por alguma falha técnica, algumas "sonoras" não foram ao ar. "Sonora", para quem não conhece o jargão do jornalismo radiofônico, são reportagens pré-gravadas, que são disparadas, geralmente com entrevistas e/ou boletins do cotidiano dos clubes de futebol. 

Como essas "sonoras", alimentavam o programa, a ocupar grande parte de sua duração, a produção ficou sem o que fazer para ocupar o espaço, e dessa forma, decidiram alongar a nossa participação, ao fazer-nos perguntas improvisadas.

No entanto, o tempo passava, e as "sonoras" de futebol realmente não foram executadas por problemas técnicos, então, o Faustão, naquele seu jeito despachado, e na base do improviso total, resolveu que tocaríamos uma segunda música, para ocupar tal lacuna que mostrava-se desagradável para eles. 

Até aí, tudo bem, pois estávamos a lucrar com essa prorrogação, a ganhar quase meia hora de audiência, quando o normal teria sido uma participação com oito a dez minutos, a conter apenas uma música, seguida de uma conversa rápida. Todavia, o sonoplasta do programa, "Johnny Black", teve a brilhante ideia de sugerir ao Fausto, que tocássemos ao vivo, bem naquela prerrogativa que preconiza: "quem sabe faz ao vivo".

Uma foto de uma guitarra, "Chiquita" que achei na internet. A do Rubens, era da cor azul claro.

Como músicos "de verdade", e não fabricados em escritórios de marqueteiros, preferíamos sempre tocar ao vivo, logicamente, desde que sob condições adequadas no tocante ao áudio, contudo, sem noção alguma, ambos, Faustão e Johnny Black, ficaram cegos pela ideia, sem mensurar como seria possível tocar uma música como, "18 Horas", com uma guitarra apenas? 

Pior, eu nem era o guitarrista da banda, mas não adiantaria nada dizer isso aos rapazes, por que estávamos ao vivo, e isso seria ridículo para a imagem da banda. Mesmo que fosse o Rubens ali presente, o que ele poderia fazer, sem um amplificador, e com uma "Chiquita" em mãos? E outra, faria um solo, ou ficaria a tocar apenas o riff principal da música?

Naqueles segundos em que a proposta surgiu, eu tive uma ideia salvadora: falei para o Johnny Black, que estava preparado para fazer apenas a dublagem, e por isso, nem levara um cabo. Ele ficou, contudo, ainda mais ansioso, e passou a vasculhar a cabine de som do teatro onde o programa era realizado, à procura de um cabo "P10". Foi quase certeza de que arrumaria um, e de fato, ele arrumou.

Nesse ínterim, o Faustão cravara-nos com perguntas, e para piorar as coisas, chegou um reforço de peso, na figura do locutor esportivo, Osmar Santos, para também fazer perguntas, e ajudar a enrolar a audiência. 

Uma das perguntas improvisadas das quais não esqueço-me, e até achei positiva, pois pude expressar uma opinião forte, ainda que ninguém que ouvia aquele programa deva ter entendido em sua profundidade, foi quando ao ser questionado sobre o que estávamos a achar do Festival Rock in Rio, Osmar quis saber em específico, o que eu pensava das atrações: "Go-Go's" e "Yes". Ora, ora... justo eu a ser questionado nesses termos...

Disse-lhe que a diferença seria simples: uma banda era para o consumo da parte de crianças, e a outra, formada por músicos de alto nível... falei alguma mentira? 

Então, o Johnny Black chegou com um cabo "P10" velho, cheio de emendas com fita isolante... e assim, sem saída, eu tive que plugar e estava decidido a tocar o riff de "18 Horas" e fazer ruídos com microfonias (aliás, como isso seria possível com a guitarra plugada em linha, e sem um amplificador para provocar o feedback?), a simular um solo performático. O que mais eu poderia fazer?

Mas o cabo P10 que o Johnny Black providenciou, estava mesmo "podre", e falhou miseravelmente. Só lembro-me do Faustão ao formular frases como: -"ô louco, problemas técnicos estão a minar-nos, meu"... para fazer alusão ao fato das "sonoras" terem falhado também. 

E o mais engraçado, foi que o Johnny Black não desistiu, pois ele saiu a correr para a cabine, e pela janela, eu o vi com uma solda, a tentar consertar aquele cabo P10, putrefato... absolutamente hilário. Ainda bem, não deu tempo para traze-lo de volta, e o programa encerrou-se logo a seguir.

  O humorista Tatá, que fazia parte da equipe do Balancê, também

Bem, foi com certeza a nossa maior participação, em termos de tempo, no programa "Balancê". Apesar da improvisação toda, não gerou-se nenhum constrangimento. 

Pelo contrário, os três: Faustão, Johnny Black e Osmar Santos, agradeceram o nosso esforço em estendermos a nossa entrevista, e ao tomar conhecimento que teríamos show em vista, convidaram-nos a voltar no programa, dois dias depois, para uma nova entrevista, e reforçar assim a divulgação do show. 

Claro que aceitamos a gentil oferta e dessa forma, voltamos no dia 31 de janeiro de 1985. Desta vez, resolvemos irmos ao programa em trio, ao levarmos o Fran, para ele acostumar-se com tal dinâmica de entrevistas. Entretanto, nessa segunda ocasião naquela semana, tudo ocorreu normalmente, com as sonoras de futebol a funcionarem sem falhas, e a nossa entrevista a resumiu-se a uma conversa, assim a reforçar o convite do show, e uma dublagem com o Rubens a pilotar a "Chiquita", eu a fingir tocar bateria com um par de baquetas em mãos e o Fran a dublar a voz do Rubens.

Após esse show no Lira Paulistana, as conversas evoluíram para que voltássemos ao estúdio, e gravássemos então o segundo disco.
Com a troca de vocalistas, e os planos malogrados para gravarmos uma demo-tape sob qualidade, com o objetivo de levarmos tal material às gravadoras Majors, claro que a oferta vinda de Luiz Calanca, do selo Baratos Afins, foi muito bem recebida por nós.

O produtor e dono da famosa loja/gravadora, Baratos Afins, Luiz Calanca

Se no primeiro trabalho, o compacto, trabalhamos sob um regime de cooperação, meio a meio, desta feita, ele desejou bancar o trabalho sozinho, sob uma relação semelhante à de uma gravadora tradicional. Lógico que na situação financeira que tínhamos naquele instante, somada à necessidade premente de um novo registro fonográfico, aceitamos a proposta de pronto, e aceleramos os ensaios para fechar o material.

Músicas como:"Ufos" e "Segredos", muito pesadas, e no nosso entender, capazes de atender a demanda de um nicho diferente de público que procurávamos, já estavam compostas e praticamente arranjadas. 

Decidimos incluir apenas uma música do repertório antigo da banda, chamada, "Crisis (Maya)", que é um tema instrumental e que havia sido exibida ao vivo, três vezes no programa, "A Fábrica do Som", entre 1983 e 1984. Apesar das mudanças significativas que pretendíamos executar, achamos importante possuirmos um tema instrumental no disco, para manter um pequeno elo com o som antigo da banda, e essa música fora sempre bem aplaudida nos shows. 

"Anjo Rebelde", foi outra peça que estava pronta (já a tocávamos ao vivo, desde a metade de 1984), e a considerávamos, um "Hard-Rock", estilo setentista, mas com o Fran a assumir os vocais, ela ganhou um peso extra, e adequou-se ao que buscávamos, também.

Uma balada surgiu de última hora, graças a uma inspiração que o Rubens teve, ao criar um riff, na guitarra. Contudo, não fora algo tão fortuito assim, pois estávamos impressionados com a possibilidade de possuirmos uma balada pesada, que tivesse a capacidade de atender a demanda desse público, mas que fosse ao mesmo tempo, palatável aos ouvidos de pessoas não aficionadas do Rock em geral, e do Heavy-Metal, principalmente. 

E essa impressão foi bem óbvia, com o sucesso estrondoso de uma balada da banda germânica, "Scorpions", chamada: "Still Loving You", música esta que tocou nas emissoras de rádio, ad nauseum, por conta do advento do festival Rock in Rio e também por alimentar tema de novela da Globo, simultaneamente. Nesses termos, trabalhamos nessa ideia do riff criado pelo Rubens, com a intenção deliberada de buscar-se um resultado semelhante. Com a presença do Fran, e sua voz potente, além do poder de interpretação dramático que ele imprimia, teve tudo para dar certo.

A letra da canção foi desenvolvida pelo Fran. Ao falar sobre a sua estupefação pelas diferenças sociais, poupou-nos de uma letra romântica, a evocar o amor homem-mulher, o que seria esperado para ornar uma balada tradicional. 

Claro que apreciamos a letra que ele escreveu, muito mais interessante e forte, ainda que pudesse descambar para a pieguice ou para o discurso panfletário, se não tivéssemos cuidado. Foi dessa forma que surgiu, "Um Minuto Além", música que trouxe-nos alegrias, por tornar-se no futuro certamente, a melhor canção em termos de visibilidade que esse novo disco, ofertar-nos-ia. 

Já nos últimos ensaios, estivemos a fechar a derradeira canção surgida para o novo trabalho: tratou-se de mais uma música pesada, chamada: "Ímpeto", com outra letra escrita pelo Fran.

No caso de "Segredos" e "Ufos", nós usamos dois poemas do poeta, Julio Revoredo. Gosto bastante dessas letras e acho que ela contém versos muito fortes, com poder filosófico expresso em aforismos, até, e apesar da tradicional condição hermética com a qual o trabalho dele desenvolvia-se regularmente, existe um componente Pop nelas, por incrível que pareça. 

No caso de "Anjo Rebelde", a história dessa letra eu já comentei en passant, em capítulos anteriores, mas vale a pena esmiuçar um pouco mais, neste ponto da cronologia.

Bem, no caso da letra de "Anjo Rebelde", a música houvera sido composta e fechada com essa letra em 1984, e já fazia parte do repertório da banda ao vivo, desde então, inclusive com direito à execução em programa de TV, conforme eu já relatei e publiquei o link dessa aparição, disponível no YouTube. 

Trata-se de uma letra escrita pelo Edgard Puccinelli Filho, que foi um seguidor da banda, e que ao longo dos tempos, tornou-se roadie e membro fixo da nossa equipe de produção.

Na foto acima, a presença de Edgard Puccinelli Filho, no camarim de um show d'A Chave do Sol, um ano depois desta etapa da cronologia que relato neste instante
 
Havíamos gostado dessa letra, pelo seu teor em forma de ode ao Rock, inclusive a relevar os seus exageros nítidos. Hoje em dia, acho-a piegas, e não a usaria para musicar uma canção, mas naquela época, eu a considerei apta e com a aprovação de todos os companheiros, achamos que se encaixava na música, ao conferir-lhe um tom épico, e que certamente viria de encontro à necessidade de mudanças estéticas que precisávamos promover, para buscar um lugar ao sol, no mercado. 

O Edgard ficou encantado com o convite para ter o seu poema musicado, e não pensamos que isso trazer-nos-ia um aborrecimento posterior.

Enfim, quando as negociações para a gravação do segundo disco avançaram com o Luiz Calanca, escolhemos "Anjo Rebelde" para estar no repertório do novo álbum. 

Entretanto, fomos surpreendidos, quando abordamos o Edgard, ao visarmos buscar a sua assinatura, e colher os dados pessoais para prover-se a papelada burocrática do disco, as então famigeradas fichas coloridas do "GRA", para quem viveu essa época e há de se recordar. 

Nesse ponto, ele mudara o discurso, a dar conta de que o poema não era apenas seu, mas que haveria uma coautoria. Insistiu então que nós teríamos de incluir o nome de uma garota chamada, Miriam, que supostamente ajudara-o a compor o poema.

Essa argumentação dele foi obviamente uma forçação de barra de última hora. Nunca soubemos o real motivo, mas a desconfiança foi evidente no sentido de tratar-se de uma intenção dele em impressionar a tal garota em questão, ao caracterizar o seu desejo em namorá-la ou coisa que o valha. Porém, irredutível, ele não abriu mão de incluir a citada garota na parceria, ao recusar-se a assinar os documentos, caso o seu desejo não se cumprisse.

Sem saída, cedemos à pressão, e lá foi a documentação para o ECAD, com o nome da tal Miriam, incluso, como "compositora" de Anjo Rebelde, em parceria com Rubens Gióia, Luiz Domingues e Edgard Puccinelli Filho. 

Muito provavelmente, essa moça nunca interessou-se pela canção, e jamais deve ter recebido um centavo pelos direitos autorais adquiridos, por que nem devia saber como proceder para reivindicar os seus "direitos". Nesse aspecto, o novo álbum já começara mal, com uma intromissão desse nível, sem nenhum propósito.

Com os trâmites da pré-produção em curso, estávamos animados com a perspectiva de gravar um novo álbum e certamente que estávamos a apostar muito nesse segundo trabalho, por todos os motivos que eu já expus nesta fase da cronologia dos fatos. 

No entanto, paralelamente, ainda vivíamos os ecos da boa onda de expansão proporcionada pelo primeiro disco e claro que aproveitávamos cada gota que pudéssemos. Nesses termos, o próximo compromisso que tivemos agendado, foi uma nova participação no evento: "Praça do Rock", que por sua vez, crescia, e a cada nova edição, atraía mais público e infraestrutura.

Foto do Zé Luiz dinola em ação durante a nossa primeira participação no evento "Praça do Rock", em agosto de 1984

E por estar a crescer, atraía também pessoas interessadas em capitalizar o sucesso do evento, seja economicamente, seja pelo viés político. Lembro-me de ter participado, por exemplo, de uma reunião na sede do Jornal do Cambuci & Aclimação (o simpático jornal desses dois bairros vizinhos, que apoiava o evento), a visar tomar ciência das questões a envolver a nossa participação.


Essa foto minha também é da nossa primeira participação na Praça do Rock em agosto de 1984. Infelizmente, não tenho em meu acervo, fotos da segunda participação d'A Chave do Sol, em fevereiro de 1985.

Mas apesar da boa vontade das pessoas envolvidas, alguns deslizes mostravam-se inevitáveis, e nesse dia em específico, apareceu um deputado na reunião, que quis capitalizar politicamente o evento e até a cena em que este se inseria. 

Pois este parlamentar chegou até a protagonizar um momento patético na reunião, ao subir literalmente na mesa de reunião, e improvisar um discurso inflamado, onde falava que as bandas de "Heavy-Metal" precisavam unirem-se para pleitear melhores oportunidades do poder público etc. 

Foi muito constrangedor, primeiro por que eu sentia-me um estranho no ninho nessa história de "bandas de Heavy-Metal", e segundo, por estar a constatar a manipulação política a infiltrar-se em um evento que crescia, e assim a miná-lo.

Então, participamos do evento, no dia 24 de fevereiro de 1985. A estimativa da Polícia Militar, contabilizou cerca de três mil pessoas presentes naquela tarde/noite. 

Participaram também os grupos: "Centúrias", "Abutre" e "Gozo Metal", como outras atrações daquela edição. O nosso show foi forte e arrancou muitos aplausos da plateia, em sua maioria, garotos e fãs de Heavy-Metal. Nesse aspecto, o Fran agradou em cheio a esse tipo de público, onde uma grande parcela o conhecia por sua atuação com a sua banda anterior, o "Ano Luz".

Confraternização geral de músicos das bandas participantes dessa edição da Praça do Rock, de 24 de fevereiro de 1985, juntamente de organizadores do evento, a posar no palco do mesmo, a velha concha acústica do Parque da Aclimação, no bairro homônimo, na zona sul de São Paulo. Ao descrever só os membros da nossa banda, José Luiz Dinola é o primeiro da esquerda para a direita, na parte mais alta e sem camisa. Na segunda fileira com a turma em pé, Fran Alves é o primeiro da esquerda para a direita, a usar camiseta azul marinho e calça jeans. Eu, Luiz Domingues, sou o terceiro, no uso de uma camisa jeans e Rubens Gióia, o quarto, a usar camiseta preta. Sobre os colegas das outras bandas, vejo essa foto, atualmente, com tristeza pois dois deles (três, a contar com o próprio, Fran), já não estão mais entre nós. Autor do click: desconhecido

O "Gozo Metal" foi na verdade o antigo grupo, "Côco Lóco" com um novo nome, a se revelar como uma banda liderada pelo baixista, Orlando Lui (ex-"Rock da Mortalha", nos anos 1970), e apesar do nome muito infeliz para uma banda de Rock, teve em seu líder, um grande batalhador. 

Por ligar-se pessoalmente ao organizador oficial do evento, o também baixista, Dalam Junior, Orlando tornou-se um coprodutor associado, e daí em diante, trabalhou forte para tornar o evento, cada vez maior. Falo disso mais para frente, quando de uma terceira participação d'A Chave do Sol no evento. 

E nem só de constrangimentos a reunião na sede do jornal foi pródiga. Pelo contrário, nesse mesmo dia, conhecemos um outro personagem que prometera ser importante para o métier do Rock pesado paulistano.

O fato, é que já sabíamos por intermédio do guitarrista e amigo, Hélcio Aguirra, que um empresário estava interessado em trabalhar com bandas da cena pesada de São Paulo. Segundo o Hélcio, o senhor em questão, detinha experiência no ramo desde os anos setenta, tendo trabalhado com bandas de bailes, principalmente, mas em algumas vezes, também com artistas envolvidos em trabalhos autorais. Ora, não custava nada conhecê-lo, e ouvir as suas propostas, evidentemente.

Portanto, a primeira vez que o vimos, na reunião de organização da segunda edição da Praça do Rock, da qual participamos, não foi possível conversar detalhadamente sobre o seu interesse pelas bandas, pois ele estava ali como um ouvinte, a colocar-se como voluntário da organização do mencionado evento, tão somente. 

Contudo, uma reunião foi marcada para alguns dias depois, no seu escritório, e com a participação de representantes de diversas bandas da cena pesada de São Paulo, quando a ideia principal foi criar uma espécie de cooperativa de bandas, com esse senhor a orientar as possíveis diretrizes, segundo a sua suposta experiência. 

O nome dele era Mário Ronco e tal reunião ocorreu ainda ao final de fevereiro de 1985, quando ele expôs as suas ideias para os representantes de cada banda convidada. Nessa reunião, lembro-me de estarem presentes componentes de bandas como "Centúrias", "Salário Mínimo", "Eclipse", "Harppia", "Gozo Metal", "Abutre" e "Anthro", além d'A Chave do Sol, naturalmente.

A ideia pareceu-nos nobre e simples para colocar-se em prática: todos cooperariam mutuamente, a fornecer contatos, ideias, apoio logístico etc. E para alinhavar a parte gerencial, entraria enfim, o trabalho de Mário Ronco e de seu assistente, cujo nome não recordo-me mais. 

De fato, a parte de ajuda mútua foi válida e fácil de ser executada, pois todo mundo ali participante imbuiu-se de boa vontade e não haveria nenhuma restrição nesse sentido. E nesses termos, o projeto começou alvissareiro, pois o Mário Ronco detinha os seus trunfos para impressionar os representantes das bandas e logo na primeira reunião, mostrou-nos o seu cabedal.

A primeira proposta foi ótima: ele tinha em sua posse, datas disponíveis para organizar um micro festival no Teatro Arthur Azevedo, que era e ainda o é, um ótimo e tradicional teatro localizado em um ponto nobre do bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo. 

Pertencente à Prefeitura da capital, nesse bom equipamento cultural, seria a oportunidade de apresentarmo-nos com uma estrutura de som e iluminação com qualidade. Particularmente, e nunca canso-me de dizer, que se dependesse de minha vontade, eu só tocaria em teatros, a evitar apresentações em casas noturnas. 

Claro que gerou-se uma animação geral essa proposta inicial do Mário Ronco, e dessa forma, tornou-se a primeira ação da nascente, "Cooperativa Paulista de Rock", esse micro festival, e como ação direta de cooperação, o apoio de todos, no tocante ao equipamento dos shows, na base do compartilhamento total de backline nesse sentido da ajuda mútua, e também no esforço de divulgação. 

O lado mau dessa ação, foi que o tempo urgiu, sendo muito escasso para uma divulgação mais abrangente. Todavia, apesar da correria e do improviso, conseguimos atrair um ótimo público.

Mesmo em cima da hora, os shows aconteceram com um nível de produção bem satisfatória, bom apoio da mídia escrita, e a presença significativa de público. Nós tocamos duas vezes, pois houve um cancelamento de última hora de uma das bandas (Anthro) e o Mário Ronco pediu que ocupássemos essa lacuna extra.

Não foi nenhuma armação de nossa parte para tirar proveito, e assim nos aproveitarmos para tocarmos mais uma noite que o combinado. Jamais faríamos uma armação política e antiética desse nível dentro da cooperativa, mas infelizmente, o fato d'A Chave do Sol ter tido essa suposta vantagem, suscitou comentários de desagravo por parte de alguns membros da recém-criada organização, a gerar ciúmes. Atesto que de fato, foi o Mário Ronco, quem solicitou-nos tal ação, e claro que aceitamos e assumimos o fato de que estávamos a ganhar uma vantagem diante disso, mas isentos de qualquer culpa por premeditação.

O evento ocorreu entre os dias 7 e 10 de março de 1985. Nós tocamos nos dias 7 e 8 de março de 1985. No dia 7, uma quinta-feira, dividimos a noite com o "Gozo Metal", do baixista, Orlando Lui.
Por sorteio, ficou acertado que o primeiro show da noite, seria do Gozo Metal, e nós faríamos o segundo. Com uma estrutura de cenografia boa, demo-nos ao luxo de começar o show com as cortinas fechadas, a causar um frisson na plateia, com tal tipo de recurso cênico.
Com o abrir suave das cortinas, a banda já estava a mil por hora, com o Fran a ter grande atuação cênica, inclusive. Como foi uma quinta-feira, o público não lotou as dependências do ótimo teatro, Arthur Azevedo. Todavia, ao considerar-se ser um dia útil, e pelo fato de termos tido pouco tempo para a divulgação adequada, acredito que um quórum com cento e vinte pessoas presentes, pode ser considerado um bom público. E de fato, a minha lembrança foi de termos ficado satisfeitos com esse número, na época.

No dia seguinte, cumprimos então a data que seria de outra banda. E por ser sexta-feira, claro que o público foi muito melhor. Trezentas pessoas ocuparam o teatro, e a vibração esteve bem quente nesse dia. O Mário Ronco dispensou o uso de sorteio nesse dia, ao considerar que tocáramos na noite anterior como "headliner". Portanto, o "Centúrias", do amigo Paulo Thomaz, ocupou tal posição, e nós tocamos na preliminar, o dito: "open act" no jargão do Rock internacional com o inevitável anglicismo.

Lembro-me que tocamos todas as músicas novas, e que fariam parte do próximo disco que lançaríamos, e cujas gravações começariam ainda naquele mês de março de 1985. Foi bom tocar ao vivo esse material, e sentir a temperatura do público. 

E mesmo ao chocar alguns fãs, que ainda não tinham computado a ideia de que as novas canções continham um peso extra, além do normal para o padrão Hard-Rock. Todavia, ficamos muito contentes por verificarmos que "Um Minuto Além", a nossa aposta de balada pesada, e com "clima de Rock in Rio", agradara em cheio o público. De fato, a interpretação do Fran Alves foi de arrepiar...

Aquele vozeirão não era só potente e exoticamente rouco, mas a interpretação dramática que ele impunha, impressionava, certamente. Claro, a harmonia da canção, aliada a um solo épico que o Rubens criou, tornaram-na um clássico imediato da nossa banda. 

Outra lembrança que eu tenho dessa temporada foi uma curiosidade quase prosaica e inventada pelo Mário Ronco: em cada show, ele solicitou a presença de dois músicos de bandas da cooperativa que não tocariam naquela noite, para atuar como apresentadores do evento. Portanto, tocamos na quinta e na sexta, e eu fui escalado para apresentar os shows do domingo, junto com o baixista do Eclipse. 

No domingo, tocaram os grupos: Harppia e Salário Mínimo, e ao assumir tal função, eu senti-me um apresentador do "Oscar", a enfrentar o público, e ter que falar algo minimamente inteligente, sem cair em pieguices, para não causar constrangimento.

Nesse domingo, um personagem muito gentil, e que estava a usufruir a fama mainstream, por estourar com uma banda bem calcada na onda do Pós-Punk, apareceu para assistir o show, e foi mega simpático com todos. Tratou-se do baterista dos "Titãs", Charles Gavin, que mostrara-se muito solícito e apesar de ser um representante de um métier avesso ao que nós transitávamos, mostrou-se bastante interessado em conhecer o som das bandas daquele segmento e dentro das possibilidades, ajudar-nos ao máximo.

Esse foi o meu primeiro contato com ele, mas em um futuro não muito distante, Gavin seria um amigo muito próximo d'A Chave do Sol, e um sujeito do bem, que tentou levar-nos para o patamar de cima, no mainstream. Conto no momento oportuno da cronologia dos fatos. 

Para encerrar esta etapa, claro que comemoramos o sucesso súbito dessa empreitada da cooperativa, ocorrida no Teatro Arthur Azevedo! Tirante aquela ciumeira descabida pelo fato d'A Chave do Sol ter sido escalada para tocar uma vez a mais, ao substituir a banda "Anthro" (que teve de cancelar a apresentação por motivos pessoais de seus membros), todo mundo ajudou-se, sob um espírito de mutirão, e o público foi ótimo. 

Ficamos animados com essa empreitada do Mário Ronco, que mostrou poder de fogo, instantaneamente. Ainda a falar sobre a ciumeira gerada, não posso deixar de contar um fato engraçado ocorrido no soundcheck do dia em que substituímos o Anthro. O pessoal da banda que sentiu-se ofendido, pela escolha do Mário Ronco ao nosso favor, apareceu em peso e com seus membros sentados na primeira fileira, com o teatro vazio, assistiram toda a passagem de som, em silêncio, mas a encarar-nos de uma forma nada simpática, como se fosse óbvia a nossa "culpa". Não falaram nada, mas tal atitude repercutiu por si só. 

Claro, o tempo passou e essa reclamação esvaiu-se naturalmente, mesmo por que, tal situação não teve razão para existir. Tenho uma relação de respeito e amizade com o líder dessa banda, até hoje, aliás e inclusive, eu o considero uma pessoa muito boa. 

Independente desse momento de animação com a cooperativa, e as ações de Mário Ronco, tivemos outros convites que surgiram.

Na semana posterior, por exemplo, tivemos agendados, dois shows no Teatro Lira Paulistana, em um outro micro festival, desta feita organizado pelo produtor, Antonio Celso Barbieri. 

Mas antes de falar disso, quero registrar um fato ocorrido alguns dias depois dos shows do Teatro Arthur Azevedo, que na época, chateou-me, mas ao analisar algum tempo depois, tornou-se digno do anedotário da banda, e quiçá da minha carreira inteira.

Para quem não conhece a cidade de São Paulo, deixo aqui uma explicação rápida sobre uma tradição típica da cidade, que são os jornais de bairro. Pelo fato de existirem centenas de bairros, e muitos serem gigantescos, com proporção e infraestrutura de verdadeiras cidades, o fato é que os bairros comportam muitos jornais locais, ao noticiar os fatos do cotidiano de sua esfera etc. 

Poucos dias depois dos shows do Teatro Arthur Azevedo, o empresário, Mário Ronco, avisou-nos que uma carta enviada por uma leitora, fora publicada, em um desses jornais, no caso, um que circulava pela Mooca, bairro da zona leste de São Paulo, e onde localiza-se o teatro citado, onde tocamos. Claro, ele guardou exemplares, e eu guardei esse recorte, como uma peça curiosa de memorabilia, mais que portfólio, pois pelo fato de ser uma carta de leitor, não caracteriza exatamente um material de imprensa, portanto, não considero como peça de portfólio.

Mas o fato curioso, foi que a carta dessa moça que a enviou, teve o teor de uma reclamação indignada, como se o show d'A Chave do Sol houvesse causado-lhe algum tipo de prejuízo pessoal, o que não deixa de ser hilário por esse tipo de abordagem histriônica. Eis a íntegra da missiva dessa garota mooquense:

"Sou assídua leitora deste jornal, entregue todas as semanas em minha residência, aqui no Alto da Mooca. Gostaria que publicassem minha opinião a respeito do show realizado durante a semana passada, no Teatro Arthur Azevedo, lá na avenida Paes de Barros, chamado 'Tendências do Rock'. Gostaria de saber o que acham esses artistas, ou pseudo-artistas-músicos brasileiros sobre as suas atuações nos shows. Na sexta-feira, assistimos o conjunto A Chave do Sol. Acho que eles pensam que estão em qualquer lugar, menos no Brasil. Tocaram tanto que nem perceberam que ninguém estava gostando, nem vibrando com tanto Jazz. Enfim, eles tocam para si próprios, o público que se dane"...
 

Essa carta com tal "reclamação", saiu na edição de 15 a 21 de março de 1985, do jornal semanal, "A Voz do Bairro", que circulava pelo bairro da Mooca, zona leste de São Paulo. Não vou divulgar o nome da moça, mesmo por que, muito provavelmente ela nem se lembra de que perdera o seu tempo a escrever uma missiva com tal teor, para o jornal. 

Sobre a opinião dela, bem, ninguém é obrigado a gostar de nada, isso é um princípio básico da vida. Segundo ponto, a minha lembrança pessoal do show é bem diferente, pois o artista em cima do palco sabe exatamente se o show está a reverberar ou não. Quando não existe sinergia com o público, isso fica claro, límpido e sem dúvida alguma, a nos chatear é claro. 

Todavia, não foi o caso dessa apresentação. Se ela ou o seu acompanhante não gostaram, foi certamente uma manifestação isolada e todos os artistas estão sujeitos a isso, mesmo quando a maioria esmagadora estiver a adorar.

O direito dela expressar sua opinião, eu não contesto, de forma alguma. Claro que tinha/tem esse direito de falar o que pensa. Mas convenhamos, precisava? Eu jamais escreveria uma carta para um jornal, para dizer o que ela disse, mesmo que tivesse razão, pois esse tipo de opinião é pessoal e nada acrescenta. 

Outro ponto, para que ser agressiva?  Qual a motivação para usar de colocações desdenhosas tais como: "pseudo-músicos?", "quem pensamos que somos? Ora, realmente não me lembro sobre termos sido arrogantes, altivos, presunçosos, prepotentes ou agido com soberba, de forma alguma, em alguma fala ao microfone. 

E se ela identificou o Jazz em nossa música, sim, tínhamos tal elemento, mas o que poderíamos fazer se ela não aprecia tal gênero musical? 

Bem, é claro que tal missiva agressiva não mudou nada a minha/nossa trajetória, porém, eu não poderia deixar de registrar um fato muito inusitado, já que nesta autobiografia, proponho-me a trazer todos os elementos dos quais lembrar-me, inclusive aspectos negativos e/ou curiosos, como esse... e na mesma edição, uma mini matéria, enalteceu os shows, e assim estabeleceu o contraste com a opinião de vários leitores que foram assistir e haviam gostado.

Só mesmo essa moça parece ter estragado a sua sexta-feira, 8 de março de 1985. Ela deveria ter ficado em casa e assistido mais um capítulo de "Roque Santeiro", pois o "Sinhozinho Malta" não a irritaria com tanto Jazz... 

Como eu já antecipei, os ventos animadores vindos da cooperativa, mas principalmente da parte do empresário, Mário Ronco, que mostrava-se dinâmico, estavam a frutificar, todavia, um outro produtor começava a despontar no meio do Rock paulistano, a mostrar-se também bastante dinâmico. 

Dessa forma, alguns dias depois dessa empreitada no Teatro Arthur Azevedo, estávamos no palco do Teatro Lira Paulistana, em um desses esforços promovidos pelo produtor, Antonio Celso Barbieri. 

Incrível como o Teatro Lira Paulistana funcionava sob um ritmo frenético, com shows de segunda a segunda, a abrir espaço para artistas independentes, o tempo todo. Nesses dois shows em específico, trataram-se de duas datas arrumadas de última hora, para suprir a lacuna ocasionada por desistência de outro artista. Portanto, não houve tempo hábil para uma divulgação mais categorizada. Os shows aconteceram nos dias 13 e 14 de março de 1985. Não lembro-me de nenhuma ocorrência digna de nota, no entanto. 

Foram apresentações normais, sem surpresas, nem positivas, tampouco, negativas. A frequência, contudo, não foi das melhores, pois além de não termos tido tempo hábil para uma divulgação melhor, tratou-se de dias úteis, sempre mais difíceis para atrair um público maior. No dia 13, cinquenta pessoas estiveram presentes, e no dia 14, trinta e cinco pagantes. Não houve banda de abertura. Mas o Barbieri estava com uma nova perspectiva em vista, que renderia frutos melhores, ali mesmo no Lira Paulistana, a se concretizar em abril de 1985, cujos planos de divulgação seriam bem melhor executados, sem dúvida.

Logo no início de abril, uma entrevista relâmpago foi marcada para as bandas da cooperativa, no centro da cidade, para um jornal mainstream, a "Folha de São Paulo". Nesse dia, o telefonema inesperado impossibilitou a minha presença, infelizmente, pois apenas o Rubens soube de imediato, e bem na hora em que eu estava na rua, já a dirigir-me ao ensaio. 

Com a repentina convocação, não havia como esperar-me chegar e sendo assim, o Rubens ligou para o Zé Luiz, e ambos mobilizaram-se para representarem a nossa banda na entrevista. Por isso, não estou na foto coletiva dessa matéria, tampouco o Fran Alves, com representantes de todas as outras bandas participantes da dita "Cooperativa Paulista de Rock". 

E o fato interessante, foi que além de ter sido publicada uma matéria de quase página inteira, por isso mesmo, deu margem para que cada banda falasse um pouco de seu trabalho, ao sair da pauta coletiva, e além da foto, teve o adendo de ser republicada ipsis litteris e no mesmo dia, também em outro jornal, o "Folha da Tarde" (que pertencia ao grupo "Folha", logicamente), e também em um jornal de Santos, no litoral de São Paulo.

Com pequenas mudanças na diagramação, manchetes diferentes e fotos diferentes (mas oriundas da mesma sessão), o teor da matéria, contudo, foi rigorosamente igual.

Tudo isso foi muito bom, é claro. Sair com quase página inteira em três jornais mainstream, no mesmo dia, tratou-se de um feito e tanto, e todos ficamos contentes com essa ação do Mário Ronco, que mostrara serviço, logo de pronto. Mas houveram os aspectos negativos, infelizmente, também.

1) Claro que a repórter pautou a sua entrevista pelo festival de preconceitos, maneirismo e até alfinetadas deselegantes, a deixar um certo escárnio subliminar, quando colheu opiniões, mesmo dos mais maduros, e assim, quando editou a matéria, cometeu reducionismos tolos, ao dimensionar o pessoal, como criaturas infantiloides. 

Por exemplo: "netos do Deep Purple e do Black Sabbath, primos pobres do Scorpions, AC/DC e Ozzy Osbourne, os metaleiros paulistanos querem vir para vencer".

Outra pérola: "só usam cabelo comprido, porque dá movimento no palco. Preferem as roupas pretas e não estão habituados a comer morcegos no palco"...

E outra, no mínimo, desdenhosa: "os rapazes garantem que esse negócio de metaleiro não gostar de mulher, é tudo mentira".

2) Claro, as fotos mostram cabeludos a gritarem, fazerem gestos e escandalizar em plena Avenida São João. Eu não estive presente, mas posso imaginar o tipo de orientação que o repórter fotográfico da Folha, passou-lhes para colher tais "poses".

Sou um "cabeludista" convicto (como dizia, Odorico Paraguaçu...), mas na hora em que li a matéria, apesar de comemorar o benefício que trazer-nos-ia, claro que mensurei os aspectos negativos de uma abordagem infantiloide, ao tentar denegrir as bandas.
Não que arrependesse-se e desejasse estar na trincheira do outro lado, com os "Post-Punkers", mas deste lado de cá, também não fora uma trincheira adequada e confortável, sem dúvida alguma.

Esse sentimento de deslocamento norteou a história d'A Chave do Sol, durante sua carreira inteira e não foi por nossa culpa, por um único detalhe cronológico: estávamos na década errada... se estivéssemos nos anos setenta, não teríamos esses conflitos de identidade, certamente. Bem, tudo isso é análise a posteriori, com distanciamento histórico super confortável, pois no calor do momento, o sentimento de que essa matéria em três jornais de grande circulação houvera sido benéfica, foi mais forte, apesar de eu ter tido a plena consciência dos pontos negativos, ali mesmo, naquela realidade oitentista.

Na Folha de São Paulo, a manchete foi: "Rock pesado de São Paulo já tem cooperativa"

Na Folha da Tarde: "o Rock amargo da periferia"

No jornal de Santos-SP: "a prole metaleira de São Paulo explode na Praça do Rock"

Todas saíram publicadas nas respectivas edições do dia 2 de abril de 1985.
De certa forma, tais matérias ajudaram a impulsionar diversos shows que tínhamos agendados para o mês de abril, é claro.

E no mesmo dia, uma nota curiosa saiu publicada no caderno sobre televisão, do jornal, "Folha da Tarde", a citar-nos, com outro enfoque: a TV Cultura de São Paulo estava por anunciar a gravação de um novo programa musical, e o piloto dessa atração teria a nossa participação, além de outros artistas como "Smack", "Incoerentes" e o veterano casal: Eduardo Araújo & Silvinha. Seria apresentado pelo ator, Chiquinho Brandão (que era famoso na época, por interpretar o "professor Parapopó" do programa infantil, "Bambalalão", na mesma emissora e com farta atuação no teatro e cinema).

O programa chamar-se-ia: "Trilha Sonora", e certamente teria sido uma tentativa para reconquistar o público cativo do extinto programa, "A Fábrica do Som". Sabíamos dessa manifestação de bastidores, e realmente estávamos convidados a participar do piloto, mas essa gravação nunca ocorreu, infelizmente, pois a TV Cultura abortou o projeto. Ficamos somente com essa nota no jornal, lamentavelmente...

Paralelamente a essas ações de mídia e shows, estávamos 100 % acertados com o Luiz Calanca, a visar gravar um novo álbum. 
O que fechamos com o Calanca, foi que gravaríamos no estúdio Vice-Versa, onde ele havia contratado um pacote de horas, pois administrava nesse estúdio, várias produções de seu elenco de artistas, simultaneamente. 

Estávamos muito ensaiados, pois esta fora uma praxe d'A Chave do Sol, desde o princípio, de manter tal esmero para estar sempre muito afiada. 

Em cada banda que eu toquei, uma característica sempre realçou-se. Nos capítulos sobre o Pitbulls on Crack, por exemplo, eu disse muitas vezes que naquela banda, eu ri muito, pelo fato de seus componentes terem espírito de humoristas, natos. 

Tranquilamente eu poderia afirmar que no caso d'A Chave do Sol, esta foi a banda mais afiada em que toquei, devido à seriedade com a qual dedicávamo-nos aos ensaios. E quando entrávamos em ritmo de pré-produção, a seriedade beirava o exagero, com ensaios específicos só para polir convenções, levadas de baixo e bateria, solos etc. 

Dessa maneira, estávamos super preparados para gravarmos novamente de forma oficial, a despeito do pouco tempo em que estávamos a trabalhar com o novo vocalista, Fran Alves. 

Simultaneamente, o Luiz Calanca foi ágil e indicou um amigo dele para desenhar a capa e encarte do novo álbum. Segundo o Calanca, tratava-se de um jovem ilustrador que estava a trabalhar para a recém fundada, revista "Bizz". O seu nome era Líbero e uma reunião inicial logo foi marcada na casa do Rubens, para podermos passar-lhe diretizes e dessa forma, o sentimento que nortearia o trabalho como um todo, além de um apanhado do teor das letras das canções, para que com esses elementos, ele pudesse criar, e trazer-nos os primeiros "rafs" (esboços). 

No tocante ao estúdio, ficamos muito contentes com a confirmação do Vice-Versa, um estúdio fundado nos anos setenta, mas ainda em grande forma. Grandes álbuns do Rock e da MPB ali foram gravados, e o fato dessas gravações estarem impregnadas naquelas paredes, seria sensacional como atmosfera para a nossa investida. 

Lembro-me que além de nós, o "Platina", banda Hard-Rock que revelou o talento dos irmãos Busic, e do grande guitarrista, Daril Parisi, estava a gravar seu primeiro álbum. O "Harppia" finalizava o seu primeiro também, além do "Centúrias". E ainda a falar da turma pesada, o Calanca estava a preparar o lançamento da coletânea: "SP Metal", com quatro bandas pesadas no pacote, além de discos de bandas da cena pós-punk, que ele também apoiava. Não lembro-me ao certo, mas acredito que ou "Smack", ou "Voluntários da Pátria" estavam a gravar, ou até o "Fellini". 

Mas uma série de contratempos (incluso um pequeno acidente de moto pelo qual o José Luiz Dinola, sofreu nesse ínterim), fez com que a primeira sessão de gravação não acontecesse em março, como fora o plano inicial. Na verdade, somado a alguns atrasos da parte do estúdio Vice-Versa, só fomos agendados para a primeira sessão, em maio, e para piorar, bem no fim do mês. Bem, para honrar as tradições d'A Chave do Sol, adivinhe o que fizemos? Claro, aproveitamos para ensaiar mais...
A questão da cooperativa e a força demonstrada logo de início pelo empresário, Mário Ronco, foram animadoras. Ao mesmo tempo, houve a presença cada vez mais marcante do produtor, Antonio Celso Barbieri. E aconteceu também uma terceira via e que se tivesse mostrado reciprocidade, poderia ser tão boa quanto as duas primeiras que citei, ou até melhor. Foi o seguinte: um escritório de empresários interessou-se e abordou-nos, com uma proposta de trabalho.
Tratava-se de um escritório de empresários, com um cartel forte de contratados no seu elenco. Entre outros nomes, esse tal escritório mantinha entre seu rol de artistas: Arrigo Barnabé, "Premeditando o Breque" e "Sossega Leão".

A ideia seria ter uma banda de Rock emergente, também, e A Chave do Sol encaixou-se na expectativa deles, pois eles ficaram impressionados com o nosso currículo conquistado até ali. A primeira reunião ocorrera em janeiro e nessa ocasião, deixaram-nos explícita a sua admiração pelo fato da banda já ter um disco e um portfólio em expansão, além de muitas aparições televisivas computadas, fora o fato de estarmos naquele momento, com muitos shows agendados e mais programas de TV e Rádio, também. 

Lembro-me igualmente que ficaram satisfeitos com a dinâmica de que a banda de mantinha uma proximidade com a cúpula do teatro Lira Paulistana, por estar constantemente a apresentar-se no espaço, mas também por fazer shows ao ar livre, com a própria produção do Lira, fora o aspecto de ter em suas fileiras, um ex-membro do Língua de Trapo, no caso, eu mesmo. 

Como marketing, seria muito mais interessante ter uma banda de Rock no elenco, mas com alguns elos de ligação com outros espectros, caso d'A Chave do Sol, que qualquer outra banda da cena pesada de 1985, sem esse tipo de ecletismo que nós tínhamos. Na conversa preliminar, saímos muito animados do escritório deles. Ficava localizado em um prédio da Avenida Faria Lima, quase na esquina do cruzamento com a Avenida Rebouças, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

Chamava-se: "Raio X", tal escritório, e os responsáveis formavam um casal: Ricardo e Bia. 

O Fran teve uma outra opção em suas mãos, que deveria ter sido aproveitada pelo "Ano Luz", a sua ex-banda, mas que beneficiou, A Chave do Sol, por conseguinte. A revista "Rock Show", estava a dever um anúncio de meia página para o "Ano Luz", em uma ação paga ou via permuta, não recordo-me ao certo. 

Mesmo por ser um acordo verbal, a revista tinha uma direção ilibada, e assim honrou de pronto a dívida, assim que o Fran a procurou para comunicar-lhes que o "Ano Luz" havia encerrado atividades, mas nesse caso, estava a reivindicar o anúncio para A Chave do Sol, banda em que ingressara, recentemente.

E foi até comemorado esse fato, visto que o jornalista, Valdir Montanari, que a dirigia, era fã do nosso trabalho e havia publicado uma positiva resenha ainda em 1984, sobre o nosso compacto de estreia, na revista "Rock Star", que era da mesma editora. 

Então, em maio de 1985, a engrossar a enxurrada formada por boas novas que estávamos a ter, esse anúncio foi publicado no número 5 da revista, "Rock Show". A ilustração usada, foi da primeira sessão de fotos promocionais oficiais com o Fran na formação (na verdade, a segunda, e essa história será bem esmiuçada oportunamente). 

Essa sessão foi feita no estúdio de uma fotógrafa, localizado no bairro do Paraíso, zona sul de São Paulo. Tal fotógrafa fora uma indicação do Luiz Calanca. Falo mais sobre essa sessão, que foi caótica, depois. O texto, foi elaborado por um assessor de imprensa que trabalhava no escritório desses empresários. É um pouco rebuscado, mas como peça publicitária, pareceu-nos adequado, embora particularmente, faz-me lembrar velhos anúncios de cigarros, quando estes ainda eram permitidos. Eis o texto:

A Chave do Sol

A Pura Energia do Rock

Uma banda de Rock super-carregada de energia. Quase um culto. Competência e preocupação com os caminhos do ser humano. Som pesado e performances arrasadoras. Técnica e sensibilidade. Tudo isso é A Chave do Sol. Rock  de qualidade. Para ficar.

Contatos: Raio X Empreendimentos Artísticos e Culturais Ltda.


Bem, além do nosso currículo, caiu bem demais o fato de termos entrado no elenco de contratados desses empresários e antes mesmo deles esboçarem fazer algo positivo por nós, pelo contrário, a banda oferecer-lhes um anúncio grátis, com a divulgação de seu contato em uma revista de circulação nacional. 

Independente da revista "Rock Show" não ser a revista principal de Rock no Brasil, na época, como eram a "Roll" e a "Bizz", foi muito positivo. Curiosamente, na mesma edição desse anúncio, saiu também uma nota a citar a cooperativa liderada pelo Mário Ronco, e a elogiar tal iniciativa, por sinal.

Em relação à sessão de fotos que eu citei em parágrafo anterior, na verdade, essa sessão foi um desdobramento de outra sessão feita dias antes. Explico: de fato, o Luiz Calanca havia providenciado uma sessão de fotos promocionais para a divulgação do novo disco. Ele mandou-nos então para um estúdio fotográfico localizado no bairro das Perdizes, na zona oeste de São Paulo.
O nome do fotógrafo era Tirteu, e recordo-me que a sessão fora tranquila, com bastante liberdade para a banda opinar etc.
Todavia, por uma infelicidade estética qualquer, as fotos ficaram um tanto quanto lúgubres. Não fora falha técnica, pois o fotógrafo era profissional, a dispor de grandes máquinas, e equipamento de iluminação adequado, fundo infinito etc. Mas o Luiz não gostou das fotos, e por prever problemas quando as enviasse para jornais e revistas, em anexo ao material de divulgação do disco, ele temeu pela não publicação, a prejudicar os nossos interesses em comum.

Particularmente, considero as fotos dessa sessão, bem razoáveis, com nuances interessantes. São de fato carregadas por expressões faciais sérias da parte de todos os componentes, mas o som d'A Chave do Sol nessa época, principalmente ao considerar-se o repertório do novo disco, de fato evocava uma certa aura sombria. 

Não haveria muito cabimento para que fossem coloridas (de fato, a sessão foi toda em preto & branco), com semblantes descontraídos e sorrisos abertos dos componentes. Mas o Luiz foi o produtor geral do disco e a sua palavra teve peso definitivo no veto, certamente. 

Desta forma, ele convocou uma nova sessão, desta feita com essa fotógrafa que eu citara anteriormente, cujo estúdio localizava-se no bairro do Paraíso, zona sul de São Paulo. Para início de conversa, o estúdio dela era totalmente improvisado, sem a estrutura profissional que o estúdio anterior oferecia. Apesar de ser uma pessoa gentil e que recebeu-nos muito cordialmente, ela demonstrou por outro aspecto, não ter noção do que faria conosco, no tocante à estratégia de enquadramentos. 

Pior ainda, no afã de ser agradável, ligou o som, e colocou "Rock", para entrarmos no clima, e soltarmo-nos nas posturas faciais e corporais, mas "Rock", no conceito dela, ou seja, foi um festival de sons tenebrosos perpetrados por bandas da estética do Pós-Punk, que ela julgou que gostávamos, por ser "o último grito" na casa noturna, "Madame Satã", ou similares.

Aquele mal-estar instaurou-se, até que o Zé Luiz tomou a dianteira e pediu-lhe com cordialidade para que ela desligasse o som, pois considerou que relaxaríamos mais, a fotografarmos no silêncio.

Infelizmente, a sessão se tornou desconfortável, tanto pela ausência de um fundo infinito minimamente condizente com o espaço de enquadramento, quanto na inabilidade dela para dirigir a sessão.
Então, incomodada pela ineficácia que estava proeminente, ela sugeriu externas. Aquilo já irritou-me pessoalmente, pois eu detesto sessão de fotos feitas em externas, normalmente.

Onze horas da manhã, em plena rua, ao sermos enquadrados com a câmera em suspenso e assim obrigados a olharmos diretamente para o sol... como ficarmos com os olhos abertos? Ao nos parecermos como uma banda nipônica ou figurantes de algum filme de Cheech & Chong, nessas circunstâncias...
 
E para piorar, estávamos sem uma ambientação interessante que justificasse uma sessão externa. Se ao menos estivéssemos em um tremendo lugar charmoso, e que corroborasse tal esforço, mas simplesmente sair à rua, e tirar fotos a caminhar pela calçada de uma via normal de bairro, tendo como cenário residências, comércio, placas com sinalização de trânsito e semáforos, o que acrescentaria? Abordagem urbana? Pois nesse caso, existem centenas de lugares mais significativos em São Paulo para tal mote, do que uma rua residencial normal, do bairro do Paraíso. 

Bem, a verdade é que a fotógrafa se mostrou perdida e essa ideia em sair à rua deve ter sido a melhor solução que imaginou, sob improviso, para tentar salvar a sessão...

Então, tiramos algumas fotos sentados em uma garagem aberta da sua residência, que mais pareceu um banco de reservas de estádio de futebol. Para piorar as coisas, ela sugeriu alguns clicks em um terreno baldio, do outro lado da calçada. 

Se tratava de um terreno onde recentemente uma série de casas houveram sido demolidas, para dar lugar a um prédio residencial. Então, ela teve a proeza de irritar-me duplamente, pois além de detestar externas, eu odeio ainda mais fotos tiradas em ambientes decadentes, sob escombros, ruínas, sujeira, a sugerir devastação e miséria.

Sob protesto, lá estou eu a usar um terno confeccionado em tecido de cetim, ultra setentista, a brilhar sob o sol das onze horas da manhã de um dia de abril de 1985, a pisar sobre o entulho asqueroso e barrento, amontoado e a espera de uma caçamba de lixo, naturalmente! Ou seja, tudo a ver com o nosso trabalho, não é mesmo? 

Infelizmente, acho essas fotos horríveis, mas elas ilustraram várias matérias jornalísticas e algumas foram reaproveitadas pelo produtor, Luiz Calanca, quando ele lançou o álbum na versão CD, no início dos anos 2000. 

Bem, não demos sorte nessas duas sessões de fotos, porém ainda acho a primeira sessão, apesar de lúgubre, muito melhor, e algumas fotos dessa sessão também foram aproveitadas para a divulgação, sendo publicadas igualmente.

Fora tudo isso, acho que faltou direção visual para a banda no quesito figurino, principalmente. Em relação à primeira sessão, como foi um dia sob temperatura mais baixa, usamos roupas casuais do cotidiano, porém mais pesadas, condizentes com o frio do dia. 

Sendo assim, acho que apesar da casualidade informal e generalizada, vestimo-nos de uma forma melhor nessa sessão, com o uso de blazers, casacões de lã etc. Um pecado cometido foi a troca de acessórios entre nós, típico amadorismo de quem não é do ramo fotográfico, e nem preocupa-se com um detalhe: se mais de uma foto for publicada pela imprensa, corre-se o risco daquele acessório compartilhado, ser visto em fotos diferentes, usado por mais de um componente da banda, a denotar amadorismo, ou no mínimo, uma caráter prosaico no trato da imagem, enquanto artista, para desvelar a inerente falta de uma melhor orientação profissional na condução da sua carreira e demérito para o fotógrafo, a denotar que não é do ramo.

Então, cometemos esse deslize, pois existem fotos publicadas com o Rubens a usar um chapéu, acrescido de uma echarpe de seda, mas em outras, eu mesmo o uso e tem também fotos do Fran Alves, a ostentá-lo na cabeça. 

No caso da segunda sessão, combinamos de usar figurino de show. Mas esbarramos em conceitos não bem delineados nesse aspecto, pois o Zé Luiz, de última hora, achou conveniente fotografar sem camisa, apesar de estar a usar uma calça vermelha de courvin, bem condizente com a indumentária de bandas de Heavy-Metal, oitentistas. 

Eu, por minha vez, com aquele terno de cetim ultra setentista, como se fosse tocar com o "Humble Pie" em 1973, e o Fran, também a insistir em aparecer sem camisa. Ora, faltou um direcionamento que buscasse uma maior linearidade, pois daquele jeito, parecia que éramos convidados de uma festa a fantasia, e cada um a ostentar um personagem distinto.

Esse tipo de disparidade visual em uma sessão de fotos já arruinaria a sessão por si só, mas para piorar, a fotógrafa não tinha estrutura, e demonstrava falta de criatividade total para lidar conosco. 

Em suma, fotos promocionais que havíamos feito em um fotógrafo de bairro, sem nenhuma experiência com produção artística, em 1984, são muitos melhores. 

Bem, não foi só esse erro que cometemos em relação à parte visual desse novo disco. Quando eu abordar sobre a concepção da capa, esmiuçarei um pouco mais esse assunto, que redundou em frustração, infelizmente.

Outro dado interessante dessa época, a ser registrado: o volume de cartas que chegava à nossa caixa postal, crescia de forma acentuada. Tanto que começou a chegar em um determinado ponto, em que não foi possível mais darmos conta pela maneira prosaica com a qual lidávamos com tal questão. 

No início, eu mesmo, pessoalmente, respondia todas as cartas. A não ser quando havia alguma solicitação de contato com o Rubens, ou Zé Luiz em específico, eu encaminhava para eles, mas em 99% das ocasiões, eu respondia a todas as cartas. 

Com o aumento do volume, que fora fruto da soma de todos os nossos esforços de divulgação, ficou nítida essa somatória, denunciada pelo próprio teor das missivas. Foram abordagens vindas de pessoas que nos viram em programas de TV, Rádio, ou por terem lido reportagens em revistas e jornais, além de também ter assistido shows ao vivo, ou anotado o endereço por ouvir-nos falar ao microfone ou mesmo ao abordar um roadie de nossa equipe etc. e tal. 

Então, tornou-se premente a necessidade para organizar melhor esse filão, muito animador, através do qual nós poderíamos potencializar a divulgação da banda, e movimentar dinheiro, se o fã clube tornasse-se um catalisador de merchandising. Já tínhamos camisetas e bottoms, fora o disco inicial, como material a ser vendido nos shows ou pelo correio, mas começamos a pensar em uma ampliação dessas possibilidades.

Todavia, foi fundamental a participação maior dos outros membros nessa empreitada, e claro, o Zé Luiz foi essencial nesse processo de organização maior e melhor do fã clube, ao entrar com tudo, através de seu poder de trabalho. 

Juntos, criamos uma estrutura que cresceu e azeitou-se de forma acentuada, para atingir o seu ápice no ano de 1986, quando tornou-se uma autêntica fábrica, rentável e importante também na promoção da banda. Paralelamente, tivemos um revés mais ou menos em abril de 1985, mas que não desnorteou a banda, de forma muito acentuada. 

Como eu já comentei anteriormente, desde o início do ano, estávamos no elenco de uma produtora chamada: "Raio X", que trabalhava a carreira de artistas de peso, como Arrigo Barnabé, "Premeditando o Breque" e "Sossega Leão", entre os mais proeminentes. O começo houvera sido promissor, com a dupla de empresários, Ricardo e Bia, a mostrarem-se solícitos e animados com a inclusão d'A Chave do Sol como opção mais Rocker ao seu elenco.

Mas com o passar dos meses, a nossa carreira não havia tido um sinal sequer de avanço por parte de algum esforço vindo deles. O que estávamos a conquistar, fora claramente o fruto de nossos próprios esforços, amparados pelo bom embalo que tínhamos precipitado desde meados de 1983, somados aos recentes adendos de Mário Ronco e Antonio Celso Barbieri e também, certamente, pelo Luiz Calanca, ao acenar com um novo álbum, para breve. 

Enfim, da parte de quem mais contávamos, visto tratarem-se de nossos empresários oficiais, nada acontecia. O único evento, paradoxalmente, fora proporcionado por nós mesmos, por termos conseguido um anúncio na revista, "Rock Show", ao promovermos o escritório "Raio X", graças a um oferecimento pessoal de Fran Alves, conforme eu já descrevi anteriormente. Então em uma reunião datada de abril de 1985, cobramos um empenho maior da parte deles e pelo menos conseguimos uma solução final, ainda que amarga nessa infrutífera associação. 

Sob uma conversa franca que travamos, Ricardo e Bia lamentaram, mas alegaram que estavam focados em duas frentes: a turnê de Arrigo Barnabé pela Europa, e a produção do novo LP do "Premeditando o Breque", que assinara com a gravadora, EMI-Odeon, e tal grupo planejava passar uma temporada no Rio de Janeiro, a gravar com a produção de Lulu Santos.

Ora, claro que representaram, ambas, produções grandes e que demandavam a atenção do casal, mas foi o tal negócio: por que não dimensionaram isso antes de contratar-nos? 

Não sabiam que não reuniriam condições para trabalhar com tantos artistas simultaneamente? Outra questão: um artista emergente, mas ainda não solidificado como A Chave do Sol era naquele instante, precisava de uma estratégia de ação mais incisiva, do que artistas consagrados como o Arrigo Barnabé, por exemplo, que não careciam de tanto esforço, coma a carreira consolidada e a necessitar apenas de uma condução pontual. 

Apreciamos a franqueza e como fora um contrato verbal tão somente, não tivemos transtornos burocráticos com esse rompimento. Na parte estrutural, tal desenlace pouca coisa mudou na nossa vida. Na base do trabalho braçal, estávamos a crescer acima de nossas forças, pelo aspecto da proporcionalidade. Claro, se houvessem empenhado-se condizentemente, poderia ter sido muito bom para ambas as partes, mas infelizmente não enxergaram potencial na banda, e preferiram centrar os seus esforços em artistas em que acreditavam muito mais.

Quanto a isso, não tínhamos nada a reclamar, por tratar-se de escolha e estratégia. Contudo, ficou a dúvida: por que não dimensionaram isso, antes de contratar-nos? Vida que seguiu... não foi a primeira, e tampouco a última vez em que tivemos frustração com empresários...

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