Os primeiros dias de 1985, trouxeram-nos muitos ventos de esperança. Estávamos a menos de vinte dias do início do Festival Rock in Rio e não obstante o fato óbvio de que não participaríamos do evento em si, por outro lado a euforia decorrente de tal evento, foi enorme. Isso por conta dos boatos que esparramavam-se pelo ar, tal como a ação de uma polinização, a dar conta que as gravadoras e a mídia, haveriam por proporcionar abertura para bandas com sonoridades mais pesadas.
Tínhamos muito pressa para preparar o nosso novo vocalista, Fran Dias Alves, mais popularmente conhecido como "Fran", simplesmente, por imaginarmos que tal componente a mais na formação da nossa banda, seria o elemento catalisador da nossa adequação melhor aos parâmetros do mercado oitentista.
Resenha
do show que fizéramos em outubro de 1984, no festival Lubrax Br Rock,
no Circo Voador do Rio de Janeiro, e ainda a destacar com substancial atraso, a presença do
ex-vocalista, Chico Dias. Lutávamos contra o relógio e também em relação aos desencontros
da nossa estratégia estrutural, pois estávamos a todo vapor no esforço para preparar Fran Alves, como
o novo vocalista da banda, no entanto, matérias com fotos do Chico Dias, o ex-membro, ainda saiam publicadas através da
mídia impressa.
A
animação dele, Fran, foi enorme igualmente, e sob um intensivo esforço de ensaios, começamos
a prepará-lo para que ele pudesse estar em condições de estrear ao final do mês
de janeiro de 1985, quando teríamos então, três compromissos marcados.
No primeiro deles, iríamos participar de um show compartilhado com outros artistas, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Tal evento foi uma produção do Teatro Lira Paulistana, em parceria com a Secretaria de Cultura do Município, ao visar fazer parte das comemorações do aniversário da cidade de São Paulo, em 25 de janeiro.
No segundo, voltaríamos ao salão de Rock, Fofinho Rock Club. Já o terceiro show desse
mês, seria como parte de um Festival organizado pelo produtor, Antonio Celso
Barbieri, que conhecêramos em agosto de 1984, quando tocamos pela
primeira vez, no evento: "Praça do Rock", realizado no Parque da Aclimação.
Tal festival (denominado: "São Paulo Também tem Rock"), seria uma espécie de resposta bem-humorada ao "Rock in Rio", com uma série de shows de bandas independentes da cena paulista, sumariamente ignoradas pela organização do mega festival carioca.
O importante naquele instante, fora colocar o Fran em condições para atuar, e não tínhamos muito tempo para fazê-lo decorar um repertório grande. Mas saliento que nos primeiros dias desse ano novo, a nossa vontade de acertar a banda, foi enorme. Não queríamos desperdiçar as oportunidades que estavam por aparecer, não só pela euforia em torno do movimento: "BR-Rock 80's" que insinuava-se crescer ainda mais, pelo advento do festival Rock in Rio, mas sobretudo pelas oportunidades que a própria, A Chave do Sol estava a obter, devido aos seus progressos acentuados, nos últimos meses.
Pois foi assim que começou 1985, com a adrenalina da banda a mil por hora, por conta dessa euforia dupla...
Fran Alves, nessa foto acima em cena com sua ex-banda, o "Ano Luz"
O Fran foi um artista muito centrado nos seus objetivos. Estava
empolgado por haver se tornado um membro d'A Chave do Sol, e segundo a expectativa que nós nutrimos naquele instante, foi o elemento certo na hora
certa, ao considerar-se que estávamos a apostar em um direcionamento
para o Rock pesado.
Contudo, as nossas características naturais
nunca foram centradas nesse sentido e mesmo ao imprimirmos mais peso ao novo material
que estava a ser composto, nós jamais soaríamos como uma banda de
Heavy-Metal genuína, nem que quiséssemos, pois não era a nossa natureza.
Dessa forma, as músicas novas que estavam a serem preparadas, continham o peso, mas nos riffs e arranjos, toda a nossa influência convergia para elementos do Jazz-Rock, Hard-Rock e Prog-Rock setentistas, na sua maior parte.
Não mensurávamos, mas estávamos a criar um problema para a nossa carreira, que no decorrer da narrativa, analisarei com bastante atenção, naturalmente.
Mas nesse momento inicial com o Fran, é claro que jamais poderíamos ter projetado algo diametralmente oposto aos nossos anseios. Pelo
contrário, estávamos animados com a perspectiva de adequar o repertório às demandas oitentistas e
com a inclusão do Fran, e mediante o seu potencial vocal adequado para tal necessidade, julgávamos estarmos no caminho certo.
Fran em
ação com sua ex-banda, "Ano Luz", na "Praça do Rock" em agosto de 1984, em
foto clicada pelo poeta, Julio Revoredo
Como
pessoa, o Fran foi um ser humano, sensacional. A sua humildade cativou-me
instantaneamente. Era muito correto, centrado e absolutamente convicto
do que ambicionava na sua vida, portanto, foi o quarto remador
importante, que agregáramos ao nosso barco, em meio ao mar revolto.
Ensaiamos
com bastante foco nas três primeiras semanas de janeiro, e com o rápido
entrosamento, o Fran emitiu sinais de que estava apto, sem problemas. O
primeiro compromisso com essa nova formação, seria na Praça Benedito
Calixto, em um evento em comemoração ao aniversário de São Paulo.
Usamos esse show de choque, como uma avant-première da estreia do Fran, com a nossa banda. O espetáculo ocorreu no dia 25 de janeiro de 1985, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
Foi uma sexta-feira, mas a se constituir de um feriado, logicamente, na cidade. Cerca de duas mil pessoas estiveram presentes na Praça Benedito Calixto, mas os organizadores estavam nitidamente desapontados, por considerarem um público fraco. De fato, em um dia ensolarado, com muito calor, feriado em plena sexta-feira, e com diversos artistas a apresentarem-se gratuitamente... poderia ter tido mais gente para presenciar.
Tocamos em companhia de artistas como Laura Finocchiaro, "Os Inocentes", Jean
& Paulo Garfunkel e outros emergentes da cena mezzo Rock/mezzo
"Vanguarda Paulistana". O Fran mostrou muita personalidade, apesar
de ter sido um show de choque, portanto, muito curto. Contudo, já deu-nos uma amostra de que entrosar-se-ia, quase instantaneamente à banda.
Todavia, antes de realizarmos a estreia oficial do Fran, que seria no Teatro Lira Paulistana, tínhamos um outro compromisso agendado. No dia 26 de janeiro de 1985, fomos novamente ao Fofinho Rock Clube, no bairro do Belenzinho, na zona leste de São Paulo, onde já havíamos apresentado-nos em 1984.
Sobre o que era o Fofinho naquela época, eu já falei quando mencionei a nossa primeira apresentação por lá. Desta feita, a novidade óbvia foi a presença do novo vocalista, Fran Alves, além de uma carga mais pesada de nossa parte, no afã de aproximar a banda do público adepto das sonoridades Hard-Rock/Heavy-Metal oitentista.
A
presença do público foi boa e o show bastante frenético, ainda que os
equipamentos de som e iluminação disponibilizados, fossem totalmente inadequados. Dessa
maneira, apesar do som ruim e da luz de serviço acesa sob uma forma ininterrupta, por ausência de uma iluminação adequada para show, a apresentação valeu pela energia que grande parte do público,
ali absorveu.
É bom relembrar que ao imprimirmos um peso extra no nosso trabalho, entrávamos automaticamente no alcance de julgamento de um público novo, onde não éramos habitantes regulares de seu mundo.
E pior que isso, tratava-se de um nicho
cuja "tribo" era permeada por maneirismos típicos mediante códigos próprios de conduta,
preconceitos etc. Portanto, esse foi um dos nossos erros ao
tentar trilhar esse caminho, pois nunca seríamos aceitos nesse mundo
inteiramente, pois os ditos: "headbangers", não reconhecer-nos-iam como parte de
sua "tribo". Esse foi um dos problemas, mas teríamos outros, que no decorrer da narrativa, eu descreverei com comentários análogos, certamente.
Nesse show em específico, aconteceu um fato desagradável no campo pessoal, que aliás é de pequeníssima monta hoje em dia, mas acho que vale a pena mencionar, para deixar o registro de que todo artista sofre esse tipo de assédio moral e é sempre um aborrecimento lidar com esse tipo de questão inoportuna.
O que ocorreu, foi que um rapaz ligado à produção da casa, procurou-me nos bastidores, e insistiu muito para que eu arrumasse dois ingressos para ele e a sua namorada irem assistir um show d'A Chave do Sol, no Teatro Lira Paulistana. A sua insistência passara dos limites, a denotar uma pressão incômoda e desmedida, ainda mais ao considerar-se que estávamos ali a realizar o show, portanto, não pareceu-me um pedido razoável, para que insistisse tanto em obter ingressos em regime de cortesia para um outro show, em outro espaço.
Bem, no Lira Paulistana, a minha cota de ingressos cortesia estava esgotada para o show de estreia oficial do Fran, marcado para o dia 31 daquele mesmo mês, mas enfim, eu disse-lhe que poderia arrumar para uma futura apresentação, que eu já sabia que logo seria marcada, mesmo que ainda oficialmente, não houvesse essa data ainda fechada.
Quando a oportunidade surgiu, em abril de 1985, o rapaz apareceu no Teatro e de fato, eu lembrei-me dele e do seu pedido, e reservei os ingressos. Foram dois dias de shows em abril, e no segundo show, eu já tinha uma reserva para a minha namorada na ocasião. Por um golpe fortuito do destino, a minha namorada chegou de surpresa no primeiro dia de show, mesmo ao saber que o combinado fora assistir somente o segundo show.
Fiquei então sob uma situação chata, pois o sujeito que abordara-me na Fofinho, apareceu com a namorada. Sei que eu tive a minha parcela de culpa, pois nesse imbróglio, bastava eu comprar o ingresso da minha namorada, e ceder os dois reservados para a cortesia, ao rapaz e a sua namorada, mas esse sujeito, ao perceber a confusão, melindrou-se e teve uma explosão de nervos.
Aos berros, ele passou a xingar-me e proferir pragas contra a minha banda, ao jurar que nunca mais tocaríamos no seu salão (e ele nem era dono, absolutamente, do citado salão), etc. Conclusão: todo artista sofre esse tipo de pressão inconveniente o tempo todo.
Pessoas pedem ingressos, discos, souvenirs e acham que essas coisas
caem do céu, ou pior, que o artista tem a obrigação de atender tais
pedidos o tempo todo, no afã de angariar simpatia. E quando há
uma negativa, essas pessoas tendem a explodirem de forma desmesurada, ao melindrarem-se e assim acusarem os
artistas de que estes sejam "mascarados", ou coisas ainda piores...
Bem, essa historieta adiantou a cronologia, mas eu achei o registro conveniente aqui, no momento em que esse rapaz importunou-me para pedir ingressos, sendo que estava ali no referido salão, a assistir o show, dentro do espaço onde trabalhava.
De volta à cronologia, o próximo passo, seria enfim a estreia oficial do Fran Alves, com A Chave do Sol, no Teatro Lira Paulistana.
Claro, havíamos disparado a nossa mala postal, também, que naquela altura crescia vertiginosamente, com um volume significativo de adesões ao Fã-Clube, tocado por nós mesmos (leia-se: eu, Luiz Domingues, e José Luiz Dinola).
O enfoque nessa data houvera sido proposital, como eu já
salientei anteriormente, justamente por considerarmos que os dois shows
que ocorreram dias antes, não teriam a estrutura que considerávamos
adequada para tal momento significativo da banda, como a estreia de um
novo vocalista, ao imprimir uma nova identidade visual, cênica e
sobretudo, sonora, à banda.
Esse projeto do produtor, Celso Barbieri, foi uma espécie de resposta irônica ao fato do Rock in Rio ter ignorado todas as bandas paulistas em condições de terem sido escaladas para aquele festival carioca (ao considerar-se o pessoal do mainstream, é claro, e nesse raciocínio, o que dizer de nós, e dezenas de bandas que habitavam o patamar underground?). Lógico, a estrutura do teatro Lira Paulistana em comparação com o mega festival de Roberto Medina, mostrara-se nanica.
Contudo, o Teatro Lira Paulistana sempre foi um baluarte do artista independente brasileiro, e muito orgulhara-nos o fato de termos mais uma oportunidade para apresentarmo-nos no famoso palco subterrâneo da Rua Teodoro Sampaio, 1091.
Naquela noite, uma banda de abertura estava escalada por Barbieri. Chamava-se: "Fênix" e tratava-se da banda dos nossos amigos, Carlos Muniz Ventura e Iran Bressan. Nesse dia, o nosso amigo, Carlos, ousou na sua performance pessoal, ao usar os dentes para fazer um solo de baixo, mas tal performance radical, quase causou-lhe um transtorno dentário, óbvio.
Terminado o show deles, chegara a hora do público conhecer o novo vocalista d'A Chave do Sol, o senhor, Fran Alves...
O show foi muito intenso, com o adendo de que a presença de palco do Fran fora esfuziante, mas não sabíamos exatamente como reagiriam os fãs do trabalho, pois foi algo totalmente inusitado para quem acostumara-se há anos, a nos ver sob a formação como Power- Trio, visto que o vocalista anterior, Chico Dias, mal teve tempo para marcar a sua presença na banda.
Um outro
ponto, com a entrada do Fran e a mudança de comportamento radical que a
banda buscava musicalmente, constituiu-se de fato, em muita mudança radical para o público
absorver. Tínhamos consciência de tais elementos, mas não da dimensão de
sua consequência, certamente. Bem, de que forma reagiria o
público, afinal de contas?
De qualquer forma, de nossa parte, confiávamos em nosso potencial, com a decisão de incorporar um vocalista com potencial, como o Fran e também nas novas músicas com tais características, contudo, foi uma incógnita a reação do público com tantas mudanças.
Nessa estreia, o Fran apresentou-se com muita intensidade. Aliás, essa fora uma de suas maiores qualidades. Quando pisava no palco, deixava de lado o rapaz sereno, tranquilo e equilibrado que o era normalmente no cotidiano, para dar vez a um vocalista decidido, com 100% de entrega à performance, banda e à música.
E nessa entrega artística, entregava tudo de si, inclusive a dar margem às vezes, a deslizes, o que seria normal e de certa forma esperado, pois só a constância traria o equilíbrio perfeito e portanto, foi questão de tempo.
Cito tais desequilíbrios como excesso de vontade de imprimir uma mise-en-scène muito vigorosa, e algumas vezes, a cometer excessos. Serei mais direto: nesse primeiro show, ao sentir o ímpeto de querer impressionar o público, ele exagerou um pouco na movimentação cênica, e duas ou três vezes desequilibrou-se, literalmente, quase a cair no palco, além de esbarrar no Rubens e também em minha pessoa (Luiz), ao fazer movimentações mais fortes, e se considerarmos que nós também movíamo-nos bastante, eu, bem mais do que o Rubens, isso revelara-se temerário.
Entretanto
ele era muito criterioso e chegou no camarim após o show, a dizer-nos que exagerara e
precisava melhorar nesse quesito, ao demonstrar grande discernimento. Fran
sempre foi um artista muito preciso nas suas observações e humilde,
reconhecia os seus erros, sem nenhum sinal de melindre, a denotar uma
enorme hombridade, qualidade que eu admirava nele. Quanto à parte
musical, a sua voz mega potente, impressionava. Era uma emissão vocal portentosa, e com afinação incrível.
Ele gostava de usar o trêmulo na voz, mas ao analisar hoje em dia, creio que a sua intenção não fora imitar vocalistas setentistas dotados de voz rouca, como Rod Stewart e Noddy Holder (vocalista do "Slade", este último, uma influência confessa do Fran), ou para citar alguém da época (anos oitenta), Kevin Du Brown, (vocalista do grupo Hard, "Quiet Riot"), mas a sua intenção real foi buscar um "drive" natural do diafragma, para potencializar o vocal.
Para nós foi um grande show e estávamos muito felizes pela performance poderosa do Fran, e ele também estava radiante.
Além disso, pesara o fato dele não ter maiores opções de figurino disponíveis naquele momento. E nesse fator, só restara-nos torcer para a banda ter uma agenda robusta, que permitisse condições para que ele pudesse preparar-se melhor nesse quesito.
Fora isso, que seria algo corrigível, preocupou-me as opiniões
sobre o estilo vocal dele não ser compatível com a banda, mesmo diante de
músicas novas, com características mais pesadas. E com a devida ressalva de que nesse show, ele quase não cantou de fato, pois tivemos poucas músicas novas preparadas e a base foi o repertório de 1983/1984, incluso longos temas instrumentais.
Mas vida que seguiu, estávamos confiantes e muito contentes com a entrada dele. Esse show foi gravado direto da mesa, com carinho pelo técnico/amigo, Canrobert Marques e por muitos anos, tive essa fita K7, bem guardada.
Em um dia de 1989, um amigo, que gravitara na órbita da banda em 1984, apareceu em minha casa e pediu-me emprestado tal material, com a promessa de devolução em poucos dias, com o objetivo de fazer uma cópia. Bem... espero até hoje por essa devolução (2016), e nem é preciso descrever o quanto lamento essa perda, pois foi o único registro da voz do Fran Alves, ao vivo, com A Chave do Sol.
Nesses tempos em que coloco a minha energia na construção de minha autobiografia, e por conseguinte, promover o resgate total de
material inerente (além da possibilidade de lançamento no YouTube), tal material seria um
tesouro inestimável para os fãs da banda, para nós mesmos,
ex-integrantes, e para a viúva e os dois filhos do Fran. Só lamento a falta de educação, por essa falta de devolução, "seu" Hélio...
Ainda a falar da estreia oficial do Fran, além da divulgação tradicional, tivemos também apoio de dois programas de TV.
No mesmo dia do show, 30 de janeiro de 1985, havíamos ido novamente ao programa feminino e vespertino, "A Mulher dá o Recado", da TV Record de São Paulo. No período da tarde, no dia do show, gravamos o "Realce" da TV Gazeta, que foi ao ar às 18:00 horas do mesmo dia, e tal programa sempre deu-nos um bom apoio.
No programa da TV Record, apesar de ser ao vivo, não esperávamos tanto retorno assim, visto que sua audiência básica não era formada por Rockers, mas muito pelo contrário, baseada em donas de casa, e certamente idosos.
Contudo,
achávamos muito válido aparecer em tais programas, pois mesmo ao posicionarmo-nos como uma banda de Rock, queríamos angariar um público
maior. Claro que um programa dessas características não constituía-se no mais
adequado para nós, mas eu ficava muito contente quando abria a caixa
postal
da banda, na agência do correio, e via cartas enviadas por pessoas que estavam a elogiar-nos por terem assistido-nos em programas dessa natureza, e neste em
específico, rendeu bons frutos nesse
sentido.
A necessidade de um novo álbum, e com a voz do Fran no comando, tornara-se urgente, também por esse aspecto televisivo.
Nesse programa da TV Record, como de costume, tivemos o compromisso de estarmos no estúdio da TV Record, às 8:00 horas da manhã. Não foi fácil, portanto, estar com o semblante limpo e mediante bom humor, prontos para entrarmos no ar, sendo músicos, e naturalmente notívagos, porém, todo sacrifício foi válido.
Desta
feita, optamos portanto pela não participação do Fran na apresentação,
para não cometermos o mesmo erro já citado, que cometêramos com o antigo
vocalista, Chico Dias.
Eis acima, essa aparição no programa "A Mulher dá o Recado", da TV Record de São Paulo, no 31 de janeiro de 1985.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=_xSsxMCtIbE
Já havíamos sido entrevistados nesse programa algumas vezes antes, e nesse dia 28 de janeiro de 1985, especificamente, a banda foi representada por Zé Luiz e eu, Luiz Domingues, dentro daquele revezamento que havíamos combinado internamente, ao visarmos conceder entrevistas em duplas, sempre que possível, para render mais nos programas radiofônicos, que tendiam a ficarem confusos, quando mais de duas pessoas eram entrevistadas.
No entanto, como o programa mantinha um público in loco, apesar de ser radiofônico, uma bizarra condição instaurara-se: os seus produtores pediam aos artistas musicais que dublassem, mesmo que isso não fizesse nenhuma diferença para quem assistia presencialmente no auditório.
Então, eu (Luiz), Rubens e Zé Luiz, geralmente levávamos um par de baquetas, e uma mini guitarra, chamada, "Chiquita", que mais parecia uma guitarrinha baiana, dessas usadas por músicos que tocam em trio elétrico, simplesmente para facilitar a nossa logística.
Dessa forma,
nesta ocasião em específico, nós combinamos de eu usar a guitarrinha na dublagem, e o Zé Luiz, fazer
malabarismos com as baquetas, e ambos dublaríamos a voz do Rubens. Ou seja,
bizarrice total. Mas tivemos um azar inesperado, nessa manhã de 28 de janeiro de 1985!
O que ocorreu, foi que naquele específico dia, por alguma falha técnica, algumas "sonoras" não foram ao ar. "Sonora", para quem não conhece o jargão do jornalismo radiofônico, são reportagens pré-gravadas, que são disparadas, geralmente com entrevistas e/ou boletins do cotidiano dos clubes de futebol.
Como essas "sonoras", alimentavam o programa,
a ocupar grande parte de sua duração, a produção ficou sem o que fazer
para ocupar o espaço, e dessa forma, decidiram alongar a nossa
participação, ao fazer-nos perguntas improvisadas.
No entanto, o tempo passava, e as "sonoras" de futebol realmente não foram executadas por problemas técnicos, então, o Faustão, naquele seu jeito despachado, e na base do improviso total, resolveu que tocaríamos uma segunda música, para ocupar tal lacuna que mostrava-se desagradável para eles.
Até aí, tudo bem, pois
estávamos a lucrar com essa prorrogação, a ganhar quase meia hora de
audiência, quando o normal teria sido uma participação com oito a dez minutos, a conter apenas uma
música, seguida de uma conversa rápida. Todavia, o sonoplasta do programa, "Johnny Black",
teve a brilhante ideia de sugerir ao Fausto, que tocássemos ao vivo, bem
naquela prerrogativa que preconiza: "quem sabe faz ao vivo".
Uma foto de uma guitarra, "Chiquita" que achei na internet. A do Rubens, era da cor azul claro.
Como músicos "de verdade",
e não fabricados em escritórios de marqueteiros, preferíamos sempre
tocar ao vivo, logicamente, desde que sob condições adequadas no tocante ao áudio, contudo, sem noção alguma, ambos, Faustão e Johnny Black, ficaram cegos pela
ideia, sem mensurar como seria possível tocar uma música como, "18
Horas", com uma guitarra apenas?
Pior, eu nem era o
guitarrista da banda, mas não adiantaria nada dizer isso aos rapazes,
por que estávamos ao vivo, e isso seria ridículo para a imagem da banda. Mesmo que fosse o Rubens ali presente, o que ele poderia fazer, sem um
amplificador, e com uma "Chiquita" em mãos? E outra, faria um solo, ou ficaria a tocar apenas o riff principal da música?
Naqueles segundos em que a proposta surgiu, eu tive uma ideia salvadora: falei para o Johnny Black, que estava preparado para fazer apenas a dublagem, e por isso, nem levara um cabo. Ele ficou, contudo, ainda mais ansioso, e passou a vasculhar a cabine de som do teatro onde o programa era realizado, à procura de um cabo "P10". Foi quase certeza de que arrumaria um, e de fato, ele arrumou.
Nesse ínterim, o Faustão cravara-nos com perguntas, e para piorar as coisas, chegou um reforço de peso, na figura do locutor esportivo, Osmar Santos, para também fazer perguntas, e ajudar a enrolar a audiência.
Uma
das perguntas improvisadas das quais não esqueço-me, e até achei positiva, pois pude expressar
uma opinião forte, ainda que ninguém que ouvia aquele programa deva ter
entendido em sua profundidade, foi quando ao ser questionado sobre o que estávamos a achar do Festival Rock in Rio,
Osmar quis saber em específico, o que eu pensava das atrações: "Go-Go's" e "Yes". Ora, ora... justo eu a ser questionado nesses termos...
Disse-lhe que a diferença seria simples: uma banda era para o consumo da parte de crianças, e a outra, formada por músicos de alto nível... falei alguma mentira?
Então,
o Johnny Black chegou com um cabo "P10" velho, cheio de emendas com fita
isolante... e assim, sem saída, eu tive que plugar e estava decidido a tocar o riff
de "18 Horas" e fazer ruídos com microfonias (aliás, como isso seria
possível com a guitarra plugada em linha, e sem um amplificador para
provocar o feedback?), a simular um solo
performático. O que mais eu poderia fazer?
Mas o cabo P10 que o Johnny Black providenciou, estava mesmo "podre", e falhou miseravelmente. Só lembro-me do Faustão ao formular frases como: -"ô louco, problemas técnicos estão a minar-nos, meu"... para fazer alusão ao fato das "sonoras" terem falhado também.
E o mais engraçado, foi
que o Johnny Black não desistiu, pois ele saiu a correr para a cabine, e pela janela, eu o vi com
uma solda, a tentar consertar aquele cabo P10, putrefato... absolutamente hilário. Ainda bem, não deu tempo para traze-lo de volta, e o programa encerrou-se logo a seguir.
O humorista Tatá, que fazia parte da equipe do Balancê, também
Bem, foi com certeza a nossa maior participação, em termos de tempo, no programa "Balancê". Apesar da improvisação toda, não gerou-se nenhum constrangimento.
Pelo contrário, os três: Faustão, Johnny Black e Osmar Santos, agradeceram o nosso esforço em estendermos a nossa entrevista, e ao tomar conhecimento que teríamos show em vista, convidaram-nos a voltar no programa, dois dias depois, para uma nova entrevista, e reforçar assim a divulgação do show.
Claro que aceitamos a gentil oferta e dessa forma, voltamos no dia 31 de
janeiro de 1985. Desta vez, resolvemos irmos ao programa em trio, ao levarmos o Fran, para ele acostumar-se com tal dinâmica de entrevistas. Entretanto,
nessa segunda ocasião naquela semana, tudo ocorreu normalmente, com as
sonoras de futebol a funcionarem sem falhas, e a nossa entrevista a resumiu-se a uma conversa, assim a reforçar o convite do show, e uma
dublagem com o Rubens a pilotar a "Chiquita", eu a fingir tocar bateria
com um par de baquetas em mãos e o Fran a dublar a voz do Rubens.
Com a troca de vocalistas, e os planos malogrados para gravarmos uma demo-tape sob qualidade, com o objetivo de levarmos tal material às gravadoras Majors, claro que a oferta vinda de Luiz Calanca, do selo Baratos Afins, foi muito bem recebida por nós.
O produtor e dono da famosa loja/gravadora, Baratos Afins, Luiz Calanca
Se no primeiro trabalho, o compacto, trabalhamos sob um regime de cooperação, meio a meio, desta feita, ele desejou bancar o trabalho sozinho, sob uma relação semelhante à de uma gravadora tradicional. Lógico que na situação financeira que tínhamos naquele instante, somada à necessidade premente de um novo registro fonográfico, aceitamos a proposta de pronto, e aceleramos os ensaios para fechar o material.
Músicas como:"Ufos" e "Segredos", muito pesadas, e no nosso entender, capazes de atender a demanda de um nicho diferente de público que procurávamos, já estavam compostas e praticamente arranjadas.
Decidimos incluir apenas uma música do repertório antigo da banda, chamada, "Crisis (Maya)", que é um tema instrumental e que havia sido exibida ao vivo, três vezes no programa, "A Fábrica do Som", entre 1983 e 1984. Apesar das mudanças significativas que pretendíamos executar, achamos importante possuirmos um tema instrumental no disco, para manter um pequeno elo com o som antigo da banda, e essa música fora sempre bem aplaudida nos shows.
"Anjo Rebelde", foi outra peça que
estava pronta (já a tocávamos ao vivo, desde a metade de 1984), e a
considerávamos, um "Hard-Rock", estilo setentista, mas com o Fran a assumir os
vocais, ela ganhou um peso extra, e adequou-se ao que buscávamos, também.
Uma balada surgiu de última hora, graças a uma inspiração que o Rubens teve, ao criar um riff, na guitarra. Contudo, não fora algo tão fortuito assim, pois estávamos impressionados com a possibilidade de possuirmos uma balada pesada, que tivesse a capacidade de atender a demanda desse público, mas que fosse ao mesmo tempo, palatável aos ouvidos de pessoas não aficionadas do Rock em geral, e do Heavy-Metal, principalmente.
E essa impressão foi bem óbvia, com o
sucesso estrondoso de uma balada da banda germânica, "Scorpions", chamada: "Still Loving
You", música esta que tocou nas emissoras de rádio, ad nauseum, por conta do advento do festival Rock in Rio e
também por alimentar tema de novela da Globo, simultaneamente. Nesses termos, trabalhamos nessa ideia do riff criado pelo Rubens, com a intenção deliberada de buscar-se um resultado semelhante. Com
a presença do Fran, e sua voz potente, além do poder de interpretação
dramático que ele imprimia, teve tudo para dar certo.
A letra da canção foi desenvolvida pelo Fran. Ao falar sobre a sua estupefação pelas diferenças sociais, poupou-nos de uma letra romântica, a evocar o amor homem-mulher, o que seria esperado para ornar uma balada tradicional.
Claro que apreciamos a letra que ele escreveu, muito mais interessante e forte, ainda que pudesse descambar para a pieguice ou para o discurso panfletário, se não tivéssemos cuidado. Foi dessa forma que surgiu, "Um Minuto Além", música que trouxe-nos alegrias, por tornar-se no futuro certamente, a melhor canção em termos de visibilidade que esse novo disco, ofertar-nos-ia.
Já nos últimos
ensaios, estivemos a fechar a derradeira canção surgida para o novo trabalho: tratou-se de mais uma música pesada, chamada: "Ímpeto", com outra
letra escrita pelo Fran.
No caso de "Segredos" e "Ufos", nós usamos dois poemas do poeta, Julio Revoredo. Gosto bastante dessas letras e acho que ela contém versos muito fortes, com poder filosófico expresso em aforismos, até, e apesar da tradicional condição hermética com a qual o trabalho dele desenvolvia-se regularmente, existe um componente Pop nelas, por incrível que pareça.
No caso de "Anjo Rebelde", a história
dessa letra eu já comentei en passant, em capítulos anteriores, mas vale a
pena esmiuçar um pouco mais, neste ponto da cronologia.
Bem, no caso da letra de "Anjo Rebelde", a música houvera sido composta e fechada com essa letra em 1984, e já fazia parte do repertório da banda ao vivo, desde então, inclusive com direito à execução em programa de TV, conforme eu já relatei e publiquei o link dessa aparição, disponível no YouTube.
Trata-se de uma letra escrita pelo Edgard Puccinelli Filho, que foi um seguidor da banda, e que ao longo dos tempos, tornou-se roadie e membro fixo da nossa equipe de produção.
Na foto acima, a presença de Edgard Puccinelli Filho, no camarim de um show d'A Chave do Sol, um ano depois desta etapa da cronologia que relato neste instante
Havíamos gostado dessa letra, pelo seu teor em
forma de ode ao Rock, inclusive a relevar os seus exageros nítidos. Hoje em
dia, acho-a piegas, e não a usaria para musicar uma canção, mas naquela
época, eu a considerei apta e com a aprovação de todos os companheiros, achamos que se encaixava na música,
ao conferir-lhe um tom épico, e que certamente viria de encontro à necessidade
de mudanças estéticas que precisávamos promover, para buscar um lugar ao
sol, no mercado.
O Edgard ficou encantado com o convite para ter o seu
poema musicado, e não pensamos que isso trazer-nos-ia um aborrecimento
posterior.
Enfim, quando as negociações para a gravação do segundo disco avançaram com o Luiz Calanca, escolhemos "Anjo Rebelde" para estar no repertório do novo álbum.
Entretanto, fomos surpreendidos, quando abordamos o Edgard, ao visarmos buscar a sua assinatura, e colher os dados pessoais para prover-se a papelada burocrática do disco, as então famigeradas fichas coloridas do "GRA", para quem viveu essa época e há de se recordar.
Nesse ponto, ele mudara o discurso, a dar conta de que o poema não era apenas seu, mas que haveria uma
coautoria. Insistiu então que nós teríamos de incluir o nome de uma garota
chamada, Miriam, que supostamente ajudara-o a compor o poema.
Sem saída, cedemos à pressão, e lá foi a documentação para o ECAD, com o nome da tal Miriam, incluso, como "compositora" de Anjo Rebelde, em parceria com Rubens Gióia, Luiz Domingues e Edgard Puccinelli Filho.
Muito provavelmente, essa moça
nunca interessou-se pela canção, e jamais deve ter recebido um centavo pelos direitos
autorais adquiridos, por que nem devia saber como proceder para reivindicar os seus
"direitos". Nesse aspecto, o novo álbum já começara mal, com uma intromissão desse nível, sem nenhum propósito.
Com os trâmites da pré-produção em curso, estávamos animados com a perspectiva de gravar um novo álbum e certamente que estávamos a apostar muito nesse segundo trabalho, por todos os motivos que eu já expus nesta fase da cronologia dos fatos.
No entanto, paralelamente,
ainda vivíamos os ecos da boa onda de expansão proporcionada pelo
primeiro disco e claro que aproveitávamos cada gota que pudéssemos. Nesses
termos, o próximo compromisso que tivemos agendado, foi uma nova
participação no evento: "Praça do Rock", que por sua vez, crescia, e a
cada nova edição, atraía mais público e infraestrutura.
E por estar a crescer, atraía também pessoas interessadas em capitalizar o sucesso do evento, seja economicamente, seja pelo viés político. Lembro-me de ter participado, por exemplo, de uma reunião na sede do Jornal do Cambuci & Aclimação (o simpático jornal desses dois bairros vizinhos, que apoiava o evento), a visar tomar ciência das questões a envolver a nossa participação.
Essa
foto minha também é da nossa primeira participação na Praça do Rock em
agosto de 1984. Infelizmente, não tenho em meu acervo, fotos da segunda
participação d'A Chave do Sol, em fevereiro de 1985.
Mas apesar da boa vontade das pessoas envolvidas,
alguns deslizes mostravam-se inevitáveis, e nesse dia em específico, apareceu um
deputado na reunião, que quis capitalizar politicamente o evento e até a cena em que este se inseria.
Pois este parlamentar chegou até a protagonizar um momento patético na reunião, ao subir literalmente na mesa de reunião, e improvisar um discurso inflamado, onde falava que as bandas de "Heavy-Metal" precisavam unirem-se para pleitear melhores oportunidades do poder público etc.
Foi muito constrangedor,
primeiro por que eu sentia-me um estranho no ninho nessa história de
"bandas de Heavy-Metal", e segundo, por estar a constatar a manipulação
política a infiltrar-se em um evento que crescia, e assim a miná-lo.
Então, participamos do evento, no dia 24 de fevereiro de 1985. A estimativa da Polícia Militar, contabilizou cerca de três mil pessoas presentes naquela tarde/noite.
Participaram também os grupos: "Centúrias", "Abutre" e "Gozo Metal", como outras atrações daquela edição. O nosso
show foi forte e arrancou muitos aplausos da plateia, em sua
maioria, garotos e fãs de Heavy-Metal. Nesse aspecto, o Fran agradou em
cheio a esse tipo de público, onde uma grande parcela o conhecia por sua
atuação com a sua banda anterior, o "Ano Luz".
Confraternização geral de músicos das bandas participantes dessa edição da Praça do Rock, de 24 de fevereiro de 1985, juntamente de organizadores do evento, a posar no palco do mesmo, a velha concha acústica do Parque da Aclimação, no bairro homônimo, na zona sul de São Paulo. Ao descrever só os membros da nossa banda, José Luiz Dinola é o primeiro da esquerda para a direita, na parte mais alta e sem camisa. Na segunda fileira com a turma em pé, Fran Alves é o primeiro da esquerda para a direita, a usar camiseta azul marinho e calça jeans. Eu, Luiz Domingues, sou o terceiro, no uso de uma camisa jeans e Rubens Gióia, o quarto, a usar camiseta preta. Sobre os colegas das outras bandas, vejo essa foto, atualmente, com tristeza pois dois deles (três, a contar com o próprio, Fran), já não estão mais entre nós. Autor do click: desconhecido
O "Gozo Metal" foi
na verdade o antigo grupo, "Côco Lóco" com um novo nome, a se revelar como uma banda liderada pelo baixista,
Orlando Lui (ex-"Rock
da Mortalha", nos anos 1970), e apesar do nome muito infeliz para uma banda de Rock, teve em seu líder,
um grande batalhador.
Por ligar-se pessoalmente ao organizador oficial do evento, o também baixista, Dalam Junior, Orlando tornou-se um coprodutor associado, e daí em diante, trabalhou forte para tornar o evento, cada vez maior. Falo disso mais para frente, quando de uma terceira participação d'A Chave do Sol no evento.
E nem só de constrangimentos
a reunião na sede do jornal foi pródiga. Pelo contrário, nesse mesmo
dia, conhecemos um outro personagem que prometera ser importante para o
métier do Rock pesado paulistano.
Portanto, a primeira vez que o vimos, na reunião de organização da segunda edição da Praça do Rock, da qual participamos, não foi possível conversar detalhadamente sobre o seu interesse pelas bandas, pois ele estava ali como um ouvinte, a colocar-se como voluntário da organização do mencionado evento, tão somente.
Contudo, uma reunião foi marcada para alguns dias depois, no seu escritório, e com a participação de representantes de diversas bandas da cena pesada de São Paulo, quando a ideia principal foi criar uma espécie de cooperativa de bandas, com esse senhor a orientar as possíveis diretrizes, segundo a sua suposta experiência.
O nome dele era Mário Ronco e tal reunião
ocorreu ainda ao final de fevereiro de 1985, quando ele expôs as suas ideias
para os representantes de cada banda convidada. Nessa reunião,
lembro-me de estarem presentes componentes de bandas como "Centúrias",
"Salário Mínimo", "Eclipse", "Harppia", "Gozo Metal", "Abutre" e
"Anthro", além d'A Chave do Sol, naturalmente.
A ideia pareceu-nos nobre e simples para colocar-se em prática: todos cooperariam mutuamente, a fornecer contatos, ideias, apoio logístico etc. E para alinhavar a parte gerencial, entraria enfim, o trabalho de Mário Ronco e de seu assistente, cujo nome não recordo-me mais.
De
fato, a parte de ajuda mútua foi válida e fácil de ser executada, pois
todo mundo ali participante imbuiu-se de boa vontade e não haveria nenhuma restrição
nesse sentido. E nesses termos, o projeto começou alvissareiro, pois o Mário
Ronco detinha os seus trunfos para impressionar os representantes das
bandas e logo na primeira reunião, mostrou-nos o seu cabedal.
A primeira proposta foi ótima: ele tinha em sua posse, datas disponíveis para organizar um micro festival no Teatro Arthur Azevedo, que era e ainda o é, um ótimo e tradicional teatro localizado em um ponto nobre do bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo.
Pertencente à Prefeitura da capital, nesse bom equipamento cultural, seria a oportunidade de apresentarmo-nos com uma estrutura de som e iluminação com qualidade. Particularmente, e nunca canso-me de dizer, que se dependesse de minha vontade, eu só tocaria em teatros, a evitar apresentações em casas noturnas.
Claro que gerou-se uma animação geral essa proposta inicial do Mário Ronco, e dessa forma, tornou-se a primeira ação da nascente, "Cooperativa Paulista de Rock", esse micro festival, e como ação direta de cooperação, o apoio de todos, no tocante ao equipamento dos shows, na base do compartilhamento total de backline nesse sentido da ajuda mútua, e também no esforço de divulgação.
O lado mau dessa ação, foi que o tempo urgiu, sendo muito
escasso para uma divulgação mais abrangente. Todavia, apesar da correria
e do improviso, conseguimos atrair um ótimo público.
Não foi nenhuma armação de nossa parte para tirar proveito, e assim nos aproveitarmos para tocarmos mais uma noite que o combinado. Jamais faríamos uma armação política e antiética desse nível dentro da cooperativa, mas infelizmente, o fato d'A Chave do Sol ter tido essa suposta vantagem, suscitou comentários de desagravo por parte de alguns membros da recém-criada organização, a gerar ciúmes. Atesto que de fato, foi o Mário Ronco, quem solicitou-nos tal ação, e claro que aceitamos e assumimos o fato de que estávamos a ganhar uma vantagem diante disso, mas isentos de qualquer culpa por premeditação.
O evento ocorreu entre os dias 7 e 10 de março de 1985. Nós tocamos nos dias 7 e 8 de março de 1985. No dia 7, uma quinta-feira, dividimos a noite com o "Gozo Metal", do baixista, Orlando Lui.
Por sorteio, ficou acertado que o primeiro show da noite, seria do Gozo Metal, e nós faríamos o segundo. Com uma estrutura de cenografia boa, demo-nos ao luxo de começar o show com as cortinas fechadas, a causar um frisson na plateia, com tal tipo de recurso cênico.
Com o abrir suave das cortinas, a banda já estava a mil por hora, com o Fran a ter grande atuação cênica, inclusive. Como foi uma quinta-feira, o público não lotou as dependências do ótimo teatro, Arthur Azevedo. Todavia, ao considerar-se ser um dia útil, e pelo fato de termos tido pouco tempo para a divulgação adequada, acredito que um quórum com cento e vinte pessoas presentes, pode ser considerado um bom público. E de fato, a minha lembrança foi de termos ficado satisfeitos com esse número, na época.
Lembro-me que tocamos todas as músicas novas, e que fariam parte do próximo disco que lançaríamos, e cujas gravações começariam ainda naquele mês de março de 1985. Foi bom tocar ao vivo esse material, e sentir a temperatura do público.
E mesmo ao chocar alguns fãs, que ainda não tinham
computado a ideia de que as novas canções continham um peso extra, além do
normal para o padrão Hard-Rock. Todavia, ficamos muito contentes por verificarmos que "Um Minuto Além", a nossa aposta de balada pesada, e com "clima de Rock
in Rio", agradara em cheio o público. De fato, a interpretação do Fran
Alves foi de arrepiar...
Aquele vozeirão não era só potente e exoticamente rouco, mas a interpretação dramática que ele impunha, impressionava, certamente. Claro, a harmonia da canção, aliada a um solo épico que o Rubens criou, tornaram-na um clássico imediato da nossa banda.
Outra lembrança que eu tenho dessa temporada foi uma curiosidade quase prosaica e inventada pelo Mário Ronco: em cada show, ele solicitou a presença de dois músicos de bandas da cooperativa que não tocariam naquela noite, para atuar como apresentadores do evento. Portanto, tocamos na quinta e na sexta, e eu fui escalado para apresentar os shows do domingo, junto com o baixista do Eclipse.
No domingo, tocaram os grupos: Harppia e Salário Mínimo, e ao assumir tal função, eu senti-me um apresentador do "Oscar", a enfrentar o público, e ter que falar algo minimamente inteligente, sem cair em pieguices, para não causar constrangimento.
Nesse
domingo, um personagem muito gentil, e que estava a usufruir a fama
mainstream, por estourar com uma banda bem calcada na onda do Pós-Punk,
apareceu para assistir o show, e foi mega simpático com todos. Tratou-se do
baterista dos "Titãs", Charles Gavin, que mostrara-se muito solícito e
apesar de ser um representante de um métier avesso ao que nós transitávamos, mostrou-se
bastante interessado em conhecer o som das bandas daquele segmento e dentro das
possibilidades, ajudar-nos ao máximo.
Esse foi o meu primeiro contato com ele, mas em um futuro não muito distante, Gavin seria um amigo muito próximo d'A Chave do Sol, e um sujeito do bem, que tentou levar-nos para o patamar de cima, no mainstream. Conto no momento oportuno da cronologia dos fatos.
Para encerrar esta etapa, claro que comemoramos o sucesso súbito dessa empreitada da cooperativa, ocorrida no Teatro Arthur Azevedo! Tirante aquela ciumeira descabida pelo fato d'A Chave do Sol ter sido escalada para tocar uma vez a mais, ao substituir a banda "Anthro" (que teve de cancelar a apresentação por motivos pessoais de seus membros), todo mundo ajudou-se, sob um espírito de mutirão, e o público foi ótimo.
Ficamos animados com essa empreitada do Mário Ronco, que mostrou poder de fogo, instantaneamente. Ainda a falar sobre a ciumeira gerada, não posso deixar de contar um fato engraçado ocorrido no soundcheck do dia em que substituímos o Anthro. O pessoal da banda que sentiu-se ofendido, pela escolha do Mário Ronco ao nosso favor, apareceu em peso e com seus membros sentados na primeira fileira, com o teatro vazio, assistiram toda a passagem de som, em silêncio, mas a encarar-nos de uma forma nada simpática, como se fosse óbvia a nossa "culpa". Não falaram nada, mas tal atitude repercutiu por si só.
Claro, o tempo passou e essa reclamação esvaiu-se naturalmente, mesmo por que, tal situação não teve razão para existir. Tenho uma relação de respeito e amizade com o líder dessa banda, até hoje, aliás e inclusive, eu o considero uma pessoa muito boa.
Independente desse momento de animação com a cooperativa, e as ações de Mário Ronco, tivemos outros convites que surgiram.
Na semana posterior, por exemplo, tivemos agendados, dois shows no Teatro Lira Paulistana, em um outro micro festival, desta feita organizado pelo produtor, Antonio Celso Barbieri.
Mas antes de falar disso, quero
registrar um fato ocorrido alguns dias depois dos shows do Teatro Arthur
Azevedo, que na época, chateou-me, mas ao analisar algum tempo depois, tornou-se digno do anedotário da banda, e quiçá da minha carreira inteira.
Para quem não conhece a cidade de São Paulo, deixo aqui uma explicação rápida sobre uma tradição típica da cidade, que são os jornais de bairro. Pelo fato de existirem centenas de bairros, e muitos serem gigantescos, com proporção e infraestrutura de verdadeiras cidades, o fato é que os bairros comportam muitos jornais locais, ao noticiar os fatos do cotidiano de sua esfera etc.
Poucos
dias depois dos shows do Teatro Arthur
Azevedo, o empresário, Mário Ronco, avisou-nos que uma carta enviada por uma
leitora, fora publicada, em um desses jornais, no caso, um que circulava
pela Mooca, bairro da zona leste de São Paulo, e onde localiza-se o teatro
citado, onde tocamos.
Claro, ele guardou
exemplares, e eu guardei esse recorte, como uma peça curiosa de
memorabilia, mais que portfólio, pois pelo fato de ser uma carta de
leitor, não caracteriza exatamente um material de imprensa, portanto,
não considero como peça de portfólio.
Mas o fato curioso, foi que a carta dessa
moça que a enviou, teve o teor de uma reclamação indignada, como se o show d'A Chave
do Sol houvesse causado-lhe algum tipo de prejuízo pessoal, o que não
deixa de ser hilário por esse tipo de abordagem histriônica. Eis a íntegra da missiva dessa garota mooquense:
"Sou
assídua leitora deste jornal, entregue todas as semanas em minha
residência, aqui no Alto da Mooca. Gostaria que publicassem minha
opinião a respeito do show realizado durante a semana passada, no Teatro
Arthur Azevedo, lá na avenida Paes de Barros, chamado 'Tendências do
Rock'. Gostaria de saber o que acham esses artistas, ou pseudo-artistas-músicos brasileiros sobre as suas atuações nos shows. Na sexta-feira, assistimos o conjunto A Chave do Sol. Acho que eles pensam que estão em qualquer lugar, menos no Brasil. Tocaram
tanto que nem perceberam que ninguém estava gostando, nem vibrando com
tanto Jazz. Enfim, eles tocam para si próprios, o público que se
dane"...
Essa carta com tal "reclamação", saiu na edição de 15 a 21
de março de 1985, do jornal semanal, "A Voz do Bairro", que circulava
pelo bairro da Mooca, zona leste de São Paulo. Não vou divulgar o
nome da moça, mesmo por que, muito provavelmente ela nem se lembra de
que perdera o seu tempo a escrever uma missiva com tal teor, para o jornal.
Sobre a opinião dela, bem, ninguém é obrigado a gostar de nada, isso é um princípio básico da vida. Segundo ponto, a minha lembrança pessoal do show é bem diferente, pois o artista em cima do palco sabe exatamente se o show está a reverberar ou não. Quando não existe sinergia com o público, isso fica claro, límpido e sem dúvida alguma, a nos chatear é claro.
Todavia,
não foi o caso dessa apresentação. Se ela ou o seu acompanhante não
gostaram, foi certamente uma manifestação isolada e todos os artistas estão
sujeitos a isso, mesmo quando a maioria esmagadora estiver a adorar.
O direito dela expressar sua opinião, eu não contesto, de forma alguma. Claro que tinha/tem esse direito de falar o que pensa. Mas convenhamos, precisava? Eu jamais escreveria uma carta para um jornal, para dizer o que ela disse, mesmo que tivesse razão, pois esse tipo de opinião é pessoal e nada acrescenta.
Outro ponto, para que ser agressiva? Qual a motivação para usar de colocações desdenhosas tais como: "pseudo-músicos?", "quem pensamos que somos? Ora, realmente não me lembro sobre termos sido arrogantes, altivos, presunçosos, prepotentes ou agido com soberba, de forma alguma, em alguma fala ao microfone.
E se ela identificou o Jazz em nossa música, sim, tínhamos tal elemento, mas o que poderíamos fazer se ela não aprecia tal gênero musical?
Bem, é claro que tal missiva agressiva não mudou nada a minha/nossa trajetória, porém, eu não
poderia deixar de registrar um fato muito inusitado, já que nesta
autobiografia, proponho-me a trazer todos os elementos dos quais lembrar-me, inclusive aspectos negativos e/ou curiosos, como esse... e na
mesma edição, uma mini matéria, enalteceu os shows, e assim estabeleceu o
contraste com a opinião de vários leitores que foram assistir e haviam
gostado.
Só mesmo essa moça parece ter estragado a sua sexta-feira,
8 de março de 1985. Ela deveria ter ficado em casa e assistido mais um
capítulo de "Roque Santeiro", pois o "Sinhozinho Malta" não a irritaria
com tanto Jazz...
Como
eu já antecipei, os ventos animadores vindos da cooperativa, mas
principalmente da parte do empresário, Mário Ronco, que mostrava-se
dinâmico, estavam a frutificar, todavia, um outro produtor começava a despontar
no meio do Rock paulistano, a mostrar-se também bastante dinâmico.
Dessa forma, alguns dias depois dessa empreitada no Teatro Arthur Azevedo, estávamos no palco do Teatro Lira Paulistana, em um desses esforços promovidos pelo produtor, Antonio Celso Barbieri.
Incrível como o Teatro Lira Paulistana funcionava sob um ritmo frenético, com shows de segunda a segunda, a abrir espaço para artistas independentes, o tempo todo. Nesses dois shows em específico, trataram-se de duas datas arrumadas de última hora, para suprir a lacuna ocasionada por desistência de outro artista. Portanto, não houve tempo hábil para uma divulgação mais categorizada. Os shows aconteceram nos dias 13 e 14 de março de 1985. Não lembro-me de nenhuma ocorrência digna de nota, no entanto.
Foram
apresentações normais, sem surpresas, nem positivas, tampouco,
negativas. A frequência, contudo, não foi das melhores, pois além
de não termos tido tempo hábil para uma divulgação melhor, tratou-se
de dias úteis, sempre mais difíceis para atrair um público maior. No dia 13, cinquenta pessoas estiveram presentes, e no dia 14, trinta e cinco pagantes. Não houve banda de abertura. Mas
o Barbieri estava com uma nova perspectiva em vista, que renderia
frutos melhores, ali mesmo no Lira Paulistana, a se concretizar em abril de 1985, cujos
planos de divulgação seriam bem melhor executados, sem dúvida.
Logo no início de abril, uma entrevista relâmpago foi marcada para as bandas da cooperativa, no centro da cidade, para um jornal mainstream, a "Folha de São Paulo". Nesse dia, o telefonema inesperado impossibilitou a minha presença, infelizmente, pois apenas o Rubens soube de imediato, e bem na hora em que eu estava na rua, já a dirigir-me ao ensaio.
Com a repentina convocação, não havia como esperar-me chegar e sendo assim, o Rubens ligou para o Zé Luiz, e ambos mobilizaram-se para representarem a nossa banda na entrevista. Por isso, não estou na foto coletiva dessa matéria, tampouco o Fran Alves, com representantes de todas as outras bandas participantes da dita "Cooperativa Paulista de Rock".
E o fato interessante, foi que além de
ter sido publicada uma matéria de quase página inteira, por isso mesmo, deu margem para que cada banda
falasse um pouco de seu trabalho, ao sair da pauta coletiva, e além da
foto, teve o adendo de ser republicada ipsis litteris e no mesmo dia,
também em outro jornal, o "Folha da Tarde" (que pertencia ao grupo "Folha", logicamente), e
também em um jornal de Santos, no litoral de São Paulo.
Tudo isso foi muito bom, é claro. Sair com
quase página inteira em três jornais mainstream, no mesmo dia, tratou-se de um
feito e tanto, e todos ficamos contentes com essa ação do Mário Ronco,
que mostrara serviço, logo de pronto. Mas houveram os aspectos negativos, infelizmente, também.
1) Claro que a repórter pautou a sua entrevista pelo festival
de preconceitos, maneirismo e até alfinetadas deselegantes, a deixar um
certo escárnio subliminar, quando colheu opiniões, mesmo dos mais maduros, e
assim, quando editou a matéria, cometeu reducionismos tolos, ao dimensionar o pessoal, como criaturas
infantiloides.
Por exemplo: "netos do Deep Purple e do Black Sabbath, primos pobres do Scorpions, AC/DC e Ozzy Osbourne, os metaleiros paulistanos querem vir para vencer".
Outra pérola: "só usam cabelo comprido, porque dá movimento no palco. Preferem as roupas pretas e não estão habituados a comer morcegos no palco"...
E outra, no mínimo, desdenhosa: "os rapazes garantem que esse negócio de metaleiro não gostar de mulher, é tudo mentira".
2)
Claro, as fotos mostram cabeludos a gritarem, fazerem gestos e escandalizar
em plena Avenida São João. Eu não estive presente, mas posso imaginar o
tipo de orientação que o repórter fotográfico da Folha, passou-lhes
para colher tais "poses".
Sou um "cabeludista" convicto (como
dizia, Odorico Paraguaçu...), mas na hora em que li a matéria, apesar de
comemorar o benefício que trazer-nos-ia, claro que mensurei os aspectos
negativos de uma abordagem infantiloide, ao tentar denegrir as bandas.
Não
que arrependesse-se e desejasse estar na trincheira do outro lado, com
os "Post-Punkers", mas deste lado de cá, também não fora uma trincheira
adequada e confortável, sem dúvida alguma.
Esse sentimento de
deslocamento norteou a história d'A Chave do Sol, durante sua carreira
inteira e não foi por nossa culpa, por um único detalhe cronológico:
estávamos na década errada... se estivéssemos nos anos setenta, não
teríamos esses conflitos de identidade, certamente. Bem, tudo
isso é análise a posteriori, com distanciamento histórico super
confortável, pois no calor do momento, o sentimento de que essa matéria
em três jornais de grande circulação houvera sido benéfica, foi mais
forte, apesar de eu ter tido a plena consciência dos pontos negativos,
ali mesmo, naquela realidade oitentista.
Na Folha de São Paulo, a manchete foi: "Rock pesado de São Paulo já tem cooperativa"
Na Folha da Tarde: "o Rock amargo da periferia"
No jornal de Santos-SP: "a prole metaleira de São Paulo explode na Praça do Rock"
Todas saíram publicadas nas respectivas edições do dia 2 de abril de 1985.
De certa forma, tais matérias ajudaram a impulsionar diversos shows que tínhamos agendados para o mês de abril, é claro.
E no mesmo
dia, uma nota curiosa saiu publicada no caderno sobre televisão, do jornal, "Folha
da Tarde", a citar-nos, com outro enfoque: a TV Cultura de São Paulo
estava por anunciar a gravação de um novo programa musical, e o piloto dessa atração
teria a nossa participação, além de outros artistas como
"Smack", "Incoerentes" e o veterano casal: Eduardo Araújo & Silvinha. Seria
apresentado pelo ator, Chiquinho Brandão (que era famoso na época, por
interpretar o "professor Parapopó" do programa infantil, "Bambalalão", na mesma emissora e com farta atuação no teatro e cinema).
Paralelamente a essas ações de mídia e shows, estávamos 100 % acertados
com o Luiz Calanca, a visar gravar um novo álbum.
O que fechamos com o Calanca, foi que gravaríamos no estúdio Vice-Versa, onde ele havia
contratado um pacote de horas, pois administrava nesse estúdio, várias produções de seu elenco de artistas,
simultaneamente.
Estávamos muito ensaiados, pois esta fora uma praxe d'A Chave do Sol, desde o princípio, de manter tal esmero para estar sempre muito afiada.
Em cada banda que eu toquei, uma
característica sempre realçou-se. Nos capítulos sobre o Pitbulls on Crack,
por exemplo, eu disse muitas vezes que naquela banda, eu ri muito, pelo
fato de seus componentes terem espírito de humoristas, natos.
Dessa maneira,
estávamos super preparados para gravarmos novamente de forma oficial, a
despeito do pouco tempo em que estávamos a trabalhar com o novo
vocalista, Fran Alves.
Simultaneamente, o Luiz Calanca foi ágil e
indicou um amigo dele para desenhar a capa e encarte do novo álbum.
Segundo o Calanca, tratava-se de um jovem ilustrador que estava a trabalhar para a
recém fundada, revista "Bizz". O seu nome era Líbero e uma
reunião inicial logo foi marcada na casa do Rubens, para podermos passar-lhe
diretizes e dessa forma, o sentimento que nortearia o trabalho como um todo, além de um apanhado
do teor das letras das canções, para que com esses elementos, ele
pudesse criar, e trazer-nos os primeiros "rafs" (esboços).
No tocante ao estúdio, ficamos muito contentes com a confirmação do Vice-Versa, um estúdio fundado nos anos setenta, mas ainda em grande forma. Grandes álbuns do Rock e da MPB ali foram gravados, e o fato dessas gravações estarem impregnadas naquelas paredes, seria sensacional como atmosfera para a nossa investida.
Lembro-me que além de nós, o
"Platina", banda Hard-Rock que revelou o talento dos irmãos Busic, e do
grande guitarrista, Daril Parisi, estava a gravar seu primeiro álbum. O
"Harppia" finalizava o seu primeiro também, além do "Centúrias". E ainda
a falar da turma pesada, o Calanca estava a preparar o lançamento da
coletânea: "SP Metal", com quatro bandas pesadas no pacote, além de discos de
bandas da cena pós-punk, que ele também apoiava. Não lembro-me ao certo,
mas acredito que ou "Smack", ou "Voluntários da Pátria" estavam a gravar,
ou até o "Fellini".
A ideia seria ter uma banda de Rock emergente, também, e A Chave do Sol encaixou-se na expectativa deles, pois eles ficaram impressionados com o nosso currículo conquistado até ali. A primeira reunião ocorrera em janeiro e nessa ocasião, deixaram-nos explícita a sua admiração pelo fato da banda já ter um disco e um portfólio em expansão, além de muitas aparições televisivas computadas, fora o fato de estarmos naquele momento, com muitos shows agendados e mais programas de TV e Rádio, também.
Lembro-me igualmente que ficaram satisfeitos com a dinâmica de que a banda de mantinha uma proximidade com a cúpula do teatro Lira Paulistana, por estar constantemente a apresentar-se no espaço, mas também por fazer shows ao ar livre, com a própria produção do Lira, fora o aspecto de ter em suas fileiras, um ex-membro do Língua de Trapo, no caso, eu mesmo.
Como marketing, seria muito mais interessante ter
uma banda de Rock no elenco, mas com alguns elos de ligação com outros
espectros, caso d'A Chave do Sol, que qualquer outra banda da cena
pesada de 1985, sem esse tipo de ecletismo que nós tínhamos. Na conversa
preliminar, saímos muito animados do escritório deles. Ficava localizado
em um prédio da Avenida Faria Lima, quase na esquina do cruzamento com a
Avenida Rebouças, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Chamava-se: "Raio X", tal escritório, e os responsáveis formavam um casal: Ricardo e Bia.
O Fran teve uma outra opção em suas mãos, que deveria ter sido aproveitada pelo "Ano Luz", a sua ex-banda, mas que beneficiou, A Chave do Sol, por conseguinte. A revista "Rock Show", estava a dever um anúncio de meia página para o "Ano Luz", em uma ação paga ou via permuta, não recordo-me ao certo.
Mesmo
por ser um acordo verbal, a revista tinha uma direção ilibada, e assim honrou
de pronto a dívida, assim que o Fran a procurou para comunicar-lhes
que o "Ano Luz" havia encerrado atividades, mas nesse caso, estava a reivindicar o
anúncio para A Chave do Sol, banda em que ingressara, recentemente.
E foi até comemorado esse fato, visto que o jornalista, Valdir Montanari, que a dirigia, era fã do nosso trabalho e havia publicado uma positiva resenha ainda em 1984, sobre o nosso compacto de estreia, na revista "Rock Star", que era da mesma editora.
Então, em maio de 1985, a engrossar a enxurrada formada por boas novas que estávamos a ter, esse anúncio foi publicado no número 5 da revista, "Rock Show". A ilustração usada, foi da primeira sessão de fotos promocionais oficiais com o Fran na formação (na verdade, a segunda, e essa história será bem esmiuçada oportunamente).
Essa sessão foi feita no estúdio de uma fotógrafa,
localizado no bairro do Paraíso, zona sul de São Paulo.
Tal fotógrafa fora uma
indicação do Luiz Calanca. Falo mais sobre essa sessão, que foi caótica,
depois. O texto, foi elaborado por um assessor de imprensa que
trabalhava no escritório desses empresários. É um pouco rebuscado, mas
como peça publicitária, pareceu-nos adequado, embora particularmente, faz-me lembrar
velhos anúncios de cigarros, quando estes ainda eram permitidos. Eis o texto:
A Chave do Sol
A Pura Energia do Rock
Uma
banda de Rock super-carregada de energia. Quase um culto. Competência e
preocupação com os caminhos do ser humano. Som pesado e performances
arrasadoras. Técnica e sensibilidade. Tudo isso é A Chave do Sol. Rock
de qualidade. Para ficar.
Contatos: Raio X Empreendimentos Artísticos e Culturais Ltda.
Bem,
além do nosso currículo, caiu bem demais o fato de termos entrado no elenco de contratados desses
empresários e antes mesmo deles esboçarem fazer algo positivo por nós, pelo
contrário, a banda oferecer-lhes um anúncio grátis, com a divulgação
de seu contato em uma revista de circulação nacional.
Independente da revista "Rock Show" não ser a revista principal de Rock no
Brasil, na época, como eram a "Roll" e a "Bizz", foi muito positivo. Curiosamente,
na mesma edição desse anúncio, saiu também uma nota a citar a
cooperativa liderada pelo Mário Ronco, e a elogiar tal iniciativa, por
sinal.
O nome do fotógrafo era Tirteu, e recordo-me que a sessão fora tranquila, com bastante liberdade para a banda opinar etc.
Todavia, por uma infelicidade estética qualquer, as fotos ficaram um tanto quanto lúgubres. Não fora falha técnica, pois o fotógrafo era profissional, a dispor de grandes máquinas, e equipamento de iluminação adequado, fundo infinito etc. Mas o Luiz não gostou das fotos, e por prever problemas quando as enviasse para jornais e revistas, em anexo ao material de divulgação do disco, ele temeu pela não publicação, a prejudicar os nossos interesses em comum.
Particularmente, considero as fotos dessa sessão, bem razoáveis, com nuances interessantes. São de fato carregadas por expressões faciais sérias da parte de todos os componentes, mas o som d'A Chave do Sol nessa época, principalmente ao considerar-se o repertório do novo disco, de fato evocava uma certa aura sombria.
Não haveria muito cabimento para que fossem coloridas (de fato, a sessão foi toda em preto & branco), com semblantes descontraídos e sorrisos abertos dos componentes. Mas o Luiz foi o produtor geral do disco e a sua palavra teve peso definitivo no veto, certamente.
Desta forma, ele convocou uma nova sessão, desta feita com essa fotógrafa que eu citara anteriormente, cujo estúdio localizava-se no bairro do Paraíso, zona sul de São Paulo. Para início de conversa, o estúdio dela era totalmente improvisado, sem a estrutura profissional que o estúdio anterior oferecia. Apesar de ser uma pessoa gentil e que recebeu-nos muito cordialmente, ela demonstrou por outro aspecto, não ter noção do que faria conosco, no tocante à estratégia de enquadramentos.
Pior ainda, no afã de ser agradável, ligou o som, e colocou "Rock", para entrarmos no clima, e soltarmo-nos nas posturas faciais e corporais, mas "Rock", no conceito dela, ou seja, foi um festival de sons tenebrosos perpetrados por bandas da estética do Pós-Punk, que ela julgou que gostávamos, por ser "o último grito" na casa noturna, "Madame Satã", ou similares.
Aquele
mal-estar instaurou-se, até que o Zé Luiz tomou a dianteira e pediu-lhe
com cordialidade para que ela desligasse o som, pois considerou que relaxaríamos
mais, a fotografarmos no silêncio.
Infelizmente, a sessão se tornou desconfortável, tanto pela ausência de um fundo infinito minimamente
condizente com o espaço de enquadramento, quanto na inabilidade dela
para dirigir a sessão.
Então, incomodada pela ineficácia que estava proeminente, ela sugeriu externas. Aquilo já irritou-me pessoalmente, pois eu detesto sessão de fotos feitas em externas, normalmente.
Onze horas da manhã, em plena rua, ao sermos enquadrados com a câmera em suspenso e assim obrigados a olharmos diretamente para o sol... como ficarmos com os olhos abertos? Ao nos parecermos como uma banda nipônica ou figurantes de algum filme de Cheech & Chong, nessas circunstâncias...
E
para piorar, estávamos sem uma ambientação interessante que
justificasse uma sessão externa. Se ao menos estivéssemos em um tremendo
lugar charmoso, e que corroborasse tal esforço, mas simplesmente sair à
rua, e tirar fotos a caminhar pela calçada de uma via normal de bairro, tendo como cenário
residências, comércio, placas com sinalização de trânsito e semáforos, o que
acrescentaria? Abordagem urbana? Pois nesse caso, existem centenas de
lugares mais significativos em São Paulo para tal mote, do que uma
rua residencial normal, do bairro do Paraíso.
Bem, a verdade é
que a fotógrafa se mostrou perdida e essa ideia em sair à rua deve ter sido a
melhor solução que imaginou, sob improviso, para tentar salvar a sessão...
Então, tiramos algumas fotos sentados em uma garagem aberta da sua residência, que mais pareceu um banco de reservas de estádio de futebol. Para piorar as coisas, ela sugeriu alguns clicks em um terreno baldio, do outro lado da calçada.
Se tratava de um terreno onde recentemente uma série de casas houveram sido
demolidas, para dar lugar a um prédio residencial. Então, ela
teve a proeza de irritar-me duplamente, pois além de detestar externas,
eu odeio ainda mais fotos tiradas em ambientes decadentes, sob
escombros, ruínas, sujeira, a sugerir devastação e miséria.
Sob protesto, lá estou eu a usar um terno confeccionado em tecido de cetim, ultra setentista, a brilhar sob o sol das onze horas da manhã de um dia de abril de 1985, a pisar sobre o entulho asqueroso e barrento, amontoado e a espera de uma caçamba de lixo, naturalmente! Ou seja, tudo a ver com o nosso trabalho, não é mesmo?
Infelizmente, acho essas fotos horríveis, mas elas ilustraram várias matérias jornalísticas e algumas foram reaproveitadas pelo produtor, Luiz Calanca, quando ele lançou o álbum na versão CD, no início dos anos 2000.
Bem, não demos sorte nessas duas sessões de
fotos, porém ainda acho a primeira sessão, apesar de lúgubre, muito
melhor, e algumas fotos dessa sessão também foram aproveitadas para a divulgação, sendo publicadas igualmente.
Fora tudo isso, acho que faltou direção visual para a banda no quesito figurino, principalmente. Em relação à primeira sessão, como foi um dia sob temperatura mais baixa, usamos roupas casuais do cotidiano, porém mais pesadas, condizentes com o frio do dia.
Sendo assim, acho
que apesar da casualidade informal e generalizada, vestimo-nos de uma forma melhor nessa
sessão, com o uso de blazers, casacões de lã etc. Um pecado cometido foi a troca
de acessórios entre nós, típico amadorismo de quem não é do ramo
fotográfico, e nem preocupa-se com um detalhe: se mais de uma foto for
publicada pela imprensa, corre-se o risco daquele acessório compartilhado,
ser visto em fotos diferentes, usado por mais de um componente da banda, a denotar
amadorismo, ou no mínimo, uma caráter prosaico no trato da imagem,
enquanto artista, para desvelar a inerente falta de uma melhor orientação profissional na condução da sua carreira e demérito para o fotógrafo, a denotar que não é do ramo.
Então, cometemos esse deslize, pois existem fotos publicadas com o Rubens a usar um chapéu, acrescido de uma echarpe de seda, mas em outras, eu mesmo o uso e tem também fotos do Fran Alves, a ostentá-lo na cabeça.
No caso da segunda sessão, combinamos de usar figurino de show. Mas esbarramos em conceitos não bem delineados nesse aspecto, pois o Zé Luiz, de última hora, achou conveniente fotografar sem camisa, apesar de estar a usar uma calça vermelha de courvin, bem condizente com a indumentária de bandas de Heavy-Metal, oitentistas.
Eu,
por minha vez, com aquele terno de cetim ultra setentista, como se fosse tocar com o
"Humble Pie" em 1973, e o Fran, também a insistir em aparecer sem camisa. Ora,
faltou um direcionamento que buscasse uma maior linearidade, pois
daquele jeito, parecia que éramos convidados de uma festa a fantasia, e
cada um a ostentar um personagem distinto.
Esse tipo de disparidade visual em uma sessão de fotos já arruinaria a sessão por si só, mas para piorar, a fotógrafa não tinha estrutura, e demonstrava falta de criatividade total para lidar conosco.
Em suma, fotos promocionais que havíamos feito em um fotógrafo de bairro, sem nenhuma experiência com produção artística, em 1984, são muitos melhores.
Bem,
não foi só esse erro que cometemos em relação à parte visual desse
novo disco. Quando eu abordar sobre a concepção da capa, esmiuçarei um pouco mais esse
assunto, que redundou em frustração, infelizmente.
Outro dado interessante dessa época, a ser registrado: o volume de cartas que chegava à nossa caixa postal, crescia de forma acentuada. Tanto que começou a chegar em um determinado ponto, em que não foi possível mais darmos conta pela maneira prosaica com a qual lidávamos com tal questão.
No início, eu mesmo, pessoalmente, respondia todas as cartas. A não ser quando havia alguma solicitação de contato com o Rubens, ou Zé Luiz em específico, eu encaminhava para eles, mas em 99% das ocasiões, eu respondia a todas as cartas.
Com o aumento do volume, que fora fruto da soma de todos os nossos esforços de divulgação, ficou nítida essa somatória, denunciada pelo próprio teor das missivas. Foram abordagens vindas de pessoas que nos viram em programas de TV, Rádio, ou por terem lido reportagens em revistas e jornais, além de também ter assistido shows ao vivo, ou anotado o endereço por ouvir-nos falar ao microfone ou mesmo ao abordar um roadie de nossa equipe etc. e tal.
Então, tornou-se
premente a necessidade para organizar melhor esse filão, muito animador,
através do qual nós poderíamos potencializar a divulgação da banda, e movimentar dinheiro, se o
fã clube tornasse-se um catalisador de merchandising. Já
tínhamos camisetas e bottoms, fora o disco inicial, como material a ser
vendido nos shows ou pelo correio, mas começamos a pensar em uma ampliação
dessas possibilidades.
Todavia, foi fundamental a participação maior dos outros membros nessa empreitada, e claro, o Zé Luiz foi essencial nesse processo de organização maior e melhor do fã clube, ao entrar com tudo, através de seu poder de trabalho.
Juntos, criamos uma estrutura que cresceu e azeitou-se de forma acentuada, para atingir o seu ápice no ano de 1986, quando tornou-se uma autêntica fábrica, rentável e importante também na promoção da banda. Paralelamente, tivemos um revés mais ou menos em abril de 1985, mas que não desnorteou a banda, de forma muito acentuada.
Como
eu já comentei anteriormente, desde o início do ano, estávamos no elenco de
uma produtora chamada: "Raio X", que trabalhava a carreira de artistas de
peso, como Arrigo Barnabé, "Premeditando o Breque" e "Sossega Leão", entre
os mais proeminentes. O começo houvera sido promissor, com a
dupla de empresários, Ricardo e Bia, a mostrarem-se solícitos e animados
com a inclusão d'A Chave do Sol como opção mais Rocker ao seu elenco.
Mas com o passar dos meses, a nossa carreira não havia tido um sinal sequer de avanço por parte de algum esforço vindo deles. O que estávamos a conquistar, fora claramente o fruto de nossos próprios esforços, amparados pelo bom embalo que tínhamos precipitado desde meados de 1983, somados aos recentes adendos de Mário Ronco e Antonio Celso Barbieri e também, certamente, pelo Luiz Calanca, ao acenar com um novo álbum, para breve.
Enfim, da parte de quem mais contávamos, visto tratarem-se de nossos empresários oficiais, nada acontecia. O único evento, paradoxalmente, fora proporcionado por nós mesmos, por termos conseguido um anúncio na revista, "Rock Show", ao promovermos o escritório "Raio X", graças a um oferecimento pessoal de Fran Alves, conforme eu já descrevi anteriormente. Então em uma reunião datada de abril de 1985, cobramos um empenho maior da parte deles e pelo menos conseguimos uma solução final, ainda que amarga nessa infrutífera associação.
Sob uma conversa franca que travamos, Ricardo e Bia
lamentaram, mas alegaram que estavam focados em duas frentes: a turnê
de Arrigo Barnabé pela Europa, e a produção do novo LP do "Premeditando o
Breque", que assinara com a gravadora, EMI-Odeon, e tal grupo planejava passar uma temporada no
Rio de Janeiro, a gravar com a produção de Lulu Santos.
Ora, claro que representaram, ambas, produções grandes e que demandavam a atenção do casal, mas foi o tal negócio: por que não dimensionaram isso antes de contratar-nos?
Não sabiam que não reuniriam condições para trabalhar com tantos artistas simultaneamente? Outra questão: um artista emergente, mas ainda não solidificado como A Chave do Sol era naquele instante, precisava de uma estratégia de ação mais incisiva, do que artistas consagrados como o Arrigo Barnabé, por exemplo, que não careciam de tanto esforço, coma a carreira consolidada e a necessitar apenas de uma condução pontual.
Apreciamos a franqueza e como fora um contrato verbal tão somente, não tivemos transtornos burocráticos com esse rompimento. Na parte estrutural, tal desenlace pouca coisa mudou na nossa vida. Na base do trabalho braçal, estávamos a crescer acima de nossas forças, pelo aspecto da proporcionalidade. Claro, se houvessem empenhado-se condizentemente, poderia ter sido muito bom para ambas as partes, mas infelizmente não enxergaram potencial na banda, e preferiram centrar os seus esforços em artistas em que acreditavam muito mais.
Quanto
a isso, não tínhamos nada a reclamar, por tratar-se de escolha e
estratégia. Contudo, ficou a dúvida: por que não dimensionaram isso,
antes de contratar-nos? Vida que seguiu... não foi a primeira, e tampouco a última vez em que tivemos frustração com empresários...
Nesse link acima, você ouve esses trechos dessa gravação que citei anteriormente, capturadas durante a realização de dois shows no Teatro Lira Paulistana, dentro do projeto "SP Metal", produção de Antonio Celso Barbieri.
Eis abaixo o link e a ficha técnica escrita pelo Will Dissidente para o YouTube, ao fornecer os devidos créditos para Antonio Celso Barbieri.
Apesar de estar entrecortada, vale a pena conferir trechos da música "Átila", e um longo solo individual do Rubens, com direito a uma interpretação singela de sua parte, sozinho à guitarra, de uma música que nunca gravamos, chamada: "Dama da Noite", uma balada com teor romântico, de sua autoria.
Esse foi um hiato raro nessa fase de embalo em que vivíamos, e tanto não abalou-nos ficar tanto tempo sem um show, que pensávamos nessa pausa como uma possibilidade para ensaiarmos mais, para visar a nossa entrada no estúdio, em breve. E também a vislumbrarmos um tempo para dedicarmo-nos à pré-produção da capa.
Na questão da capa, já havíamos feito reuniões para suprir o desenhista, Líbero, com ideias. O mote que demos-lhe foi: queríamos uma garota sensual, mas acompanhada de um animal feroz, para fazer um contraste do tipo: "A Bela e a Fera".
Os primeiros esboços não agradaram-nos, e o desenhista, Líbero mostrava-se frustrado em não contentar-nos inteiramente. Ele mostrava-se extremamente gentil, solícito, e de fato, tratava-se de um ótimo desenhista, contudo, não estava a entender exatamente os nossos anseios, ao denotar nitidamente uma dificuldade de comunicação entre as partes.
Lembro-me até que a Bizz lançou naquela mesma época, uma série de desenhos em cartolina, que vinham encartados na revista, como itens colecionáveis. Eram "cards", com ilustrações ultra-oitentistas, com inspiração na estética do Pós-Punk, Techno-Pop, New Wave e similares, a enaltecer todos aqueles ícones em voga.
Nessa noite, fez bastante frio, e aquela região do estado de São Paulo, é tradicionalmente mais fria do que outras regiões, e dessa forma, potencializado pelo lago e também pela imensa área livre, estava mesmo um frio bem intenso.
Essa filipeta patrocinada pela Baratos Afins, foi enviada à nossa mala postal do Fã-Clube e distribuída nos shows que realizamos, entre maio e julho de 1985
Algumas pessoas disseram-nos, contudo, que a falha houvera sido na divulgação deficiente, pois tínhamos muitos fãs na cidade, e se caprichassem, atrairiam público de cidades vizinhas, como Pirapora, Socorro, Atibaia e Extrema, esta última já no lado de Minas Gerais, (mas muitíssimo perto de Bragança Paulista, com apenas quinze ou vinte Km de distância, acredito). Tecnicamente, foi um bom show, mas se tivesse mais público, teria sido ainda mais empolgante, sem dúvida.
Achávamos que ficaríamos somente com esse show no interior, que descrevi anteriormente, para o mês de maio de 1985. Mas um convite de última hora, surgiu, ao apresentar-nos uma nova perspectiva. Havia um bar localizado próximo à estação Jabaquara do Metrô, que mantinha tradição de música ao vivo. Foi de fato, um bar com ambientação Rocker, mas a despeito de abrir as suas portas para bandas de Rock, o seu espectro de atuação mais usual dava-se dentro do universo das bandas cover, e pouco ou nada aberto a shows com bandas autorais.
Apesar de abrigar mais bandas cover na sua programação, o Rainbow Bar acumulava histórias. Boas e más, diga-se de passagem, pois pelo aspecto ruim, ficara marcado por ser protagonista de brigas homéricas protagonizadas por gangues oitentistas típicas. Muitas emboscadas aconteceram ali nos seus arredores, perpetradas por hordas de Punks e tribos similares ainda mais agressivas, a atacar os ditos "headbangers", ou Rockers setentistas.
Ainda eco dos esforços de Mário Ronco, essa matéria a mencionar a "Cooperativa Paulista de Rock", saiu publicada no jornal City News, em maio de 1985. O texto do jornalista, seguiu a mesma linha da abordagem desdenhosa, publicada pela Folha de São Paulo, um mês antes. O primeiro subtítulo já dá uma amostra disso: "Somos Normais"...
No caso d'A Chave do Sol, foram dois shows, realizados nos dias 24 e 25 de maio de 1985. No primeiro dia, 24, um público de cento e oitenta pessoas esteve presente. E no dia seguinte, 25, duzentas e cinquenta pessoas espremeram-se nas dependências do estabelecimento, que era pequeno pela sua dimensão física.
Como o Vice-Versa continha dois estúdios, na mesma noite, o Ultraje a Rigor estava a usar a sala B, mais modesta, para fazer a pré-produção de seu novo álbum. Por ser uma gravação de pré-produção, dispensava maiores requintes, sendo gravada ao vivo, como uma demo-tape, e sendo assim, a WEA estava a bancar essa "rough demo", sem maiores problemas.
Enfim, apreciamos a hospitalidade dos membros do "Ultraje a Rigor", que sempre foram cordiais conosco.
Com toda a razão, diga-se de passagem, pois foram jogados no ralo, entre quarenta a cinquenta horas de trabalho duro, esmero, emoção etc. Claro que o estúdio responsabilizou-se de pronto, quando propôs-se a gravar tudo de novo, com mais horas bônus para a banda caprichar ainda mais, mas o desgaste emocional em que foram submetidos com essa notícia, foi enorme e irremediável, ao meu ver.
Enfim marcamos a primeira sessão, e o planejamento seria o de gravarmos todas as bases ao vivo, certamente sob um esforço a visar a economia, ao minimizarmos o uso das horas. Assim preparamo-nos durante os ensaios e assim procedeu-se, com a banda super azeitada para encarar tal tarefa inicial.
O Fran, sob um esforço admirável de sua parte, semanas antes de nós entrarmos em estúdio, tomou a dianteira para providenciar-me um amplificador de baixo com uma maior qualidade para a gravação. Claro que eu aceitei a sua gentil oferta, e a banda inteira apreciou tal atitude da parte dele. Então, com o apoio do Rubens e sua decisiva carona, visto que nessa época, eu nem sabia dirigir, tampouco cogitava ter um carro próprio, fomos buscar esse amplificador emprestado.
Bem contente com o velho "Duovox" envolto nos biombos, lá estou eu, pronto para começar a gravar o EP de 1985!
Eu mesmo, estava acostumado a usar um Duovox, e arrisco dizer que foi o amplificador que mais usei nos anos oitenta, ao alongar esse costume até o início dos anos noventa, quando fiz muitos shows do Pitbulls on Crack, a minha banda na maior parte dessa década, com esse aparelho.
Contudo, como também era imprescindível o contato visual com o Rubens, ele tocou conosco na grande sala, e sendo assim, com todos a olharem-se, ficou muito mais confortável e seguro para os três.
O primeiro deles, foi mais uma oportunidade para usarmos o palco do teatro Lira Paulistana. Sob produção de Antonio Celso Barbieri, tocamos no dia 22 de junho de 1985, em meio a um show denominado: "Metal Tribo" e com a novidade de ser uma "sessão maldita", a começar à meia-noite.
De fato, nas letras, as citações a poetas francófanos como Rimbaud, Lautreamont e Baudelaire entre outros, destoavam das letras paupérrimas, perpetradas pelas bandas de Heavy-Metal nacionais, em sua maioria.
O nosso temor inicial, assim que soubemos sobre a data, foi que esse show pudesse desviar a atenção do público, a inibir a sua presença no dia anterior, no Teatro Lira Paulistana. Por tratar-se de um show de maior porte, a ser realizado em um clube, com a presença de várias bandas, e com o mote de dois discos a serem lançados, temíamos por um certo prejuízo nesse aspecto.
Bem, situações assim são comuns na vida de qualquer artista e não foi diferente conosco. Claro que aceitamos apresentarmo-nos e com boa vontade, independente desses temores, pois o Luiz sempre fora um produtor muito dedicado para conosco e naturalmente que merecia o nosso apoio. Além do fato de sermos amigos dos membros das bandas que estavam envolvidas com tais lançamentos e para irmos além, foi a óbvia oportunidade para angariarmos mais uma aparição, e exposição na mídia. E lá fomos nós participar!
Luiz Domingues em ação com A Chave do Sol, no Clube das Bandeiras, em 23 de junho de 1985. Foto: Acervo Baratos Afins
E no domingo, dia 23, nós fomos o "headliner", apesar de sermos convidados, para complementar a noite com as bandas "Performance's" e "Korzus", também partícipes do LP "SP Metal".
Esse tipo de confronto com tal realidade, potencializara e muito o nosso questionamento interno sobre a escolha que fizéramos em direcionar o trabalho para esse nicho mais pesado. Será que estivemos no caminho correto? É claro que não, eu posso afirmar nos dias atuais.
Fora tudo isso, aconteceu um fato improvável naquela noite, que é engraçado pelo aspecto da comédia em ritmo de "pastelão", mas na verdade, foi dramático, e quase descambou para uma tragédia. No fim do show, em meio ao clímax final e apoteótico que fizemos, o Zé Luiz empolgou-se e ao levantar-se na sua bateria, tomou uma atitude típica de baterista de banda mainstream, a apresentar-se em uma Arena gigantesca...
A gesticular com todo aquele mise-en-scène típico de "Rock Star", ele fez uma verdadeira onda cênica e enfim, atirou as suas baquetas para o público. Ainda no palco, eu pude ver alguns garotos a digladiarem-se pelas baquetas, em meio a multidão, mas jamais poderia supor que algo muito diferente havia acabado de acontecer.
O fato foi que, segundo ele, a baqueta atingira o seu olho em cheio, e por conta desse impacto, a lente de seus óculos quebrou e ele reivindicou ser ressarcido para encomendar uma nova! O Zé Luiz mudou o seu semblante na hora, e assustado com a constatação de que causara um prejuízo e um grande risco de ferimento ao rapaz, perdeu o glamour do pós-show, completamente.
Então, sob uma troca de contatos, ele combinou com o rapaz para encontrarem-se na segunda-feira posterior e daí tomarem as providências sobre tal ressarcimento... por essa, o Zé Luiz não esperava, nem ninguém da banda...
E foi o Beto Peninha que tomou a iniciativa de promover um grande show na região do ABC, com a presença de algumas bandas da cena pesada de São Paulo. Nessa perspectiva ele convidou A Chave do Sol, entre outras, e desde o início de junho, usou o seu programa para massificar a divulgação do espetáculo, além de contar com o apoio da rádio que disponibilizou muitas chamadas e testemunhais de outros locutores da casa, para reforçar essa divulgação.
Chegamos ao Buso Palace bem preparados, musicalmente, como era a praxe d'A Chave do Sol, uma banda que teve na disciplina de ensaios, o seu ponto forte, e isso refletia-se nas apresentações ao vivo, com raríssimos casos de desajustes, e quando ocorreram, além de surpreendentes, geralmente tiveram motivações alheias à nossa vontade. Enfim, estávamos muito bem preparados e vindo de uma sequência de shows, portanto, seguros na parte musical. A despeito desse apuro musical, apresentaríamos duas novidades para esse show: tínhamos ensaiado coreografias para alguns momentos estratégicos do espetáculo e usaríamos efeitos pirotécnicos, pela primeira vez. Explico...
Em reunião, chegamos a conclusão de que precisaríamos incrementar o nosso show com mais atrativos visuais, para chamar a atenção de um público diferente que era o formado por aficionados do Hard-Rock/Heavy-Metal oitentista e a se considerar que estes estavam habituados a assistirem shows de bandas com forte apelo visual. Claro, dentro de nossa realidade financeira e logística, mas tentamos ser criativos ao máximo. Nesses termos, resolvemos incrementar melhorias no visual, tanto no quesito do figurino, quanto no mise-en-scène.
Desde o início das atividades da banda, as respectivas personalidades do trio original, imprimiam as suas características acentuadas. O Rubens tocava praticamente estático, circunspecto na sua atenção ao instrumento, e só chamava a atenção verdadeiramente, quando evocava a persona de Jimi Hendrix, ao fazer ousadas evoluções performáticas, como por exemplo, ao tocar com a guitarra colocada na nuca, ou com os dentes.
O Fran tinha uma presença de palco muito boa, ainda que muitas críticas foram desferidas pelo excesso de dramaticidade que ele impunha. Particularmente, reconheço que poderia dosar com um pouco menos de ímpeto, mas ao mesmo tempo, achava bonita essa entrega cênica dele, que agia como se cada show fosse um evento épico, uma verdadeira encenação digna de um filme dirigido por Cecil B. De Mille.
Então, decidimos criar algumas coreografias específicas, para alguns momentos do show. Sem dinheiro para contratar um coreógrafo ou fazermos aulas de dança ou expressão corporal, reunimo-nos e criamos alguns movimentos básicos, que geravam um efeito visual chamativo em pontos especiais de algumas músicas, e concomitantemente a isso, programamos explosões com pólvora para sincronizarem-se em tais momentos específicos do espetáculo.
Enfim, a criação das coreografias foi inteiramente coletiva e livre, mas chegamos, por incrível que pareça, a um resultado interessante, ao considerar-se sermos completamente leigos nesse assunto.
Foram evoluções simples, baseadas em marcações dentro de momentos das músicas, onde cruzaríamos o palco, cada um para um lado, com a certeza de que não trombaríamos uns com os outros, e o Zé Luiz usaria movimentos de braços, a cruzar as baquetas (elemento que ele já fazia muito bem, como malabares), para acompanhar os outros três. E sob um segundo movimento, dávamos piruetas sincronizadas, em um momento energético da música, "Ufos", um de cada vez e sincronizadamente, para causar um efeito visual bastante instigante. Na questão da pirotecnia, o próprio Zé Luiz (quem mais poderia colocar a mão na massa, a não ser o "professor Pardal" da banda?), criou o sistema, que foi bastante mambembe sob o aspecto da simplicidade, mas funcionava!
Mediante latinhas de produtos achocolatados, fios elétricos e plugs, as explosões eram provocadas com o advento de pólvora e o curto circuito provocado pela inversão das polaridades nos fios condutores, acionado por um interruptor, idêntico ao de luminárias caseiras. Ao vermos o aparato, parecia uma brincadeira de criança, algo do padrão de uma experiência escolar para a "Feira de Ciências", mas na hora dos shows, funcionava perfeitamente. Dessa maneira, fomos ao Buso Palace munidos dessas novidades, que contarei a seguir, com maiores detalhes.
O show no Buso Palace, ocorreu no dia 29 de junho de 1985.
Participaram também do mesmo evento as bandas: "Mammouth", "Performance's", "Karisma", e "Korzus", ou seja, se fosse uma competição de boxe, fomos o "peso-pena", em uma noitada de "pugilismo peso-pesado".
Cartaz Lambe-Lambe colado nos tapumes das ruas de cidades do ABC paulista. Acervo e cortesia de Beto Peninha
E o resultado de público, muito bom, com cerca de duas mil pessoas presentes ao local do show. Apesar do público ser radical em suas predileções sonoras em torno do Heavy-Metal, pelo teor do trabalho das outras bandas escaladas para o evento, o nosso show despertou a atenção e foi bastante aplaudido, ao deixar-nos satisfeitos pela participação.
Para falar especificamente de nossa performance, as evoluções cênicas que havíamos ensaiado, deram muito certo. Realmente impressionamos o público com tais medidas coreográficas. As explosões também causaram um tremendo impacto e ficamos contentes pelo efeito causado. Só uma questão não deu certo, e foi digna de cena do filme: "Spinal Tap"...
Todas as explosões tiveram marcações bem delineadas e ensaiadas previamente, com a responsabilidade de se apertar o interruptor que as detonava, nas mãos de Eliane Daic, que era namorada do Zé Luiz, desde o início de 1984, e cada vez mais, firmava-se como uma produtora, sendo que nos meses subsequentes, isso tornou-se oficial.
Só lembro-me da expressão de pavor que o Zé Luiz fez ao ver-me com uma mecha de meu cabelo a pegar fogo e as marcas da chamuscada, espalhadas pelo meu rosto. Por sorte, nesse momento eu estava de costas para o público, a fazer uma mise-en-scène de frente para ele, Zé Luiz, portanto, o público não notou. Deu tempo para apagar a chama rapidamente e continuar a tocar, praticamente sem prejudicar a performance musical e como consequência, só lembro-me mesmo do forte odor da pólvora queimada que ficou impregnado em meu corpo e as marcas da chamuscada que só pude tirar no camarim, após o término do show, ou seja, tive o meu dia de "Spinal Tap", enfim...
Após esses três compromissos de junho, a nossa atenção ficou voltada para as sessões de gravação do novo álbum, a produção da capa e encarte do referido disco e os preparativos para o show que faríamos no Sesc Pompeia. Seria bastante excitante para nós, estarmos inseridos nesse festival organizado pelo produtor, Antonio Celso Barbieri, pois soava como uma alavanca que ele mesmo estava a obter, como produtor independente.
Sim, pois não fazia muito tempo que tal agitador cultural havia embrenhado-se nesse campo da produção de espetáculos musicais e rapidamente, ganhara a confiança de todos, com produções honestas, no sentido amplo da palavra, e por não referir-me apenas aos acertos financeiros decorrentes.
Teríamos a companhia agradável de uma banda que gostávamos, talvez não pelo som, pois esses rapazes praticavam no caso, o Heavy-Metal (falo em meu nome, deixo claro que nunca apreciei tal gênero), mas pela amizade que estabelecemos com os seus membros, todos muito jovens, porém muito gentis. Tratou-se de uma banda formada por garotos imberbes na ocasião, mas cheios de energia, vontade e gana para subir na carreira, chamada: "Viper". Falo mais sobre como os conheci pessoalmente e tornei-me seu amigo, oportunamente.
Antes de avançar sobre esse show do Sesc Pompeia, devo dizer que havíamos recebido um convite irrecusável da parte dos organizadores do evento, "Praça do Rock", para participarmos de mais uma edição. Digo irrecusável, pois segundo os amigos, Dalam Junior e Orlando Lui, a Praça do Rock fechara um patrocínio forte, com uma empresa de refrigerantes de grande porte e vitaminada por essa verba, teria um equipamento de som e iluminação, com alto nível e uma forte inserção na melhoria da divulgação, com assessoria de imprensa profissional à disposição. Portanto, teríamos uma exposição muito grande na mídia, fora a perspectiva da presença de um público muito maior do que o habitual para aquele evento.
O grande empecilho foi que coincidiria com o festival produzido pelo Barbieri, no Sesc, e poderia dividir a atenção e afugentar um pouco do público que neste caso, pensaria duas vezes sobre pagar um ingresso no sábado, para assistir-nos, com a perspectiva de que no domingo, contar com um show grátis no Parque da Aclimação.
Bem, como acontece com qualquer artista, seja de que ramo de arte for, a carreira não depende só de talento. Ter a sorte de encontrar pessoas que somam no cômputo geral, é imprescindível para fazer uma carreira decolar. Seja um empresário dinâmico, seja um produtor, talvez ambos, se possível, melhor ainda.
Show no Buso Palace de São Caetano do Sul-SP, junho de 1985
Foto: Rodolpho Tedeschi (Barba)
Então, sempre ficamos antenados em pessoas interessantes que agregavam-se à banda (aliás, em todas as bandas em que toquei, não apenas em relação à Chave do Sol), independente de ser um empresário ou produtor propriamente dito, ou seja, a ideia de contar com qualquer tipo de apoio, é muito importante para qualquer artista.
Certo, claro que aceitávamos qualquer ajuda de bom grado, e assim, abrimos um canal de conversação para que ele expressasse-nos as suas ideias. Tratava-se de um rapaz na faixa dos trinta e poucos anos, bem mais velho do que éramos naquela época, mas ainda jovem, logicamente.
Contudo, o rapaz parecia realmente imbuído da determinação de prestar-nos ajuda, e lógico que aceitamos. Em princípio, ele quis colocar o seu prestígio social ao nosso favor. O seu plano foi o de apresentar a banda para pessoas de seu rol de amizades, com potencial investidor, e sob uma outra frente, buscar formadores de opinião para catapultar-nos a um outro patamar.
Não revelarei o seu nome, não que houvesse algum problema em revelá-lo, mas tal personagem entrou e saiu da vida da banda sob uma velocidade tão grande, que não sei se a menção ao seu nome valeria a pena, após tantos anos desse ocorrido.
Foi o seguinte: ele animou-se com a perspectiva de que tocaríamos no Teatro do Sesc Pompeia, em breve, e disse-nos que conduziria um amigo seu pessoal, que era ator de teatro, cinema & TV, e que esse artista provavelmente apreciaria o nosso trabalho como consequência, abriria muitas portas nesse meio, graças ao seu conhecimento e influência nessa área. Se tudo desse certo, poderíamos ter mais oportunidades na TV, convites para criar trilhas para produções de cinema, comerciais e até espetáculos teatrais.
O grande ator, Lineu Dias, hoje saudoso, infelizmente
Claro que animamo-nos e quisemos saber quem seria esse ator famoso, mas o nosso benfeitor quis fazer surpresa e só no dia do show, o vimos no camarim do Sesc Pompeia. Tratou-se da persona de Lineu Dias, ator, e ex-marido da atriz, Lilian Lemmertz, além de pai da também atriz, Júlia Lemmertz. Infelizmente, o Lineu não gostou do nosso show, e realmente foi uma lástima, acredito que por um motivo sutil: talvez ele tivesse apreciado o trabalho d'A Chave do Sol de tempos atrás, com bem menos peso, e sem aquele ranço Heavy-Metal, que adquirimos no pós-1985.
Durante o show no Sesc Pompeia, por muitas vezes vi o seu semblante a mirar-nos, com profundo desinteresse estampado, que chegou a incomodar-me. Depois desse show, o fã/colaborador sumiu. Não saberia dizer se ele mesmo desestimulara-se, ou se foi por conta das ponderações negativas que o ator, Lineu Dias, possivelmente deva ter lhe feito. Mas o fato foi que o rapaz sumiu, sem deixar vestígios.
Como eu já comentei anteriormente, estávamos a adotar uma posição muito crítica em relação aos esboços que o ilustrador Líbero, estava a mostrar-nos. Não tínhamos dúvidas de que ele era um bom desenhista, mas não estávamos a apreciar os seus esboços, simplesmente.
Outro fator preponderante: o mote que pedimos-lhe, foi de um extremo mau gosto. Tremendo de um clichê, essa história de "sensualidade & agressividade", expressa através de uma mulher seminua, e um animal feroz, isto é, trata-se de uma concepção vergonhosa, ao meu ver.
Não sei o que o Rubens e o Zé Luiz pensam sobre isso hoje em dia, e o Fran não está mais entre nós, infelizmente, mas de minha parte, acho um horror.
Bem, de volta à cronologia, o Líbero foi solícito e demonstrou ter uma paciência enorme conosco, porém chegou-se em um ponto onde não foi possível postergar mais a sua conclusão, e além do mais, o Luiz Calanca pressionava por uma resolução final desse lay-out, pois já tinha prazo definido para entregar a arte-final, à gráfica.
Naquela época, demorava-se dias para a gráfica preparar um fotolito e daí, algumas correções de cores precisavam serem corrigidas para o cliente dar o seu aval, e só então, a produção ser providenciada. Portanto, para se ter capa e encarte em mãos, o produtor fonográfico precisava de um bom tempo e muita paciência, com várias visitas feitas ao parque gráfico, para finalmente ter o produto em mãos.
Ocorreu que ele anunciou que veríamos a capa finalizada, e para tanto, criou um suspense, ao deixar a arte final escondida, encoberta por um tecido. Quando entramos, ele desligou a luz do atelier para deixar apenas algumas luminárias sobre o tablado de trabalho, tirou o pano, para fazer desse instante, quase um ato de
inauguração de uma obra. E o foi, afinal de contas, claro que sim!
De fato, a sensualidade da garota estava ali, a agressividade de um animal feroz, idem e a música representada pela guitarra, também.
Mas os traços oitentistas não deixavam de incomodar-nos. A garota, praticamente a aparentar ser uma "punk de boutique", daquelas que frequentavam o "Madame Satã", a guitarra com formato modernoso, desfigurada, o bicho "feroz" mais a parecer com um desenho do infantil, francamente... como gostar disso?
Essas três fotos acima são extraídas da sessão de onde escolhemos as fotos de Zé Luiz e Rubens, já a do Fran, não foi aprovada para a capa
As fotos de Rubens e Zé Luiz foram feitas de uma forma emergencial, em um estúdio fotográfico de bairro, perto da residência do Rubens. Usávamos esse estúdio para mandar revelar fotos de shows e promocionais, desde 1983.
A minha foto foi ao vivo, de fato, e foi extraída do show que fizéramos no Circo Voador, do Rio de Janeiro, em 1984 e a foto do Fran, foi do show do Buso Palace, muito recente, embora tenhamos tentado uma alternativa de estúdio, como no caso de Rubens e Zé Luiz. Foto: Claudio de Carvalho
Para amenizar o clima constrangedor que cometemos naquela noite, o Líbero convidou-nos a assistirmos in loco, a finalização do encarte, último item que faltava para fechar o lay-out da capa.
Com o recorte da ficha técnica impressa em mãos, ele fez a colagem, e foi criativo ao borrifar tinta nanquim a esmo, para obter as manchas que perfazem o fundo.
O texto da ficha técnica foi criado por eu mesmo, e o Luiz Calanca providenciou a sua impressão, anterior ao fechamento do lay-Out. Assim foi a história da capa do EP de 1985.
O próximo compromisso foi o show do Sesc Pompeia.
De fato, o produtor Antonio Celso Barbieri esmerou-se e teve o respaldo do Sesc, para uma divulgação maciça. Uma entrevista coletiva de imprensa foi convocada nas dependências do Sesc Pompeia, e para ser preciso, na sua famosa "Chopperia", quando todas as bandas participantes compareceram.
Um cocktail foi servido e jornalistas de vários órgãos compareceram ao evento, ocasião em que o Barbieri conduziu a conversação, a explicar-lhes os objetivos do festival. Foi de fato, uma grande conquista dele, como produtor, por escalar uma quantidade substancial de bandas autorais, para um palco nobre como o do Teatro Sesc Pompeia, com boa estrutura de som, iluminação, camarins e cenografia profissional, fora a questão da divulgação, e claro, o status de tocar-se em um teatro desse porte, com real possibilidade de visibilidade pública e enriquecimento de portfólio e currículo para cada artista participante.
Acontece que apesar de ser jovem na ocasião (estava às vésperas de completar vinte e cinco anos de idade), eu já tinha uma razoável experiência acumulada, e pressentia o lado negativo, inevitável desse tipo de exposição midiática coletiva. Dessa forma, quando os repórteres fotográficos convocaram os componentes das bandas para o registro da coletiva, eu tive um sentimento bem forte em não querer participar dela.
Sei que sob uma primeira instância, a minha atitude foi errada, pois se estávamos ali, não participar ou sentir vergonha de fazer parte daquele sistema não seria a melhor atitude a ser tomada, por inúmeros motivos. Preciso enumerá-las? Bem, acho que sim, para não dar margem de dúvida ao leitor. Vamos lá:
2) Em respeito ao produtor do evento, produtores associados e Sesc, sem dúvida.
3) Não seria a hora para demonstrar arrependimento por decisões estratégicas equivocada no âmbito interno da banda. Esse tipo de insatisfação deveria ser tratada de uma forma discreta, e na chamada "lavanderia" da banda, aonde seria o lugar correto para lavar-se a chamada, "roupa suja", não é mesmo?
4) Arrependido por estar associado àquela cena infantojuvenil? Ora, que outras opções melhores avistavam-se na década de oitenta, fora dessa dicotomia entre o Pós-Punk e o Hard-Rock/ Heavy-Metal 80's? Seria adotar aquela opção ou correr para o barbeiro e providenciar um corte de cabelo curto e bem esquisito, e o pior de tudo, tratar a "desaprender" de tocar um instrumento musical.
Claro que exagerei bastante nas ponderações descritas acima, mas todas, tem seu fundo de verdade, e não necessariamente estão obscurecidas nas entrelinhas. E para amenizar a minha predisposição para não participar da foto coletiva, houve o fato concreto de que muitos outros componentes de outras bandas também não participaram, pois seria muita gente para ser enquadrada no click, e assim, no cômputo geral, a falta de alguns rostos não faria diferença para a exposição das bandas.
Enfim, aquela cena do Heavy-Metal oitentista era formada em sua imensa maioria, por músicos muito jovens, portanto, o grau de imaturidade mostrava-se enorme, entre a maioria. Isso refletia-se nas próprias bandas, mas exacerbava-se acintosamente, nas letras que escreviam, temáticas escolhidas e com o reflexo direto no seu comportamento pessoal. Sendo assim, ao aglomeraram-se para posar nas fotos coletivas, seria normal que portassem-se como garotos (que eram), eufóricos no pátio da escola, durante o horário do recreio.
Dias depois, quando fomos para a banca de jornais, para verificarmos o material publicado, ficamos contentes pela exposição maciça e providencial para o evento, mas o lado negativo, aborreceu-nos, é claro.
Essa matéria no Jornal da Tarde pontuou a nossa posição desconfortável de participarmos de dois eventos conflitantes entre si... de fato, ficamos na berlinda com essa situação.
E ainda houve um certo mal-estar nosso com o produtor, Barbieri, pois ele colocara-nos sob uma posição de destaque, como "headliner" de um dos sábados do evento, ou seja, destaque do melhor dia, e nós havíamos fechado com a organização do evento "Praça do Rock", para apresentarmo-nos no mesmo final de semana, isto é, estávamos indiretamente, a colaborar com um certo desvio de foco do próprio evento por ele produzido.
Só para ilustrar o meu descontentamento pessoal (ainda a mencionar as minhas crises de arrependimento por posicionamentos estéticos assumidos), eis aí abaixo, alguns trechos mais críticos e elucidativos, das matérias que foram publicadas na mídia mainstream:
1) Folha da Tarde - 27 de julho de 1985:
"...80 roqueiros começaram a descarregar seu raivoso e energético som metal..."
"...Um importante passo, especialmente levando-se em conta que as mais de cinquenta bandas paulistanas de Rock, espalhadas pelos bairros do Jabaquara, Pompeia, Vila Mariana, Santana, Casa Verde e Ipiranga - tradicionais bolsões do movimento "metal"- , só tem suas casas e garagens para ensaiar, e, para se apresentarem, dependem dos festivais colegiais e do interesse e da boa vontade dos donos de clubes noturnos da periferia..."
"...imagem de violência emanada pelo visual agressivo de suas roupas de couro pretas, seus braceletes metálicos e cintos cravejados de tachas..."
"...Precisamos demolir esse folclore de violência, afirma Marco Antonio, de 18 anos, que usa aparelho nos dentes..."
"...Quando falamos em nossas músicas de demônios e bruxas, isso é uma máscara para contarmos o que está acontecendo no mundo..."
"...estudantes, office-boys, comerciários ou simplesmente músicos..."
2) Jornal da Tarde - 27 de julho de 1985:
"...um fato curioso na formação desses 19 grupos que estarão no "Metal, Rock & Cia.", é que nenhum deles tem mulheres entre seus integrantes..."
"...O número de fãs dos grupos de Rock pesado, do sexo feminino, é bem reduzido se tomarmos como base a presença nos shows que vem acontecendo...
Bem, algumas frases extraídas de algumas matérias que eu arrolei acima, dizem tudo, eu creio. Na Folha de São Paulo, a matéria foi ipsis litteris a mesma publicada pela Folha da Tarde, por ser do mesmo grupo editorial.
A Praça do Rock na TV - 1985
Cobertura da Globo, através de seu jornalismo, SPTV, para a edição da Praça do Rock de julho de 1985. Filmado no sábado, dia 27 de julho de 1985, e o show ocorreu no dia seguinte, domingo, 28.
Eu não falei nada nessa entrevista, pois a seguir o padrão desse tipo de jornalismo, foi uma reportagem que não durou nem dois minutos. Somente o Rubens fez uma rapidíssima intervenção a representar-nos, e Dalam Jr. falou pela organização do evento.
O show do Sesc Pompeia prometera. Por ser um teatro bem estruturado e badalado na cidade, só pelo status de estar ali, já fora um tremendo dividendo para nós. No nosso caso em específico, tínhamos uma familiaridade com aquele teatro, por termos participado de seis edições (somente cinco foram ao ar), do programa, "A Fábrica do Som", cujas gravações eram realizadas naquele palco.
Lembro-me de estar próximo à concha acústica & palco, e fora um intervalo entre uma banda e outra. Nesse momento, fui abordado por cinco adolescentes imberbes e cabeludos, que afirmaram ser fãs do trabalho d'A Chave do Sol, que conheciam através de nossas aparições no programa, "A Fábrica do Som", e também por aparições no "Realce", anárquico programa apresentado pelo argentino, Mister Sam, na TV Gazeta. Os cinco rapazes eram extremamente simpáticos e de imediato, cativaram-me pela humildade, entusiasmo juvenil, paixão pelo Rock etc. Claro, falaram-me sobre sua banda com bastante entusiasmo e convidaram-me a assisti-los.
E através de uma oportunidade boa que surgiu, fui mesmo vê-los em ação, em um show bem produzido por eles mesmos, no belo teatro interno do Colégio Rio Branco. Não lembro-me ao certo, mas acho que pelo menos três de seus componentes estudavam naquele colégio.
Chegamos ao Sesc Pompeia na hora marcada pela produção e o produtor, Antonio Celso Barbieri, estava contente com as matérias publicadas nos jornais mainstream. O festival já estava em curso, e na noite anterior tudo havia transcorrido bem, com bom público etc. O soundcheck foi eficaz, demo-nos bem com os técnicos de som e iluminação, mas as nossas explosões pirotécnicas particulares foram vetadas pelo corpo de bombeiros, presente no Sesc.
Bem, convenhamos, eles tiveram razão em não deixar que usássemos aquela geringonça perigosa, ainda que o Zé Luiz tivesse esmerado-se e ao aperfeiçoar o sistema, criara caixinhas de madeira bem mais seguras e dotadas de visual mais agradável.
A despeito dessas considerações, o caso d'A Chave do Sol com aquele repertório bem mais pesado, não fugira também à regra. Por mais cuidadosos que fôssemos, o nosso som ficara mais pesado, também, e seria difícil tocar mais amenamente.
Quando iniciamos, de fato a monitoração estava a rachar em seus alto-falantes, o que tornaria o show difícil para qualquer banda. A minha lembrança também é a de que não houve conexão com o público. Acredito que a mixagem do PA também estivesse caótica, pois o público não respondia ao show, com a sinergia que esperávamos.
Nessa falta de sincronicidade, aliada à difícil monitoração de palco, resultou em que perdêssemos a conexão. Não que tivéssemos feito um show ruim, com falhas musicais, mas a nossa performance esteve aquém das nossas reais possibilidades.
Somente em parcos momentos tivemos alguma sincronicidade para arrancarmos aplausos mais efusivos das pessoas ali na audiência, como por exemplo na execução da canção: "Um Minuto Além". Isso corrobora a minha impressão de que por ter sido uma balada mais amena, proporcionou ao público, um áudio mais aceitável, e daí, a reação mais condizente com a qual contávamos.
Toda banda passa por esse perigo, daí a importância de se possuir uma equipe técnica própria, pois independente do técnico do Sesc ser competente (é claro que o foi, caso contrário, não ocuparia o cargo em um teatro tão importante), pelo simples fato de não conhecer o som das três bandas, poderia ter equivocado-se na sua mixagem, sem dúvida.
Bem, não foi um show maravilhoso pelos problemas citados, mas também não saímos com o sentimento de "derrota" por ter sido um fracasso. Se for para definir com uma só palavra, eu diria que faltou "sinergia", e nesse caso, um fator alheio à nossa vontade pode ter estabelecido essa falta de elo com o público.
E assim, está explicada a expressão facial em sinal de desagrado que o ator Lineu Dias teve ao assistir-nos. Ele podia não entender nada de música, muito menos de Rock, e certamente nada sobre o nosso desconforto por estarmos deslocados na estética oitentista hostil aos nossos padrões anacrônicos. Mas um fator foi certo: ele era um artista como nós e como ator, ele sabia e sentia com precisão o que significava a falta de sinergia entre artista e público, e daí, deve ter notado essa ruptura, que naquela noite, foi gritante. Paciência...
E assim foi o show no Sesc Pompeia, no dia 27 de julho de 1985, com cerca de oitocentas pessoas na plateia.
Todas as fotos desse show no Sesc, foram clicadas por Rodolfo Tedeschi (Barba)
No dia seguinte, chegamos cedo no Parque da Aclimação, mas mesmo assim, já havia um público significativo, que chegara antecipadamente para garantir um lugar próximo ao palco. Apenas com a primeira vista que obtivemos, ainda na rua, tivemos o deslumbre de que o evento estava mesmo bastante aditivado, em relação às edições anteriores.
Bem, com essa infraestrutura, claro que ficamos bem animados e se o show da noite anterior, no Sesc Pompeia houvera causado-nos um certo dissabor, certamente que a visão do Parque, com essa movimentação toda, dissipara a nuvem de melancolia que pairara sobre nós.
O "Ave de Veludo" tinha uma característica sonora que aproximava-nos. Tanto quanto nós, foi uma banda que destoava da cena oitentista e não encaixava-se nos principais nichos dominantes daquela década. O seu trabalho era calcado no Blues-Rock do final dos anos 1960. Mais pareciam o "Fleetwood Mac" da fase Peter Green, ou mesmo com o som do "The Yardbirds".
Estávamos nos bastidores e bastante animados por ver que o público chegava aos borbotões, por todos os portões do Parque. De fato, o peso do dinheiro investido pela empresa cervejeira fez-se visível, com a divulgação caprichada a surtir efeito. O Ave de Veludo abriu o evento, com o seu Blues-Rock ao sabor 1960 & 1970. Eu achava bem agradável o trabalho deles, mas como já salientei anteriormente, foi uma banda deslocada naquela década polarizada entre o Pós-Punk, "queridinho da mídia" e o Hard/Heavy "farofa" e/ou peso-pesado em seus extremismos.
No caso do guitarrista, Daril Parisi, certamente que este não ficava atrás. Excelente guitarrista e tecladista, Daril também era muito acima da maioria, nesse meio do Hard/Heavy e por conseguinte, passava como um trator pela turma do Pós-Punk, e da sua ruindade congênere (existem as honrosas exceções, Miguel Barela, é um deles).
Subimos ao palco e tocamos com muita energia. A frustração da noite anterior, quando não conseguíramos estabelecer contato com o público, esteve superada totalmente, pois nesse domingo, a interação foi total.
Tanto foi assim, que lembro-me bem que a aglomeração tomara toda a frente da concha acústica, até a beirada do Lago, e as duas laterais estavam inteiramente preenchidas, até uma distância enorme, quase na metade de cada respectivo pavimento, que forma a pista de cooper que ocupa o entorno interno do Parque. Portanto, foi uma multidão incrível.
De volta à gravação do EP, as sessões de overdub de guitarras e vocais, ocorreram em várias madrugadas do mês de julho de 1985.
Foi tudo bastante corrido, pois não tínhamos muitas horas disponíveis, porquanto o produtor Luiz Calanca ofereceu-nos um orçamento bastante modesto, no padrão típico de produções independentes. Lógico, além de termos a compreensão de que seria o melhor que o Luiz Calanca poder-nos-ia oferecer, estávamos gratos pela oportunidade, e quero deixar bem claro que houve um esforço nosso, bem grande para sermos ao máximo, colaborativos.
Luiz Calanca e Rubens Gióia na técnica, a ouvir o material gravado. Presentes também, o guitarrista da banda, "Fênix", Iran Bressan, sentado e a usar camiseta preta com a estampa a retratar o guitarrista, Eddie Van Halen. No canto direito, semi-encoberto, Ricardo Giudice, guitarrista do grupo "Abutre", e eu, Luiz Domingues, estou sentado e encoberto, na linha da lata de cerveja na mão do Rubens
No caso das sessões de guitarra, o Rubens trabalhou com todo o nosso apoio e foi tudo tranquilo, apesar de corrido. Todos os solos e contra-solos haviam sido montados previamente. Eventuais novidades criadas de improviso, foram mais em termos de efeitos, principalmente a alavancada na extensão da região grave, que deu um toque, "Tony Iommi", na música: "Ufos".
Em relação aos vocais do Fran, um fato muito engraçado aconteceu logo na primeira sessão: enquanto ele fazia seus primeiros testes de volume geral do seu monitor para o técnico, ouvíamos um sutil zunido em cada emissão de sua voz. O técnico pensou em mil coisas relacionadas às frequências soltas pela sala, depois mexeu nos patches de paramétricos e por fim, intrigado, checou a sala de gravação à procura de algum material que pudesse estar a vibrar e assim trazer essa estranha frequência, que parecia um autêntico "wistle". Então, para a surpresa de todos, o Fran soltou uma frase que despertou a atenção de todos: -"ah... acho que eu já sei o que é"...
Inacreditavelmente, ele colocou a mão na sua boca e sob um movimento forte, porém aparentemente calculado, eis que arrancou um pivô de sua arcada dentária! Ficamos todos atônitos com essa atitude inusitada, mas desdentado e convicto do que estava a fazer, Fran pediu para voltarmos aos testes, indo direto para a sala de gravação. E assim que começou a cantar, novamente, o estranho zumbido esteve erradicado!
Rimos muito da situação, que na verdade foi tragicômica, porém, de fato, o pivô que não estava devidamente cimentado com o material odontológico, produzia esse sutil sopro, que sob a ação de um microfone dotado de uma sensibilidade absurda, pareceu um autêntico "canto de Banshee"...
Alta madrugada, a ouvirmos o resultado até ali coletado.
Na frente, sentados, Zé Luiz (o técnico), o produtor Luiz Calanca dorme sobre duas cadeiras, e Fran Alves. Em pé, da esquerda para a direita: Eliane Daic (produtora da banda e namorada do Zé Luiz Dinola, na ocasião), Zé Luiz Dinola, Luiz Domingues, Rubens Gióia, e Iran Bressan, guitarrista da banda, "Fênix". Click de Carlos Muniz Ventura, baixista da banda, Fênix.
Esse Zé Luiz era bem mais jovem, mas demonstrava capacidade e o que tranquilizou-nos, sem dúvida, foi o fato de que ele estava a operar as gravações do disco do Platina, após a retomada dos trabalhos deles, conforme eu já expliquei anteriormente. Mas não era fácil lidar com ele por dois motivos:
1) Ele tinha uma personalidade forte e por conta disso, demoramos um pouco para estabelecermos uma proximidade, visto que o Nico era bem mais simples no trato pessoal.
2) Ele demonstrava estar obcecado por conceitos modernosos de áudio, e no meio da década de oitenta, seria impossível que não fosse baseado em alguma escola musical abominável...
Outra foto do mesmo momento de cansaço, após o extenuante trabalho realizado no estúdio Vice-Versa. E o click desta feita foi meu, Luiz Domingues, para que o amigo, Carlos Muniz Ventura, pudesse ser fotografado, também. Ele é o quarto em pé, da esquerda para a direita, a usar camisa xadrez avermelhada.
De fato, nunca esqueço-me que em uma determinada madrugada dessas, uma discussão surgiu sobre como seria o padrão da mixagem, e o técnico fez um mise-en-scène para mostrar-nos o que ele considerava o máximo da qualidade moderna de uma mixagem.
E não deu outra, colocou sob um volume ensurdecedor, o hit "Relax", da banda britânica: "Frankie Goes to Hollywood".
As abominações que eu escutava das pessoas, nos anos oitenta, veja só... nada como um dia após o outro, pois pergunto-lhe leitor amigo: o que representa mesmo o "Frankie Goes to Hollywood" para a história do Rock? Pois é...
Claro que era bem gravado e mixado, e claro que representava o que havia de mais moderno em termos de áudio para 1985, mas também era um pastiche Pop, com a costumeira dose exagerada de reverber, típico daquela década. Fora os timbres de plástico daqueles instrumentos ridículos da época, e assim, acredito não ser necessário exprimir as razões pelas quais essa banda insignificante representou, estética e artisticamente a falar. E por fim, se fôssemos uma banda coadunada com a mesma estética do Pós-Punk, a flertar com o Techno-Pop oitentista, teria tudo a ver, mas nunca teríamos aquela sonoridade, e nem preciso explicar o por que, não acha?
Uma outra curiosa passagem com tal técnico, passou-se em outra sessão de mixagem, posterior. Graças a uma polêmica levantada pelo Zé Luiz Dinola, ele irritou-se, ao demonstrar um desconforto com a situação e assim, irritado pelo pedido de mais volume para um tom-tom, durante uma virada de determinada música, ele falou algo do tipo: -"ah, quer mais volume? então toma"... ao levantar o master com certa truculência, proposital.
A presença ilustre no estúdio, dos irmãos Giudice, Ricardo e Wagner, respectivamente guitarrista e vocalista do grupo "Abutre".
E ainda nessa toada, mas agora em tom de piada, ele contou-nos uma "técnica" que usava para ludibriar músicos que irritavam-no. Segundo ele, quando atormentavam-nos a pedir mais volume em seus respectivos instrumentos, ele colocava dois dedos a envolver o botão e girava-os em falso, para dizer ao músico: -"e agora, melhorou?" Em 99% dos casos, o músico dizia que sim, pois como um efeito placebo, psicologicamente acreditava que o volume aumentara, quando na verdade, não havia mudado nem um milímetro... Hilário. Ficou óbvio também que a galhofa teve significado duplo com tal "revelação" a soar como um aviso...
O produtor, Luiz Calanca, vencido pelo cansaço na sessão de gravação.
Sendo justo, falei sobre aspectos negativos, mas com o tempo, ele afeiçoou-se conosco, e já nas sessões de mixagem, o clima foi sob camaradagem, embora comedida, mas nós entendíamos que o temperamento dele era assim mesmo.
A brincar de imitar a capa do LP "Sheer Heart Attack", do "Queen"...
As gravações avançaram bastante em julho, a culminar com o encerramento das vozes. Estávamos satisfeitos com toda a captura e agora viria a mixagem. Sei que o que vou contar aqui, poderá causar um choque para alguns leitores, notadamente os mais ardorosos fãs do trabalho d'A Chave do Sol, e entendo que o ocorrido realmente não teve o menor cabimento, sob qualquer hipótese.
Então, em um sábado, entramos no estúdio por volta das 18:00 horas e com o objetivo de mixar o álbum inteiro, ou até onde a condição humana permitisse-nos. Nem perderei tempo em dizer o quanto isso é um procedimento errado, pois tudo o que eu disser, poderá ser mal interpretado pelo leitor leigo, no sentido de que poderá considerar como uma mera desculpa.
Além de ser muito extenuante, o técnico/produtor e os próprios artistas envolvidos, tem que estarem todos com os ouvidos totalmente descansados, para prestarem muita atenção em detalhes ínfimos que até gente muito experiente tem dificuldade para perceber.
Posto isso, a mixagem foi assim, a toque de caixa, praticamente a buscar-se um padrão geral de equalização para todas as canções.
Dessa forma, quando levantamos o som de bateria da primeira música, praticamente mantivemos o mesmo padrão para as outras músicas, mesmo procedimento adotado para o baixo, guitarra e voz.
A nossa sorte, foi que a banda estava coesa e sabia bem o que queria. E essa coerência interna entre nós, já foi um tremendo agente facilitador, em meio a uma mixagem feita inadequadamente, sob uma sessão só, para suprir o disco inteiro.
Eram quase nove horas da manhã, quando decidimos fazer uma pausa maior, para um café reforçado, na padaria da esquina.
Estávamos todos extenuados, mas ainda faltavam duas músicas para mixar e fechar o disco. Mais ou menos às 13:00 horas, o trabalho encerrou-se, mas aí, um fato dramático (ao considerar-se como agravante o extremo cansaço da parte de todos), ocorreu!
E o que aconteceu, foi que a última música a ser mixada foi: "Um Minuto Além". Estávamos a começar a levantar o som do baixo, quando notamos que, infelizmente, a 4 ª corda, "Mi", estava um pouco fora da afinação. Foi inacreditável, mas ninguém havia notado essa falha durante as gravações das bases. Ouvimos novamente por dezenas de vezes nas sessões de overdub da guitarra, e mais uma centena de ocasiões nas gravações dos vocais.
Portanto, quase 13:00 horas de um domingo, onde estávamos a trabalhar exaustivamente desde as 18:00 horas do sábado, e um problema desses surgiu, do nada... pois até então, tínhamos ouvido milhares de vezes a música, e só naquele momento, essa desafinação fora sentida.
Então, mesmo extenuado, prontifiquei-me a ir buscar o meu baixo. Se ele estivesse na casa do Rubens, teria sido muito rápido, com o trajeto entre os bairros de Pinheiros e Itaim-Bibi, sendo feito em poucos minutos, ainda mais em um domingo. Mas ele estava na minha residência, no Tatuapé, zona leste de São Paulo, e isso demandaria bem mais tempo. Sendo assim, o Zé Luiz, técnico, ofereceu um baixo de sua propriedade ali disponível, que segundo ele, estava bem regulado e munido com cordas novas e importadas (acho que eram da marca GHS, não lembro-me ao certo, mas tal marca era de meu inteiro agrado, pois eu só usava GHS ou Rotosound nessa época).
Naquela época, o preconceito com os instrumentos nacionais era enorme e de fato, infelizmente, eram instrumentos muito inferiores em relação às marcas consagradas, internacionais. Claro que a ideia seria regravar com meu baixo, Fender Jazz Bass, mas não havia tempo hábil para outra solução, pois precisávamos apanhar o instrumento, levantar o som, regravar e voltar à mixagem.
Sobre a decisão do produtor Luiz Calanca de lançar o nosso disco em 45 RPM, claro que tal ideia nos assustou. Esperávamos lançar na tradicional rotação de 33 1/3, ou seja, um clássico LP. Quando ele comunicou-nos a sua concepção, de imediato questionamos a sua decisão, pois certamente geraria confusões com muita gente a colocar o disco para rodar na rotação errada etc. e tal.
Pelo aspecto técnico, a argumentação foi pelo fato do disco ter sulcos mais largos, e assim ganhar em qualidade sonora, com pontas de graves e agudos, a serem realçadas.
Todavia, o nosso temor pela confusão advinda dessa mudança de rotação, pela qual as pessoas não estavam habituadas, também fora um bom argumento e infelizmente tivemos a constatação disso, assim que o disco foi lançado no mercado.
E nesses meses todos, de janeiro até julho, que é o ponto onde encontro-me na narrativa, recebemos muitas cartas da parte de fãs, com esse tipo de opinião negativa sobre a voz e a performance dele, como intérprete e frontman.
Chegou-se em um ponto em que eu precisei ter um jogo de cintura para não deixar que ele lesse as cartas de fãs e como membro da banda, ele tinha todo o direito de ler e querer responder, mas eu evitei a todo custo que ele se magoasse com tais ataques.
Então, cada vez que eu lia uma carta a mencionar algo desagradável sobre ele, partia-me o coração, pelo aspecto humano, pois achava injusto da parte do fã, não considerar esse lado, e claro que ninguém nem pensa nisso, quando emite uma opinião sobre um artista.
Digo isso com muito pesar, mas cheguei a presenciar fãs a abordar-nos no camarim de um pós-show, com a postura abominável de colher autógrafos do trio original e ignorá-lo, retumbantemente. Eu e Zé Luiz falamos com ele (aconteceu no Lira Paulistana, certa vez), para tentar minimizar o mal-estar, mas por mais que solidarizássemo-nos e déssemos-lhe o nosso suporte, claro que ele magoava-se.
Com as sessões de estúdio encerradas e o disco tendo passado pelo processo industrial do "corte", o produtor Luiz Calanca já encomendara à fábrica, a prensagem inicial, concomitante à gráfica que preparava a capa.
Não demorou muito, e essa percepção tornou-se visível, e assim a deixar claro que a tentativa fora equivocada, porém eu vou explicitar isso no decorrer da narrativa, oportunamente.
Certo, a matéria saiu com destaque de página inteira, mediante a presença de fotos, mas com aquela abordagem pejorativa com a qual a imprensa grande havia tratado-nos anteriormente, em abril. Portanto, apesar de estarmos com muitas novidades a ocorrer e o disco no forno, não tínhamos naquele momento um empresário exclusivo e confiável, com o qual pudéssemos sonhar com dias melhores, ou que no mínimo, fosse esperto o suficiente, para aproveitar o "momentum", aquele raro e sutil instante onde um artista pode "acontecer".
Nesse ínterim, o ótimo guitarrista, Cesar Achon, da banda "Mammoth", com a qual havíamos tocado no Buso Palace de São Caetano do Sul, em junho, acenou com uma oportunidade diferente, e convidou-nos a participar. Ele conhecera um empresário, que não era do métier do Rock, mas tinha lá os seus contatos, e este, ao sentir a movimentação toda do BR-Rock oitentista, ventilou tentar alguma coisa nesse seu mundo, mas com uma proposta bizarra: a tentar levar o Rock ao seu meio, e não o contrário. Bem, não custava nada ao menos ouvir a proposta do rapaz, e assim, eu e Rubens fomos à Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, onde encontramo-nos com o Cesar Achon, e um representante da banda "Karisma", que também entraria nessa história.
O excelente guitarrista, Cesar Achon, em foto bem mais atual
O Cesar, que era (é) uma pessoa culta e bem articulada, portanto tinha todo o bom senso possível, alertou-nos que o sujeito era do "mundo popularesco", mas desejava fazer uma experiência com shows de Rock nesse circuito de salões e clubes, onde normalmente vendia artistas populares. Até aí, tudo bem, não custava ouvi-lo, quem sabe tentar uma experiência, e no máximo, na pior das hipóteses, teríamos uma história bizarra para contar no futuro, e certamente foi o que aconteceu, e aqui estou eu a concretizar essa previsão pessimista que tivemos no início dessa conversação.
De fato, o rapaz mostrava-se componente desse mundo avesso ao nosso, mas dentro desse planeta distante do nosso, ele mantinha os seus contatos e vendia seus artistas. Foi o tal negócio: valeria a pena fazer show de Rock autoral nesse tipo de ambiente 100% avesso? É claro que não, nem precisava-se conjecturar. Todavia, sabíamos que fãs de Rock, em todas as suas vertentes, existiam nos bairros da periferia, portanto, por que não tentar atingir esse nicho, também?
Por conseguinte, foi marcado um show para o início de agosto, no salão da "Sociedade Amigos de Vila Formosa", ou seja, uma associação de bairro. A Vila Formosa não é periférica, muito pelo contrário, é um bairro tradicional e bem estruturado da zona leste de São Paulo, mas se desse certo, os contatos do sujeito, apontavam aí sim, para bairros longínquos do extremo da zona leste, principalmente.
Mas além da estrutura ter sido péssima, o público esperado não apareceu. Apenas cento e oitenta pessoas pagaram ingressos, em um salão que era bem grande e caberia entre oitocentas a mil pessoas, tranquilamente. Fizemos o show, mas com grande sacrifício, pois o equipamento realmente foi um desastre.
Ainda em julho, havíamos sido contatados pelo diretório acadêmico de uma escola estadual de segundo grau. No meio universitário, era comum que os D.A.'s de faculdades mobilizassem-se para produzir shows de Rock e/ou MPB, e basta ler nos capítulos da história do Língua de Trapo em minha autobiografia, para constatar o quanto esse nicho foi importante, por exemplo.
Seria um show ao ar livre, no pátio da escola e além de tudo o que mencionei, preocupara-nos outras questões. Por exemplo, haveria a autorização oficial do colégio? Quem garantiria a segurança do evento?
Fico até contente por estar a admitir essa preocupação que tivemos previamente, pois a constatação posterior positiva que tivemos foi tão boa, que eu costumo lembrar-me dessa passagem como um exemplo de como as aparências enganam. Muitas vezes na vida, e não só a pensar n'A Chave do Sol, mas na carreira toda, eu estive diante de situações paradoxais desse porte. Essa foi uma delas...
Quando vimos aquilo, ficamos realmente preocupados, pois seria um perigo e tanto, usar esse tipo de solução, não usual. O Zé Luiz, que foi o nosso "Professor Pardal", desde sempre, foi verificar a estrutura montada que sustentava os tablados de madeira que serviriam como piso, e veio dizer-nos que estava impressionado, pois os garotos haviam feito amarrações com cordas náuticas de grosso calibre, de uma maneira muito forte, e segundo ele, nem sentiríamos que a sustentação seria dessa natureza.
Os rapazes do TNT amavam o som Mutantes de sua "fase Prog-Rock", ou seja, eram anacrônicos em sua determinação, sem dúvida.
Fiquei amigo dos membros das duas bandas, principalmente o pessoal do TNT, com os quais mantive contato por bastante tempo, depois desse evento.
Vendemos cerca de vinte peças do disco naquela noite, ao darmos o início de sua vendagem, ainda que não alardeada oficialmente até então. E no fim, mais uma boa surpresa: recebemos o nosso cachê sem nenhum problema.
Ficamos muito contentes em termos fechado e participado desse show, que foi impecável pela lisura da garotada e animado pela recepção do público. Tudo isso ocorreu no dia 24 de agosto de 1985, no pátio da Escola Estadual Gualter da Silva, com cerca de trezentas pessoas presentes no evento. Antes de falar dos três shows de lançamento do EP, no Teatro Lira Paulistana, devo falar ainda de um show avulso ocorrido anteriormente a essas datas e falar bastante da maratona de divulgação do disco, que fizemos, assim que ele chegou da fábrica.
Planejávamos os shows de lançamento do EP com uma certa antecedência. Fechamos três dias no Teatro Lira Paulistana com esse intento, e desde o meio de agosto, praticamente, pensamos nesse lançamento, com vários detalhes. Mais comedida desta vez, embora com a mesma intenção dos shows de lançamento do compacto, em 1984, queríamos fazer novamente um show com atrativos extra-musicais.
Não que tivéssemos arrependimentos em relação às performances nonsense que fizéramos em 1984, mas desta feita, não desejávamos que tais intervenções ofuscassem a banda, e nessa altura, queríamos muito atrair a atenção para o "novo som" da banda e de seu vocalista, que afinal de contas, entrara para a banda com essa missão em específico. O outro ponto em que pensamos, foi a ideia de exibirmos um cenário.
Esta obra acima, é da Beth Dinola e pertence a uma colecionadora particular de Roma, Itália.
Nesse sentido, encomendamos uma ideia a ser desenvolvida pela irmã do Zé Luiz, a Elizabeth Dinola. Como já contei, a Beth Dinola era (é) artista plástica, e embora a sua especialidade fosse a arte em cerâmica, ela desenhava e pintava a usar técnicas, as mais diversas, como grafite, óleo e aquarela, entre outras. Então, ela concebeu uma pintura que seria reproduzida no tecido, diretamente, mas com um efeito de sobreposição que daria uma profundidade muito bonita, quase a caracterizar um efeito de 3D, natural.
Posto isso, a Beth mostrou-nos alguns esboços e dessa forma, agradou-nos bastante a figura de um homem de costas, a mirar para o horizonte, no topo de uma montanha, e com raios de sol a sua vista. E para imprimir a profundidade, uma segunda camada recortada como o miolo de uma fechadura de porta, faria com que o espectador do show visse o homem a contemplar o panorama, pelo buraco da fechadura. Bem, é necessário esmiuçar a simbologia? Acredito que não. A chave do disco, seria a descoberta do sol, ou coisa que o valha, enfim. Aprovamos o esboço e a Beth trabalhou forte na pintura sobre o tecido que ostentava uma dimensão grande, portanto, foram dias e dias de labuta, no seu atelier.
O Zé Luiz e a sua costumeira habilidade manual incrível para qualquer tarefa de marcenaria e afins, tratou de fazer o recorte do tecido e idealizou todo o esquema com o qual ele seria instalado não só no Lira Paulistana, mas como em qualquer outro teatro, doravante. Fora óbvio que tencionávamos usar o cenário durante a turnê inteira do EP, até um eventual novo disco e novo cenário, por conseguinte. Testes de armação foram efetuados pelo Zé Luiz, com a ajuda da Beth e da minha parte, Luiz, no atelier e realmente havia ficado lindo. A ideia da sobreposição ficou fantástica, e mais uma vez o Zé Luiz trouxe-nos o seu talento extra-musical para abrilhantar a banda.
E no quesito das performances, de novo contamos com a colaboração do poeta, Julio Revoredo como performancer, redator e consultor, naturalmente. Contaríamos também com aqueles amigos e agregados da banda, que auxiliaram-nos em 1984. Criamos no "brainstorm", algumas maluquices, mas não tão nonsense como as de 1984. Contudo, antes de falar sobre os shows propriamente ditos, tínhamos um compromisso anterior a ser cumprido, e curiosamente, no mesmo local, o Teatro Lira Paulistana...
Por incrível que pareça, tínhamos um compromisso a ser cumprido no mesmo espaço onde faríamos os shows de lançamento do EP, portanto. Aparentemente, isso foi um tremendo de um anticlímax, mas aceitamos fazer um show avulso no Lira Paulistana, exatamente por que não dispensávamos oportunidades nessa época, e também por que não achávamos que essa coincidência atrapalharia os nossos planos. De fato, tratou-se de uma época em que os shows de música autoral haviam aos borbotões, e quase todos os dias pela cidade. Realmente não lembro-me em termos ventilado sequer, que a proximidade de datas, e sobretudo o fato de ser no mesmo espaço, automaticamente pudesse inviabilizar as próximas apresentações.
Outro fator, foi por ser mais uma ação perpetrada pelo produtor Antonio Celso Barbieri, e animava-nos ver que entre tantos produtores que entraram e saíram de nossa vida, o Barbieri fora de longe, o mais sério e empenhado em fazer a cena ir para a frente.
Dessa maneira, subimos no palco do Teatro Lira Paulistana, no dia 15 de setembro de 1985, para dividir a noite com a banda "Excalibur", no evento que recebeu o nome de: "Pátria Amada/Pátria Irada", em uma alusão à data cívica de 7 de setembro.
Foi um dia de semana, e não atraiu um grande público, apesar dos esforços do Barbieri, mas gostamos de tocar com os amigos do Excalibur com a sua performance "quase Doorszeana", apesar do ranço Heavy-Metal. Apenas cinquenta pessoas desceram a famosa escadaria do Lira Paulistana, nessa noite.
O cartaz ficou (mau) dividido, pelo tamanho mínimo da minha impressora... e foi xerocado de um exemplar do acervo do poeta, Julio Revoredo, que gentilmente emprestou-me.
O que tínhamos criado para as intervenções nos shows, foram apenas três performances. Na entrada do show, uma locução a esmo. No meio do show, uma atuação com atores a interagir com a banda e na parte final, uma performance do poeta, Julio Revoredo, mais uma vez disfarçado, através de uma caracterização enigmática.
A intervenção do meio foi parecida com a que usáramos em 1984.
A diferença, foi que ao invés de uma simulação da perseguição de um estranho refugiado, na bateria do Zé Luiz, a ideia seria desta feita, um sequestro relâmpago.
Atores entrariam com certa contundência, munidos com armas de brinquedo, e "sequestrariam" o vocalista Fran, para que pudéssemos tocar o número instrumental, "18 Horas". E a participação do Julio também seria simples.
Apenas uma entrada em cena, durante a execução de uma música, quando ele caminharia pelo palco, sem maiores explicações ao público e sairia de forma inusitada de forma incólume. Em suma: somente uma intervenção para confundir o público, a usar um pouco do conceito do Teatro do Absurdo, nada demais, mas sempre passível de se criar um frisson extra na plateia.
Participar do "Panorama", revelava-se uma meta cobiçada por todos os artistas, pois era importante aparecer lá, por certamente render bons frutos ao artista. A nossa participação foi tocar ao vivo, com direito a uma micro entrevista. Chegamos cedo aos estúdios da TV Cultura, e passamos o som dignamente.
Quando encerramos, a apresentadora/entrevistadora, Paula Dip, foi muito simpática conosco, no entanto, ele estava mal preparada pela sua produção, por que não tinha perguntas com substância em sua ficha, para formular-nos. Ao querer ser descontraída, insistiu em perguntar-nos sobre sermos ou não "metaleiros" e a exagerar em gesticular-nos o famigerado, "malocchio", aquele ridículo sinal a insinuar chifres, de origem medieval, achou que agradar-nos-ia com aquela baboseira clichê e pior, absolutamente fora da nossa real identidade. Eu mesmo respondi, com simpatia, é claro, mas neguei que tivéssemos relação com aquela cultura metálica.
Disse-lhe que éramos uma banda de Rock, que as nossas letras evocavam ideais humanistas, sociais, mas ela insistia naquela caricatura, a tecer comentários tolos sobre o comprimento de nossas respectivas cabeleiras, nosso figurino etc. Enfim, falamos sobre o novo álbum e um pouco sobre a Baratos Afins, quando o Rubens enalteceu o Luiz Calanca pelos seus esforços em prol do Rock etc.
Questão de segundos, vimos que saiu do ar, e assim paramos de tocar, naturalmente.
No cômputo geral, apesar das queixas que eu teci acima, foi uma ótima apresentação. Ao assistir o vídeo nos dias atuais, acho que a banda estava muito afiada. Assista abaixo:
Certamente que a canção, "Segredos" não fora nem de longe uma música minimamente com um apelo Pop e que justificasse, portanto, a sua execução na TV, mas naquele momento, na perspectiva de querermos mostrar as músicas novas do novo disco, descartávamos "Crisis (Maya)", por esta ser instrumental, portanto, qualquer uma das outras cinco opções, esteve disponível, em tese.
Logo notamos que no ambiente avesso ao Rock, que era a TV, a escolha natural sempre recairia sobre "Um Minuto Além", mas na possibilidade de exibir-se mais de uma, todas as outras quatro opções, eram pesadas. Dessa forma, tocar "Segredos" no Panorama, foi natural para nós, mas ao analisar hoje em dia, foi muito paradoxal que na entrevista, a banda colocasse-se como uma banda palatável para o público em geral, quando na verdade, é claro que não o era, e aquela pauleira toda, mais assustava e estigmatizava, do que oferecia-nos dividendos.
Ainda a falar sobre TV, no dia 30 de agosto, tivemos uma jornada dupla, em programas femininos. Logo de manhã, bem cedo, estávamos novamente a lutar contra o sono, nos estúdios da TV Record de São Paulo. O compromisso seria no programa: "A Mulher Dá o Recado".
Apresentado pela simpática atriz, Márcia Maria, fora o típico programa feminino, com muitas matérias sobre moda, maquiagem,
cuidados com o corpo/estética e cabelos, psicologia no enfoque feminino e culinária & decoração etc.
Desta feita, tínhamos o lançamento do EP para falar, além de shows, e um novo vocalista, Fran Alves, já que na aparição anterior, tínhamos, Chico Dias na formação da banda. Claro, em um programa direcionado a um público nada aficionado do Rock, escolhemos a única opção mais palatável, que foi: "Um Minuto Além".
Assista abaixo essa aparição nesse referido programa:
O Link acima direciona para esse vídeo citado, no YouTube
A apresentadora Márcia Maria foi simpática e solícita, como sempre, mas desta vez, cometeu uma gafe, no momento em que entrevistou-me. Ao iniciar sua fala, ela referiu-se à banda, como: "Chave de Ouro", ou seja, bem que eu disse no começo da narrativa, que esse nome seria inadequado para uma banda de Rock...
Quando iniciamos a dublagem, contudo, notamos um certo frisson dos cameramen, e de outros funcionários da produção. Pareciam incomodados com a duração da canção. Como apesar de ser uma balada lenta, "Um Minuto Além" contém uma metragem acima do padrão Pop das músicas radiofônicas, no alto de seus cinco minutos, foi mais um problema não dimensionado anteriormente que teríamos doravante, tanto na TV, quanto rádios. No período da tarde, enfrentaríamos uma outra maratona de TV.
Desta feita na TV Gazeta, participaríamos do programa: "Mulheres em Desfile", outra atração feminina e posso afirmar, ainda mais tradicional que a que participáramos na parte da manhã, na TV Record.
Bem, como eu já disse muitas vezes, neste e em outros capítulos, sempre adorei bastidores de TV. O contato com outros artistas, inclusive de outras modalidades, foi sempre estimulante para a minha percepção, fora as coisas engraçadas, os improvisos, coisas malucas que acontecem atrás das câmeras. E nesse dia, não foi diferente, com a possibilidade de assistirmos uma explicação minuciosa de um ginecologista a discorrer sobre menstruação e um confeiteiro que passou uma receita de bolo de côco, antes de nós sermos chamados a entrarmos em cena...
Fomos introduzidos pelas apresentadoras, e fizemos a nossa dublagem. De novo, como no outro programa que fizéramos, quando a música ainda estava na sua metade, os cameramen mostraram-se incomodados. Alguns faziam sinais para nós, a cobrar-nos o término da música, mas que idiotas! Não sabiam que estávamos a dublar?
Assista abaixo essa referida aparição nesse programa:
O Link acima direciona para assistir no YouTube
Enfim, foi bem desagradável para nós vermos essa gente mal-educada a fazer-nos sinais fora de propósito, mas uma luz vermelha acendeu na nossa percepção. Foi mais uma contrariedade que
teríamos por conta de nossas más escolhas feitas ao final de 1984.
No dia 4 de setembro, estávamos novamente nos estúdios da TV Gazeta, desta feita para participarmos novamente do "Realce", um programa onde já éramos habitues, e onde foi sempre engraçado participar, principalmente pelas maluquices do Mister Sam.
Dublamos as músicas: "Segredos e "Ufos", duas peças muito pesadas do disco, mas sem preocupação com a estética ou pelo tamanho delas, pois tratou-se de um ambiente muito mais propício para uma banda de Rock e a liberdade que o Mister Sam dera-nos, foi total.
Assista abaixo, mais uma aparição maluca da Chave do Sol no Realce do Mister Sam, na TV Gazeta de São Paulo:
https://www.youtube.com/watch?v=w7XMxNrb4_4
Finalmente, voltamos ao "Realce" no dia 29 de setembro de 1985, com a clara intenção de reforçar a divulgação dos shows de lançamento do EP.
E mais uma aparição no "Realce", alguns dias depois, abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=n3TBotg0Xwc
Nessa aparição, além de dublarmos uma música pouco divulgada desse disco, no caso, "Ímpeto", há de mencionar-se o fato de que na edição da TV Gazeta, foi acrescentado um efeito psicodélico muito estimulante durante a execução da música. A se parecer com o programa "Beat Club" da TV alemã, que causou furor nas décadas de sessenta e setenta, portanto mostrava-se anacrônico para os anos oitenta, é lógico, mas eu nem preciso dizer o quanto eu gostei dessa inserção totalmente surpreendente, para dizer o mínimo, na condição de um inveterado fã da estética dessas duas décadas (1960 & 1970). No vídeo acima, é preciso avisar que infelizmente a cópia original em VHS com a qual o preservamos, apresentava um corte brusco, portanto, quase a metade da música foi suprimida. Paciência...
Falo a seguir sobre programas de rádio em que participamos , nessa fase de lançamento do EP.
Essa entrevista em específico, eu ainda tenho preservada em fita K7. Penso em digitalizá-la e disponibilizá-la no YouTube, assim que possível. No dia 7, tínhamos agendado duas entrevistas em dois programas em uma mesma estação, a USP FM, que foram muito bons para a banda, mas uma delas teve um significado simbólico em meu caso, em especial.
Participamos inicialmente da "Rádio Matraca", programa conduzido pelo Laert Sarrumor, portanto, foi importante para a minha consciência, como se fosse uma oportunidade de jogar uma pá de cal sobre qualquer resquício de ressentimento que pudesse ainda haver entre eu e o Laert, por conta de eu ter deixado o Língua de Trapo, um ano e dois meses antes, para dedicar-me à Chave do Sol.
Em suas mãos, tinha cerca de cinquenta compactos simples, a conter jingles dessa empresa e seus produtos, de sua coleção particular. Isso foi infernal em minha avaliação, pois ele sabia tudo sobre Rock, MPB, Jazz, Blues, Folk, erudita, Black Music... e até jingles publicitários? Terminada a nossa participação no programa: Rádio Matraca, fomos a um outro estúdio, nas mesmas instalações dentro do campus da USP, e gravamos participação no programa, "Sinergia", do jornalista, Valdir Montanari.
Esse foi um raro programa na rádio paulista e brasileira, que em plena metade da década de oitenta, propunha-se a tocar e falar sobre Rock Progressivo setentista, um verdadeiro disparate, digno de ser alvo fácil dos xiitas daquela década de oitenta, construída sob parâmetros tão antagônicos.
Nesse dia, o Fausto Silva reforçou o convite para agilizarmos uma aparição no programa de TV, "Perdidos na Noite" que a mesma equipe do Balancê produzia. Nessa altura, o programa já não estava mais na TV Gazeta, e agora era exibido pela TV Record, sob uma estrutura melhor de produção, mas a manter a anarquia generalizada. Segundo ele, nós deveríamos entregar o nosso material para a sua produtora, Lucimara Parisi, e como éramos velhos fregueses do Balancê, ela escalar-nos-ia rapidamente.
Não quero parecer intransigente, mas veja o texto desse serviço publicado na revista "Isto é", uma das maiores do Brasil. Como assim, damos uma chance ao Jazz Rock e ao Blues? A ideia do release distribuído à imprensa foi clara: todas as vertentes citadas tinham a ver com o trabalho.
Os shows de lançamento do EP foram feitos com o foco máximo que podíamos manter. Digo isso, por que o clima estava estranho internamente, apesar de estarmos sob um ritmo frenético, com tantos compromissos de mídia e shows, pois sabíamos que o Fran estava consternado com os sinais de rejeição que ficaram claros, lamentavelmente, por parte dos fãs, principalmente, mas também por pessoas ligadas mais diretamente a nós, que comentavam sobre o seu desagrado em relação à presença dele na banda. Mesmo chateados com essa movimentação, e ao vermos o Fran entristecido, não queríamos que ele saísse, sob uma primeira instância.
Para nós, tínhamos dúvidas em relação ao posicionamento que adotáramos sobre o peso extra adquirido no trabalho da banda, praticamente a descartar o repertório antigo e tradicional, mas mesmo que mudássemos tudo (que loucura, com um disco novo recém-lançado), não cogitávamos ficar sem o Fran. Gostávamos dele como cantor, frontman, artista e ser humano, sem dúvida alguma. Enfim, essa foi a nossa posição, mas ele tinha os seus sentimentos e seria natural que buscasse os seus interesses pessoais, certamente.
Digo isso ao basear-me no fato consumado, pois na prática, no calor da ocasião, é claro que eu não dimensionava dessa forma. Ninguém, aliás...
Bem, a despeito dessa energia mais baixa que notamos, o empenho nos ensaios foi total e a pré-produção, idem. Fizemos tudo o que fora possível na época, para divulgar os shows corretamente.
Tínhamos um belo cenário pronto, criado e produzido pela Elizabeth Dinola, e claro, com a providencial mão de obra de seu irmão, José Luiz Dinola. As intervenções performáticas foram mais simples desta feita, mas estavam ensaiadas a contento, também.
O técnico do Lira Paulistana, Canrobert Marques era nosso amigo e daí em diante, tornou-se até o nosso técnico em shows fora do Lira.
Enfim, tudo mostrava-se favorável para que efetuássemos ótimos shows... e assim concretizou-se! Não tenho lembranças específicas sobre cada um deles, que justificasse alguma menção especial, portanto, falarei genericamente sobre os três dias. Bem, o show começava com uma locução em off, com o poeta, Julio Revoredo a declamar um poema de sua autoria.
Tocamos todas as músicas do EP, evidentemente, além de "Luz" e "18 Horas", do compacto. Mas também tínhamos "Átila", no repertório, que continha bastante peso e as intervenções dos três instrumentistas em momentos solo, foram observadas no palco.
Geralmente tais intervenções eram longas, a justificar a saída dos demais do palco, para que voltassem em momentos combinados previamente como "deixas". Para fornecer uma diferenciação em uma dessas ausências do Fran, nos números instrumentais, criamos uma intervenção com "atores".
O sketch foi mais uma intervenção típica do "Teatro do Absurdo", com três atores a entrar no palco, ao final da música que antecedia uma dessas saídas do Fran, a sequestrá-lo, mediante o uso de força bruta e sob a mira de uma arma de fogo fictícia. Tratou-se de uma velha espingarda que o Rubens detinha em casa, que era mais uma peça decorativa do gabinete de seu pai. Claro que não funcionava, mas era real e antiga. No número, os atores entravam mascarados e tiravam o Fran com uma certa truculência. Havíamos combinado que mesmo não sendo uma ação feita por atores profissionais, que fosse contundente e rápida, para suscitar a dúvida no público.
O efeito de tal ação realçar-se-ia com o fato de que mesmo diante de uma situação inusitada, a banda continuaria a tocar, a ignorar o ato. Nessa fração de segundos, queríamos deixar o público atônito.
Claro que esse sentimento duraria poucos segundos, pois não haveria como demorar muito além do bom senso de cada um.
Mas nos três dias o efeito foi alcançado e particularmente, eu adorava ver a reação das pessoas nesse momento do show. Na parte final, uma outra intervenção semelhante ocorria, com o poeta, Julio Revoredo totalmente disfarçado, a usar um manto negro, e entrar no palco e caminhar de uma forma lenta e um tanto quanto sombria.
Uma receita de bolo absurda, lida em off, e que desnorteava o público. Acervo e cortesia de Julio Revoredo.
Mais uma locução, desta feita gravada em fita K7 (com minha voz), fora disparada e deixara o público novamente atônito. Bem mais simples, como já havia salientado, mas tais sketchs foram muito funcionais. Devo registrar que o cenário ficou lindo, mas recebeu críticas, e até motivou pilhérias, infelizmente.
O fato, é que quando vimos a concepção da obra, dos primeiros esboços apresentados pela Beth Dinola, até o seu lay-out final, não levamos em consideração a malícia, típica marca do povo brasileiro. Então, a ilustração de um homem a fitar o horizonte, sob o sol, fora retratado de costas, é bem verdade, mas este a se mostrar inteiramente nu! Em nossa visão fora uma metáfora da humanidade, mas piadas circulavam sobre o show d'A Chave do Sol (ficamos a saber), a conter um homem "pelado" como cenário e portanto, ter conotação "gay". Rimos (é claro), dessa baboseira, mas consideramos que aquilo jamais seria compreendido como algo filosófico, a evocar o humanismo, a não ser que passássemos a fazer shows na sede da "Palas Athena", ou da "Sociedade Teosófica"...
Embalagem de um saco de balões (em São Paulo, chamamos isso de "Bexiga"), que usamos no show. Acervo e cortesia do poeta, Julio Revoredo
Ao lamentarmos bastante a incompreensão do público, só usamos o cenário completo, nesses três dias, para aposentar o homem nu.
A partir daí, só passamos a usar somente a parte externa, com a fechadura, e mesmo assim em poucas ocasiões, pois demandava uma estrutura de cenografia que nem todo lugar onde tocamos doravante, possuía.
Esses três shows de lançamento do EP, ocorreram nos dias 27, 28 e 29 de setembro de 1985, no Teatro Lira Paulistana, de São Paulo. O público presente nos três shows foi de:
Dia 27: oitenta pessoas
Dia 28: cento e vinte pessoas
Dia 29: noventa pessoas
Volto a falar sobre os aborrecimentos que o disco causou-nos, pelo fato da sua rotação alternativa, ser em 45 rpm...
Link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=BclFBLpYrpM
Abordo neste instante alguns fatos sem uma cronologia precisa, por que são lembranças dispares entre si, embora oriundas de uma mesma fonte: o fato do novo álbum ter sido lançado em 45 rotações por minuto (rpm). Esses três casos que contarei, aconteceram no segundo semestre de 1985, após o lançamento do disco, naturalmente, pois as confusões são inerentes à questão gerada pela rotação alternativa do vinil.
Apenas nos anos cinquenta, surgiu uma nova tecnologia que trouxe o LP (Long Player), ou seja, um disco com maior capacidade de armazenamento de músicas e a rotação adequada para executá-lo, passou a ser de 33 & 1/3. Mas haviam também discos lançados em 45 rpm, geralmente compactos simples e duplos. Eu não saberia determinar exatamente quando surgiram os discos adequados para 45 rpm, mas sei que no meio dos anos 1980, tornou-se uma espécie de moda (uma reciclagem na verdade, pois nos anos sessenta também houvera tido um "boom" desse formato), principalmente na Inglaterra, com bandas tanto do nicho do Heavy-Metal, quanto da turma do Pós-Punk, a lançarem entre um LP e outro, um EP, ou seja, um trabalho com 45 rpm, como uma opção intermediária entre o compacto simples, que geralmente trazia o grande sucesso do LP e uma música obscura no lado B (geralmente não inclusa no LP, para forçar o fã a comprar o compacto, também) e o LP normal a seguir.
Essa matéria acima, foi publicada em junho de 1985, na Revista Bizz, a enfocar a Baratos Afins, não como loja, mas como micro gravadora que apesar de estar a lançar tantos artistas, continha as suas dificuldades financeiras, também. Na foto clicada na famosa Galeria do Rock, onde a Baratos Afins foi a pioneira loja de discos ali a instalar-se, da esquerda para a direita: Serginho Santana (Patrulha do Espaço), Robson Goulart (Performances), Hélcio Aguirra (Golpe de Estado), Luiz Calanca e eu, Luiz Domingues, com a mão no queixo e assinalado por uma marca de caneta esferográfica.
Então, antenado sempre nas novidades europeias, o Calanca quis lançar alguns discos das bandas de seu elenco, nesse formato. Os seus argumentos principais foram:
1) A tendência "moderna".
2) O fato do sulco ser mais largo, a aumentar a qualidade do áudio da bolacha.
Mas claro que houve um terceiro elemento além, que foi o fato do álbum ficar mais barato, pois se continha menos músicas, portanto minimizava o custo do artista em estúdio, a gravar menos.
Postas essas explanações, vamos aos casos propriamente ditos:
1) Certa vez, eu estava presente na loja Baratos Afins, a visar falar com o Calanca, quando finalmente ele veio atender-me. Para quem conhece o Luiz Calanca, e a movimentação na loja, sabe bem que é mais fácil marcar uma audiência com o Papa, ou o presidente dos Estados Unidos, do que falar com calma com ele, Calanca.
Não que ele seja difícil por questão de temperamento, muito pelo contrário, pois é um rapaz simples, solícito, brincalhão e sempre de bom humor. O problema, é que não param de abordá-lo, o tempo todo. É assim que ele vive desde que o conheci, em 1983, até os dias atuais.
-"como assim, parece que o vocalista está bêbado?"
-"disco estragado?"
Foi quando o Calanca disse-lhe:
-"amigo, em qual rotação o disco está a ser tocado na sua pick-up?"
Aquela frase estarreceu-me, pois temi pela resposta que o cliente daria... quando ele desligou enfim o telefone, disse-me que enquanto falava com o cliente, ouvia ao fundo a canção: "Anjo Rebelde", a ser tocada em 33 &1/3 e dessa forma, é claro que a banda soava como um pastiche em fase de derretimento...
Aconselhado a mudar a rotação no pick-up, o cliente verificou enfim, que em 45 rpm, a música era executada em sua normalidade...
2) Mais ou menos nessa mesma época, eu estava em minha casa em um domingo a tarde, a ler o jornal e descansar, quando resolvi ligar o rádio. Eu sabia que o nosso disco estava com a execução de "Anjo Rebelde" e "Um Minuto Além", na programação da 89 FM, e dessa forma, arrisquei ouvir um pouco da programação para ver se dava sorte em escutar uma das duas. Devia ser 15:00 horas mais ou menos e após uma overdose de bandas Techno-Pop oitentistas, enfim eu ouvi a introdução de "Anjo Rebelde", mas claramente na rotação errada em 33 & 1/3. A música arrastava-se e o riff soava medonho, como se o baixo e a guitarra estivessem com as cordas frouxas, muito longe da altura correta de sua afinação. Quando a voz do Fran entrou, piorou muito, pois pareceu um fantasma ébrio, a cantar uma ária de ópera no tobogã de uma piscina...
Aquilo deu-me desespero, pois fora vergonhoso para a banda, ter uma execução radiofônica nessas circunstâncias!
Então, subitamente, a música foi tirada do ar, mas de uma maneira brusca, a denotar que algum técnico entrou a correr na sala técnica do estúdio e tirou a agulha do disco as pressas, com truculência eu diria, pois deu para ouvir o som de um tremendo arranhão! Hilário! O funcionário colocou o disco no pick up, e deve ter ido ao banheiro, foi tomar um cafezinho, sei lá, e deixou tocar a música daquela maneira, até a sua metade praticamente!
A terceira história é a mais hilária, ainda que vergonhosa para a banda, embora não tenhamos tido nenhuma culpa por isso. Conto a seguir.
A terceira ocorrência foi a seguinte: ao seguirmos a orientação do Fausto Silva em pessoa, fomos preparar o material e eu, pessoalmente, fui levá-lo à produção do programa: "Perdidos na Noite", nas dependências da TV Record de São Paulo.
Nessa época, a TV Record ainda pertencia à família Machado de Carvalho, e apesar de estar decadente, notava-se nos velhos estúdios da Avenida Miruna, lembranças dos tempos gloriosos de outrora, através de fotos pelos murais etc. Bem, reminiscências a parte, lá fui eu com disco, release & portfólio debaixo do braço. Fui recebido por uma produtora, cujo nome não recordo-me, mas que tratava-se de uma subordinada de Lucimara Parisi.
Ela recolheu o material e não demonstrou muito entusiasmo quando disse-lhe que a banda havia participado de muitos programas, "Balancê", da rádio Excelsior Globo, tampouco impressionou-se quando eu disse-lhe que o Fausto Silva em pessoa, havia dado-me a dica para procurar a Lucimara etc. A sua resposta, apesar de simpática, pareceu-me protocolar, com a afirmação de que "analisariam" o material, e dar-nos-iam uma resposta em alguns dias, ao fornecer então um número de telefone para comunicar-nos o seu veredicto.
Passados alguns dias, ligamos para a produção e uma demora bem cansativa começou, com postergações sistemáticas das produtoras, para dar-nos uma resposta concreta. Um dia, uma produtora deu-nos uma resposta, enfim. Disse-nos que sentia muito, mas nós não seríamos convidados a apresentarmo-nos no programa.
A resposta lacônica irritou-me, pois na minha concepção, a banda reunia totais condições para apresentar-se. Quantas programas de TV já havíamos realizado até aquele ponto? Inclusive ao tocarmos ao vivo, foram muitos, ora bolas. Bem, claro que seria um direito deles de nos recusar, mas eu considerei incompreensível o caráter lacônico com o qual a mocinha explicava a decisão de sua cúpula, e insisti para que ela desse-me uma explicação melhor, mais plausível.
Então, tive o impulso de pedir a devolução de material, como ponto de honra, pois uma cópia do disco, e a papelada de portfólio, não haveria de fazer-nos falta, em realidade. Fui portanto, à TV Record novamente, e ao apresentar-me na porta da sala onde várias pessoas trabalhavam, uma mocinha veio atender-me. Cobrei uma explicação melhor, e aí, tive que aturar a franqueza desconcertante e desagradável que tanto evitaram falar-me ao telefone, com ela a dizer-me: -"Sinto muito, mas o som da sua banda é uma BOSTA"...
Desconcertante e é claro que cada um pensa o que quer, e artista é vitrine sujeito a pedradas, mas tal afirmativa chocou-me, evidentemente. Então, pedi-lhe o material, e ela entregou-me, mas faltava o disco dentro da capa vazia que entregara-me. Ela foi buscar o disco, e quando a vi a tirá-lo de uma vitrolinha portátil, observei que a rotação estava em 33 &1/3! Claro que acharam uma "bosta", o som da banda, por ouvi-lo na rotação errada...
Argumentei isso de pronto com ela, mas mesmo assim, a decisão de veto para o programa estava mantida. Uma pena, pois teria sido muito divertido participar, e de fato, estávamos acostumados a interagir com o Fausto Silva, por conta de nossas participações no programa "Balancê", da rádio.
-"A sua banda é uma BOSTA"... dormi com a orelha quente depois dessa!
Mesmo com a animação em torno do novo disco, oportunidades no rádio e TV, e sobretudo pela agenda em expansão, estávamos a sentir que o Fran estava muito incomodado com a reação dos fãs. Situação delicada, pois eram manifestações espontâneas e que tiveram um caráter viral, praticamente.
Ainda mais chato, fora constatar que a despeito da opinião das pessoas ter que ser respeitada, eram muito mais fruto de uma birra, do que opiniões sensatas baseadas em argumentos lógicos. O Fran era mau cantor? Desafinava? Não tinha uma emissão forte? Má dicção? Não tinha alcance de oitavas? Era mau intérprete? Mau frontman? Nada disso poderia ser aceito como argumento, pois sabíamos que ele era bom.
Talvez tenha sido prejudicado pela brusca mudança de orientação sonora e estética pela qual passamos, ao entrarmos em 1985, muito mais preocupados em aproveitar alguma suposta porta que abrir-se-ia por conta do Festival Rock in Rio. Nesse fator, eu acredito, certamente.
Fora o aspecto humano, pois sei bem o quanto ele sentia e também o quanto era uma pessoa boa. Enfim, depois dos shows de lançamento do EP, a tensão nesse sentido, aumentou e ele passou a demonstrar que não suportaria mais tal pressão.
E assim, fomos escalados para o dia 22 de outubro de 1985, sem banda de abertura, nem divisão com outro artista. Não foi um grande público, mesmo por que havíamos recém feito três dias ali mesmo, naquele teatro. Foram cinquenta pagantes naquela noite e para não dizer que esse show foi feito sem nenhum atrativo, usamos o "cenário da fechadura", mas sem a figura do homem que causara polêmica anteriormente e desta feita, o poeta, Julio Revoredo novamente participou do número do homem camuflado, que na verdade fora um número instigante, mas bem fácil de ser produzido e encenado.
Nesse ínterim, o Fran tomou a palavra em certo dia de ensaio e expôs os seus sentimentos com tudo o que estava a acontecer-lhe, e à banda naquele momento. Não tínhamos contra argumentação para demovê-lo de sua iniciativa de querer deixar a banda e buscar assim um outro rumo para a sua carreira. Ele estava acuado pelos acontecimentos, e sentia que não havia nada que nós três poderíamos fazer para amenizar tal situação.
Foram fatores externos e aparentemente irreversíveis com os quais ele não reunia condições para lutar contra. A banda também estava sendo prejudicada por essa situação na ótica dele, portanto, a sua decisão de deixá-la pareceu-lhe ser a única solução que traria benefícios para todas as partes. Muito nobre e magnânimo da parte dele pensar dessa forma, mas é claro que a banda teve a sua parcela de culpa nessa história, ainda que de forma indireta e sem dolo!
Nossa estratégia adotada desde o final de 1984, revelara-se um desastre. Hoje, percebo que não tínhamos outra solução naquela época, mas no calor dos acontecimentos, fiquei muito chateado com esse erro de estratégia, e assumo a minha parcela nesse encadeamento, pois definitivamente, fui um dos, senão o maior incentivador dessa iniciativa. Ameniza a minha consciência, o fato de que fiz/fizemos o que achei/achamos ser o melhor para a banda naquele instante.
A banda teve prejuízos com tal decisão de se tomar aquele rumo, sem dúvida. Mas como eu já expressei inúmeras vezes nesta narrativa, tratou-se de uma situação periclitante para uma banda como a nossa.
Nem para os aficionados desses gêneros, pois não considero o sucesso do "Sepultura" em meios inimagináveis, como um caminho delineado, mas um caso a parte, motivado por outros fatores diversos e que não acho que valham a pena serem esmiuçados nesta narrativa.
Pelo lado humano, foi pior ainda conviver com a ideia de que perderíamos o companheiro, Fran Alves, um colega muito leal, com princípios, caráter e vontade obstinada de construir uma carreira vitoriosa. O vilipêndio pelo qual ele fora submetido, revelou-se triste e nesse aspecto, não tínhamos como amenizar tal situação e tentar convencê-lo de que deveria permanecer e arriscar um pouco mais conosco. Quem sabe se tentássemos gravar um eventual segundo disco com essa formação, e promovermos alguns ajustes?
Por outro lado, sabíamos que em um eventual novo disco, aquele peso deveria ser coibido, não restava dúvida. Portanto, a melhor solução seria mesmo uma reestruturação, com nova mudança de formação, e orientação sonora.
Acatamos a decisão do Fran, com muito pesar, por tudo o que já mencionei, e acertamos que os próximos três próximos shows que faríamos, seriam os últimos com a sua presença. Seriam realizados no Rainbow Bar, em duas datas (sexta e sábado), e um ao ar livre no domingo posterior, a inaugurarmos uma nova praça pública criada pela prefeitura, no bairro das Perdizes, zona oeste de São Paulo.
Já a sabermos que a reformulação seria total, partimos então para os últimos shows com o Fran, como membro da banda.
Os dois primeiros, foram realizados no Rainbow Bar, que a boca pequena era apelidado carinhosamente pelos Rockers locais como o "Marquee" paulistano, a fazer-se referência (e reverência, como não), ao famoso pub londrino, que desde os anos 1960 promovia shows de Rock com bandas emergentes, e entre tantas, algumas que tornaram-se mundialmente famosas, posteriormente. Os shows foram energéticos, e o público não notou que estávamos abatidos internamente com o prenúncio do que ocorrer-nos-ia a seguir.
O Fran logicamente deu o seu melhor ao vivo, mesmo triste com a sua decisão de sair da banda, e assim, não deixar que tal melancolia transparecesse ao público. Fizemos o show habitual que estava ensaiado, calcado no EP recém lançado. Os shows ocorreram nos dias 25 e 26 de outubro de 1985.
No dia 25, uma sexta-feira, setenta pessoas assistiram-nos, e no dia seguinte, sábado, dia 26, duzentas pessoas lotaram as dependências da casa localizada no bairro do Jabaquara, na zona sul de São Paulo, a dois quarteirões da estação do metrô, homônima. No show do sábado, o Fran terminou o show bem desgastado.
Na minha ótica atual, amparado pelo distanciamento histórico, é óbvio que somatizara a sua tristeza emocional decorrente de toda a amargura que acumulara nos dez meses em que foi membro, graças aos comentários negativos que a sua presença na formação despertou da parte das pessoas em geral. Mesmo ao manter uma postura de uma dignidade exemplar, foi natural que estivesse arrebentado, emocionalmente.
De fato, ele não recuperar-se-ia a tempo, pois encerramos o show do sábado, na madrugada do domingo, e o compromisso na praça pública, seria no início daquela mesma tarde. Agradecemos a boa vontade dele, e o dispensamos desse sacrifício, ao dispor-nos a fazermos o show no formato de Power-Trio, e evocar assim, o repertório antigo, e de qualquer forma, seria um show de choque, portanto, não haveria nenhum problema para o trio original fazê-lo, sem a presença do Fran.
Não estou a queixar-me, de forma alguma, pois nesse caso, essa antecipação foi providencial. De fato, pela dramaticidade da nossa situação naquele momento, com a saída do Fran, a contrastar com diversos compromissos firmados, um disco para ser divulgado e a mídia a falar de nós, o tempo urgia!
Roberto Cruz. Nome artístico, Beto Cruz, e para os amigos, Betão...
A encerrar o relato, antes de avançar enfim nessa nova perspectiva que avistou-se a respeito de um novo vocalista a ingressar de uma forma instantânea, falo sobre o show na praça. Foi uma inauguração promovida pele prefeitura de São Paulo.
Um pequeno terreno pertencente à prefeitura, em plena Avenida Sumaré, na zona oeste de São Paulo, acabara de ser remodelado, e seria entregue à população como um a pequena praça com ares de um mini parque.
Dessa forma, tocamos, sem o Fran, mas sem problemas maiores, no campo estrutural, por que no emocional, estávamos chateados.
E assim foi, no domingo, dia 27 de outubro de 1985, ao inaugurarmos a Praça Ana Maria Poppovic, que aliás, está super mal-cuidada nos dias atuais (2016), praticamente a retroceder à condição de um terreno baldio, sujo, com equipamentos quebrados, e frequentada por gente mal-intencionada, e à cata de refúgio para atividades ilícitas.
Com a rápida ação do Rubens, cortamos caminho ao apanharmos um tremendo atalho, pois a tendência natural teria sido iniciarmos um longo processo de busca e escolha de um novo vocalista para seguirmos em frente. Todavia, diferente de ocasiões anteriores, desta vez houve a agravante de que com o disco novo, fora a música: "Crisis (Maya)", que era instrumental, e oriunda do velho repertório, e "Anjo Rebelde", que o Rubens cantava com tranquilidade, todas as demais ficaram inviáveis para serem executadas sem um vocalista de ofício.
Portanto, por ter pensado no Beto Cruz, e antecipando-se à morosidade de reuniões que fatalmente faríamos para buscar soluções de reestruturação, ele deu um golpe de mestre a favor da banda, reconheço.
Foi uma visita cordial e aí sim, despedimo-nos oficialmente, mas sob um nível de amizade muito grande. Falamos abertamente sobre os erros e acertos que tivemos nos dez meses em que trabalhamos juntos. Ele desejou-nos boa sorte, e nós retribuímos os votos, ao desejar-lhe que ele logo desse prosseguimento à sua carreira, com novos projetos. Nessa conversa, ele disse-nos que procuraria algo mais "Pop", sem grandes arroubos instrumentais, como mostrava-se o som d'A Chave do Sol. Ele teve razão em buscar a simplicidade Pop nos arranjos e de certa forma, esse seria também o caminho que em breve seguiríamos, com uma terceira grande reformulação da sonoridade da banda.
Independente de precisarmos fazer isso naquela ocasião, é claro que a banda já contabilizava prejuízos na construção de sua carreira, pois um item básico para qualquer artista, é não mudar a formação ou pelo menos tentar não mudar muito. Banda que troca de membros constantemente, mostra-se desestruturada sob uma primeira leitura e pior, dificulta e muito o seu marketing, a atrapalhar bastante a sua logística. E se mudar de membros é prejudicial, imagine então mudanças bruscas de sonoridade!
A banda existia desde 1982, apenas, mas para uma análise mais precisa, poder-se-ia contabilizar o ano de 1983, como onde começou a ficar conhecida de fato, graças às primeiras exibições na TV. Então, em dois anos, estávamos a partir para uma terceira mudança sonora radical, e a pergunta é simples: isso fora saudável? É claro que não!
Bem, mais uma vez ficamos acuados e não tivemos escolhas, nesse quesito, em específico. Além da novidade relâmpago da saída do Fran Alves, e a entrada do Beto Cruz, outra novidade que apresentara-se foi a aproximação de uma pessoa que queria fazer uma experiência com a banda, como empresária. Tratou-se de uma antiga produtora do programa, "A Fábrica do Som", da TV Cultura de São Paulo e que acompanhava-nos desde 1983, portanto, chamada: Cristiane Macedo.
Continua...
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