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sábado, 16 de maio de 2015

A Chave do Sol - Capítulo 8 - Dias de Chico Dias - Por Luiz Domingues

 
Houve um evento que ocorreu na Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, com a participação de bandas desconhecidas em um domingo a tarde, nesse mês de agosto de 1984. Eu, Luiz, Rubens e o Zé Luiz, fomos prestigiar, mesmo por que estávamos a começar um bom relacionamento com a cúpula do Teatro Lira Paulistana, e recentemente havíamos apresentado-nos com sucesso, em tal teatro.

Uma determinada banda foi encaixada de última hora no evento, mas o baixista estava desprevenido, e alguém da equipe do Lira Paulistana, cuja lembrança mais precisa foge-me para citar nominalmente, pediu-me a gentileza para que eu emprestasse o meu baixo para o rapaz tocar. 

Sinceramente não lembro-me tampouco por que eu estava com o meu baixo ali em mãos na ocasião, pois A Chave do Sol não iria tocar. Mas enfim, eu o socorri e a banda pôde apresentar-se. Tal grupo não tinha nada demais, pois era inclusive muito fraca, tecnicamente. A sua proposta pareceu ser similar ao som da banda gaúcha, "Os Garotos da Rua", grupo que detinha um a boa projeção no Rio Grande do Sul, mas esta, chamada: "Licor de Maçã", além de ser obscuríssima, mostrava-se muito piorada, em relação à boa banda de Bebeco Garcia & Cia.

 

Por coincidência, eles também eram gaúchos, e os seus membros estavam a apostarem as suas fichas nessa apresentação para tentar a sorte em São Paulo, o que prova que sonhar é gratuito, mas tornar tal devaneio uma realidade, custa muito caro. 

No entanto, uma particularidade chamou-nos a atenção: o vocalista desse grupo detinha um potencial vocal muito bom e presença de palco interessante, ainda que precisasse de muita lapidação para atingir um nível profissional. O importante, no entanto, foi que detectamos um potencial forte no rapaz. Lembro-me de nós três a entreolharmo-nos durante a apresentação da banda, e comentarmos sobre isso.

O Rubens foi astuto, e assim que terminou a apresentação dessa banda gaúcha, abordou-o a sair do palco, e o convidou para um teste com A Chave do Sol, no dia seguinte. 

Na mesma hora, o rapaz aceitou, pois de uma maneira recôndita, ele sabia que seria muito difícil conseguir algo para a sua banda, e que na verdade, tentava a sorte individualmente, também. Nesse sentido, os seus colegas sabiam disso, igualmente. Portanto, sem ferir nenhuma questão ética ao menos em tese, o convite foi feito, e o sujeito aceitou o teste e uma conversa. 

Após trocarmos contatos, o Rubens combinou de buscá-lo no local onde hospedara-se em São Paulo, e no dia seguinte, às três da tarde, o rapaz apresentou-se no nosso ensaio, pronto para submeter-se a um teste.

Chico Dias, em foto informal clicada em sua residência, na cidade de Rio Grande-RS, algum tempo antes de o conhecermos. Acervo familiar de Chico Dias

Lembro-me que foi excepcional o seu desempenho e após algumas músicas tocadas (clássicos do Rock 1960 & 1970), nós formalizamos o convite, e ele aceitou, efusivamente. 

Deu para sentir nele a empolgação, como se estivesse com um bilhete de loteria sorteado em mãos. Ele conhecia A Chave do Sol, graças às nossas aparições no programa, "A Fábrica do Som", que fora retransmitido para o Rio Grande do Sul, via TVE gaúcha. 

Naquele dia mesmo, o levamos à rodoviária, pois ele precisava voltar imediatamente ao sul, e assim, nós ficamos com a incumbência de providenciarmos um lugar para ele morar em São Paulo. 

Ele voltaria em poucos dias, com a sua bagagem definitiva, e tivemos que esforçarmo-nos para arrumar um lugar. Mal sabíamos, contudo, que seria uma etapa com muitas histórias a serem acumuladas, que hoje reputo como cômicas, mas muitas delas, foram dramáticas à época. 

Aperte o cinto na poltrona, amigo leitor, pois contarei todas as particularidades que lembrar-me, a partir deste ponto. Foi a "fase Chico Dias" que iniciara-se para A Chave do Sol, que foi muito rápida, porém intensa...

Foto do Chico Dias, exatamente na rua em que foi residir, no bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo, e feita no dia em que desembarcou na capital paulista, para trabalhar com A Chave do Sol, em agosto de 1984. Click, acervo e cortesia de Julio Revoredo

Então, nesse ínterim do Chico Dias ter voltado à sua cidade natal para preparar a sua mudança para São Paulo, passamos um bom tempo a procurar uma moradia para ele. Naturalmente, não tínhamos condições para abrigá-lo em nossas respectivas residências e dessa forma, a nossa ideia original foi buscar uma acomodação em uma pensão, onde ele pudesse contar com um quarto privativo.

Com a verba curta e na impossibilidade dele bancar-se sozinho por muito tempo, foi a mais razoável alternativa, visto que não seria possível pensar em alugar uma casa ou um apartamento para ele viver com maior comodidade. 

Tínhamos a esperança, todavia, de que essa acomodação em um pensionato simples, seria momentânea e com a banda a alçar voos maiores, ele poderia enfim residir em uma habitação melhor, com maior conforto. 

E a busca começou pela maneira mais usual que dispúnhamos nos anos 1980, sob uma fase pré-internet popularizada: através de um jornal de classificados, chamado: "Primeiramão".

Havia uma infinidade de anúncios sobre pensões a oferecerem quartos e dessa forma, selecionamos os mais próximos da casa do Rubens, ao pensarmos na facilidade do Chico Dias para locomover-se, e principalmente ao levar-se em consideração o fato dele não conhecer absolutamente nada da cidade de São Paulo. Claro, o fator financeiro também pesou e não poderia ser muito caro.

A nossa busca foi intensa e também bizarra em alguns momentos. Lembro-me de haver visitado pelo menos entre oito a dez pensionatos, e em alguns, termos tido reações estranhas por parte de seus donos. Por exemplo, em um deles, quando viram-nos, resolveram simplesmente mentir, ao dizer-nos que a vaga já estava preenchida. Nos sentimos como naqueles filmes norte-americanos a focar em preconceito contra negros, índios ou hippies...

Em outro estabelecimento, neste caso tratou-se de duas simpáticas senhoras idosas que nos receberam e que a grosso modo demonstraram ter adorado-nos, pois éramos cabeludos, mas bonzinhos, educados... e dessa forma, ofereceram-nos chá, biscoitos etc. Pareceu ser um ambiente familiar saudável, e ficou entre as favoritas para fecharmos negócio. 

E uma outra pensão, foi demais o que vimos! Tratou-se de uma casa sinistra, com retratos estranhíssimos exibidos pelas paredes, a parecer-se com um mausoléu. Com decoração lúgubre, tinha a ambientação semelhante à residência da Família Adams...

A senhora que atendeu-nos lembrou-nos algum personagem dos filmes do Zé do Caixão e por mais engraçado que pareceu-nos naquele momento, não achamos adequado colocá-lo ali, pois em dois ou três dias, ele entraria em depressão, fatalmente. 

Todavia, mesmo nas casas onde achamos condições boas para o Chico poder viver, o fator aluguel preocupara-nos. A banda crescia e detinha uma agenda em franca expansão, contudo, ainda não tínhamos uma estabilidade tal que permitisse a segurança financeira absoluta. Teria sido um risco grande que correríamos e ele também, é claro.

Ao analisar sob o prisma da minha atual idade, neste ponto em que escrevo, sem dúvida que foi uma loucura bancar a vinda dele em uma circunstância assim. 

Da parte dele, mais ainda, ao considerar-se que o Chico era apenas um garoto, com dezoito anos de idade naquela ocasião. Mas também admiro o arrojo e sobretudo a confiança que tínhamos no trabalho. A confiança que depositávamos no sucesso da banda, foi muito grande, e isso é algo a ser considerado. 

Estávamos quase a fechar com uma pensão, apesar do aluguel estar acima do razoável para as nossas posses, quando uma solução doméstica e providencial surgiu, através de um grande amigo e colaborador da banda!

Na primeira foto, o poeta, Julio Revoredo, em foto de seu acervo pessoal e gentilmente cedida para ilustrar a minha autobiografia. Na segunda foto, Chico Dias já a vestir a camisa da nossa banda, literalmente, e feliz da vida no portão de entrada da residência do poeta, Julio Revoredo. Click e acervo do próprio, Julio Revoredo

Pois foi o poeta, Julio Revoredo, quem teve a ideia que salvou essa situação marcada por incertezas. Ao partir inteiramente dele a iniciativa, Julio propôs que Chico Dias ocupasse um quarto que estava vago em sua residência, localizada no bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo. 

Tal oferta generosa foi imediatamente aceita por nós, e além do mais, para quem não conhece a cidade de São Paulo, se não era exatamente perto da residência do Rubens, digamos que ficava localizada a uma distância módica, em linha reta, a bastar usar qualquer ônibus que circulasse pela Av. Santo Amaro, sentido centro, e sem trânsito, chegava-se em vinte minutos, aproximadamente. E também seria possível enfrentar a pé, pois não seria nenhuma maratona intransponível, ainda mais para um jovem recém-saído da adolescência.

Claro, ficou estabelecido que o Chico ofertasse uma ajuda de custo para auxiliar nas despesas, visto que faria refeições, fora as demais despesas naturais de uma residência. Mesmo assim, sairia muitíssimo mais barato do que hospedá-lo em uma pensão tradicional. 

Tirante o fato de que estaria alojado em um lar familiar, muito diferente de ficar em uma pensão entre estranhos e sem dúvida, com o Julio Revoredo, ele estaria acompanhado de um grande amigo, incentivador e colaborador/parceiro da banda.

O dia em que o Rubens foi buscar Chico Dias na rodoviária Tietê: habemus vocalista! Click, acervo e cortesia de Julio Revoredo

Então, poucos dias depois, assim que chegou do Rio Grande do Sul, o Rubens levou-o à residência do Julio. Esse dia "histórico" para A Chave do Sol, foi registrado em fotos, pelo próprio, Julio, que sempre teve o hobby de fotografar. 

Foi um passo e tanto para o jovem, Chico Dias. Ele estava com o semblante assustado, assim que chegou e sua adaptação não foi nada fácil. Demos um dia de folga para ele recuperar-se da longa viagem e no dia seguinte, teríamos o primeiro ensaio e o início de um esforço coletivo para colocá-lo em condições para apresentar-se ao vivo, visto que tínhamos datas fechadas em vista.

E houve uma preocupação extra: com a mudança de formação de trio para quarteto, o repertório sofreria mudanças inevitáveis. 

Precisávamos de mais músicas vocalizadas, a diminuir a quantidade de temas instrumentais que tínhamos em profusão na primeira fase da trajetória da nossa banda.

Além disso, seria a oportunidade para criarmos mais canções pesadas, dentro daquela proposta para se adequar mais o som à realidade dos anos oitenta. Enfim, foi um tempo vivido sob muito trabalho e para correr contra o relógio, ao deixar A Chave do Sol em condições de brigar por um espaço no mainstream do BR-Rock 80's.

Chico Dias a posar em um daqueles muros que picháramos em 1983... Click, acervo e cortesia de Julio Revoredo

A adaptação de Chico Dias à megalópole de São Paulo, não foi nada fácil. Para ele, Porto Alegre já era demasiada grande, pois a sua cidade de origem era Rio Grande, localizada no litoral sul do estado, quase na divisa do Brasil com o Uruguai. 

Por coincidência, eu conheço a cidade portuária de Rio Grande-RS. Eu tinha (tenho) parentes distantes do meu ramo paterno a viverem naquela cidade, e por três vezes, em meio a viagens familiares, visitei-a, em 1961, 1967 e 1976.

Esse fator ajudou-me a criar uma atmosfera tranquilizadora para ele, pois conversamos sobre a sua cidade, embora as minhas memórias fossem poucas, mais centradas na viagem de 1976, quando eu já era adolescente e evidentemente armazenei mais lembranças sólidas.
Rio Grande era uma cidade pequena, apesar de ter um porto gigantesco, o mais meridional do Brasil e se não engano-me, o terceiro em tamanho, apenas atrás de Santos e Rio de Janeiro.
Fica distante, cerca de sessenta Km de Pelotas, esta por sua vez, uma cidade com maior porte, uma das maiores do estado do Rio Grande do Sul. Por isso, eu podia compreender o choque que foi para ele, estar em São Paulo e enfrentar a rudeza da megalópole, difícil para quem não está habituado, eu entendo.
Esse foi o primeiro ponto. Mas houveram outros, naturalmente, a começar pelo fato de que ele era extremamente jovem e apesar do potencial vocal, a sua inexperiência de palco foi algo preocupante. Essa transição de uma pequena banda interiorana, acostumada a parcas apresentações amadorísticas, para algo muito maior, foi assustadora, é claro.

Estávamos fora do patamar mainstream, mas o tamanho que tínhamos naquele momento de 1984, fora incomensurável em uma análise comparativa em relação à sua ex-banda. 

Só o fato de termos um disco, o compacto recém-lançado, já foi algo extraordinário para os parâmetros dele. Fora as muitas exibições na TV, entrevistas de rádio, perspectivas para shows e resenhas publicadas por jornais e revistas de grande circulação. 

Sem dúvida, foi algo muito grande para o imaginário dele, e aliado à sua extrema juventude e inexperiência, somada pela adaptação à cidade grande, foi um turbilhão que ele teve de enfrentar, certamente.

Para amenizar esse choque, eu (Luiz), Rubens & Zé Luiz, imbuímo-nos na boa vontade para dar-lhe o melhor respaldo possível. Fora o poeta, Julio Revoredo e a sua família, que o acolheu, a família do Rubens que tratava-o muito bem, e a do Zé Luiz, idem. No meu caso, por morar mais longe, ele teve pouco contato com os meus familiares, mas também foi bem tratado, apesar disso. 

E para ir além, ele igualmente foi "adotado" por muitos amigos da banda, aquele pessoal que gravitava em torno de nós, e acompanhava-nos, desde 1982.

Com uma única exceção: o Wagner "Sabbath", pessoa já amplamente citada em capítulos anteriores, este nunca absorveu a ideia de que nós nunca tenhamos cogitado dar-lhe uma chance para ser vocalista da nossa banda, apesar de seus insistentes pedidos para testes, participações e afins. 

Portanto, quando ele percebeu que efetiváramos, Chico Dias, um rapaz que aparecera "do nada", vindo lá do litoral do Rio Grande do Sul, sentiu-se magoado, certamente. Porém, a sua mágoa não voltou-se contra nós, especificamente, mas dirigiu-se ao Chico Dias.
O clima foi sempre hostil entre os dois, e quase resultou nas "vias de fato'", certa vez, com a "turma do deixa disso" a apartá-los a tempo, em certa ocasião, na porta da residência do Rubens. 


Logo teríamos shows, e o Chico precisava estar bem ensaiado e pronto para a estreia. E tínhamos a preocupação também de realizar uma urgente sessão de fotos, e um novo release, com a sua incorporação à banda, devida e oficialmente relatada. 

Contudo, por necessidade, nós faríamos shows ainda como Power-Trio, antes da estreia dele.

Resenhas que foram publicadas nessa época e a animar-nos muito! Aqui, em um jornal de grande circulação de Curitiba, ao fazer com que extrapolássemos a fronteira estadual.

E como teríamos compromissos marcados para um curto espaço de tempo, decidimos só promover a estreia do Chico Dias, em um outro momento adiante, com maior segurança. Por isso, fizemos os shows mais próximos, que estavam marcados, ainda sob o formato do Power-Trio, a adiar a estreia dele, para setembro. 

Nesse ínterim, estava a se mostrar dramática a adaptação dele à cidade de São Paulo. Apesar de ter aprendido a deslocar-se da casa do poeta, Julio Revoredo para o ensaio, até a casa do Rubens (ao ser ciceroneado, inclusive, pelo próprio, Julio, nos primeiros dias), tal deslocamento o assustava. 

Contudo, houveram outros temores da parte dele, indisfarçáveis e que compreendemos, pelas circunstâncias. Por exemplo, notamos que ele evitava sempre ocupar o banco do passageiro, no carro do Rubens, ou no do Zé Luiz. O motivo mostrara-se prosaico: ele ficava apavorado com o movimento, principalmente em relação ao enorme fluxo de ônibus observados nas grandes avenidas.

Chico Dias a espreguiçar-se em uma praça pública de sua cidade natal, Rio Grande-RS. Acervo de Chico Dias
 
E ele logo deu mostras de que estava com saudade de sua rotina caseira, ao lado da família, e na segurança de sua pequena cidade.
Muito natural que sentisse tal nostalgia, entendemos, mas ao mesmo tempo, preocupou-nos, pois mal estávamos a iniciar a convivência, e não havia acontecido ainda nenhum show sequer. 

Nesse sentido, lembro-me dele a tecer comentários singelos do tipo: -"três da tarde... nesta hora, a minha mãe estava a preparar-me um mingau"... pronunciado mediante o seu forte sotaque gaúcho.

Se por um lado entendíamos a sua nostalgia, e relevávamos o fato ter sido duro para ele viver em São Paulo, para arriscar uma carreira e a ter o respaldo de estranhos, praticamente, por outro, ao analisarmos pelo aspecto frio, foi preocupante também para nós, termos feito uma aposta em alguém tão novo, desestruturado financeiramente, e tão longe de casa. 

Se ao menos ele fosse paulistano e tivesse a estrutura familiar presente, tudo teria sido mais fácil para ambos, é claro. Mesmo sendo bastante imaturo, daria para nós arriscarmos a aposta, baseado no potencial artístico dele. Porém, sem respaldo sociofamiliar, tudo amplificara-se em termos de insegurança mútua.

E ainda houveram outros aspectos: além de prepará-lo para o palco, preocupava-nos a sua imaturidade para ser frontman, naquele momento em que a banda estava a obter oportunidades, na mídia.

Como comportar-se-ia em uma entrevista (e de fato, teríamos que submetê-lo a isso), e logo surgiriam tais compromissos?
Tanto no rádio, quanto na TV, seria inevitável que dessem-lhe a palavra, mesmo se nós três, mais tarimbados e acostumados, tomássemos a dianteira. 

Seria natural que o "vocalista" fosse procurado pelo entrevistador, até mais do que qualquer outro membro da banda. E mais um fator: em um momento em que estávamos a aprimorar o nosso figurino, ele chegou em São Paulo, despreparado nesse quesito. Portanto, fora mais uma preocupação que tivemos.

Dessa forma, o show mais próximo em questão, realizou-se ao ar livre, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, em frente ao teatro Lira Paulistana. Foi parte do show de lançamento de um livro chamado: "Das Tripas, Coração", de um escritor, chamado, Dau Bastos. 

Cerca de trezentas pessoas estiveram presentes, e não havia nenhum nome forte que tivesse tocado no mesmo dia. A maioria das bandas que ali apresentaram-se, estavam em um patamar de pequeno porte, e assim, não despertou a minha atenção, nem como possivelmente emergentes. Isso ocorreu no dia 12 de agosto de 1984.

Foi um show de choque, naturalmente, e lembro-me de termos tocado músicas óbvias para esse tipo de apresentação rápida, tais como "Luz" e "18 Horas". Ainda em agosto de 1984, realizamos mais duas apresentações no formato do Power-Trio, antes de promover a estreia oficial do vocalista gaúcho, Francisco Dias, vulgo "Chico Dias". 

O próximo, inclusive, foi um realizado no interior de São Paulo, na cidade de Vinhedo, bem próxima da capital, e no meio do caminho para Campinas.

Tratou-se de uma casa noturna, que propunha-se a seguir a moda oitentista das "danceterias". Chamava-se: "Scalla", e era localizada no centro daquela simpática cidade interiorana. Instalada em um casarão típico do interior, e adaptado de residência para estabelecimento noturno, continha esse charme extra, mas claro, deixava a desejar na infraestrutura para abrigar shows de Rock de uma forma adequada. 

O fato, foi que toda a "aura" de danceteria, na verdade, ficara mesmo obscurecida, por evidenciar tratar-se de um tímido Bar, com palco minúsculo, iluminação e PA deficientes, ausência de um camarim etc. 

Esse show foi um pouco tenso, contudo. Isso por que o contratante não informou-se corretamente sobre o nosso trabalho e dessa forma, ao esperar que tocássemos covers provenientes de artistas que militavam no movimento "BR Rock" oitentista, irritou-se com nosso repertório autoral, e intragável para um público formado por jovens burgueses e incautos em sua maioria.

E pior, fomos um pouco hostilizados pelos jovens interioranos. E o motivo fora outro, além da questão do mal-estar gerado por não tocarmos músicas conhecidas. O fato, é que alguns contrariaram-se por notar que algumas meninas ali presentes, estavam entusiasmadas em demasia conosco, mais pelo fato de sermos cabeludos, fator raro naqueles tempos oitentistas, e sobretudo por sermos oriundos da capital.

Então, entre uma música e outra, alguns insultos foram proferidos e mesmo assim, levamos o show adiante sem abalarmo-nos, pois aceitar a provocação teria sido o que desejavam, certamente. Ficou nisso, mas curiosamente, duas semanas depois, enfrentaríamos o mesmo problema, em outra cidade interiorana e dessa vez, o imbróglio foi mais sério e logo mais eu comento a respeito. 

Ainda a descrever sobre esse show ocorrido na danceteria, "Scalla", eu, particularmente, fui hostilizado quando fui trocar-me no banheiro coletivo da casa, único lugar onde fora possível tal preparação pessoal, na ausência de um camarim decente. Muitos jovens burgueses ironizaram o meu visual Rocker, e a questão ali não foi a típica confrontação de oitentistas contra Rockers sessenta-setentistas (prática normal naquela década), mas ignorância mesmo, estilo "velha guarda", por hostilizarem-me por eu ter cabelo comprido. 

Oitocentas pessoas, mais ou menos, estiveram presentes e certamente não entrou para a história da banda como uma de suas melhores apresentações, apesar do cachê ter sido bom, muito provavelmente como o único ponto positivo, para nós nesse dia 18 de agosto de 1984. 

Enquanto preparávamos o novo vocalista, Chico Dias para a estreia, sentimos que o próximo compromisso, apesar de importante para a projeção da banda, seria ainda prematuro para que ele, Chico, pudesse estrear com segurança. Tratou-se da nossa primeira aparição em um evento ao ar livre, que ganhava força em São Paulo naquela ocasião, denominado: "Praça do Rock". 

Vista aérea do charmoso Parque da Aclimação, localizado no bairro de mesmo nome, na zona sul de São Paulo

Tratava-se da iniciativa de um simpático jornal de bairro, o "Jornal do Cambuci & Aclimação", bairros que envolvem o famoso Parque da Aclimação, onde o evento estava a ocorrer já com algumas edições efetuadas. 

Esse evento foi um sonho pessoal de um jovem músico, nosso contemporâneo, chamado, Dalam Junior. Morador do bairro e muito ativo nas ações culturais e também a envolver questões da cidadania, por ser um militante ativo de tais ações, ele se tornou muito amigo dos editores do jornal do bairro, o simpático casal formado pelos jornalistas: Roberto e Mirna Casseb. Eles também eram ultra ativos nas ações de cidadania, com múltiplas realizações em prol dos bairros que circundam o parque e incluso, muitos empreendimentos culturais e esportivos. 

E dessa forma, com esse entusiasmo, viabilizaram dentro do departamento de parques da prefeitura de São Paulo, a autorização para que o evento "Praça do Rock" pudesse ser desenvolvido, além de viabilizar o patrocínio da secretaria de cultura municipal para promover o evento, com a questão da locação do equipamento de PA e ajuda na divulgação. 

O Dalam foi decisivo nesse processo, por ser um músico em atividade intensa, e conhecer muita gente do meio. O seu entusiasmo como produtor foi a mola mestra de tudo, além da participação da ativista cultural, Isaura La Cour, também conhecida pelo seu apelido: "Papum" e de outros apoiadores.

Nós já sabíamos da existência desse evento, desde 1983, e já tínhamos enviado o nosso então tímido material a pleitear participar. No entanto, o tempo passou e A Chave do Sol alcançou um outro patamar em termos de projeção midiática, muito diferente entre um ponto e outro, no momento em que fomos escalados enfim para participar, em agosto de 1984. 

E o evento "Praça do Rock" também crescera nesse ínterim, com muito mais público presente, e o Dalam a trabalhar intensamente para fazê-lo crescer a cada dia, ao melhorar a sua logística toda.

                         Dalam Junior em foto bem mais atual  

Portanto, quando fomos escalados, fora em um momento bem mais propício para a banda e o evento seria (e o foi), uma ótima oportunidade para propiciar-nos um novo élan, a somar-se a tudo o que estava a ocorrer conosco, em termos de projeção, naquele instante. 

Sendo assim, ficamos muito animados para participarmos, apesar de lamentarmos o fato do vocalista, Chico Dias, ainda não estar preparado adequadamente, pois sentíamos que precisávamos de um frontman, urgentemente.

Nesse ínterim, em meio à adaptação do vocalista, Chico Dias, conosco, muitas coisas aconteciam paralelamente, conforme eu já alertei, anteriormente. 

Passados os dois shows de lançamento oficial do Compacto, tínhamos perspectivas de divulgação nas rádios e TV's. Começavam a aparecer também, as primeiras resenhas do disco, publicadas na imprensa escrita.

A primeira resenha que muito animou-nos, foi publicada na Revista "Roll", que foi naquele momento de 1984, a principal revista a cobrir o universo do Rock & Pop do país. Super calorosa, tal resenha elogiou-nos e assim cotou bem o lançamento. Essa primeira resenha em uma revista de porte nacional, além de orgulhar-nos, abriu portas, pois dali em diante, passamos a frequentar as páginas de outras revistas, além de voltarmos à própria revista Roll, muitas vezes, dali em diante. 

Assim como as aparições no programa, "A Fábrica do Som", foram importantes para colocar-nos na linha de frente, para lutarmos por um lugar no mercado, quase na mesma proporção, aparecer nas páginas de revistas como a Roll, tinha o mesmo efeito. Disse "quase", pois o peso da TV era (é) muito maior como difusor de imagem, em relação à imprensa escrita, obviamente. 

Essa resenha foi publicada na edição de agosto de 1984, em seu número nove.

Tirante notas de shows e uma micro entrevista concedida ao jornal "Folha da Tarde", ainda em 1982, essa resenha da revista Roll, foi sem dúvida a melhor peça de portfólio que conseguimos, do início da banda, até esse momento de julho-agosto de 1984. 

Feitos melhores viriam para nós através da imprensa escrita, doravante, mas essa resenha foi realmente a primeira importante, e com visibilidade em um órgão focado no mundo do Rock, e música em geral. Eis a reprodução do que publicaram ao nosso respeito:

"O Compacto de estreia do grupo paulista, A Chave do Sol, produção independente de Baratos Afins, mostra que ainda é possível fazer um bom Rock, sem grandes inovações, desde que o trabalho seja realizado por músicos talentosos. 

E, é exatamente este o caso do grupo A Chave do Sol. No lado A do compacto simples, eles tocam um rockão. com uma ótima presença da guitarra de Rubens Gióia e pelo belo apoio vocal de Soraia e Rosana. 

A música, intitulada  "Luz", possui uma grande espontaneidade, além daquele clima bem swingado, característico do legítimo Rock. No lado B, a faixa "18 Horas", um tema instrumental, tipo jam-session, onde os músicos mostram todo o seu virtuosismo. 

A excelente linha de baixo de Luiz Domingues, as viradas do baterista Zé Luis e a perfeita levada do guitarrista Rubens, se complementam, formando um som compacto e uniforme, sem maiores pretensões. 

Para um grupo estreante no vinil e com a proposta de fazer um som que reúna um pouco do blues, do Rock, do progressivo e do Hard-Rock, o Chave do Sol pode ser saudado como uma grata revelação e, no mais, é torcer, para que em breve, eles possam mostrar todo o seu potencial num LP. 

Obs: o compacto do Chave do Sol só se encontra à venda na loja Baratos Afins, em São Paulo".

Após o show realizado na cidade de Vinhedo, os nossos esforços centraram-se no show que faríamos ao ar livre no Parque da Aclimação, inseridos no evento denominado: "Praça do Rock". 

Foi no domingo, dia 26 de agosto de 1984, sob uma tarde muito fria em São Paulo, que nos apresentamos. Que eu me lembre, até o fim dos anos oitenta, as estações climáticas em São Paulo eram totalmente definidas e dessa forma, agosto era gelado, tradicionalmente, com maio, junho, e julho, muito mais gelados, também.

E assim, lembro-me muito bem quando subimos ao palco da famosa concha acústica, que ficava (fica) em frente ao lago do parque, o termômetro eletrônico que ali ficava instalado, marcava 7° graus. 

Naquela tarde, apresentaram-se também outras bandas, naturalmente. Além da Chave do Sol, passaram pelo palco do evento, o "Cygnus", "Ano Luz" e "Abutre". 

O "Cygnus", era uma banda muito interessante, que praticava um som instrumental voltado ao Jazz-Rock setentista, o que dava-lhes uma boa similaridade conosco, apesar de que estávamos a mudar a orientação nesse momento, conformo venho a relatar nos últimos capítulos. 

O show do "Cygnus" foi bom e eu gostei da proposta e do trabalho, com bons músicos em sua formação, sem dúvida. Muitos anos depois, fiquei amigo do baterista, por outro motivo. Falo sobre o baterista, Paulinho, que tornou-se técnico de PA do Centro Cultural São Paulo, e operaria muitos shows da Patrulha do Espaço, em que eu atuaria no futuro, e também do Pedra, a seguir, no decorrer dos anos 2000.

Show do "Ano Luz", com Fran Alves em destaque, no mesmo dia em que apresentamo-nos nesse evento, pela primeira vez: Praça do Rock. Click. acervo e cortesia do poeta, Julio Revoredo

A segunda banda, foi o "Ano Luz", uma banda orientada pelo Hard-Rock, a beirar o limite do Heavy-Metal, mas com boas influências setentistas, ainda que obscurecidas pelo caráter pesado daquele trabalho deles, naquele momento. 

Era uma boa banda, com bons instrumentistas (o guitarrista, Olavo Jafet, por exemplo), mas o destaque era o seu vocalista, chamado: Fran Alves, um frontman com presença dramática no palco e uma voz potente, por ser até, impressionante. 

Mundo muito curioso e que dá muitas voltas, mesmo, pois assistimos a performance do "Ano Luz", a admirarmos a força interpretativa do Fran Alves ao cantar, "Aurora Boreal", música de destaque do repertório dessa banda, mas nem passava pela nossa imaginação que algumas circunstâncias envolver-nos-iam e sob um curto espaço de tempo. Por exemplo:

1) Admiramos o Fran Alves em ação, mas estávamos convictos de que havíamos achado o vocalista ideal para nós, na presença do gaúcho, Chico Dias.

2) O Chico Dias ainda nem havia estreado conosco, fato que só aconteceria alguns dias depois, em um show a ocorrer no interior de São Paulo, que relatarei logo mais. Portanto, nem de longe vimos o Fran, com alguma intenção de que ele viesse a incorporar-se à Chave do Sol em algum momento. 

3) Não sabíamos, mas naquele instante, o "Ano Luz" estava a vivenciar o início de uma crise interna, e pouco tempo depois, encerraria as suas atividades. 

4) Mais que tudo isso, seria inacreditável imaginar que o Chico Dias não daria certo conosco, evadir-se-ia logo a seguir e o Fran Dias tornar-se-ia o nosso vocalista oficial nos últimos dias de dezembro de 1984 e como consequência, estrear em janeiro de 1985, entrar em estúdio em março, para gravar um álbum que o perpetuaria. Pois é... "um minuto além" e tudo muda...

Contudo, devo registrar que se nós três (eu (Luiz), Rubens e Zé Luiz), não cogitávamos isso, um membro honorário da nossa banda, estava presente no evento e sim, vislumbrou a possibilidade com muita sensibilidade e antevisão. O poeta, Julio Revoredo, revelou-nos à época que estava muito impressionado com a performance do Fran Alves, e que considerava-o, um vocalista ideal para A Chave do Sol.

Fran Alves no palco do Parque da Aclimação. Click, acervo e cortesia do poeta, Julio Revoredo

De fato, meses depois, o Julio foi decisivo nesse processo, quando perdemos o Chico Dias e ficamos novamente sem perspectivas.
Graças ao poeta, a ponte foi feita e rapidamente estabelecemos contato para que o Fran viesse a se tornar novo vocalista da nossa banda para o ano de 1985. Todo esse relato está ricamente elucidado pelo próprio poeta, Julio Revoredo, em recente entrevista que concedeu ao Blog da Chave do Sol, conduzido por Wilson "Will Dissidente" (refiro-me a 2013). 


De volta ao relato sobre a nossa primeira apresentação na Praça do Rock, a terceira banda escalada, era formada por garotos muito jovens, mas com um potencial grande e sobretudo, uma gana impressionante. Chamava-se: "Abutre", tal banda e esse sim, foi um grupo a trabalhar o seu som bem calcado no modismo da época, ao mesclar o Hard-Rock californiano e oitentista, com o Heavy-Metal, e nesses termos a estabelecer uma brutal influência do Van Halen, ícone oitentista, sem dúvida. 

Mais que garotos com potencial e força de vontade, o "Abutre" fora composto por seres humanos, excepcionais. Tornamo-nos muito amigos dos quatro componentes, inclusive a frequentar ensaios uns dos outros, e participarmos de atividades sociais em conjunto. 

Tal banda eram formada por dois irmãos, guitarrista e vocalista, no caso, Wagner "Cabeção" e Ricardo, os irmãos Giudice. O baterista Adalberto, popular "Dalbinha", e o baixista, Tomás, completavam o grupo. 

Um outro elo que uniu-nos, ocorreu pelo irmão mais novo dos Giudice, Adriano, que também era guitarrista, e conhecia a irmã caçula do Rubens. Adriano Giudice foi um garoto prodígio na guitarra, e mesmo muito novo, entrou para a formação do grupo,  "Centúrias", a seguir, graças ao seu alto nível instrumental, apesar de ser imberbe, ainda nessa época. 

Tocamos muitas vezes juntos, doravante, e pelo menos até meados de 1987, o nosso convívio fraternal foi constante. A banda era muito jovem naquele agosto de 1984, portanto ainda a carecer de mais experiência naquela ocasião, mas a sua performance naquele dia em específico, foi acima da média, por não deixar cair o nível do evento. E por fim, chegou a nossa vez...

Fotos, acima e abaixo, do nosso show no evento "Praça do Rock", realizado no Parque da Aclimação, bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo, em 26 de agosto de 1984
O frio foi de rachar quando começamos a tocar e mesmo com o público visivelmente incomodado por isso, somado à garoa que acentuara-se, a nossa apresentação foi realizado sob uma energia incrível, a arrancar aplausos e gritos acalorados. Percebi até expressões de espanto de algumas pessoas mais próximas à grade de proteção, entre público e palco, a denotar que tais espectadores estavam positivamente surpreendidos com o nosso som.

Por um segundo, lembrei-me da saudosa cantora, Mama Cass, a soltar uma expressão a denotar estupefação ("Wow"), enquanto assistia o show do grupo: "Big Brother And the Holding Company", no festival de Monterey de 1967, mas certamente hipnotizada pela vocalista da banda, uma texana mal-ajambrada, mas de voz estonteante, chamada: Janis Joplin...

Guardadas as devidas proporções, senti essa perplexidade no semblante de alguns ali presentes, e claro que tal perspectiva animou-me mais ainda.

A minha performance pessoal, que era sempre frenética nesses tempos, intensificou-se por um motivo de força maior, emergencial.
Estourou uma corda da guitarra do Rubens, bem na hora em que executávamos a música: "18 Horas". 

Ao não fazer-me de rogado, enquanto ele providenciava a troca (sim, lamentavelmente o Rubens não possuía guitarra sobressalente nessa época, e nós não tínhamos estrutura para contratar roadies profissionais e eficientes), eis que eu criei um improviso com o Zé Luiz, e por sorte, foi bastante criativo e inspirado.

Ao final, quando o Rubens sinalizou que estava pronto para voltar à música, demos a sua deixa habitual do arranjo da música para que ele voltasse e o público, em sua maioria, nem percebeu que a guitarra do Rubens teve problemas, ao julgar aquele improviso, como uma parte do arranjo natural da música. 

Ao final, já com a noite a avançar, saímos muito aplaudidos do palco, o que nos fez lembrar das nossas performances no programa: "A Fábrica do Som".

Claro, apesar da ótima acolhida, falhamos no quesito comunicação com o público, pois nenhum de nós três tinha esse carisma natural, e não foi por menos que estávamos a preparar um vocalista para assumir, pois sentíamos essa carência na comunicação. E ao meu ver, tal falha ocasionou-se por termos falado muito pouco ao microfone, a privilegiar tocar sem muitas pausas entre as músicas. 

As portas abriram-se para nós no evento, e novas participações aconteceriam no futuro, inclusive com o crescimento do próprio evento, simultaneamente.

Tudo isso ocorreu no dia 26 de agosto de 1984, e segundo a estimativa da polícia militar, cerca de mil e quinhentas pessoas assistiram o show, sob frio, vento e garoa. 

Fico a imaginar se poderia existir a possibilidade de hoje em dia (2016), mil e quinhentas pessoas saírem de suas respectivas residências, sob tais condições climáticas acima elencadas, para assistirem quatro bandas de Rock, autorais, desconhecidas da mídia mainstream e do grande público, por conseguinte. 

Eu tenho inúmeras restrições aos anos oitenta, por diversos motivos, mas nesse quesito, não há como não lamentar que hoje em dia não exista tal predisposição do público, como houve naquela década...

Na semana seguinte, o Jornal do Cambuci e Aclimação, publicou uma matéria assinada pelo Dalam Junior, ao estabelecer uma resenha geral sobre o evento. Quando referiu-se sobre nós em específico, Dalam disse:

"Chave do Sol: Musical perfeito, dentro de um estilo que funde o Rock' n' Roll ao Jazz, e até mesmo ao som progressivo. Uma banda que, com grande técnica musical, consegue superar suas deficiências de comunicação e visual. 

Um grupo profissional, que conseguiu arrancar aplausos até dos metaleiros mais radicais, que somavam a maior parte do público".

A despeito de que o Dalam não era um jornalista profissional, acho que as suas observações foram bem colocadas.
Discordo apenas da questão do figurino, a qual criticou-nos, mas faço uma ressalva: na percepção dele, ali no momento de 1984, foi óbvio que ele achasse mais adequado que tivéssemos um visual mais espalhafatoso, e similar ao de bandas alojadas na seara do Hard-Rock e Heavy Metal de tal atualidade, ou no mínimo, a usarmos o visual dos seguidores das correntes do Pós-Punk, ambas, em grande voga do momento.
Nesse quesito do figurino, lembro-me bem que o Zé Luiz privilegiou o seu conforto pessoal, além de levar em conta o frio em questão do dia, ao usar, moletom.
 
Talvez isso houvesse impressionado o Dalam, negativamente, mas eu e o Rubens estávamos mais adequadamente trajados, como Rockers, ainda que mais a parecermo-nos, setentistas em essência.
No entanto, foram meros detalhes, pois o importante foi que o show foi um sucesso e a resenha deixou isso claro, sob uma interpretação correta da parte do Dalam Junior.
Ainda a trabalhar para adaptar o Chico Dias, o mais rápido possível
durante os ensaios, voltamos ao interior, uma semana depois.
Desta feita, o compromisso também foi realizado em uma cidade próxima, chamada: Atibaia, às margens da Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo à Belo Horizonte. Esse foi na verdade, o show de estreia dele, Chico, na banda.
O show foi realizado em um pequeno Centro Cultural, no centro daquela cidade, onde realizavam-se atividades com oficinas de artes plásticas, pequenos saraus literários e apresentações musicais intimistas. Portanto, preocupou-nos o fato de ser um espaço não preparado para um show de Rock pesado. De fato, não havia infraestrutura para tal, e foi um acontecimento sazonal, portanto, mediante uma produção adaptada e desconfortável para nós.

Contudo, a oportunidade para tocarmos no interior seria importante para os nossos planos de expansão, sob uma primeira análise, mesmo não sendo feito pelas condições ideais. 

Outro ponto importante, o show fora fechado graças a um esforço de um abnegado fã, chamado: Hélcio Junior, que era oriundo daquela cidade, embora morasse em São Paulo, e ele, por ter assistido muitos shows nossos, incluso na "Fábrica do Som" (quando teve a iniciativa de mandar fazer uma faixa a exaltar-nos, para exibi-la em participações nossas no programa, inclusive ao aparecer em vídeos, hoje disponíveis no YouTube). Pois então, esse fã proporcionou toda a ponte para o contato ser feito e assim termos fechado tal show.

Nesse dia, contamos com um apoio extra muito importante, da parte de um amigo da banda. O Daniel Negrão, vulgo "Papel", tinha uma casa de veraneio de sua família naquela cidade, e insistiu para que hospedássemo-nos lá por ocasião desse show. 

Não seria o caso, pois Atibaia fica distante apenas sessenta Km de São Paulo, e assim optamos por voltar à capital, imediatamente após o show, mas sim, usamos a casa como camarim, quando passamos momentos agradáveis, nas horas que antecederam o nosso compromisso, a aproveitar a comodidade de uma tremenda casa confortável e afastada do centro, mais a parecer-se com uma casa europeia, no bosque.

A Chave do Sol e sua turma de amigos & roadies, na casa de veraneio da família Negrão, minutos antes de irmos para o show do "Crie", em Atibaia-SP - 1º de setembro de 1984
Da esquerda para a direita, em pé: José Luiz Dinola e a sua namorada, Eliane Daic, Sérgio de Carvalho, Hélio, Rubens Gióia e a sua namorada Mônica Maya, Agachados: Daniel "Papel" Negrão (o dono da casa de veraneio), eu (Luiz Domingues), Claudio "Capetóide" de Carvalho, e Chico Dias 


A enorme casa de veraneio da família Negrão, em Atibaia-SP, continha uma adega que se assemelhava a um cenário de castelo/masmorra medieval, em anexo, e com vários artefatos, como armas antigas, móveis rústicos, e armaduras como sua decoração. Nessa ambientação que parecia um set de filme de época, não resistimos e clicamos fotos performáticas a fazermos alusão aos filmes de "capa e espada" ambientados na Idade Média...
Carlos Muniz Ventura empolgou-se, e a interpretar um carrasco, ameaça a donzela, Eliane Daic... 
Em cima da mesa, a enfrentar três "oponentes", senti-me na pele do ator, Errol Flynn a interpretar o valente, "Capitão Blood", ou mesmo Stewart Granger em "Scaramouche", ao empunhar a espada...
Carlos parece ter enamorado-se de uma luminária, por ter abusado do rum, e abaixo, Daniel revelou-se o "Homem da Máscara de Ferro"... 
 
Fim da linha para o Carlão Muniz Ventura... a Idade Média não era fácil, não... 
Sob um provável "contraplano" exigido pelo diretor, Michael Curtiz, "Errol Flynn a interpretar o Capitão Blood", ou Luiz Domingues nas horas vagas, enfrenta os oponentes vistos à sua frente. Atente para o detalhe estilístico da mão esquerda, livre, quando o "ator" revelou que prestou atenção nas aulas de esgrima...

O espaço cultural em que nos apresentamos, chamava-se: "Crie".
Fizemos o show mediante um surpreendente público com cerca de duzentas pessoas presentes, o que fora muito para um espaço inadequado para shows de Rock, por tratar-se de um mini centro cultural, mais preparado para ser um espaço de exposições e apresentações musicais intimistas, como eu já salientei, anteriormente.
Apesar disso, o show foi bastante energético e mesmo com pouco espaço, o Chico Dias demonstrou deter potencial como "frontman", a carecer de um pouco de lapidação de nossa parte, e maior experiência adquirida, da parte dele.
O ponto negativo ocorreu com um roadie nosso, que criou uma confusão alheia à nossa vontade.

Como eu já relatei anteriormente, havíamos passado por algo parecido poucos dias antes, mas desta vez o imbróglio foi mais sério.

Ocorreu que esse roadie, que na verdade era um garoto bem novo e mais "carrier" (profissional que dedica-se somente a carregar equipamentos e instrumentos, mas não envolve-se em seu processo de montagem, que requer, naturalmente, conhecimentos técnicos superiores), do que roadie, propriamente dito.

Empolgado por estar a viajar com uma banda de Rock, ele inebriou-se com toda a atmosfera glamorosa que isso poderia soar em sua percepção e principalmente, quando percebeu que isso poderia dar-lhe algumas vantagens pessoais. Entre tais supostas benesses por estar na equipe de uma banda de Rock, ele notou que isso facilitaria a possibilidade de paquerar e conquistar garotas.
Então, ao engraçar-se com uma menina bem nova e bonita ali presente, despertou a ira de alguns rapazes autóctones, e a confusão instaurou-se, com hostilidades cometidas mutuamente e promessas de briga na rua, a aumentar a chance do inevitável, "acerto de contas", ou as vias de fato, como queira o leitor. Isso certamente haveria por respingar negativamente sobre a banda, pois não aceitaríamos que ele fosse agredido, de forma incólume.
Então, para tentar apaziguar os ânimos, o amigo, Hélcio Junior, que era da cidade e conhecia os garotos, interveio, com outros amigos seus a apoiá-lo. O clima esquentou e na rua, eles de fato chegaram a partir para as vias de fato, enquanto tocávamos, mas Hélcio e seus amigos apartaram e salvaram o rapaz, que chamava-se: Hélio.
Os brigões prosseguiram a hostilizá-lo, quando prometeram voltar com "reforços", mas o Hélcio tranquilizou-nos, ao dizer-nos tratarem-se apenas de garotos inconsequentes, conhecidos na cidade, e que não haveriam desdobramentos preocupantes.
De fato, o show acabou tranquilo e nada mais desagradável ocorreu nesse sentido. Voltamos para São Paulo na mesma madrugada e com o dever cumprido, além de estarmos contentes com a estreia do Chico Dias.
De certa forma, foi importante ele ter estreado em um show de pequeno porte em uma cidade interiorana, pois deu-lhe mais segurança para enfrentar compromissos mais impactantes, doravante, e de fato, em breve os teríamos. Isso ocorreu no dia 1° de setembro de 1984.
Curiosamente, o próximo show seria em um outro espaço, mas na mesma cidade de Atibaia-SP...

Voltamos à cidade interiorana de Atibaia-SP, logo a seguir, em outra oportunidade aventada pelo amigo, Hélcio Junior. Desta vez, o show realizar-se-ia em um espaço maior, porém não adequado em 100 % para shows de Rock, também, como no show anterior. 

Todavia, tratou-se de um espetáculo mais agradável, no sentido de que o espaço para a performance da banda foi maior, com um palco mais extenso, e a existência de um equipamento mais adequado, onde pudemos tocar com uma pressão sonora mais forte e compatível com um show de Rock.

Mais a vontade, o Chico Dias pôde enfim ter uma performance mais condizente como um "frontman" de uma banda de Rock. Claro, ele era muito jovem, inexperiente e portanto, faço as ressalvas de que além do nervosismo inerente, Chico ainda exagerava em imitar trejeitos de vocalistas que admirava, tais como Freddie Mercury, Paul Rodgers e David Lee Roth, entre outros. Menos mal, ao imitar tais ídolos seus, imprimia um ritmo em sua atuação, bastante interessante e energético.
Ele precisava melhorar em muitos aspectos, mas representava um alento ter um frontman, situação que não tínhamos desde a saída da Verônica Luhr, a frontwoman que deixou-nos em abril de 1983. 
 
 

Dividimos a noite com o "Excalibur", uma banda de Heavy-Metal com ótimos músicos (o ótimo baixista, Anísio Mello, por exemplo), e cujo vocalista era um rapaz muito interessado em literatura, chamado: Beto (Luiz Alberto Machado Cabral).  

Portanto, ao fugir do lugar comum das bandas dessa época, Beto Cabral procurava escrever letras com um teor muito poético, e os seus ídolos na poesia, foram os poetas malditos franceses do século XIX e Jim Morrison, vocalista da banda sessentista, The Doors, portanto, referências fortíssimas, porém algo bem démodé para os anos oitenta, infelizmente. No entanto, eu admirava-o exatamente por esse aspecto.

 
Jovem, porém culto e bastante articulado, destoava da média dos músicos de Heavy-Metal daquela cena oitentista e de certa forma, aproximava-se mais dos adeptos do Pós-Punk, por tais predileções mais avantajadas sob o ponto de vista intelectual, entretanto, sem compactuar com a musicalidade tosca dessa outra turma, em sua esmagadora maioria. O show do Excalibur bem foi energético e logo a seguir nós fizemos o nosso.
 
A casa era um centro cultural localizado em meio a um ambiente paradisíaco. Ficava instalada dentro de um grande salão envidraçado, rodeado por um mini bosque, com direito a um belo lago. Durante a noite, com o frio e a garoa, remetia à Europa, pelo paisagismo e baixa temperatura ali observada.
 
 
 
 
O evento foi batizado como "Festa da Crisi", escrito dessa forma errada ortograficamente, propositalmente. Foi um evento produzido por um Centro Acadêmico de uma faculdade particular, atuante nessa cidade.
 
 
Ocorreu no dia 15 de setembro de 1984, e atraiu cerca de duzentas pessoas, considerado um resultado bom pelos organizadores, mas nós ficamos com a impressão de que fora fraco, devido ao espaço físico disponível, que comportava muito mais gente.

Antes do próximo compromisso, tivemos uma missão de produção.
O Chico Dias alegou que precisava voltar à sua cidade, Rio Grande-RS, para buscar mais alguns objetos pessoais seus, e perguntou ao Rubens, se ele aceitaria ir junto, pois poderiam tentar fazer uma alguma coisa em nosso favor, na cidade de Porto Alegre, onde morava a sua namorada, e essa moça detinha alguns contatos interessantes na capital gaúcha. 

Nesse ínterim, eu aproveitei a deixa, e resolvi ir ao Rio de Janeiro, onde eu também mantinha alguns contatos e assim, em setembro, fomos fazer produção em duas frentes fora de São Paulo, simultaneamente.

Em Porto Alegre, Rubens e Chico visitaram a Rádio Ipanema FM, e ali concederam uma entrevista. Essa emissora, assim como a Rádio Fluminense FM do Rio de Janeiro, detinha uma programação 100% Rocker, e já estava a tocar a nossa canção, "Luz" proveniente do Compacto d'A Chave do Sol. 

Portanto, o contato da "guria" dele, abriu uma porta, mas a banda já continha uma excelente receptividade espontânea na emissora gaúcha e assim, a entrevista foi feita de uma forma instantânea, sem a necessidade de trâmites complicados para ser agendada. 

De minha parte, no Rio de Janeiro, eu visitei a redação da Revista "Roll", e entreguei bottons, camisetas e mais discos aos membros de sua equipe de redação, que lá encontrei. Mas a missão mais certeira mesmo que eu cumpri, foi ter levado o material da nossa banda ao Circo Voador, e o entregue nas mãos da Maria Juçá, a produtora que cuidava do espaço, junto com o ator, Perfeito Fortuna ("Asdrúbal Trouxe o Trombone").

   A produtora musical, Maria Juçá, em foto bem mais atual
 

Ela, Maria Juçá, foi muito receptiva e falou-me que o Circo Voador iria organizar um festival de grande porte, e que já trabalhava com o patrocínio fechado para tal realização. Seria com o apoio da Petrobras, estatal peso pesado, e que dispensava apresentações. 

E disse-me também, que já havia contratado diversos artistas que estavam no bojo do movimento BR-Rock 80's, muitos deles, estrelas do mainstream. Ela analisaria o nosso material com carinho, e senti que daria certo, pois ela alegou saber que uma música nossa tocava com regularidade na programação da Fluminense FM, além de também saber que o nosso disco era do selo Baratos Afins, quando acrescentou o fato de que conhecia pessoalmente o Luiz Calanca, e mais uma, o contato dela havia sido passado pela Cida Ayres, produtora do Língua de Trapo, e por conhecer e afeiçoar-se igualmente com a Cida, isso também reforçara um bom conceito ao nosso respeito.

Então, essas duas viagens foram benéficas para a banda, sem dúvida alguma.

O próximo compromisso seria em São Paulo, onde finalmente o Chico Dias faria a sua estreia na capital, e diante do público em expansão da banda. Tocaríamos em um salão com nome estranho, mas que mantinha tradição na cidade, e segundo constava, existia desde 1971, chamado: "Fofinho Rock Clube". A sua localização desde a sua fundação, ficava na Av. Celso Garcia, bem em frente a uma guarnição do Corpo de Bombeiros, no bairro do Belenzinho, na zona leste de São Paulo.

Tratava-se de um salão sob médio porte, com dois ambientes distintos, um parecido com um lounge/bar e o outro, a tratar-se de uma pista de dança, com a presença de bastante iluminação e um PA com muita potência. Apesar de possuir ares de uma discothèque e privilegiar o som mecânico quase o tempo todo, a proposta sonora, desde o início de suas atividades, sempre fora tocar Rock e também a MPB setentista. 

O seu público habitue, fora formado por Hippies, Freaks & Rockers nos anos setenta, e com o avançar da década de oitenta, também tornou-se um espaço para adeptos do Heavy-Metal, os tais "headbangers", tribo típica daquela década.

Mas por manter essas raízes Rockers setentistas, ainda abrigava um público formado por Hippies anacrônicos, pejorativamente chamados como: "Bichos Grilo". 

Recebemos o convite para uma apresentação em 1984, pois a casa estava finalmente a abrir espaço para shows ao vivo, ainda que ao mesclá-los à sua tradição de privilegiar o som mecânico, estratégia, aliás, que perdura até os dias atuais. Nessa fase oitentista, eles costumavam dividir o seu público. 

O domingo, geralmente era reservado aos seguidores de estéticas das décadas de 1960 & 1970, e o sábado apresentava uma programação voltada ao Heavy-Metal em voga, com esse tipo de público (os tais "headbangers" a sua tribo típica), a comparecer em massa. 

Fomos tocar então, no dia 6 de outubro de 1984. Dividimos a noite com a banda, "Performance's", cujo vocalista, um rapaz chamado, Robson Goulart, tornou-se nosso amigo, doravante. 

A casa estava preenchida com um bom público, mas o som não esteve nada bom. Se tivessem feito o show no andar superior, onde funcionava a pista de dança, teria sido muito mais adequado. Mas resolveram improvisar um palco minúsculo, no andar inferior, e pior ainda, com uma estrutura de som e iluminação aquém do que possuíam no outro patamar.

Mesmo assim, a nossa apresentação foi intensa, com o Chico Dias a sentir-se mais seguro, e até ao permitir-se alguma margem de improvisação, quando imprimiu um ritmo de mise-en-scène forte, que nos deu muita esperança de que ele melhoraria a cada show, a estar pronto para apresentações com maior porte, muito rapidamente. 

Cerca de trezentas pessoas assistiram-nos nessa noite de um sábado, e no dia seguinte, nós teríamos mais um compromisso, em um outro canto da cidade, o Centro Cultural do Jabaquara, um bem arrumado e novo espaço de responsabilidade da prefeitura, naquele tradicional bairro da zona sul de São Paulo.

A sensação de possuirmos shows agendados em dias consecutivos foi ótima. Tratara-se de uma agenda em expansão e certamente fruto de nossos esforços com muitas oportunidades alcançadas na TV, Rádio e matérias publicadas na mídia impressa, a repercutir, positivamente. E foi assim que surgiu mais um convite para realizarmos esse show em um espaço cultural estatal, desta feita, no Centro Cultural do Jabaquara. 

Tratou-se de um espaço novo em folha, com a proposta de ser um polo de cultura para aquele simpático e tradicional bairro e região.
Pelo que vimos, tal espaço cumpria essa meta, com várias atividades no campo da literatura (palestras com escritores, saraus), exposições, teatro, cine-clube, shows musicais, atividades infantis e com idosos etc. 

Havia dentro dessas atividades todas, um projeto para shows de Rock, com bandas autorais e independentes. E dentro desse espectro, recebemos o convite. O show aconteceu no período vespertino, a se revelar como um esforço para forjar um novo hábito para o público daquele bairro e imediações. 
Nessa altura, terceiro show com a banda, o Chico Dias já demonstrava bem maior entrosamento conosco, e mais serenidade.
O show foi bom, com energia e performance forte, potencializada pelo fato do palco ter uma metragem grande.
O som era inadequado para o espaço, mas deu para fazer o show, ainda que não em condições ideais. E a iluminação foi digna, com torres de spots novas, recém adquiridas pelo teatro, apesar do iluminador fazer o burocrático papel de ligar e acender aleatoriamente os spots, sem um mapa de luz, e claro, nem cogitar afiná-los, adequadamente. 
Isso aconteceu no dia 7 de outubro de 1984, um domingo. O projeto chamava-se: "Última Estação", uma referência ao fato do Centro Cultural do Jabaquara ficar muito próximo da estação Jabaquara do Metrô, a última da linha 1/azul. 
Uma banda nova fez o show de abertura. Chamava-se: "Bandazul". 
Chamou-me a atenção o fato de que essa banda destoava das correntes estéticas em voga, naquela década. Não eram nem de longe ligados ao Heavy-Metal ou Hard-Rock, mas tampouco tinham comprometimento com alguma escola do Pós-Punk, ao menos que fosse detectável. 
 
Mostrou-se como uma boa banda, mas eu fiquei sem entender a sua proposta musical. Na hora, achei que detinham influência da MPB, mas foi algo difuso, sem muita clareza. 
Um bom público esteve presente no Centro Cultural Jabaquara, naquela tarde. Cerca de duzentas pessoas passaram pela bilheteria, e ao final do show, eu fui abordado por muitos frequentadores do Rainbow Bar, que ficava localizado ali perto, e entre eles o "Taínha", figura mítica daquele bar, e que já não está entre nós, infelizmente, porém é lembrado por todo mundo que frequentou aquele espaço Rocker, no bairro do Jabaquara.
As conversas sobre os rumos do Rock no Brasil esquentavam sob uma ebulição tremenda. A euforia gerada pela profusão do Rock na mídia, deu margem para a disseminação de uma série de boatos. Um músico que era conhecido do Rubens, por exemplo, e era membro de uma banda independente, chamada: "Tonelada & Seus Kilinhos" (sim, tais rapazes eram obesos e tinham a sua proposta musical centrada no humor, ao tentar seguir o vácuo de bandas como: "Ultraje a Rigor" e "João Penca & Seus Miquinhos Amestrados", entre outras), insinuava-se ser bem informado sobre os meandros das gravadoras e mídia.
Foto do poeta, Julio Revoredo, a flagrar Luiz Domingues & Rubens Gióia na saída de emergência do Teatro Lira Paulista, em julho de 1984. Click, acervo e cortesia de Julio Revoredo 

Em várias ocasiões em que o encontramos, esse rapaz falou-nos muitas coisas sobre o que sabia dos bastidores das gravadoras e nesse sentido, alertou-nos sobre a necessidade de prepararmos um material urgentemente, com uma demo-tape, e músicas novas. Computamos a dica e imaginamos que o momento seria propício, visto termos mudado a formação de trio para quarteto, e agora com um frontman, teríamos mais chances para pleitear uma chance no mainstream, pelo menos essa foi a nossa pretensão.
A dica dele foi para direcionarmos os nossos esforços para a gravadora Warner, que supostamente teria um plano para abrir espaço para bandas mais pesadas, fora do espectro do Pós-Punk, que privilegiavam na ocasião. Nesse aspecto, deveríamos enviar material para o Pena Schmidt (ex-operador de PA dos Mutantes nos anos setenta), que era o produtor em São Paulo, associado ao Liminha (este, ex-baixista dos Mutantes também nos anos setenta), que comandava as contratações na sede central, no Rio de Janeiro.
Já estávamos com muitas músicas novas prontas, e outras em fase de elaboração, e planejamo-nos para pensar em gravar uma demo-tape, no final do ano que aproximava-se, mesmo por que, precisávamos dar um tempo maior de maturação para o Chico Dias e, coisa boa, tínhamos compromissos agendados, o que impediu-nos de parar para focar na pré-produção a fim de gravarmos uma fita demo. 
 
O que revelou-se interessante nessa fase, além do nosso crescimento, foi essa euforia que sentíamos no ar, por conta da forte ebulição gerada pelo "BR Rock 80's" a estar muito forte na mídia, e assim ao dar-nos a ideia de sustentabilidade e abertura, por conseguinte.
E outro fator óbvio: a proximidade do Festival Rock in Rio, para janeiro de 1985, estava a potencializar muito essa euforia, e assim a movimentar todo mundo que sonhava com um pedaço desse filão. 
 
A nossa suposta chance nessa fase, seria apostar na possibilidade de que realmente as gravadoras investissem em bandas com um tipo de som mais pesado, ao sair do mundo do Pós-Punk, que dominava tudo até então, com a rara exceção de bandas como Barão Vermelho e Herva Doce, que pareciam incólumes aos ataques niilistas do patrulhamento ideológico perpetrado pela mentalidade punk, e da parte de seus simpatizantes, e estas sim, eram bandas que tinham proposta musical mais centrada no tradicionalismo de raízes 1960 & 1970, elemento raríssimo na ocasião e certamente que seria o encaixe perfeito para a nossa banda.
Foto clicada pelo poeta, Julio Revoredo, quando esteve a acompanhar-nos em nossa primeira entrevista ao programa Balancê, da Rádio Excelsior de São Paulo, no Teatro Pimpão. Julho de 1984. Acervo e cortesia de Julio Revoredo

Esse espectro seria o ideal para nós, pois também não encaixávamo-nos no mundo do Heavy-Metal, de forma alguma. Entretanto, decifrar o que esses "gênios" do marketing musical desejavam ao se basearem na premissa de qual seria a tendência mais rentável, era (é), literalmente, impossível. Se fôssemos gravar um material mais a ver com nossas raízes normais, 1960 & 1970, correríamos o risco de sermos rejeitados sem audição, pois aquela década de oitenta foi marcada pelo repúdio sumário, dessa vertente que tais pessoas adoravam odiar.
Se alguém perguntar-me porque o Barão Vermelho e o Herva Doce pareceram não sofrer esse patrulhamento da parte dos adeptos da ideologia Pós-Punk e seguiram, ambas as bandas, as suas respectivas carreiras no mainstream com sucesso, sem serem boicotadas, acho que tenho argumentos, mas não cabe aqui descrevê-los, e foge do sentido desta narrativa, naturalmente.

Só é relevante notar que a nossa chance aparente dar-se-ia em torno do som pesado, ainda que não fosse nem de longe algo de nossa predileção, mas simplesmente por uma questão de maior aproximação, visto que a estética do Pós-Punk e a sua ruindade musical indecente, não dava para nós...
O próximo passo foi uma das maiores trapalhadas da história da banda. Causou-nos um prejuízo financeiro forte, e pior que isso, provocou um desgaste emocional absolutamente desagradável e desnecessário, na medida em que não precisávamos passar por isso. 
 
Ocorreu o seguinte: fomos convidados a apresentarmo-nos em mais uma danceteria famosa. Vivia-se a febre das danceterias naquela época, e dentro de uma cidade gigantesca como São Paulo, principalmente, abriam aos montes, e por todos os bairros.
Desta feita, recebemos o convite da danceteria "Tífon", que localizava-se ao lado do Shopping Ibirapuera, em Moema, bairro da zona sul de São Paulo. Ficamos um pouco renitentes em princípio, por que entre tantas danceterias que abriram na cidade, no ano de 1984, a "Tífon", em específico, mostrava-se bastante hostil à manifestações musicais que não coadunassem-se com a estética do Pós-Punk.
Apesar das danceterias terem sido em tese, apenas grandes salões de entretenimento, sem maiores comprometimentos com estéticas, tribos & afins, a Tífon mantinha esse comportamento pouco recomendável que assemelhava-a à casa de shows, "Madame Satã", esta sim, um templo dessa estética, e portanto, um reduto para os seus entusiastas. Mas a argumentação de quem contatou-nos e formulou o convite, foi de que a casa estaria por abrir o seu leque, e com a proposta para abrigar uma noite para o "Heavy-Metal"...

Ao seguir no seu poder de argumentação, disse-nos que uma semana antes de nós, o famoso guitarrista, Robertinho de Recife, que estava a desenvolver um trabalho orientado pela estética do Heavy-Metal nessa época, apresentar-se-ia, portanto, quebraria o gelo inicial, para haver shows pesados, doravante na casa.
 
Bem, essa pessoa já começou mal ao citar o Heavy-Metal, como se fôssemos componentes dessa tribo, contudo, na concepção desse pessoal, se não éramos "modernos" e ostentávamos cabelos longos, logicamente que éramos "metaleiros"... ledo engano a parte...
Bem, se não seria hostil, por que não fechar, visto ser uma casa com estrutura de som e iluminação e qualidade etc? Foi o que ponderamos então ao aceitarmos a data, mesmo ao sabermos que cairia em meio a um feriado, pois não correríamos riscos, aparentemente.
Porém, tudo começou a mudar na semana do show, quando recebemos um telefonema, ao dar-nos conta de uma notícia ruim sobre o funcionamento da casa, e que atrapalhar-nos-ia muito em relação a esse show...
Bem, esse telefonema que recebemos da danceteria, "Tífon", comunicou-nos que o tal show inaugural da fase "pesada" em sua programação, houvera gerado uma grande briga em suas dependências. Tal briga teria sido entre os admiradores de Robertinho de Recife, contra "New Wavers", inconformados com a presença de um artista do espectro do Heavy-Metal no seu "templo", e daí gerou-se as vias de fato.
Como consequência, o show terminou sob forma abrupta e no tumulto, grande parte do equipamento de PA da casa, foi avariado, portanto, se quiséssemos manter a data em pé, teríamos que responsabilizarmo-nos pelo PA do show, ao usarmos o nosso, ou alugar um que fosse compatível com o tamanho da casa.
 
Seria fora de cogitação usarmos o nosso pequeno PA. Ele servia apenas para os nossos ensaios, e no máximo para modestas apresentações em casas de pequeno porte.

Então, a solução foi alugar um equipamento, ao arcarmos com tal despesa e sem nenhuma ajuda da referida danceteria. Ora, o mais lógico teria sido desmarcar a data. Um cancelamento teria poupado-nos de uma série de aborrecimentos que sucederam-se, ao fazer desse show, um roteiro de comédia, que nem Jerry Lewis conceberia.
O que contribuiu decisivamente para que insistíssemos com a manutenção do compromisso, foi o fato de que já havíamos enviado filipetas pelo correio, para centenas de pessoas que tínhamos cadastradas em nossa mala postal que servia ao nosso fã-clube. Fora um trabalho dispendioso e oneroso, mas naquela Era pré-Internet, mostrava-se um meio muito eficaz para a divulgação de shows.
Especificamente a comentar sobre tal show, a nossa verba para a divulgação foi curta e não deu para pensar em outros meios, portanto, apostamos na mala postal e diante dessa notícia vinda da parte do estabelecimento, aborreceu-nos a ideia do dinheiro de nosso caixa a despejar-se pelo ralo, e também o tempo gasto para a preparação, pois as tais centenas de cartas eram preparadas em um sistema manual, e demandava horas de trabalho.
 
Então, resolvemos sustentar a data e bancar o PA, por acreditarmos que teríamos um retorno conveniente da bilheteria. Ora, éramos muito jovens e estávamos inebriados pelos ventos positivos que sopravam, portanto, por que não deveríamos acreditar que haveria um público bom?
Contudo, não ponderamos outros aspectos:

1) Era uma casa hostil, portanto havia o risco desse fator inibir o nosso público nutrir vontade de comparecer, e assim deixar para ver-nos sob outra circunstância mais agradável.

2) Seria em meio a um feriado, portanto, seria uma incógnita total a presença de público. A correr o risco, checamos a nossa conta bancária e a banda tinha um montante reservado para a futura gravação de uma demo-tape, com o objetivo de se levar às gravadoras grandes (majors), mediante músicas novas e mais centradas no universo pesado, e acima de tudo, por contarmos com a presença do vocalista gaúcho, Chico Dias, o nosso novo "frontman".
Entretanto, diante de tais circunstâncias e a pensarmos de uma forma otimista, achamos que estávamos calçados para bancar um PA e claro que não usaríamos esse dinheiro para tal finalidade menos importante para nós, portanto, avaliamos a situação de uma forma muito superficial, e lastimo muito por isso, na atualidade.
 
Não tratava-se de uma quantia grande, por isso descartamos contratar uma daquelas empresas famosas que sonorizavam grandes shows de artistas consagrados. Optamos por contratar um equipamento mais modesto, porém adequado ao ambiente acústico daquela casa, que era de médio para grande porte. Contratamos então o equipamento do mesmo rapaz (Pérsio), que sonorizara o nosso show no Teatro do Colégio Piratininga, em abril de 1983.
 
Eu o conhecia desde o início de 1980, por que ele auxiliou muitas vezes o "Terra no Asfalto", a minha banda cover naquela ocasião. Pois em 1984, surpreendi-me ainda mais do que em 1983, pois ele crescera mais em termos de mercado e o seu equipamento em nada deixava a desejar em relação às empresas de grande porte do setor, e a vantagem, mostrou-se na tarifa que cobrou-nos, bem mais acessível do que a praxe das grandes empresas desse patamar. Essa foi a parte boa da produção desse show, mas depois disso...
A danceteria "Tífon" ficava localizada bem ao lado do Shopping Ibirapuera, em Moema, bairro da zona sul de São Paulo. Conforme eu já comentei, era uma danceteria mais radical, diferente das outras, no sentido de que a maioria tinha aquela aura oitentista por modismo e adequação pura e simplesmente, sem nenhuma preocupação ideológica com o movimento A, B ou C. Já a "Tífon", era conduzida por entusiastas das estéticas oriundas do Pós-Punk, e sabíamos que geralmente só abria as suas portas para artistas coadunados sob tal estética, com o seu público sendo formado por seguidores de tais ideais.
De fato, do dono ao mais humilde funcionário da faxina, todos pareciam fazer parte de um vídeoclip do "Bauhaus", "Siouxie and the Banshees", e outros artistas similares da seara do Pós-Punk.

Sobre a questão da briga ocorrida na semana anterior em suas dependências, nós soubemos de alguns fatos, por várias versões. Conhecidos nossos do mundo do "Heavy-Metal", relataram-nos que realmente uma turma de punks, entrou no recinto com a clara intenção de provocar o Robertinho de Recife, e o seu público. Não foram muitos os admiradores do guitarrista pernambucano, ali presentes e naquele instante com ele a tentar impor-se como "Guitar Hero" de Heavy-Metal, portanto, foram alvo fácil das provocações dos agitadores. 
 
Segundo soubemos, o Robertinho irritou-se muito com essa sabotagem deliberada e discutiu ao microfone com os opositores, o que ocasionou o início de um tumulto generalizado, que teria danificado o PA e certamente muito mais equipamentos da casa.
 
Mesmo sendo eu na época, jovem e ingênuo, o fato foi que não engoli aquela versão da "Tífon" a dar conta de que "News Wavers" teriam brigado ou pior, motivado a briga. De todas as tribos derivadas do Pós-Punk, essa turma era uma das poucas não hostis, e a sua postura não evocava truculência como um princípio, ao contrário de outras, bem beligerantes. Eram até meio efeminados e continham uma indisfarçável admiração pelo Glitter-Rock setentista.
 
Todo fã do "Duran Duran" ou "Adam & the Ants", potencialmente gostava de David Bowie e Marc Bolan, portanto não seguiam necessariamente as "ordens" do "manifesto de repúdio ao passado", ditado em 1977. 
 
Bem, estávamos a inserirmo-nos em um imbróglio e nesta altura em que escrevo (2016), adoraria poder fazer uma viagem básica no tempo e poder assim mudar essa história, mas como não posso, resta-me relembrar e lamentar o não cancelamento desse show, "maledetto"...
Enfim, ensaiamos o nosso show normal, mesmo conscientes de que poderíamos ter problemas como o Robertinho de Recife enfrentara uma semana antes, embora não achássemos que haveria novo tumulto nesse mesmo porte. 
 
Fomos para o show com essa hipótese em mente, todavia sem temores acentuados, e por um lado, até animados para fazermos uma noitada boa para os nossos fãs. Foi uma sexta-feira, dia 13 de outubro de 1984. O dia anterior houvera sido feriado nacional, portanto, estávamos a viver um dia útil "emendado" pela maioria da população, a prolongar o final de semana.
Chegamos à Danceteria Tífon para o soundcheck e o equipamento do Pérsio, que havíamos contratado, estava todo montado e ele fazia testes de equalização. Da parte dele, tudo foi perfeito, com profissionalismo e camaradagem. Mas os problemas começaram com os funcionários da casa. Bastante mal-educados, tratavam-nos com rispidez, a responder-nos muito mal algumas perguntas básicas e absolutamente necessárias, como por exemplo: -"aonde fica o camarim, por favor?"
Até então, tudo bem, isso não arrancar-nos-ia pedaços, poderíamos suportar a grosseria generalizada. Fizemos o soundcheck, ao chegarmos em um resultado confortável e isso foi tranquilo com o Pérsio a operar o PA e monitor, por ser ele um profissional competente e bastante equilibrado no trato humano, com os músicos.
 
O camarim estava um horror. Havia ali uma bagunça generalizada, como se fosse um sótão cheio de bugigangas guardadas sem sentido prático algum, que não fosse a preguiça em se jogar fora tais quinquilharias.
Ficamos com a impressão de serem objetos de cena usados por alguma companhia de teatro, mas em mau estado de conservação e assim, sem objetivo de reuso. Lembro-me até de haver a existência de um caixão de defunto na coxia, onde o nosso amigo, Wagner "Sabbath" (que acompanhou-nos nesse show como um misto de roadie e segurança), ter brincado de entrar nele, quando inclusive tirou fotos (fico a dever tais registros fotográficos, lamentavelmente). 
 
O forro do caixão estava acentuado por uma coloração a denotar a matiz do "púrpura profundo" (não resisti ao trocadilho!), muito intenso, e a performance engraçadinha do Wagner, despertou-nos gargalhadas, ou seja, um raro momento de felicidade que tivemos nesse dia.
 
Antes de falar sobre o show em si, preciso contar que paralelamente, esse final de semana reservar-nos-ia um drama pessoal motivado pelo Chico Dias, que estender-se-ia até a segunda-feira posterior. Isso só potencializou toda a tragédia oitentista que vivenciamos na famigerada danceteria, Tífon...
A começar pela questão pessoal do Chico Dias, ele comunicara-nos dias antes, que estava com muita saudade de sua namorada, e que pensava em convidá-la a vir para São Paulo, passar o feriado prolongado com ele. Ora, apoiamos de imediato a ideia, por que haveria de ser um fator motivacional a ajudar-nos nessa fase difícil de adaptação que ele enfrentava.
E além do fato de ser um feriado, e a moça poder programar-se sem perder as aulas de sua faculdade, ele certamente contaria com uma apresentação em um lugar mais badalado, com equipamento de som e iluminação sob alto nível, para impressioná-la, pois nos shows anteriores, ainda não havia tido tal oportunidade para atuar em melhores condições com a banda.
 
Até aí, tudo bem, mas um componente social estaria a atrapalhar tal planejamento pessoal dele: onde estava hospedado, na casa do poeta, Julio Revoredo, a presença da namorada não seria conveniente para o pernoite. Portanto, sem meios financeiros para bancar um hotel para o casal, a presença da namorada tornou-se um problema a mais para ser resolvido, por nós.
A solução inicial seria hospedá-los na casa de veraneio da família do José Luiz Dinola, que a ofereceu, gentilmente. Apesar de um pouco longe, localizada no município de Itapecerica da Serra-SP, era extremamente confortável e nesse caso, o casal teria uma luxuosa "lua de mel" para desfrutar, e só daria um trabalho extra ao Zé Luiz, por conta de ter que levá-los e buscá-los nessa cidade (não tão longe assim, pois fica presente na Grande São Paulo). 
 
Problema solucionado aparentemente a tempo, por conta do Zé Luiz ter checado, e ninguém de sua família ter afirmado que usaria a casa naquele final de semana, foi dado o sinal verde para a garota gaúcha comprar a sua passagem de Porto Alegre à São Paulo.
 
Chegou o dia do show e a "guria" estava a postos para acompanhar a performance de seu namorado. Ela era simpática, educada, inteligente e universitária, ao aparentar ser, sinceramente, bem mais madura do que ele.
No que interessava-nos, estávamos contentes, pois a sua presença parecia ter fornecido o equilíbrio que o Chico Dias precisava para suplantar as suas dificuldades de adaptação em São Paulo. 
 
De volta ao show em si, quando a casa abriu para o público, vimos que aquele lugar mostrava-se realmente hostil para nós. Todos os funcionários estavam fortemente maquiados e vestidos a caráter, a reforçar o que eu disse anteriormente, ou seja, não fora uma mera forma de expressão apenas, mas literalmente parecia que estávamos dentro de um vídeoclip daquelas bandas oriundas das correntes do Pós-Punk.
Todos ali olhavam-nos com um desdém tamanho, que sentimo-nos impossibilitados de circular pela área social da casa, e assim resolvemos recolhermo-nos ao camarim, que mesmo tumultuado, pareceu-nos mais agradável do que estarmos em meio àquele pesadelo oitentista vivo. Bem, eis que chegara a hora do show, enfim.

Posicionamo-nos e quando a casa fechou o som mecânico da pista, demos início ao nosso espetáculo. Havia um público bem razoável presente, mas estava absolutamente indiferente à nossa apresentação. Alguns mais abusados, hostilizavam-nos, a dançar de uma forma debochada e/ou a rir de nós, acintosamente. Tocamos a nossa canção, "Luz" nessas condições e sinceramente, mesmo ao se mostrar como um público hostil, a canção, "Luz", ao tratar-se de um Rock tradicional, com ares cinquentistas, poderia não ser tão ruim ao confrontar o preconceito deles, por isso a colocamos como primeira música do set list.
A seguir, tocamos "Anjo Rebelde", que poderia gerar um certo frisson por ser mais pesada, mas o que aconteceu de fato, foi uma enorme indiferença, com a massa presente na casa, a ignorar-nos em sua maioria e alguns a hostilizar-nos, ainda que de uma forma "moderada". Começamos a terceira música, que foi "18 Horas".
Ainda tocaríamos mais oito músicas, pelo que lembro-me, pois fomos para esse show com a proposta de uma apresentação mais curta que a normal, devido às circunstâncias.
Quando chegou no ponto da música onde começaria o solo do Zé Luiz, ouvi ele dar um acento muito forte no seu prato, "crash", e a seguir, outro, em paralelo aos seus gritos, proferidos fora do seu microfone. Olhei para trás e o vi ensandecido, em pé, a desferir murros no prato, compulsivamente e a gritar: -"não, não, não"...
Por uma fração de segundos, eu paralisei, sem entender o que estava a acontecer, quando finalmente percebi que o som mecânico da casa estava ligado a todo vapor, e muito mais alto do que o PA do nosso show! 
 
E o que ocorreu, afinal de contas? Pois a direção da casa mandara ligar o som mecânico, a forçar o encerramento sumário do nosso show, compulsoriamente, de uma forma arbitrária, e deveras deselegante, sem nenhuma justificativa ou aviso prévio emitido por recados vindos da coxia! 
 
Eu e Rubens ainda demoramos para entender o que passava-se. O Chico Dias já estava a ser consolado pela namorada na coxia, e o Zé Luiz ficou possesso e com toda a razão! Bem, de volta ao camarim enquanto os roadies desmontavam o palco, estávamos todos muito chateados. Então, o pior aconteceu... sim, ainda houve mais desgraça para ocorrer nessa noite.
O Zé Luiz e o Rubens, acalmaram-se e após alguns minutos para recomporem-se emocionalmente, foram ao escritório do dono do estabelecimento para receber o pagamento acordado. Receberíamos uma porcentagem da bilheteria. Independente dessa atitude horrorosa que tomaram contra nós, não abriríamos mão de nosso cachê, mesmo por que, tínhamos que pagar o PA que alugáramos. 
 
Quando ambos chegaram ao escritório do sujeito, foram informados pelo rapaz, que nós não teríamos direito a nada, pois o nosso pagamento não seria medido pelo público presente na casa (cerca de quinhentas pessoas estiveram ali presentes), mas pela quantidade de pessoas que alegaram terem ido lá para assistir-nos, mediante o preenchimento de um cadastro, solicitado na portaria do estabelecimento!
O Zé Luiz enlouqueceu, por que foi óbvio que não havíamos combinado nada disso, no acerto prévio. O elemento, sob uma arrogância incrível, mandou buscar os tais papéis preenchidos e mostrou para eles, pouquíssimos, o que acarretara uma quantia irrisória, dentro dessa justificativa infame e jamais acordada conosco, anteriormente. E o que isso provou exatamente, se não havíamos combinado nada disso, previamente? Sem contrato assinado, foi palavra contra palavra e nem foi possível contra-argumentar com contundência, pois a segurança da casa, armada, ficou em alerta quando o Zé Luiz esboçou exaltar-se.
 
Supra-sumo da desgraça, o elemento ainda teve o supremo requinte de crueldade, ao afirmar que mandara cortar o nosso show, pois estávamos "a encher o saco do seu público". Segundo ele, "ninguém ali estava a gostar"... certo, tratava-se de uma casa hostil ao nosso espectro musical. 
 
De fato, aquela horda estava indiferente ao show, eu entendo por esse aspecto, contudo, passar por cima do acordo financeiro, ainda mais ao saber que havíamos contratado um PA, e a grosseria suprema em cortar-nos o show com menos de três músicas executadas, mais pareceu-nos uma provocação...
Certo, foi uma casa antagônica ao nosso espectro musical, e de fato, aquela horda estava indiferente ao show, eu entendo. Só que:

1) Eles nos convidaram e convenceram a aceitar a oferta, ao usar a argumentação de que estavam a abrir o leque de atrações, e assim visar angariar outros nichos de público. Ao partir dessa premissa, foram sabedores de que o ambiente mostrava-se hostil e portanto, sinalizavam apoio para que tocássemos. Sendo assim, na prática agiram ao contrário, como se houvessem nos atraído para uma armadilha, e nesse aspecto, deu-nos margem para pensarmos até no caso de ter sido um jogo proposital com o intuito de humilhar-nos.
 

2) O combinado na parte financeira, foi uma porcentagem "X" da bilheteria bruta. Não foi falado nada sobre pesquisa de última hora, com a porcentagem da banda a ser vinculada à presença de público específico de nossos fãs.
 

3) Independente de estarmos ou não a agradar o público, cortar o nosso show com duas músicas e meia, de forma arbitrária, foi de uma grosseria ímpar. A falta de ética dessa gente foi chocante. Nós certamente iríamos reduzir ainda mais o show, por sentirmos esse clima hostil do público, mas tal decisão cabia a nós, em cima do palco.
Tal atitude perpetrada por um energúmeno grosso e arrogante desse nível, se caracterizou como uma indignidade atroz. Foi certamente um dos piores, senão o pior show d'A Chave do Sol em sua história. Infelizmente, a nossa incauta visão naquele momento, não foi capaz de antever que seria um desastre, e tudo poderia ter sido evitado com o simples cancelamento prévio. 
 
Nesse aspecto, foi bem feito para nós, e se houve um lado bom, essa humilhação e prejuízo financeiro serviu-nos como lição doravante, e entrou para o nosso rol de exemplos de como se fazia necessário pensar dez vezes antes de nos envolvermos em uma situação que claramente sinalizara-nos um desastre anunciado.
Saímos humilhados da casa, com um cheque a conter uma significativa porção das nossas economias, a ingressar no bolso do Pérsio, o dono do PA que alugáramos (que representou na prática, o fim da nossa esperança para gravarmos uma demo-tape atualizada, sob um curto prazo), e muito cansados, emocionalmente a analisar-se. 
 
No alto da madrugada, depois de alojarmos o nosso equipamento na residência do Rubens, combinamos de descansarmos no sábado & domingo, e retomarmos os nossos trabalhos, somente na segunda-feira, posterior. Nesse momento, eu só queria esquecer esse episódio, mas no sábado eu fui surpreendido com um telefonema, totalmente inesperado!
O telefonema atordoou-me: uma mudança repentina de planos da parte da família do Zé Luiz, ocorrera e nessa nova configuração, os seus familiares haviam resolvido passar o fim do feriado na casa de Itapecerica da Serra-SP.
 
Nessa nova condição, o casal formado por Chico Dias e a sua namorada, precisava deixar a residência, imediatamente, e arrumar onde ficar nos próximos dois dias. Alguma sugestão? A única ideia que surgiu-me, foi a vaga lembrança de que o Hélio, aquele garoto que era aspirante a roadie d'A Chave do Sol, havia mencionado que a sua casa estaria disponível, pois os seus pais e irmãs haviam viajado ao litoral, e ele estaria sozinho no sobrado. A minha ligação com ele era tênue, pois o conhecera há pouco tempo, e o motivo fora pelo fato de eu ter namorado muito rapidamente, uma de suas irmãs, chamada: Débora.
Ele empolgou-se em ser o "meu cunhado" e embrenhar-se assim no mundo do Rock, que fora o seu sonho. Até aí, tudo bem, dei-lhe essa oportunidade, contudo, o meu namoro com a irmã dele foi curto, não teve uma continuidade maior, e portanto, eu não considerei que mantinha toda essa liberdade para pedir-lhe um favor desses, mesmo ao ter sido um oferecimento da parte dele. Por outro lado, ele também havia estabelecido amizade com o Chico Dias, e estava solidário ao fato do gaúcho estar a sofrer para adaptar-se à pauliceia etc. Bem, incontinente, liguei para o Hélio e mesmo ao tirá-lo repentinamente de sua cama, pois ainda era cedo, comuniquei-lhe os fatos e solicitei a casa, ao lembrar-lhe da sua oferta espontânea, formulada anteriormente.
Ele aceitou de pronto ajudar o casal, e mediante novos telefonemas, combinamos toda a logística para tirá-los de Itapecerica da Serra-SP e realojá-los na Vila Industrial, um subdistrito do bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo.
 
Para quem não conhece a cidade de São Paulo, dou um exemplo metafórico: é como estar em Mercúrio, e querer ir à Saturno, ou seja, cerca de três horas depois desses telefonemas todos, finalmente eu fui receber o casal na plataforma da estação Tatuapé do Metrô. Ali encontrei-me com o Hélio, que os conduziu para a sua casa, tendo ainda que usar um ônibus, no terminal acoplado à estação.

Chico e a sua garota, estavam com semblantes muito cansados e contrariados com tudo isso, portanto, posso imaginar o quanto isso estava a ser desagradável para ambos, embora, por outro lado, nós estávamos a fazer o possível para ajudá-los nessa situação, e convenhamos, não tínhamos culpa pela falta de uma estrutura para prover-se uma acomodação melhor para ambos...
Bem, eu voltei para a minha casa aliviado, mas estava ainda muito aborrecido pelo desastre humilhante da noite anterior, também pelo prejuízo financeiro, e estressado com esse problema repentino criado para alojar Chico Dias e a sua namorada. 
 
Mais tarde, com todos os envolvidos nessa confusão a contar com uma melhora visível no humor, marcamos encontro novamente no Metrô, e fomos dar uma volta na Av. Paulista. A garota (guria!), queria conhecer o MASP (Museu de Arte de São Paulo), mas naquele horário noturno, este Museu não estava aberto. A despeito dessa frustração, estava tudo aparentemente calmo e fomos embora. O casal estava a rir, enfim, e ambos foram embora para a sua sossegada noite de amor, que desse-lhes paz, ainda bem...
Mas outra bomba estava reservada para ser detonada, na manhã de domingo! Novamente eu fui tirado da minha cama com a notícia de que um fato horrível acontecera, a gerar stress na casa do Hélio.
Simplesmente os pais dele anteciparam a sua volta a São Paulo, e surpreenderam um casal jovem e completamente estranho, a dormirem, completamente nus, na sua cama! 
 
Furiosos, expulsaram-nos aos gritos, mal tendo tempo para vestirem-se. Estressado, Chico Dias não sabia o que fazer e o Hélio entrou em uma espécie de castigo sob clausura forçada, e como consequência de seu retiro obrigatório, eu só consegui falar com ele, vários dias depois.
 
Pensar... pensar... aonde alojar esses dois por mais um dia, visto que a namorada só voltaria à Porto Alegre na segunda-feira, por conta da passagem comprada antecipadamente?
Outra hipótese improvável ocorreu-me: lembrei-me do Helcio Junior, aquele fã abnegado que levava faixas às gravações d'A Fábrica do Som, para incentivar-nos, e que intermediara três shows para nós, na sua cidade natal, Atibaia, no interior de São Paulo. 
 
Ele estudava em São Paulo e morava em um apartamento com o seu avô, mas o senhor idoso raramente permanecia em São Paulo, portanto, na prática, ele ficava sozinho o tempo todo. Restara-nos saber se o Hélcio estaria em São Paulo e se poderia ajudar-nos por uma noite. Liguei e dei sorte: ele estava, e ao ir além, estava sem a presença de seu avô em casa e aceitaria abrigar o casal, sem problemas. Como fã da banda, sentira-se feliz em ajudar e até gostaria de recebê-los para tomar vinho e ouvir música, sendo isso em sua percepção e perspectiva para o domingo a noite, seria melhor que estudar. segundo, afirmou-me.

Certo, fui levar o casal até a Av. Paulista, onde encontramo-nos com o Helcio. O seu apartamento ficava situado nas imediações da Rua São Carlos do Pinhal, ali perto. Ao contrário da noite anterior, o casal estava em frangalhos novamente, e confesso, eu também estava cansado dessa situação.
Bem, entreguei-os ao Hélcio e fui para a minha casa. Tudo o que eu desejei foi descansar e chegar ao ensaio na segunda-feira posterior, um pouco melhor, para enfim tocarmos a nossa vida adiante, e esquecermos o show malogrado da Tífon. 
 
Entretanto, a minha paz interior não durou muito, pois eis que um outro telefonema ocorreu e lá estava do outro lado da linha, o Chico Dias desconsolado, a ligar-me de um telefone público da Av. Paulista. O mesmo raio caíra três vezes na cabeça do azarado, Chico Dias... o avô do Hélcio chegara de surpresa, e não gostou nada de saber que o casal tencionava ficar hospedado ali naquela noite. Não foi aos berros desta vez, mas foi feito um convite para eles retirarem-se...
O Helcio ficou muito chateado, mas nada pôde fazer, pois o avô era de fato o proprietário do apartamento e daí, bem, a sua vontade prevaleceu.

Então, lá fui eu de volta encontrá-los na Av. Paulista. Estavam sentados na escadaria da sede da TV Gazeta, cabisbaixos. E desta vez, eu não sabia o que fazer mais para dar um jeito para o casal. Eu também estava sem recursos, e a minha residência era pequena naquela ocasião, e sem chance para um oferecimento, nem que fosse de emergência. A minha ideia foi ligar para alguém daquele grupo de amigos que orbitavam a nossa banda, desde 1982. Algum deles poderia ter uma ideia.
Gentis como sempre, esses amigos mobilizaram-se e vieram encontrar-nos. Nenhum deles poderia oferecer a própria residência, mas organizaram uma "vaquinha" e a dividir bem tal esforço coletivo, até eu ajudei, apesar de minha precariedade financeira à época.
 
Após um jantar animado, onde o casal pôde relaxar um pouco, depois de tantas emoções, os deixamos em um hotel nas Perdizes, bairro da zona oeste de São Paulo. Dali, havia uma estação de metrô, próxima, e os instruímos a dirigirem-se à rodoviária no dia seguinte, sem problemas. Deixamos o casal à vontade para descansar no hotel, e fomos embora. Fiquei muito feliz pelo apoio dos amigos, onde destaco o Carlos Muniz Ventura, que seria fotógrafo de muitas ocasiões importantes da banda, incluso fotos promocionais de encartes de discos (EP de 1985 e LP The Key, 1987). Ele liderou a captação de recursos e pesquisou hotéis baratos nas imediações onde estávamos etc. 
 
Eu fui dormir extenuado pelo acúmulo de problemas iniciados, desde a catastrófica noite de sexta, com o show horrível, ocorrido na danceteria Tífon. Mas ainda aconteceria mais uma desgraça...
Desta vez, eu não fui chamado para ser o amparador, mas o Carlos Muniz Ventura ligou-me para contar-me que naquela hora (cerca de 13:00 horas), estava tudo bem, mas quase acontecera uma tragédia, horas antes. Segundo o Carlos, ele fora acordado por volta das 8:00 horas da manhã, com o Chico Dias a berrar, desesperado ao telefone. Aos gritos, ele dizia: -"a minha mina morreu"...
Transtornado com essa informação chocante, o Carlos foi imediatamente ao hotel, socorrer o casal. Mas nessa altura, alguém do hotel já havia solicitado uma ambulância. O Carlos chegou quase simultaneamente ao resgate e aliviado, descobriu que a moça estava viva, embora desmaiada. Levada imediatamente para o Hospital das Clínicas, foi diagnosticado o seu desmaio como reação do organismo por falta de insulina, visto que ele era diabética e naquele stress todo do final de semana tumultuado, esquecera-se de injetar a sua dose de insulina diária. 
 
Em síntese, foi um tremendo de um susto! Ela ficou internada por mais um dia e teve que trocar a passagem de volta para o sul, mas nem de longe, foi o pior problema que enfrentou naquele final de semana "dantesco". 
 
Como consequência direta, o Chico Dias que era carrancudo e pessimista por natureza, depois desse evento todo, piorou o seu estado de desânimo, isto é, a vinda de sua namorada que teve o objetivo de promover a subida de sua autoestima, infelizmente, pelo decorrer dos acontecimentos, teve o efeito inverso!
O melhor remédio dali em diante, seria mesmo tentar esquecer tudo, e seguir em frente nos nossos planos. Ao pensar na física quântica, teria bastado cancelar o show da Tífon, assim que soubemos que teríamos que alugar um PA por nossa conta. A nossa insistência para fazermos um show em uma casa que sabíamos ser hostil e pior, a corrermos alto risco financeiro, foi uma sandice de nossa parte. Talvez, se tivéssemos de fato o cancelado, não houvesse a ideia do Chico Dias, de trazer a sua namorada do sul.
No campo das infinitas variantes que precipitam-se a cada peça que mexemos no tabuleiro de xadrez, é fascinante verificar que tudo poderia ter sido diferente... bem, a vida seguiu, apesar desse final de semana com derrotas múltiplas que amargamos!
Felizmente, esse final de semana de terror, encerrou-se com a garota do Chico Dias a voltar para a casa, e por chegar sã e salva a Porto Alegre.
 
Apesar do abatimento que essa história toda causara-nos, não tivemos tempo para cair na depressão, pois mesmo com a humilhação daquele show malogrado na Danceteria Tífon, e a agravante de nossas economias estarem a voar em um cheque, em direção à um bolso alheio (nem contabilizo o baixo astral perpetrado pela onda de azar, cinematográfica de Chico Dias e sua namorada), precisávamos levantar o ânimo, pois no sábado subsequente, estávamos escalados para tocar no Festival BR-Rock, no Circo Voador, do Rio de Janeiro.
A produtora do Língua de Trapo, na época de minha segunda passagem pela banda, Cida Ayres, e que muito auxiliou A Chave do Sol nesse ano de 1984. Aqui, em foto bem mais atual, no entanto

Lograra êxito a nossa investida em setembro, e graças a um empurrão providencial da produtora executiva do Língua de Trapo e minha amiga, Cida Ayres, a produtora do Circo Voador, Maria Juçá, gostou do nosso material, e escalou-nos para a noite do terceiro sábado do referido festival.
Claro, ficamos eufóricos com essa possibilidade de estarmos inseridos em um festival de grande porte, para tocarmos em meio a muitas bandas que estavam na crista da onda do mainstream, e no Circo Voador, lugar muito "cool", no Rio de Janeiro. Foi a hora portanto, para espantar o baixo astral, e ensaiar com bastante atenção, e foi o que fizemos nessa semana que antecedeu o nosso show no Festival.
Como o Zé Luiz tinha a sua irmã mais velha a morar no Rio de Janeiro, ele propôs que eu fosse em sua companhia, um dia antes da apresentação, para fazermos mais contatos e diante dessa possibilidade de termos um lugar para ficar, claro que eu aceitei.
 
Eu e Zé Luiz fomos para o Rio, na madrugada de quinta para sexta, e chegamos bem cedo. Da rodoviária, fomos direto para o bairro de Ipanema, na zona sul da cidade, onde descansamos um pouco no apartamento da irmã dele, e logo depois do café da manhã, saímos para aproveitar ao máximo o dia. Iniciamos com uma visita à redação da Revista Roll, fomos à Rádio Fluminense em sua sede de Niterói-RJ, e visitamos algumas lojas de discos.
 
No meio da tarde, visitamos o Circo Voador para fazermos uma vistoria no equipamento e movimentação do dia, quando a Maria Juçá nos viu e convidou-nos para que assistíssemos os shows programados para aquela sexta-feira. Claro que tencionávamos voltar ali a noite, mas tínhamos ainda muitas horas pela frente, e resolvemos voltar à nossa hospedagem no apartamento da irmã do Zé Luiz, e descansar, tomar banho e jantar.
Mas tínhamos um plano antes de irmos ao Circo Voador. Resolvemos irmos ao Parque Laje, onde na mesma noite, ocorreria um show dos Paralamas do Sucesso. Não queríamos ver o show, mesmo por que não haveria tempo para tal, mas a nossa intenção fora sentir a vibração do lugar, que eu particularmente conhecia apenas pelo cinema, através de cenas de alguns filmes nacionais, tais como, "Macunaíma" e "Terra em Transe", que ali foram produzidas.
 
De fato, o local era (é) belíssimo, e a protagonizar um show de Rock, com a possibilidade do uso de iluminação, ficaria fantástico. Tocar ali não seria nada mal, mas pelo que sentimos, não se tratava de um espaço que estava a ser utilizado com essa finalidade, ao menos com constância. Portanto, não adiantava nada procurar saber quem estava a produzir aquele show dos Paralamas do Sucesso, naquele instante, pois pareceu-nos ser algo inusitado e sazonal, sob uma primeira impressão.
Fomos para o Circo Voador e quando lá chegamos, tivemos uma certa dificuldade para adentrar o espaço, por conta de seguranças truculentos e despreparados. Bem, nenhuma novidade ao tratar-se de Brasil e convenhamos, 2016 em curso, e isso não melhorou muito em produções de shows em geral. 
 
Quando finalmente entramos, a casa estava absurdamente lotada. Não dava para mexer-se, literalmente, e o miolo da pista parecia uma guerra campal, pela ação do famigerado "Pogo", aquela prática "maledetta" e tipicamente oitentista do público não prestar atenção no artista no palco, mas usar o som do show para debater-se uns aos outros, a denotar a iconoclastia punk de 1977, onde o artista era encarado como um mero joguete de rituais truculentos de ordem primitiva, e não como protagonista artístico de um espetáculo cultural. Exagerei em minha análise com cunho antropológico? Talvez, mas digo com pesar que o que afirmei tem conexão, sim e infelizmente. 
 
O Camisa de Vênus tocava naquele instante, e mesmo que eu soubesse que o Marcelo Nova era (é) um sujeito boa praça, e é Rocker em essência, claro que o Rock'n' Roll "raulseixista" que ele professa em sua trajetória, passava ao largo ali em 1984, e ele e seus amigos aproveitavam-se da moda do Pós-Punk, para surfar sem parcimônia, nessa onda. Aquela conversa fiada de que faziam "Rock'n' Roll", era mera retórica distorcida, pois na prática, o som que faziam era um Punk sem eira/nem beira, e o público adorava aquela tosquice atroz sobre "quem matou Joana D'Arc", ou coisa que o valha. Bem, constatar a realidade oitentista no meio da erupção, pareceu-nos inevitável e compulsório...
Ficamos a assistir a apresentação dessa banda bem  do fundo, pois tentar aproximar-se seria um exercício de masoquismo, graças à batalha campal gerada pela prática do famigerado "pogo", ao qual, definitivamente não estávamos interessados em submetermo-nos.
 
Quando o show do Camisa de Vênus encerrou-se, o público dispersou em direção ao bar, e muita gente saiu do salão do Circo Voador para recompor-se e respirar, com aquele calor todo ali gerado. Aproveitamos a brecha e fomos para a coxia, onde o "Metrô" preparava-se para entrar em cena, enquanto roadies apressados faziam a troca de set up entre as bandas. 
 
Muito simpático, o baterista, Daniel, lembrou-se de minha pessoa e veio conversar conosco. Eu falara com ele quando toquei com o Língua de Trapo no Festival de Águas Claras, em março daquele mesmo ano, e a banda dele ainda chamava-se: "Gota Suspensa" (essa história está contada em detalhes no capítulo do Língua de Trapo).
Ele mesmo rememorou isso, e aproveitou para dizer-me que a vida havia mudado da água para o vinho, e que ele e seus colegas estavam a morar dentro de aviões e quartos de hotéis, há meses. No sábado, iriam fazer um show em Salvador, mas no domingo, voltariam ao Rio, para gravar o programa do Chacrinha. Um caso raro de pessoa humilde que foi para o mainstream (falarei sobre outro, logo mais), eu fiquei feliz por vê-lo em um momento de ascensão pessoal e artística, incrível.
Sabia que aquele som New Wave oitentista e robótico que tocavam, desagradava-o, pois o negócio dele era o Rock Progressivo setentista, mas por outro lado, como foi bonito ver um conhecido a chegar ao patamar mainstream! 
 
Bem, ele despediu-se, e convidou-nos a vermos o show, mesmo ao saber que não tratava-se de uma estética da nossa predileção, naturalmente, e dali, foi para o palco, onde certos produtores já chamavam-no com insistência e certa tensão.
O show deles começou e realmente foi muito decepcionante ver aqueles músicos bons a serviço daquele som Pop e raquítico. Aqueles timbres de plástico doíam nos ouvidos. Baixo Steinberger, bateria sintetizada, aqueles teclados com timbres ridículos e a guitarra plugada em um insípido amplificador, Roland Jazz Chorus... ninguém merecia tal massacre auricular, nem mesmo ao levar-se em consideração que estávamos em 1984!
 
A performance deles era perfeita para aquela estética, no entanto. Muito bem vestidos, mas naqueles parâmetros para dândis oitentistas, cortes de cabelo esquisitinhos, e muito gel. Pareciam os músicos do "Kraftwerk", mediante coreografias robóticas, dignas da mentalidade reinante daquela época, e tudo a parecer um copião do filme, "Blade Runner".
Absolutamente deprimente... mas reafirmo, os rapazes eram ótimos músicos, gentis e estavam certos em nadar a favor da maré que favoreceu-lhes. Encerrado o show do Metrô, seria a hora da atração principal da noite, os paulistanos do "Rádio Táxi"...
O palco foi inteiramente renovado e o PA do Circo Voador recebeu reforços significativos com novas caixas. Vimos um impressionante equipamento particular do Rádio Táxi a ser instalado e muito rapidamente, por um exército de roadies e ficou claro que o som deles seria muito melhor do que o das bandas anteriores, e em relação ao Metrô, fica a ressalva que esta banda tinha bastante equipamento também, ainda que estivessem coadunados com as sonoridades oitentistas medíocres por opção, pois tinham condições de fazer algo muito melhor pelo fato de serem ótimos músicos (exceção à vocalista, Virginie, que como cantora, era mais uma moça bonita, mesmo).
O Rádio Táxi foi um outro caso de uma banda formada por excelentes instrumentistas, mas com a intenção deliberada de produzir uma música Pop radiofônica e 100% coadunada com aquela estética em voga. Egressos dos anos setenta, não tiveram dúvida em cortarem os seus cabelos bem curtos, encomendaram figurino a se parecerem como dândis e o pior de tudo, a evocarem aquelas sonoridades abomináveis. Para tocar aquele som, foram fundo, e tal como o Metrô, usavam instrumentos modernosos e ridículos como o famigerado baixo, Steinberger, aquela baboseira "Dark", metida a futurista pelo seu design medíocre.
 
Como resultado prático, a sonoridade estética era horrível e só lamentávamos o fato de músicos com enorme capacidade estarem a fazer aquilo somente pelo dinheiro, mas com a maturidade adquirida, hoje eu pergunto-me: nós não teríamos feito a mesma opção se tivéssemos tido a mesma chance? 
 
Contudo, essa constatação fora além do lamento, pois mexera diretamente conosco. Tal realidade nos permitiria elucubrarmos sobre a nossa própria expectativa de carreira. Ao sermos muito francos conosco mesmo, quantos por cento, não queríamos estar naquela situação confortável do Rádio Táxi, Metrô e outras bandas que estavam a gozar das benesses de uma carreira bem estruturada no mainstream? Todavia, na época, não pensávamos dessa forma. Claro que ambicionávamos o mainstream, e ficara óbvio que o mercado oitentista estava a borbulhar para o Rock, mas somente dentro desses moldes das estéticas oitentistas, que abominávamos.
E nessa altura dos acontecimentos, não bastava só ir ao barbeiro e cortar o cabelo mediante um corte esquisito, e usar muito reverber e chorus nos instrumentos. Já estávamos na luta, e mesmo que sob um patamar muito inferior ao que esses artistas privilegiados estavam a usufruir, pelo fato de termos música a tocar em emissoras de rádio, muitas aparições na TV e portfólio em franco crescimento, não haveriam meios para retroagirmos, a fim de remodelarmos a nossa carreira. Se tentássemos tal guinada vergonhosa, teria sido uma trapalhada digna dos filmes de Cheech & Chong, se uma banda com a nossa sonoridade e identidade ideológica, aparecesse da noite para o dia, com visual Pós-Punk, e músicas novas coadunadas com aquela estética em termos sonoros. Deixaríamos de tocar "18 Horas" repentinamente, e seríamos o "Echo and the Bunnymen " do Itaim-Bibi, assim, em um piscar de olhos? Pois é!
Claro, mera especulação, pois não houve meio de nós pensarmos em uma estratégia desesperada dessas e convenhamos, nunca cogitamos uma bobagem desse porte, pois tínhamos muitas esperanças em atingir o mainstream, mas por outros meios.
 
Estávamos muito confiantes na possibilidade do mercado expandir-se, a abrir-se um outro nicho, fora dessa egrégora do Pós-Punk, ou seja, a seguir a tendência do mercado norte-americano e europeu, onde haviam os dois polos a funcionar, concomitantemente (refiro-me ao Hard-Rock/Heavy-Metal em contraponto ao Pós-Punk e os seus derivados). Teria sido para esse lado que deveríamos pender, mais próximo de nossa realidade, apesar de também ter sido um terreno inóspito para Rockers que comungavam pela velha cartilha 1960 & 1970.
Bem, de volta ao assunto primordial, o som do Rádio Táxi estava todo arrumado para ser modernoso e estar coadunado com a estética da época, mas como a intenção dessa banda foi ser Pop e leia-se o conceito Pop, como algo bem perto do popularesco, ou seja, foi como se o "The Fevers", ou os "Pholhas" tivessem tomado um banho de "modernidade", e estivessem a fazer o seu som habitual da carreira toda, mas travestidos como uma banda versada pela estética do Pós-Punk, só para seguir um modismo de ocasião.
 
Tirante o fato de serem excelentes músicos e portanto a tocarem com uma segurança incrível, o Rádio Táxi soltava esporadicamente, pequenos lampejos a insinuar formas de música mais sofisticadas, com citações ao Prog-Rock e Jazz-Rock, mesmo sendo muito sutis, e dava para entender tal intenção da parte dos seus músicos. Parecia na verdade, que faziam isso como fumantes de escritório, que dão aquelas escapadas para os "fumódromos", a buscar um alívio rápido...
 
Não deixava de ser um mérito, claro e os rapazes já tinham muitos sucessos midiáticos acumulados naquela época, com o público a responder de forma rápida a cada canção de apelo radiofônico e noveleiro que executavam, daí as "escapadas" rápidas para um som sofisticado no meio do set list.

Foi um show longo da parte deles e embora o público demonstrasse estar a apreciar, nem de longe havia aquela euforia, que verificamos quando chegamos ao Circo Voador, quando o Camisa de Vênus apresentara-se. 
 
Fomos para o apartamento da irmã do Zé Luiz, a conversarmos sobre todas as observações que fizéramos, e no dia seguinte, por volta das 14 horas, fomos à rodoviária, onde o Rubens e o Chico Dias chegariam, acompanhados do amigo, Claudio "Capetóide", que viria improvisadamente ajudar-nos como roadie. 
Encontramos com a outra metade da nossa banda no horário combinado, e fomos diretamente à Lapa, bairro situado no centro do Rio, para aguardar o momento para realizarmos o soundcheck.
 
Estávamos muito contentes com o fato de estarmos escalados para o sábado, um dia nobre, e no turbilhão de um Festival de grande porte, a tocar ao lado de nomes consagrados do BR-Rock 80's, ainda que no nosso dia de atuação em específico, não houvesse ninguém muito famoso para nos fazer companhia.
Pode parecer algo tolo, ingênuo até, mas achávamos que esse festival poderia ser um marco para a carreira da banda, pois deu-nos a impressão de que fora fruto da ascensão nítida que estávamos a apresentar, por vários fatores já elencados anteriormente nesta narrativa. De fato, foi isso mesmo, ao considerarmos que talvez não fôssemos escalados, se não estivéssemos nesse "momentum" significativo. No sábado, no entanto, as atrações que circundavam-nos, não mostravam-se sob grande relevância para aquele panorama. Lamentamos, pois queríamos termos sido escalados em um dia em que estivéssemos acompanhados de "Lobão & Os Ronaldos", "Barão Vermelho", "Paralamas do Sucesso" ou outras bandas dessa notoriedade oitentista.
Todavia, foi clara a intenção do Festival em agrupar bandas emergentes, portanto ainda não consagradas, e ao ir além, o fato de terem pensado no sábado, supostamente um dia nobre, como o dia para esse tipo de bandas com menor apelo popular, só poderia ter um motivo: o fato das bandas consagradas estarem com agendas lotadas!
 
Nessa mesma hora, lembrei-me do baterista, Daniel, do Metrô, que dissera-me na noite anterior, que nesse mesmo sábado, iriam tocar em Salvador, para voltar ao Rio no domingo, ao visar gravarem o programa do Chacrinha Nesse aspecto, a minha tese fazia sentido. Então, sem grandes estrelas ao nosso lado, estaríamos acompanhados por: "Gato de Louça", "Vento Sul" e "Luciano Alves".
O único conhecido na minha visão, foi o tecladista, Luciano Alves, que eu mantinha vivo em minha lembrança, pelo fato dele ter sido o último tecladista dos Mutantes. Mas a questão foi: o que esse artista estaria a fazer naquele instante de 1984? E no meio do turbilhão oitentista, eu só poderia esperar pelo pior, ou seja, um som decepcionante, certamente a buscar a estática modernosa na onda do Pós-Punk.
 
Fomos bem tratados no soundcheck e quando saímos do palco, a banda de Luciano Alves chegou para passar o som. Assistimos um pouco a passagem de som deles, antes de partirmos para o hotel, em que hospedar-nos-íamos ali perto, na Lapa mesmo. Pelo pouco que vi, até surpreendi-me, pois não pareceu-me ser nada radicalmente modernoso, no mau sentido da expressão, como eu deduzira. Pelo contrário, apesar de parecer algo produzido com a intenção Pop, continha elementos do Rock'n' Roll tradicional. Enfim, dos males o menor, não tocaríamos com "Replicantes" ou "Cyber-Punks" saídos dos filmes "Blade Runner" ou "Mad Max", algo corriqueiro nos anos 1980...
O lado ruim, internamente a se destacar, foi que o Chico Dias chegara ao Rio de Janeiro, com um mau humor insuportável. Infelizmente, ele ainda não recuperara-se dos aborrecimentos somados da semana anterior, e ao invés de estar feliz por estar a conhecer o Rio de Janeiro, e prestes a cantar no Circo Voador, um espaço "cool", em meio aos maiores artistas do BR Rock 80's (ao pensar em termos do Festival inteiro e não especificamente sobre os artistas escalados para o dia em que tocamos), ele estava com o semblante fechado, com poucas palavras, e nenhum entusiasmo por tudo o que citei acima.
 
Bem, não tínhamos tempo para contratar um psicólogo, e sendo assim, só restara-nos ter um tato mínimo com ele, para não piorar o clima, e com isso, tal mau humor, não atrapalhar a performance da banda. Só faltava-nos mais essa, em um momento desses...
Luiz Domingues no destaque, com Zé Luiz Dinola ao fundo. A Chave do Sol no Circo Voador do Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
  
Passado o soundcheck, tivemos um bom período de espera pela frente. Demos uma volta pela Lapa, caminhamos um pouco pela Cinelândia, e voltamos ao Circo Voador. A primeira atração do dia, foi o "Vento Sul", que sinceramente eu não me lembro exatamente da sua apresentação, pois nessa hora, estávamos no camarim. 
 
Sobre o "Gato de Louça", eu assisti alguns trechos de sua apresentação pela coxia, e pareceu-me uma boa banda, com músicos de bom nível e arrisco dizer que detinham alguma influência do Jazz-Rock setentista, e convenhamos, é preciso ter nível técnico para arriscar-se nessa complicada área musical. Os próximos a entrarem em cena, seríamos nós...
Da esquerda para a direita: Rubens Gióia; Chico Dias, José Luiz Dinola (ao fundo) e Luiz Domingues. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
 
A Maria Juçá deu-nos o sinal e fomos ao palco, com bastante confiança, apesar do mau humor do vocalista, Chico Dias. Infelizmente, demos muito azar, pois já antes da primeira atração subir ao palco, uma chuva torrencial caíra. E continuou a prejudicar a presença de um público melhor. Enquanto tocávamos, a chuva apertou ainda mais. Durante o nosso show, deu para ouvir o barulho dos trovões, a demonstrar que a situação estava feia na rua.
Zé Luiz Dinola ao fundo. Luiz Domingues de costas para o público, Rubens Gióia e Chico Dias de frente para o público. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
 
Convenhamos, as atrações não eram chamativas o suficiente para arregimentar-se um grande público ao Circo Voador, apesar de ser um sábado. O único nome mais significativo, seria o de Luciano Alves, mas mesmo assim, seria algo bem distante da ideia de que ele fora tecladista dos Mutantes em sua fase final, nos anos setenta etc. E naquele ambiente oitentista hostil, seria até mais prudente omitir isso, ao falar no proscrito, infelizmente, Rock Progressivo etc...
 
Os demais, incluso A Chave do Sol, eram bem desconhecidos do público carioca (em nosso caso, apesar do apoio maciço da Rádio Fluminense FM), e à margem do BR-Rock oitentista e midiático, em voga.
Luiz Domingues em destaque. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho

Sendo assim, o público foi muito diminuto, ao considerar-se o registrado na noite anterior, que superlotara o Circo Voador, graças a três nomes fortes do BR-Rock anunciados, conforme eu já citei anteriormente, mas nada desprezível ao se comparar com os parâmetros de hoje em dia (2015). 
 
Em relação à nossa apresentação, apesar de ter sido um público pequeno, em tese, este foi bastante caloroso e arrisco dizer que haviam pessoas ali motivadas pelo fato da música, "Luz", estar a tocar na programação da rádio Fluminense FM, há meses.
Rubens Gióia à esquerda, Zé Luiz Dinola ao centro, e Luiz Domingues à direita. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho

A nossa performance foi muito boa. Não deixamo-nos abalar pelo pouco público, tampouco pela chuva diluviana que caía, com direito a raios & trovões, ensurdecedores. Tocamos com muita energia. O vocalista, Chico Dias fez até um solo vocal, ao imitar bastante o Freddie Mercury, o que deixou-nos um pouco apreensivos, pois com pouca gente no ambiente, tendia a ser constrangedor, devido à insistência dele para cobrar a interatividade das pessoas ali presentes.
Rubens Gióia em destaque. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho

Entretanto, tivemos sorte, pois os poucos presentes, responderam o tal convite à participação e tudo encaixou-se. Pelo contrário, talvez tenha passado uma imagem de segurança da parte dele e da banda, e de certa forma, caiu bem tal ousadia. Desse show, tiramos muitas fotos, e a minha foto individual, na contracapa do EP que lançaríamos no ano posterior, 1985, foi extraída daí. 
 
Eu estava todo de preto, com calça e camisa de cetim brilhante, sob um visual ultra setentista. Pareço o Ritchie Blackmore, em suma. Apesar do pouco público presente, creio que cumprimos a nossa missão, e saímos satisfeitos do palco.
Uma panorâmica da banda no palco. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
 
Assistimos um trecho do show de Luciano Alves, que pareceu mesmo uma tentativa de chegar-se a algo com teor Pop, entretanto, com elementos setentistas discretos na sua música. Enfim, nem era explicitamente oitentista, mas também não assumia-se como algo setentista, portanto, pareceu-me um híbrido indefinido, contudo, sem nenhum brilho, infelizmente.
No camarim do Circo Voador: Rubens Gióia, eu (Luiz Domingues), e Chico Dias. O semblante do vocalista gaúcho não desmente a minha narrativa em relação ao seu mau humor, naquele dia. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho

Esse show ocorreu no dia 20 de outubro de 1984, um sábado, com cerca de quatrocentas pessoas na plateia. Hoje eu soltaria rojões ao tocar para um público com quatrocentas pessoas presentes, mas naquele momento, achávamos pouco, diante das quase duas mil que espremeram-se no Circo Voador, na noite anterior, em que assisti os shows na companhia do Zé Luiz e os descrevi parágrafos atrás. Fomos jantar nas imediações e dormimos em um hotel ali próximo, na Lapa.
Rubens Gióia de frente, Luiz Domingues de lado e ao fundo, José Luiz Dinola. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
 
No dia seguinte, quando acordamos, decidimos permanecermos um pouco mais no Rio de Janeiro, para tentar levantar o astral do Chico Dias. Guardamos os instrumentos e a bagagem no guarda-volumes da rodoviária, e fomos passear pela zona sul. Demos uma volta por Ipanema, e na Rua Prudente de Moraes, nos encontramos por acaso com o ex-apresentador do programa, "A Fábrica do Som", Tadeu Jungle. Ele ficou surpreso por ver-nos a circular por ali, mas também mostrou-se contente por verificar que estávamos a subir na carreira, por tocarmos em um lugar badalado do Rio de Janeiro, quando certamente o fato de termos apresentado-nos tantas vezes naquele seu programa, que repercutia nacionalmente, houvera ofertado-nos tal possibilidade de crescimento.
Perspectiva da coxia. Rubens Gióia & Chico Dias, com Luiz Domingues ao fundo semi encoberto. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
 
Isso foi verdade, claro que sabíamos disso, e estávamos a tentar agarrar todas as oportunidades que estavam por surgir à nossa frente. Depois desse encontro fortuito com Tadeu Jungle, caminhamos até Copacabana, e alguém sugeriu que prolongássemos o nosso passeio até a Urca, para realizarmos um passeio típico para turistas...
Zé Luiz Dinola em destaque, na primeira foto. Na segunda, Rubens Gióia & Chico Dias em destaque, com Luiz Domingues de costas e Zé Luiz Dinola na bateria, semi encoberto. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
O passeio sugerido foi o de subirmos ao Pão de Açúcar...
Apesar de ser um passeio clichê destinado a turistas, foi bastante divertido para todos, menos Chico Dias, que pareceu ter entrado em um processo ainda mais intenso de contrariedade pessoal em estar ali.
Nada demovia-o de seu mau humor crônico, e de fato, a oportunidade de estar no Rio, ter tocado em um evento onde estávamos relacionados aos maiores nomes do Rock da ocasião (reafirmo, falo isso a pensar no festival como um todo e não apenas nas atrações que estiveram conosco no sábado), e dentro de uma casa de shows badalada como fora o Circo Voador, pareceu não ter sensibilizado-o. 
 
Portanto, passear no dia seguinte pelo Rio, é que não o seduziria, mas infelizmente nós não tivemos essa percepção naquele momento.
 
E como mais um indício, compramos a revista: "Rock Star" em uma banca, ainda no Rio, a conter reportagem que abordava-nos, portanto, mais um sinal de ascensão, e ele nem quis folheá-la...
Para quem conhece bem o Rio, ou pelo menos já fez esse passeio, sabe que faz parte da estratégia de consumo, para arrancar dinheiro de turistas, uma artimanha quase secreta, que é praxe ali no bondinho do Pão de Açúcar (aliás, não apenas ali, mas em qualquer lugar com apelo turístico ao redor do mundo).
 
Pois assim que descem do bondinho, já no alto daquela altura enorme, as pessoas geralmente estão sob o torpor mental, misto do medo gerado pela subida e êxtase pela paisagem inacreditável. Então, nem percebem, mas são amplamente fotografadas. Alguns minutos depois, vendedores abordam-lhes, com pratos de porcelana em mãos, onde o destaque é a sua foto pregada neles, como um adorno grotesco.
Geralmente as pessoas são clicadas com aquelas expressões faciais "abobalhadas", como turistas incautos, e encantam-se com tal lembrança do passeio, ao pagar uma pequena fortuna pela quinquilharia. Pois o fato é que o Chico Dias estava com uma expressão indisfarçável de tédio na tal foto e que simbolizava bem o seu estado de espírito na ocasião. Claro que não compramos as nossas respectivas fotos cotadas a peso de ouro ali naquele instante e com a malandragem local a achar que éramos argentinos pelo tamanho de nossos cabelos, mas hoje em dia, claro que eu gostaria de tê-las para publicar aqui para ilustrar a minha autobiografia...
Bem, com a tarde a findar-se, resolvemos voltar para São Paulo, enfim. Já no trajeto dos ônibus urbanos que usamos nessa tarde inteira, o Chico Dias aproveitava para "dormir" durante o percurso, ao demonstrar o seu completo desinteresse pelo passeio.
 
Hoje em dia, na minha percepção, é claro que ele estava totalmente arrependido por ter ingressado em nossa banda, além de ter mudado-se para São Paulo, e nenhum progresso da banda, que era claro para todos, parecia seduzi-lo. Depois do traumático evento vivido por ele e a sua namorada, uma semana antes desse show no Rio, pareceu que o seu pouco comprometimento com a nossa banda, tratou de esgotar-se definitivamente...
Ainda não percebíamos que tratava-se de um processo irreversível, portanto tínhamos esperanças de que ele realinhasse-se, e que aquele momento seria passageiro. E assim foi o nosso final de semana no Rio, em outubro de 1984. 
 
Mas a nossa agenda estava em plena expansão, e já no dia 23, uma terça-feira, tivemos um compromisso que fora firmado de última hora, e que foi muito interessante, a realizar-se em São Paulo. Ao contrário daquela semana terrível em que descrevi o show da danceteria Tífon, e a saga de Chico Dias e de sua namorada, este novo final de semana no Rio, começou bem, sob contatos na sexta-feira, com direito a muitas histórias pitorescas que vivemos dentro do turbilhão do BR-Rock oitentista, passou pelo nosso bom show, apesar da chuva, e encerrou-se sob um esforço coletivo para se promover uma terapia ocupacional para o Chico Dias, infelizmente, infrutífera. O show no Circo Voador ocorreu no dia 20 de outubro de 1984, um sábado chuvoso no Rio de Janeiro. Cerca de quatrocentas pessoas estiveram presentes (parece bom, mas para o tamanho do Circo Voador, pareceu-nos realmente pouca gente na ocasião).
Chegamos em São Paulo no início da madrugada de segunda-feira, e cancelamos o dia livre que havíamos programado para descansar da viagem, pois surgira um compromisso de última hora. Graças ao pessoal da banda, "Tonelada e seus Kilinhos", fomos contatados e aceitamos fazer um show relâmpago no Teatro Objetivo (atual "Gazeta"), na Avenida Paulista. 
 
Nessa ocasião, tocaram além de nós, o próprio: "Tonelada", é claro, e algumas bandas novas. O show foi em caráter beneficente, e ninguém ganharia cachê, mas segundo os amigos peso-pesado da banda, "Tonelada e seus Kilinhos", seria vital a nossa participação, pois "olheiros de gravadoras" estariam presentes, e entre eles, o Peninha Schimdt em pessoa.
Bem, claro que aceitamos, e nessa segunda-feira citada, fizemos um novo ensaio, para chegarmos bem preparados ao evento. Ao falar especificamente sobre esse detalhe, a despeito de achar a postura bem profissional e madura, aparentemente, acredito que houve uma dose de exagero enorme nesse tipo de procedimento de nossa parte. Éramos ultra ensaiados naquela época, e havíamos tocado ao vivo em um show de grande responsabilidade e importância para nós, no sábado!
Portanto, fazer um novo ensaio, a visar a apresentação na terça-feira posterior, não pareceu ser uma necessidade premente, e de fato não o foi, mesmo. Todavia, éramos muito obstinados naquela época, e fizemos esse ensaio extra, assim mesmo, ao considerarmos tal esforço extra de preparação, a coisa mais normal do mundo naquela ocasião, mas claro que não seria necessário esse ensaio adicional. 
 
O show no Teatro Objetivo, foi tipicamente de choque, e muito energético. Haviam cerca de trezentas pessoas na plateia. Lembro-me bem do líder do "Tonelada", a se mostrar eufórico na coxia, pois a energia estava a mil por hora, e ele enxergava essa vibração, como ideal para impressionar os ditos "observadores" ou "caça-talentos" a serviço de gravadoras majors, presumidamente ali presentes. 
 
Além de nós e dessa banda citada, não recordo-me de nenhuma outra banda que fosse significativa o suficiente ou que tenha adquirido tal status a posteriori. Não anotei o nome das demais no meu guia de shows d'A Chave do Sol, como um dado análogo. A minha única lembrança nesse dia, em relação a essas bandas, foi que em sua maioria esmagadora, trataram-se de bandas muito ruins, formadas por jovens muito fracos como instrumentistas, tecnicamente a falar, e pior, quase todas a rezar pela cartilha do Pós-Punk, mas pelo viés da miserável ruindade proposta pela estética "New Wave".
Foram bandas batizadas com nomes baseados em siglas, uma outra prática abominável e típica daquela década, e com todo mundo a usar aqueles cortes de cabelo mega esquisitos, além do figurino mediante o uso de cores cítricas. Mais pareciam bandas infantis egressas da "Turma do Balão Mágico", para definir com maior precisão.

Nesses termos, se os supostos "olheiros de gravadoras" estivessem realmente ali presentes, é claro que interessar-se-iam muito mais por essas bandas do jardim da infância do que a nossa, realisticamente a comentar, pois é claro que teria sido isso! Tal show ocorreu no dia 23 de outubro de 1984, uma terça-feira. Cerca de trezentas pessoas, em sua maioria, adolescentes, assistiram o evento. Tocamos quatro ou cinco músicas apenas, por tratar-se de um show de choque. E no dia seguinte, teríamos um outro dia bem puxado!
Estavam agendadas duas aparições em programas de TV, uma logo cedo, e a outra na parte da tarde. Também estávamos agendados para um programa de rádio, ao vivo, na hora do almoço, e na parte da tarde, teríamos o soundcheck no Teatro Lira Paulistana, onde faríamos mais um show, naquela noite. Se o Chico Dias não animava-se com uma agenda dessas, foi por que realmente não estava a dimensionar a oportunidade que estava a obter em sua vida.
Na manhã de quarta-feira, precisávamos estarmos nos estúdios da TV Record, de São Paulo, pontualmente às 8:00 horas da manhã. Participaríamos do programa, "A Mulher dá o Recado", típico programa feminino matinal, mas que abria espaço para aparições de bandas independentes, além dos medalhões empurrados pelas gravadoras "majors". 
 
Nunca canso-me de dizer que se detesto a década de oitenta por diversos aspectos, devo reconhecer que nessa época, houve certamente, muitos locais para tocar, e a abertura na mídia mainstream, ainda não estava totalmente corroída pela máfia do jabá. Achávamos sempre que era válido apresentarmo-nos em programas femininos, e não exatamente especializados em música, e muito menos no Rock, por que representava uma boa oportunidade para a expansão, ao atingir-se um tipo de público diferente. De fato, continuo a pensar assim. Acho muito válido aparecer em programas de TV, não necessariamente especializados em música.
A apresentadora dessa atração matinal foi a Márcia Maria, uma atriz que fora bem famosa nas décadas de sessenta e setenta, e que nesse momento oitentista estava a atuar em uma nova função. A música que dublamos, foi: "Luz".
 
Tratava-se de uma escolha única, pois só tínhamos o Compacto na ocasião, e o lado B do disco, continha, "18 horas", uma música instrumental e longa, portanto inadequada para o formato de dublagem na TV. A entrevista foi trivial como poder-se-ia esperar de um programa dessa natureza, e dessa forma, somente o básico foi relatado na mini entrevista promovida por ela.
Claro, o curioso ficou por conta de Chico Dias ter tido que dublar a voz do Rubens, presente no disco. Não tínhamos outra alternativa, a não ser submetê-lo a esse constrangimento, pois julgávamos não haver cabimento para apresentarmo-nos sem a presença dele, Chico, pois estávamos a forjar uma nova imagem da banda, doravante como quarteto. E dentro dessa perspectiva, já tínhamos feito fotos promocionais novas (clicadas pelo amigo, Carlos Muniz Ventura), inclusive.
A famosa foto promocional d'A Chave do Sol como quarteto em 1984, com Chico Dias na formação, mas com o pulo acrobático do Rubens Gióia a chamar mais a atenção. Click de Carlos Muniz Ventura
 
Aliás, cabe o parêntese, é dessa sessão de fotos que saiu uma foto publicada na revista "Mix", posteriormente, sobre o universo de instrumentos e equipamentos musicais, onde o Rubens foi entrevistado, e a sua imagem foi recortada dos demais, pois ele houvera destacado-se ao dar um pulo muito alto, e assim ficar parecido com as posturas triviais do guitarrista do The Who, Pete Townshend.

De volta ao programa em si, infelizmente eu tenho a cópia preservada em VHS, mas a sua qualidade está muito comprometida pela ação do tempo. Digitalizei assim mesmo, mas na prática, ela não reúne condições de ser postada no YouTube, pois é irritantemente ruim, com problemas de rotação, inclusive. Tentarei, por outro lado, aproveitar de alguma forma as poucas tomadas razoáveis de tal vídeo, e quem sabe utilizar em algum promo, só com alguns "frames", no futuro. Aparecemos no programa: "A Mulher dá o Recado", da TV Record de São Paulo, na manhã do dia 24 de outubro de 1984.
Saímos dali do velho estúdio da TV Record, e o próximo compromisso seria apenas para a dupla Rubens Gióia e Chico Dias, por que tínhamos um acordo interno na banda, no qual as entrevistas realizadas em emissoras de rádio, seriam feitas somente por uma dupla a representar-nos. Isso por que geralmente mostrava-se inútil a participação de todos, para o desenvolvimento da conversa em veículo radiofônico.
 
E como da última vez em que participáramos do programa, "Balancê", da Rádio Excelsior, a dupla em questão fora a formada por eu, Luiz Domingues e José Luiz Dinola, no revezamento acordado, foi a vez de Rubens Gióia e Chico Dias. Portanto, ao meio-dia dessa quarta-feira, lá estavam eles a representarem a nossa banda, e assim divulgaram o show que faríamos logo mais a noite, no teatro Lira Paulistana...
Essa nota no Jornal da Semana, foi publicada no domingo, dia 21, enquanto passeávamos pelo Rio de Janeiro, mas o nosso show no Teatro Lira Paulistana, de São Paulo, só aconteceu na quarta-feira posterior, dia 24 de outubro de 1984
Por volta das 15:00 horas, já estávamos agrupados como quarteto novamente, e presentes nos estúdios da TV Gazeta de São Paulo.
O objetivo foi uma nova participação no programa, "Realce", do apresentador, "Mister Sam". Foi a nossa segunda aparição em tal programa, e nessa altura, o Mister Sam já tratava-nos como amigos, nos bastidores, além de várias outras pessoas ligadas à produção do mesmo, também, a deixar-nos implícito que ali teríamos as portas abertas e de fato, apresentamo-nos inúmeras vezes em tal programa, e se este não tinha a mesma audiência da "Fábrica do Som", era na verdade muito bem assistido em São Paulo, e trouxe-nos muito público adicional, sem dúvida. 
 
Geralmente os programas eram gravados para a exibição uma semana depois, mas como nesse caso a exibição seria feita na mesma noite, fomos encaixados pelo programador chefe, um rapaz chamado como "Primo", por todos, através de mais em uma prova de camaradagem e boa vontade muito grande, pois o nosso principal objetivo naquela ocasião, fora promover o show do Teatro Lira Paulistana.
A apresentação foi hilária, como sempre ocorreria naquele anárquico programa. O Sam parecia transformar-se quando o diretor gritava "gravando", e as luzes vermelhas das câmeras acendiam-se!
 
Ele saiu novamente a improvisar as suas brincadeiras malucas e sob um dado instante, aproveitou um gancho que observara no semblante do vocalista, Chico Dias para criar uma "gag". Dessa forma, ele falou algo como "estar a sentir-se ameaçado por ele"... o Chico entrou na brincadeira e foi para cima, a ameaçá-lo fisicamente, e imediatamente os demais entraram na palhaçada, também.
Quando notou essa interatividade de nossa parte, o Sam improvisou novamente, e saiu a dançar a "dança do passarinho", aquela ridícula manifestação popularesca perpetrada pelo apresentador de TV, Gugu Liberato, e que fazia sucesso no mundo televisivo daquela ocasião. E claro, foi algo ridiculamente engraçado! 
 
Fizemos a dublagem da música: "Luz", novamente, como opção única para adequar a presença de Chico Dias, na oportunidade.
Esse vídeo, sim, já está postado no YouTube, sob um esforço de restauração do Site/ Blog Orra Meu, capitaneado pelo meu primo, Emmanuel Barreto.
 

http://www.youtube.com/watch?v=DGYg0lxI5jc
Eis aí o link da aparição citada, acima.
A Chave do Sol com a presença do vocalista, Chico Dias em sua formação, no programa, "Realce", da TV Gazeta de São Paulo. 24 de outubro de 1984

Depois dessa gravação na TV Gazeta, fomos imediatamente para o Teatro Lira Paulistana, a fim de realizarmos o soundcheck. Tínhamos um novo show pela frente, e o furor dessa agenda múltipla dos últimos dias, não parecia animar o carrancudo vocalista, Chico Dias, que devia passar o tempo todo a sonhar com o "vento minuano" (quem conhece a cidade de Rio Grande, no litoral sul do Rio Grande do Sul, entende sobre o que eu falo)...
Chegamos a tempo de um soundcheck tranquilo no Teatro Lira Paulistana, e é bem verdade que a equalização ali era simples, por conta das dimensões diminutas do espaço. O segredo para mixar bem o som ali, era tocar com volume baixo no palco, ao tentar buscar uma padronização de áudio pelas vozes no PA, e este por sua vez, era bem pequeno, pelo fator da compatibilidade com o espaço físico do teatro. Uma outra vantagem boa que tínhamos, foi o fato de termos tornado-nos amigos do técnico de som da casa, o Canrobert Marques. E não errei o seu prenome ao esquecer-me de apertar a barra de espaço do teclado... de fato, ele tinha esse nome exótico, de batismo.
Neste frame do documentário sobre a história do Lira Paulistana, o técnico, Canrobert Marques em um momento do vídeo, onde conta "causos" pitorescos da época em que foi técnico daquele Teatro.

Extremamente gentil e prestativo, o "Can" era muito competente como operador de áudio e continha uma característica interessante que poderia ser um fator de estranheza para nós, mas pelo contrário, tornamo-nos muito amigos, e essa tal divergência só fez-nos entender uma série de coisas sobre tal movimento antagônico.
Refiro-me ao fato dele se assumir como um Punk inveterado, e como ele mesmo gostava de enfatizar: "estava comprometido com o movimento Punk, até o pescoço". No entanto, extremamente gentil, destoava de certas características dos que professavam essa "filosofia", principalmente os mais xiitas, que seguiam o "manual de Malcolm McLaren" a risca, com determinação militar. 
  
E nesses termos, apesar de ser adepto do movimento, e como técnico de som, acompanhar de perto a carreira de bandas desse universo, tais como: "Cólera", "Os Inocentes" e "Ratos de Porão", entre outras, ele não havia comprado aquela imbecilidade niilista, sobre repudiar o passado, a todo custo. Pelo contrário, entre nós, falava abertamente que apreciava bandas Prog-Rock setentistas, este talvez o maior objeto de ódio dos xiitas de 1977...

E dizia-nos que precisava manter em sigilo tais opiniões, por que era de fato um antagonismo que do lado de lá da trincheira, ninguém toleraria. Por outro lado, falava-nos também sobre nuances que fizeram-nos ter uma outra visão mais branda do vulcão Punk. Uma das mais engraçadas, foi quando falou-nos que as garotas Punk, eram como abacaxis... com casca grossa por fora, mas doces por dentro...  
Ficamos muito amigos e já em 1985, ele acompanhar-nos-ia, como nosso técnico, em shows fora do Teatro Lira Paulistana. Enfim, esse é o grande Canrobert Marques, que anos depois, tornar-se-ia o técnico de PA dos "Titãs", inclusive até hoje em dia (2015).
E nesse dia 24 de outubro, nós fizemos uma passagem de som tranquila, e o show, idem. O Chico Dias estava um pouco mais animado, mas não muito... não percebíamos na hora, ao considerarmos que passaria, mas ele já devia estar determinado a deixar a banda, pelos sinais que emitia.
Não dá para deixar de observar que em todas as notas publicadas em jornais diferentes, o nome de Chico Dias não constava do serviço. Simplesmente ignoraram o release novo que a própria assessoria de imprensa do Lira Paulistana enviou-lhes. Por outro lado, foi um presságio do que estava para acontecer-nos em questão de dias.
 
Nesse dia, ele cantou duas músicas de sua autoria, sozinho, ao acompanhar-se ao violão. Achamos interessante essa oportunidade dele trazer um elemento Folk ao som d'A Chave do Sol. Uma das canções chamava-se: "O Lobisomem", e a outra, sinceramente, não me lembro. Mesmo com essa iniciativa dele, ao propor uma criação pessoal a ser inserida no show em meio a um momento acústico, o seu mau humor crônico pareceu estar inabalável. 
 
Tivemos um bom público, se levar-se em consideração por ter sido uma quarta-feira: cinquenta pessoas presentes. Foi o dia 24 de outubro de 1984...
A nossa próxima atividade, ocorreria somente em 8 de novembro de 1984, portanto, nesses quase dez dias em que estivemos sem shows, ou compromissos de rádio e TV, tivemos tempo para ensaiarmos mais, ao visar a gravação da demo-tape que ambicionávamos produzir. Mesmo com o prejuízo que tivéramos por ocasião do desastroso show cumprido na famigerada danceteria Tífon, ainda estávamos imbuídos da vontade para gravar, mesmo que em condições bem mais modestas das que imaginávamos anteriormente.
 
E o próximo compromisso, seria um show de choque em uma danceteria nova que estava a abrir no bairro de Moema, na zona sul de São Paulo.
Houveram aspectos pró e contra, nesse show de choque que faríamos a seguir. O lado bom, foi que o convite havia partido do apresentador de TV, Mister Sam, em pessoa, por ocasião de nossa segunda aparição no programa: "Realce", por ele apresentado, dias antes. Nos bastidores, ele abordou-nos para falar que estava envolvido na programação de uma nova danceteria que estava por abrir em Moema, na zona sul de São Paulo, denominada: "Raio Laser". 
  
Em um primeiro instante, Sam convidou-nos a participar de uma espécie de "festival", que estava a promover, quando bandas "enfrentar-se-iam", em uma espécie de batalha e as classificadas, mediante uma avaliação de um "corpo de jurados", avançariam para ganhar um prêmio ou coisa que o valha.
Antes mesmo de nós retrucarmos que não éramos amadores, e não interessava-nos entrar em um festival com tom de disputa, ele disse-nos que seria uma participação só para ajudá-lo a ter mais uma atração de melhor nível ("Barão Vermelho", "Sangue da Cidade", "Made in Brazil", "Anthro" e "Lixo de Luxo", também estavam programados, além de dúzias de bandas desconhecidas formadas por garotos), e que a seguir, contratar-nos-ia para um show individual, com cachê decente etc. e tal. 
 
Bem, nessa circunstância, aceitamos o convite quase como um favor pessoal a um amigo que estava a abrir portas para nós, tanto na TV, quanto em uma oportunidade de show, posteriormente, portanto, apesar de um tanto quanto vexatório por essa questão juvenil de "disputa", nós aceitamos participar. Seria no dia 8 de novembro de 1984, na danceteria: "Raio Laser".
Todavia, nesse ínterim, fatores muito desagradáveis aconteceram na vida pessoal do vocalista, Chico Dias, e para início de conversa, a nossa planificação para ensaiamos com total afinco, a visar a gravação da demo-tape, ficou muito prejudicada. 
 
A mais nova desgraça ocorrida na vida dele (incrível!), foi quando viu-se novamente sem lugar para ficar. Infelizmente, um revés inesperado aconteceu-lhe onde estava hospedado, na casa do poeta, Julio Revoredo. A casa fora invadida e vitimada por um furto.
Nessa ação, muitos objetos foram roubados, incluso algumas roupas do Chico Dias, e sendo assim, indignado por mais esse revés, ele não sentiu mais clima para ficar hospedado ali. No entanto, claro que não havia um outro lugar disponível, a trazer-nos uma dor de cabeça extra. Foi então que eu lembrei-me que uma prima minha que estava a viver com o namorado e mais um casal de amigos sob uma "república", em um apartamento que alugaram no bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo.
  
Não foi fácil para o Chico Dias, acomodar-se ali, apesar de ter sido super bem recebido por todos, pois ao conhecer pouco a cidade de São Paulo, ele precisaria usar o metrô e um ônibus para deslocar-se até o ensaio, ao contrário de onde estava anteriormente, no Brooklin, onde bastava um ônibus apenas, e a trafegar praticamente sob uma linha reta, pela Avenida Santo Amaro.
Mara Turci, minha prima, e que ajudou Chico Dias em mais um momento de dificuldade dele, na Pauliceia.

Contudo, foi uma situação emergencial, portanto, não poderíamos fazer escolhas nesse instante e o importante foi arranjar uma acomodação para ele. Claro, com aquele ânimo que era-lhe peculiar, naturalmente que mais um revés desses o minaria profundamente. A resmungar mais do que nunca, estava ciente dos compromissos da banda, mas por alegar estar a readaptar-se, ele pediu um tempo para tal, e assim ausentou-se dos ensaios. 
 
Às vésperas do show da danceteria, "Raio Laser", Chico comunicou-nos que estava muito gripado, e como seria um show de choque, pediu-nos para não fazer parte, ao deixar-nos desfalcados. Claro, nessas condições e por ser vocalista, ele estava sujeito a esse tipo de ocorrência fisiológica, eu reconheço. Como tratava-se de um show de choque, e éramos uma banda sempre bem ensaiada, programamo-nos para tocar no formato de trio, expediente que era natural para nós, desde sempre. E assim fomos para o compromisso...
Conformados em fazermos a apresentação em formato Power-Trio, sem a presença do vocalista, Chico Dias, fomos à Danceteria, Raio Laser, para participar do evento. Apesar de ser uma quinta-feira, havia um bom público presente na casa. Cerca de quatrocentas pessoas circulavam pelo ambiente do estabelecimento.
Algumas bandas tocaram e de fato, como o Mister Sam dissera-nos, (com exceção do "Anthro" e do "Lixo de Luxo" que eram bandas formadas por bons músicos, e eram até anacrônicas nos anos oitenta, pois traziam nítidas influências setentistas em seus respectivos trabalhos), o restante dos participantes foram bandas formadas por garotos completamente desconhecidos, e em sua maioria, a apresentar como orientação artística predominante, o Heavy-Metal, e foram todas barulhentas e infantiloides, como seria de esperar-se.
Havia também o "Nota Fiscal", como uma banda que buscava a sorte no nicho, "New Wave", a tentar aproveitar-se do vácuo do humor, produzido por bandas como: "Magazine", "Ultraje a Rigor" etc.
 
Tocamos como trio, com a garra habitual que sempre imprimíamos ao vivo e sem nenhuma falsa modéstia, tampouco soberba, por favor não interpretem-me mal, é claro que destacamo-nos em meio àqueles rapazinhos (ao referir-me aos metaleiros desconhecidos que ali apresentaram-se).
Essa matéria saiu na edição de outubro de 1984, na revista Rock Stars, nº 11. E pasmem, compramos tal edição em uma banca no Rio de Janeiro, no dia em que tentávamos levantar o astral do Chico Dias, e nem mesmo diante de mais um sinal inequívoco de expansão da nossa banda, tal fato demoveu-o de seu pessimismo, naquela tarde

"Classificamo-nos" para uma nova etapa, mas esta nunca foi marcada, e pior ainda, jamais ocorreu o tal show com cachê que fora-nos prometido. Paciência.

Na saída, eu peguei carona com um amigo. Já passava das 2:00 horas da manhã, e eu não tinha alternativa para sair dali, a não ser com essa carona caridosa.
Mas infelizmente, eu não poderia saber o risco que estaria a correr, quando aceitei tal gentil oferecimento...
Essa matéria acima saiu no jornal: Folha de São Paulo, e fala sobre a cena do Heavy Metal em 1984, a usar o gancho de um show ao ar livre que estava a ser anunciado para ocorrer na Praça da Sé, no centro de São Paulo. E como o Teatro Lira Paulistana tornara-se um ponto para shows do gênero. A Chave do Sol é citada en passant como membro desse rol. Duas curiosidades na foto: a banda a apresentar-se na foto, é o "Santuário", que era da cidade de Santos-SP, e na plateia, a segunda pessoa da esquerda para a direita, no primeiro degrau da arquibancada, é o hoje saudoso, Hélcio Aguirra, na ocasião, guitarrista do Harppia, e posteriormente, do Golpe do Estado. Esse recorte de jornal pertence ao acervo do poeta Julio Revoredo, que gentilmente emprestou-me para ilustrar este capítulo.

O rapaz em questão, estava acompanhado de sua namorada, e o clima entre eles parecia não estar muito bom. Bem, claro que eu não tinha nada com isso, e também não poderia supor que correria risco de vida em poucos minutos, por conta desse clima gerado entre o casal. Sentei-me no banco de trás, naturalmente, e mantive-me calado, a reservar-me em meio a um momento de tensão alheia. Então, quando o carro pôs-se em movimento, percebi que eles resmungavam com animosidade entre si.
À medida que o carro avançava em direção à Avenida Santo Amaro, os resmungos aumentavam, e o clima azedou-se entre ambos. Quando já estávamos na avenida, percebi que o rapaz pisava mais firme no acelerador, conforme a discussão acalorava-se. Na rampa de acesso em direção à Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, a discussão explodiu. Já não resmungavam mais, a entrarem nos gritos, ofensas e choro compulsivo, ambos. E o "pezinho" no acelerador, respondeu ao impulso da cólera, quando foi até o fundo...
Tudo bem que passava das 2:00 horas da manhã, mas o rapaz perdeu a noção completamente, e ultrapassou todos os semáforos vermelhos, sob uma velocidade absurda, ao deixar-me apavorado, no banco traseiro. Só restou-me torcer para não haver uma colisão, que seria gravíssima, naquelas circunstâncias.
Passar a voar pelo farol vermelho da Avenida Brasil, entre outros cruzamentos perigosos da Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, foi de uma imprudência ímpar. Quando o carro perdeu velocidade, enfim, quase na altura da Rua Tutoia, o motorista resolveu parar, e através de uma rápida conversa com a moça, ambos selaram a paz. Um pedido de desculpas, lacônico, foi feito direcionado à minha pessoa, com o rapaz a olhar-me pelo retrovisor, e claro, o que importara-me naquele instante, foi o fato de nada ter acontecido, e estarmos vivos, sãos e salvos.
O bizarro dessa história, foi que eu não senti em nenhum momento, no período durante e no posterior desse processo mediante perigo iminente, que o casal mensurou o perigo que corremos. Fiquei com a nítida impressão de que eles relevaram o perigo real que corremos, em detrimento de sua estúpida briguinha, que deve ter sido motivada por ciúmes, dentro daquela danceteria. Bem, o meu anjo da guarda é forte, ou foram os Deuses do Rock, pois sobrevivi, passei por uma série de outras situações, e estou aqui a escrever essa história, trinta e dois anos depois (2016)... 

Mas o final de semana seria bem cheio. Teríamos importantes compromissos, e uma surpresa desagradabilíssima que ocorrer-nos-ia nos próximos três dias...
No dia seguinte, sexta-feira, fomos procurar o Chico Dias. Precisávamos saber se ele melhorara, pois no sábado teríamos um show, desta feita em uma danceteria nova que estava a abrir na cidade de Santo André-SP.
A informação que tivemos, fora de que a tal casa já existia em outro formato, e que nós faríamos o primeiro show dessa sua nova fase, como danceteria. Vale notar que realmente havia a febre de danceterias a abrirem o tempo todo, o que foi animador de certa forma, pois eram em tese, espaços para bandas de Rock tocarem, sob vários estilos, fator que se comparado com a atualidade de 2016, chega a dar saudade, por vislumbrarmos a escassez árida da atualidade.
Então, mediante uma conversa telefônica, o Chico Dias relatou-nos que piorara da gripe, e estava sem voz. Tínhamos além desse show em Santo André-SP, um importante compromisso no Rio de Janeiro, no domingo. Estávamos escalados para gravar participação no "BB Vídeo Roll", que era um programa de TV importante no Rio, com exibição pela Rede Bandeirantes.
Tratava-se de uma parceria da Band, com a revista Roll. A apresentação estava a cargo do Billy Bond, ex-vocalista da "La Pesada del Rock and Roll", histórica banda argentina dos anos setenta, e aqui no Brasil, do Joelho de Porco, igualmente setentista, e importante na história do Rock brasileiro. Portanto, sob um exercício de dosimetria forçada, tínhamos que considerar que o compromisso no Rio de Janeiro era mais importante para a nossa carreira, ainda que não envolvesse ganhos financeiros, e pelo contrário, apenas despesas.

Dessa forma, pedimos ao Chico para repousar ao máximo possível nos dois próximos dias, para ver se poderíamos contar com a sua presença na gravação do programa: "BB Vídeo Roll". Ele prontificou-se a preservar-se, e combinamos assim, buscá-lo no apartamento da Aclimação, onde estava alojado, na madrugada de sábado para domingo, quando partiríamos para o Rio de Janeiro, imediatamente, pois a gravação do programa estava marcada para as 16:00 horas, na danceteria Mistura Fina, na Barra da Tijuca, zona sul do Rio.
 
Sobre a Danceteria Radioatividade, de Santo André-SP, mais uma vez nós teríamos que fazer um show como trio, desfalcados novamente do novo vocalista na formação. Tudo bem, seriam os "ossos do ofício" a serem novamente roídos, mas essa ausência estava por repetir-se com constância, a despeito de problemas de saúde serem imprevisíveis, normalmente para qualquer pessoa. E assim, fomos tocar na danceteria, "Radioatividade", em Santo André-SP...
Chateados por termos que novamente fazer um show sem a presença de Chico Dias, fomos para a danceteria "Radioatividade", de Santo André, em estado de alerta. Sabíamos que a jornada seria cansativa, por que na falta de uma estrutura melhor, teríamos que nos locomover com carros particulares para o Rio, pois resolvemos levar amplificadores, e a nossa bateria. Isso por que a apresentação seria gravada, mas com a banda a tocar ao vivo, portanto, queríamos assegurar o máximo de qualidade sonora para apresentarmo-nos bem na TV.
Nós estávamos há meses com a música: "Luz", na programação da Rádio Fluminense FM. Não acho exagero afirmar, que tal emissora, fora o principal centro irradiador do "BR-Rock oitentista", ainda que dirigida por apaixonados pelo Rock 1960 & 1970. Recentemente havíamos visto publicada, uma excelente resenha sobre o nosso primeiro disco, nas páginas da revista "Roll" e cerca de dez dias antes, tocáramos no Circo Voador.
Portanto, parecia que participar do "BB Vídeo Roll", seria um importante passo para sedimentarmos posição no Rio de Janeiro, daí a importância que depositávamos nessa aparição na TV, e por ser assim, contar com a banda inteira, com o seu frontman em condições, foi vital para os nossos planos. Diante de tudo isso que esteve em jogo, resolvemos viajar ao Rio a usarmos a Kombi do irmão do Zé Luiz, o João Dinola. Ele tinha uma Kombi, com carroceria aberta, que usava para as entregas de sua fábrica de brinquedos de madeira (aliás, ele fazia belos caminhões, carrinhos, e casinhas de madeira, diga-se de passagem). Nesse aspecto, ele detinha o mesmo talento para a carpintaria e marcenaria, que o seu irmão, Zé Luiz.
Seria cansativo, mas éramos jovens, e não medíamos esforços para a nossa carreira deslanchar, enfim. 
 
Mas de volta ao show do sábado, quando chegamos à porta da Danceteria, localizada na Avenida Dom Pedro II, em Santo André, consideramos a fachada, acanhada. Geralmente, as danceterias que existiam nessa época, eram megalomaníacas, e de certa forma, com ares "Kitsch", ao aparentarem as fachadas de casas noturnas de Las Vegas no tocante ao mau gosto generalizado.
 
Mas o que vimos, foi um estabelecimento discreto, sem iluminação de fachada, sob cor escura e quase incólume, o que destoava da moda oitentista. Enfim, fomos para dentro, e aí verificamos que o dono estava mesmo a dourar a pílula, pois aquele espaço, na verdade, não passava de um bar mediano, que ele queria mascarar com um status de "danceteria", mas sem fazer nada para reformar o local, a não ser mudar o seu nome. 
 
O palco era tímido, com iluminação muito deficiente e um PA muito modesto, típico de barzinho, com poucos paramétricos, disponíveis e caixas insuficientes para sustentar um show de Rock, de verdade. O camarim, mostrava-se como um quarto de despejos, que mais pareceu-nos o ambiente desses programas sobre acumuladores de lixo, que passam na TV a cabo. Entratanto, o mais bizarro estava por vir...
Havia um grupo de amigos nossos de São Paulo, ali presente, mas quando o público habitue começou a entrar, notamos que não eram nem cabeludos, "hedbangers", tampouco tribos oitentistas do Pós-Punk, tipo de pessoas que sempre esperávamos ver nesses lugares. Eram homens em sua maioria esmagadora, e todos a se parecerem com o Freddie Mercury, fase pós-Glitter (com aquele bigodão e cabelo curto)...
Foi quando um amigo nosso trouxe-nos a informação: até a semana anterior, aquilo fora um bar gay, e dessa semana em diante, o dono queria forjar uma nova identidade como uma danceteria, a promover shows de Rock. Então, fomos a cobaia dessa nova fase "hétero-Rocker" do estabelecimento, mas lamentavelmente, o dono esquecera-se de avisar a sua antiga clientela sobre a mudança forjada.
 
Bem, fomos poupados de manifestações de carinho entre esses casais alternativos e também louvo a sua educação em suportar um show de Rock, sem hostilizar-nos. Os nossos amigos divertiram-se a valer, ao fazer desse evento, um manancial para a criação de piadas intermináveis sobre a situação constrangedora pela qual, envolvemo-nos etc.
E para coroar a noitada na "gaiola das loucas" de Santo André-SP, um fato inusitado ocorreu-me em particular. Quando o show acabou, em meio a cerca de cinquenta pessoas que ali estavam, só havia uma única mulher. Era uma garota jovem, acompanhada de alguns amigos seus, e que não tinham nada a ver com os gays em sua maioria. Soube disso, de uma forma inusitada e digamos, agradável, pois quando estava a deixar o palco, ainda com o instrumento em mãos, ela abordou-me e eu notei que os seus amigos estavam a incentivá-la para fazer isso.
Naquela fração de segundos, pensei tratar-se de um pedido de autógrafos, tão somente, mas ela surpreendeu-me, pois chegou a perguntar-me se eu permitiria-lhe um beijo. Disse que sim, ingenuamente ao achar tratar-se de um respeitoso beijo desferido na minha bochecha. Contudo, ela agarrou-me, e beijou-me na boca. Fiquei atônito, e só lembro-me do amigo, Wagner "Sabbath", aos berros dizer para os nossos outros amigos: -"olhem, a mina agarrou o Luiz", seguido de gargalhadas! Fora a única mulher presente naquele lugar lotado por gays, e era jovem e bonita, ou seja, ao menos no meu caso em específico, pareceu ter sido a salvação da noite...
Bem, passado esse momento como "Rock Star" que ali vivenciei, voltamos à realidade, e foi a hora para desmontar o palco, voltar para São Paulo, pegar a Kombi com o restante do equipamento, buscar o Chico Dias no bairro da Aclimação e entrarmos na Via Dutra, em direção ao Rio de Janeiro. Quando chegamos à casa do Rubens, o nosso "QG", havia um recado próximo ao telefone principal da casa, assinado pela minha prima, dona do apartamento onde o Chico Dias estava hospedado: -"Chico Dias pegou todas as suas coisas, e partiu para o Rio Grande do Sul, nesta tarde de sábado"... pois ficamos desnorteados com a notícia, em plena madrugada, prestes a tomarmos o rumo para o Rio!
Essa notícia foi um choque, por que denotou um ato de abandono premeditado, que provavelmente ele devia estar a planejar por dias, talvez semanas. Bem, estou a comentar sobre algo que chateou-me muito, há trinta e um anos atrás (1984-2015), e nessa época, ele era um garoto do interior, despreparado para viver em uma cidade grande e longe de sua estrutura familiar, de sua namorada, e amigos.
 
A despeito de ainda achar que eticamente ele agiu muito mal, claro que levo em consideração que todo mundo erra. Eu mesmo, ao longo desta autobiografia, já relatei fatos dos quais portei-me mal, estava errado, magoei pessoas, e usei esta plataforma pública para retratar-me. Portanto, se contei essa história, não foi para execrar a pessoa dele, mas por ser um importante pedaço da história da banda, da qual seria impossível não deixar de mencionar.
Ao irmos em frente, mesmo atônitos com a notícia, não tínhamos tempo para pensar no fato. Mesmo muito abalados, carregamos a Kombi, e partimos para o Rio, imediatamente. Nessa época, eu não sabia dirigir, portanto, a responsabilidade da condução ficara a cargo do Zé Luiz, e eventualmente o Rubens propusera-se a assumir, em caso de cansaço. A viagem foi bem, dentro do possível que uma Kombi oferecia em termos de conforto, é claro. Já estava dia amanhecido quando o trecho da serra encerrou-se, e ao adentrarmos a Baixada Fluminense, eu cochilava, quando senti a Kombi diminuir, e estacionar na Avenida Brasil. Meio zonzo de sono, ouvi o Zé Luiz a conversar com um estranho.
Quando tomei consciência do que ocorria, vi um soldado do exército na carroceria, a falar com o Zé Luiz, e dar-lhe instruções sobre alternativas para o caminho. O que havia acontecido afinal? O Zé Luiz resolvera dar carona para um soldado, e este, ao perguntar-lhe para onde íamos, ofereceu-nos os seus préstimos como guia, para indicar um atalho, que segundo ele, seria bem melhor que o caminho tradicional que faz com que atravesse-se a cidade inteira, até acessar a Barra da Tijuca. Só sei que demos voltas e mais voltas, e só lembro-me de em um dado instante, estarmos no bairro de Bangu.
 
Depois disso, perdi a noção, completamente. Como paulistano, acho que conheço bem o Rio, devido às minhas muitas andanças por lá, mas daquele jeito... da Tijuca para o Leblon, tão somente... bem, em um dado instante, o soldado pediu para descer pois já estava no seu bairro. Mas dali em diante foi fácil prosseguir mediante as suas dicas adicionais, e o apoio de placas nas ruas.
Chegamos à danceteria, "Mistura Fina", bem antes da hora marcada para a gravação do programa, mas foi providencial, por que pudemos descansar e lanchar, com tranquilidade. O programa seria interessante em seu formato, pois oferecia um bloco para cada banda participante, e um bloco de conversa interativa entre as bandas, além de uma mini entrevista com cada uma, ou seja, bastante espaço.
A estética era bem oitentista, com um cenário que parecia feito de encomenda para o "Culture Club", incluso o apresentador, Billy Bond, bem caracterizado nessa moda New Wave. As bandas participantes foram: "Hojerizah", "Rapazes de Vida Fácil", "Alynaskina", "Baga da Praia", A Chave do Sol e "Garotos do Centro". 
 
Antes do início da filmagem, a produção nos ofereceu um lanche. A Danceteria "Mistura Fina", era uma casa bem montada, muito diferente daquela falsa "danceteria" em que tocáramos na noite anterior, em Santo André-SP. Enquanto comíamos, ouvi uma garota que estava sentada na mesa do Billy Bond, tecer um comentário sobre o nosso visual. Lembro-me dela ter ironizado as nossas cabeleiras e o meu paletó de cetim, ultra setentista... bem, ao levar-se em consideração aquele métier, claro que éramos "estranhos no ninho", ou no mínimo, anacrônicos...

Em nosso bloco de atuação, tocamos as músicas: "Luz", "18 Horas", "Crisis (Maya)" e "Anjo Rebelde'. Em "18 Horas", os técnicos ficaram surpreendidos, pois estavam acostumados a ouvir bandas do BR-Rock 80's, e sob aquela sonoridade padrão da época, e nós ali a executarmos um Jazz-Rock nervoso, cheio de firulas...
No bloco interativo, o Billy perguntou-nos, como víamos a rivalidade entre bandas de Rock, paulistas e cariocas. Eu respondi que achava a rivalidade válida só no futebol e que deveríamos mesmo nos reocuparmos com o fato de estarmos a menos de dois meses do "Festival Rock in Rio", e verificar que muitas bandas boas haviam ficado de fora da programação, em detrimento de alguns artistas "alienígenas", ao mundo do Rock, que estavam escalados para tal evento...
Não falei isso para fazer média com os cariocas ali presentes, mas fui sincero, ao criticar a mentalidade dos produtores de tal evento, ao inserir artistas que não eram do mundo do Rock, e nem precisavam do festival como plataforma de impulso para as suas carreiras, já consagradas, enfim... mas algo inusitado aconteceu, pois mal eu acabei de proferir tais palavras, e todo mundo que ouvia atentamente atrás das câmeras, aplaudiu com veemência, com direito até a alguns gritos e assovios, em sinal de apoio.
Já batia na casa das 21:00 horas, mais ou menos, quando fomos liberados pela produção da TV, e colocamo-nos na estrada. Cogitamos dormir no Rio, mas o Zé Luiz garantiu estar sem sono, e disposto a enfrentar a estrada, portanto, colocamos tudo na Kombi, e partimos. Nunca vimos a nossa participação em tal programa, por que esse programa era regional, e ninguém gravou no videocassete, para nós. 
 
Nunca vi tampouco no YouTube, alguma postagem, infelizmente. O único registro que eu tenho, é o relato verbal de amigos cariocas que assistiram, e disseram-nos que a produção colocou a música: "18 Horas" no ar, e que haviam apreciado bastante a nossa performance. é uma pena que eu não tenha essas imagens, portanto!
 
Um último ato desagradável aguardar-nos-ia logo no primeiro posto rodoviário, ao sairmos do Rio. Parados pela fiscalização e ao nos mostrarmos cabeludos e com o carro cheio de instrumentos, enfim, o guarda quis verificar as notas fiscais de todos os nossos instrumentos e equipamentos.

-"Ora, somos músicos "seu guarda", fomos fazer um programa na TV Bandeirantes do Rio, veja o nosso disco"...foi o que lhe dissemos. Então, ele resolveu fazer uma inspeção minuciosa no veículo, e vociferou a frase terrorista: -"está tudo perfeito, mas se eu quiser, eu acho uma irregularidade"... então, após uma canseira de que durou por mais de uma hora, conseguimos seguir adiante, e chegamos em São Paulo no meio da madrugada, enfim.
Descansaríamos na segunda-feira, mas agora teríamos que encarar o fato de que éramos um trio novamente, e começaria mais uma vez, a luta para procurarmos um novo vocalista. A ideia da nova demo-tape com canções novas e cantadas por um frontman dotado de uma garganta forte, estava arruinada, e atormentara-nos a ideia de que o Rock in Rio aproximava-se, e com ele, um mundo de oportunidades abrir-se-ia nesse vácuo, portanto, estávamos prestes a ficar despreparados para agarrá-las...
Adeus, Chico Dias... click, acervo e cortesia do poeta Julio Revoredo

Claro que fui saber com a minha prima, e o namorado dela, o que teria acontecido com o Chico Dias. Eles disseram que o rapaz estava muito deprimido, a exprimir uma saudade incontrolável de sua cidade, família, amigos e namorada. Até aí, foi algo perfeitamente legítimo, uma reação humana e previsível no sentido de que sentisse-se dessa forma. Mas disseram-me que ele resmungava o tempo todo sobre as dificuldades que estava a sentir na sua adaptação à São Paulo, e também por ter iludido-se em relação à nossa banda, A Chave do Sol, pois quando entrou para a formação da banda, pensou que nós estivéssemos sob um esquema muito maior, como banda mainstream, amparada por gravadora major.
Ora, quando o convidamos, deixamos muito claro o patamar onde estávamos, o que desejávamos, e os caminhos que precisaríamos percorrer para tal. Portanto, considero inaceitável tal argumento, pois explicamos-lhe muito bem a nossa situação naquele instante.
Outro ponto importante, foi que mesmo ao estarmos longe de uma carreira coroada e plena por mordomias inerentes, ao considerar-se sermos ainda artistas a habitar o patamar underground, estávamos a subir muito rapidamente.
Então, se ele não considerava tais conquistas como importantes, foi uma falha de avaliação dele, por inexperiência (muito provavelmente), e uma certa dose de pessimismo, que era marca registrada de sua personalidade. Basta reler os parágrafos anteriores para o leitor verificar que a agenda da banda, estava em plena expansão.
A despeito de suas dificuldades pessoais (reconheço que foram mesmo difíceis), ele deveria ter esforçado-se para ficar um pouco mais, mesmo por que as perspectivas eram ótimas a apontar para melhorias, que seriam concretas. Faltou-lhe maturidade, haja vista a sua debandada, ao aproveitar-se de nossa ingenuidade em ter acatado a sua comunicação sobre a sua doença. 
 
E pior, ainda soube que ele ficara "magoado", por que não fomos ao apartamento para visitá-lo. Ora, tivemos dois shows em São Paulo, e uma viagem para o Rio, tudo seguido. De minha parte, eu sabia que estava amparado pela minha prima, seu namorado e o outro casal que dividia o apartamento/república com eles. Deixei um dinheiro com eles para ajudar nas despesas e comprar eventuais remédios na farmácia que ficava na esquina, sob uma distância menor do que cem metros do apartamento. Enfim, o que pesou mesmo, foi a inaptidão dele para viver longe de sua terra, e do amparo familiar. Isso eu entendo e respeito.
Mas nunca engoli o abandono sumário, ainda mais em uma fase onde tínhamos muitos compromissos importantes. Estávamos a lutar para mudar a imagem da banda e além dos compromissos, havíamos gasto dinheiro para reformular release, organizar sessão de fotos etc.
 
Fora os planos para gravarmos uma demo-tape, aliás, o quanto antes, e o tempo gasto com ensaios para visar adaptá-lo à banda etc. Ele teria toda a liberdade para sair, se estava insatisfeito, mas não custava nada ter falado-nos abertamente a sua situação, em uma reunião. A franqueza não teria chocado-nos tanto, certamente, quanto a sua partida abrupta. 
 
Enfim, de minha parte, trinta e um anos depois (2015), é claro que esse evento diminuiu a sua carga emocional de uma forma substancial, e há muitos anos que eu nem penso nisso como uma mágoa. Está para lá de perdoado, e espero que perdoe-me também, por eu ter ficado chateado na época, ainda que eu tivesse motivo forte para tal.
Alguns dias depois, recebemos uma carta manuscrita dele, a pedir-nos desculpas. Dizia-se muito arrependido por ter tido essa atitude não recomendável, mas justificava-se ao alegar tudo o que eu disse acima, sobre a sua não adaptação, saudade desmesurada da família, decepção com os recursos da banda etc. 
 
Por volta de 1989, com uma outra "A Chave", a viver os seus momentos "pós- Sol", o Zé Luiz disse-me que havia encontrado com o Chico Dias a circular por São Paulo. Mais maduro, aproveitou para reiterar o seu pedido de desculpas pelo seu ato cometido em 1984. Menos mal, portanto. E muitos anos depois, o Zé Luiz contou-me que novamente havia falado com ele, via telefone, quando conversaram sobre amenidades.
Chico Dias tinha muito potencial vocal, e se lapidado, poderia ter tornado-se um excelente frontman de banda de Rock. 
 
A sua frase repetida à exaustão, como uma espécie de mantra em forma de lamento, marcou a sua presença conosco: -"Indignado... Fodido"...
 
Era como sentia-se, infelizmente. Vida que seguiu, ainda em novembro tínhamos compromissos a cumprir, e uma luz surgiu no horizonte, em relação a um novo vocalista em potencial para a banda. Luz, não, mas uma autêntica, "Aurora Boreal"... 
Passada essa decepção com o agora, nosso ex-vocalista, Chico Dias, o nosso próximo compromisso foi um outro show a ser realizado em um teatro pertencente a uma Faculdade. 
 
Não éramos o Língua de Trapo, mas vez por outra surgiam oportunidades nesse tipo de ambiente universitário. Desta feita, fizemos mais um show de choque no Teatro da Faculdade Ibero-americana, que ficava localizada na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, bem próximo do Teatro Jardel Filho, onde aconteciam as gravações do Programa "Perdidos na Noite", quando o comunicador, Faustão Silva começou a ficar conhecido para valer.
Esse show foi o primeiro após a saída oficial do Chico Dias, da banda, mas convenhamos, dados os últimos acontecimentos, não foi uma novidade para nós estarmos sem a sua presença e de fato, a passagem dele pela banda fora meteórica, e praticamente não houve tempo para formatar a banda por uma nova característica, como quarteto.
 
Portanto, tocar em trio, novamente, não foi nada difícil para nós. O show ocorreu na noite de 25 de novembro de 1984, e com a presença de cerca de duzentas pessoas na plateia.
Lembro-me que duas bandas tocariam, entre elas, a "Archibald's Band" (que passaria a chamar-se: "Fênix", doravante), esta, dos nossos amigos, Carlos Muniz Ventura e Iran Bressan, além de uma outra, formada por alunos da referida faculdade. Essa desconhecida banda de alunos, tocou apenas covers do BR-Rock da moda. Lembro-me que esse pessoal executou muitas baladas do Kid Abelha, Barão Vermelho e Lobão, entre outros artistas em voga.
 
Para nós, foi um show sem maiores ocorrências, e dali em diante, nós centraríamos as nossas baterias na abordagem de um novo vocalista, e na demo-tape que tanto queríamos termos gravado em boas condições. Nessas duas perspectivas, avançamos na questão da demo, ainda que a perspectiva surgida, fora por demais modesta. E sobre a questão de um novo vocalista, seria uma questão de dias para a tal "Aurora Boreal", aparecer em nosso horizonte...
A perspectiva que surgiu, em termos de gravação, foi bem modesta, mas aceitamos por dois motivos:

1) Foi uma oportunidade em realizar uma pré-produção, onde independente do resultado de áudio, poderíamos avaliar arranjo e performance da banda; 


2) Foi um oferecimento gratuito de um amigo.

Ocorreu assim: o amigo Carlos Muniz Ventura, baixista e tecladista da banda: "Fênix (ex-"Archibald's Band"), e que começava a tornar-se um bom fotógrafo, também, possuía uma máquina da marca, "Ampex", de 1/2 polegada, que comprara usada, além de alguns microfones.
O seu oferecimento foi para gravarmos uma demo-tape, que na verdade seria um ensaio gravado, com mais qualidade do que habitualmente estávamos acostumados, mediante o uso de um bem mais simples, tape deck da Gradiente. Bem, não haveria condições de se coibir vazamentos, a não ser por providências prosaicas, tais como o uso de biombos improvisados, com móveis, cobertores, e almofadas caseiras. Mas mesmo diante de condições inóspitas de captura, e sujeito à vazamentos externos, claro que decidimos gravar.
Isso aconteceu na metade, para o fim de dezembro de 1984, mas infelizmente, eu não anotei a data precisa, tampouco as particularidades dessa gravação. Foi, conforme já descrevi, uma gravação ao vivo, com característica de ensaio, sujeita aos inevitáveis vazamentos, mas pelo que lembro-me, o fato de ser gravado em fita de 1/2 polegada, com o uso de uma máquina Ampex, de qualidade, propiciou um resultado obviamente muito superior à de gravações com um reles tape deck. 
 
Isso sem contar com a qualidade superior dos microfones que o Carlos trouxe. Para uma gravação extremamente simples desse tipo, o resultado ficou até surpreendente. Lembro-me que gravamos: "Crisis (Maya)", "Átila", "A Dança das Sombras", "Anjo Rebelde" e "Vestido Branco", além de "Segredos", esta em fase de composição ainda.
Nunca providenciamos uma cópia em Fita K7 para tal gravação, pois teríamos que necessariamente alugar um estúdio para tal intento, portanto o tempo pôs-se a passar, e a fita engavetou-se.
Mesmo por que, em poucos meses estaríamos em estúdio, para gravar o segundo disco, e com um repertório inteiramente renovado por força da nova orientação estética que adotaríamos a seguir, e também pela entrada de um novo vocalista.
 
Essa fita está comigo, e temo que possa estar bem comprometida, pela ação do tempo, embora visualmente, não apresente sinais de degradação. Penso, sim, em digitalizá-la e se o fizer com sucesso, posto no YouTube, como um promo, com muito prazer. 

E nos últimos dias de 1984, tivemos mais um compromisso, e uma novidade a se aproximar de nós. Só mais "um minuto além", e conto tudo, embora ainda seja necessário abrir um parêntese para então poder fechar o ano de 1984, nesta narrativa...
Recebemos dois convites para participarmos de festivais no mês de dezembro de 1984, ambos em São Paulo. Um deles, denominado: "Rock'n Circo", foi realizado em um circo montado próximo ao Campo de Marte, na zona norte de São Paulo. Detinha o apoio da 97 FM, uma estação de rádio de Santo André-SP, que seguia os passos de emissoras como a Fluminense FM do Rio, e Ipanema FM, de Porto Alegre, ou seja, com uma programação Rock bem sedimentada, e bastante espaço para as bandas independentes, sem o advento do maldito "jabá". 
 
O apresentador do evento, seria um locutor daquela estação, chamado: "Beto Peninha", que estava a destacar-se naquele momento, e a sedimentar a sua fama no meio Rocker de então. A programação foi com muitas bandas participantes, portanto, a proposta da organização do evento, fora a de shows de choque, para todos, como única maneira de comportar tantas bandas sob uma noite, somente. 
 
O nosso show foi nesses termos, muito rápido, com quatro músicas apenas no set list. Lembro-me que o equipamento estava muito ruim, e a luz foi precária, portanto, tocar um set curtíssimo, veio mesmo a calhar. Isso ocorreu na noite de 7 de dezembro de 1984, com um público que estimo ter sido composto por cerca de mil pessoas mais ou menos, com o "exorbitante" preço de 3 mil cruzeiros, cobrado pelo ingresso, que brincadeiras a parte, não era grande coisa ao comparar-se aos padrões atuais do câmbio...
O segundo festival ao ar livre, seria realizado em plena Praça da Sé, no centro velho de São Paulo. Seria uma espécie de versão ampliada do evento, "Praça do Rock", que ocorria no Parque da Aclimação, mas desta feita a conter mais atrações, a se caracterizar como um festival, com dois dias de duração. Seria patrocinado pela Paulistur, uma autarquia subordinada à Secretaria de Turismo do Município de São Paulo, com apoio da Secretaria de Cultura e da Administração Regional da Sé, órgão da Prefeitura. Portanto, com todo esse apoio da parte de engrenagens da máquina municipal, teve tudo para ter uma estrutura boa de organização, equipamento, divulgação etc.
O tratamento despendido pela imprensa mainstream às bandas da estética do Heavy-Metal era jocoso. Mais uma razão para não ser conveniente sermos inseridos nessa tribo, mas estávamos encurralados, e essa pareceu-nos ter sido a melhor saída naquele momento na década de oitenta, mesmo ao corrermos o risco de sermos ironizados por estarmos em meio ao "jardim da infância" do Rock underground...

Todavia, a faltar poucos dias para o evento, fomos surpreendidos com a notícia de que este fora cancelado, sem maiores explicações da parte dos apoiadores governamentais. Foi quando surgiu a informação de que fora cancelado a mando de um figurão da política, que alegou ser uma temeridade se apoiar um evento de Rock, quando poderiam haver brigas, consumo de álcool & drogas, e abusos sexuais... ou seja, a velha conversa moralista e hipócrita, pois só em shows de Rock, tais barbaridades acontecem, não é mesmo?
 
O cancelamento gerou uma grande revolta entre as bandas que estavam escaladas para participar, e o produtor de shows e apresentador oficial da Praça do Rock, Antonio Celso Barbieri, apoiado por outras pessoas ligadas à produção da "Praça do Rock", organizou uma passeata em sinal de protesto, para o dia 15 de dezembro de 1984, pelas ruas do Centro, que saiu da Praça Ramos de Azevedo, em direção à Praça da Sé. Os shows ocorreriam nos dias 15 e 16 de dezembro de 1984.
Se comentei acima sobre a nota jocosa da Folha de São Paulo, ao discorrer sobre as bandas que tocariam no Festival da Praça da Sé, esta matéria na Folha da Tarde então escancarou a forma com a qual a imprensa lidava com a cena Heavy-Metal do Brasil no ano de 1984, ou seja, como um movimento talvez criado no mini maternal...
O produtor musical, Antonio Celso Barbieri em foto bem mais recente

O protesto foi justo e o Celso Barbieri, por ser um produtor muito consciente, claramente organizou a passeata para angariar notoriedade na mídia, a visar futuras produções as quais já estava a planejar e além de ser muito inteligente, ele era (é) bastante criativo em suas ações, fora ser extremamente politizado, portanto, claro que eu fui solidário, e assim imbuído dessa predisposição em apoiá-lo, participei de tal passeata, a representar, A Chave do Sol, porém, senti-me bastante constrangido, pois se a reivindicação teve uma razão de ser, marcada pelo aspecto do cancelamento sumário que prejudicou a todos, todavia, estar ali a caminhar com aquele bando de garotos cabeludos, e com as mãos erguidas a fazer uso do famigerado gesto medieval do "malocchio", foi de uma infantilidade tremenda...
Quando a passeata dispersou-se na Praça da Sé, eu fui abordado por um jornalista famoso, que eu conhecia por seus textos, desde a década de setenta. Ele pediu-me uma entrevista, e claro que ao perceber a oportunidade, aceitei o convite, imediatamente. Infelizmente, é claro que ele não estava nem um pouco interessado em saber nada sobre a minha banda, mas apenas a querer colher informações para uma matéria que estava a escrever sobre a cena do Heavy-Metal, no Brasil. 
 
Por um instante, conjecturei mentalmente que se um jornalista daquele calibre, que escrevia para uma grande revista de circulação semanal, estava a preparar uma matéria com tal teor, logicamente que a tal cena crescia, e o faro investigativo dele, indicara isso. Já cansei de falar, mas realço: eu nunca gostei desse gênero musical (Heavy-Metal), mas enxergava nele, nessa época, uma oportunidade, talvez a única em que A Chave do Sol encaixar-se-ia naquela árida ambientação oitentista, se ambicionasse o mainstream.
Bem, eu precisava ser simpático e solícito com o jornalista, para tentar atrair atenção para a minha banda, e não "alfinetar" o Heavy-Metal, para não ser desagradável. Em suma: foi uma "saia justa" e tanto que eu ali administrei.
 
Coloquei-me a falar, mas ele sempre recorria ao assunto que interessava-lhe, ao perguntar-me sobre a cena, usos e costumes de seus partícipes, tribos, "headbangers", e todo aquele universo onde eu, definitivamente, jamais fiz parte!
 
Percebi que o jornalista estava nitidamente frustrado com as minhas respostas a denotar não conter paixão alguma pelo assunto, apesar de meus esforços para não ser descortês, quando em dado momento, ele pediu-me dicas sobre shows em vista, para ele pudesse sentir a vibração da cena, in loco etc. Convidei-o então, a comparecer ao Teatro Lira Paulistana, onde faríamos shows ao final de dezembro e de fato, ele apareceu, mas deve ter frustrado-se ainda mais, visto que A Chave do Sol parecia muito mais uma banda setentista e anacrônica, para quem esperava um típico show de Heavy-Metal oitentista.
O nome desse jornalista era: Okky de Souza, famoso crítico musical que eu conhecia (não pessoalmente, até esse dia), e admirava desde os anos setenta, ao ler com atenção as suas matérias na revista: "Rock, a História e a Glória" , e naquele momento de 1984, ele estava a trabalhar para a revista: "Veja".
O nosso último compromisso do ano, foi no Teatro Lira Paulistana. Aceitamos fechar a data, supostamente insalubre, por ser após o dia do Natal, mas para nós, qualquer dia, era dia de Rock, com o perdão do terrível clichê...
Sendo assim, fomos para o Teatro Lira Paulistana, no dia 26 de dezembro de 1984, quando tivemos a agradável companhia da banda dos irmãos Giudice, o "Abutre", como abertura do evento. Cerca de cento e cinquenta pessoas estiveram presentes, público que consideramos muito bom, pelo inusitado da época do ano, e pelo fato de não termos tido apoio de programas de rádio e TV, desta vez. Mas o show em si, apesar de ter sido bom, não foi o principal evento do dia, para nós.
Foto do "Ano Luz", banda do vocalista, Fran Alves (no destaque), que estava a encerrar atividades ao final de 1984

No camarim, recebemos a visita do vocalista, Francisco Dias Alves, bem conhecido no meio Rocker de São Paulo. Os contatos estavam sendo feitos desde um certo tempo, quando recebemos a informação de que sua banda, chamada, "Ano Luz", estava a encerrar as suas atividades, e isso estava por ocorrer concomitantemente ao fato de termos perdido o nosso ex-vocalista, no início de novembro.
O Ano Luz em ação na Praça do Rock, em agosto de 1984, em foto clicada pelo poeta, Julio Revoredo
Nessas conversas preliminares, fizemos então o convite formal, e ele pediu para esperar uns dias, antes de avançar nas conversações, pois queria ter certeza de que o "Ano Luz" estava mesmo a fechar as suas portas.
Essa atitude foi ética, nobre, e claro que a respeitamos, e ao ir além, apreciamos como norma de conduta ilibada, da parte dele.

Então, no camarim do Teatro Lira Paulistana, ele visitou-nos, e comunicou que estava oficialmente disponível, e que sim, aceitara o nosso convite. Ficamos muito contentes, pois o potencial dele como vocalista e frontman, mostrava-se imenso, conforme já tínhamos avaliado, e corroborado pelo poeta, Julio Revoredo, que fizera algumas observações ao nosso favor, como um agente de campo, pró-A Chave do Sol.
Outra foto de Julio Revoredo, que impressionou-se com o vocal de Fran Alves, em agosto de 1984, ao assistir o Ano Luz em ação.

Celebramos esse engajamento de um novo membro, ali mesmo no camarim, tendo como testemunhas, os amigos da banda, "Abutre", e o próprio poeta, Julio Revoredo, que era um admirador confesso de Fran Alves, como vocalista. Combinamos o início dos ensaios para os primeiros dias de janeiro de 1985, assim que encerrassem-se os dias mortos do pré e pós Reveillon. E assim encerrou-se o ano de 1984, um ano onde tivemos um crescimento muito grande, e dessa forma, sentíamo-nos credenciados a acreditar em um ano de 1985, ainda melhor para nós.
Ficha datilografada que estava nas mãos do apresentador, Tadeu Jungle, quando de nossa última apresentação n'A Fábrica do Som, em junho de 1984. Acervo pessoal do poeta, Julio Revoredo, que gentilmente cedeu-o para ilustrar a minha autobiografia.

Perdemos tempo com o vocalista anterior, mas agora estávamos fechados com alguém muito mais maduro e experiente, fora o seu nível técnico inquestionável.
Farei ainda um parêntese para comentar alguns fatos ocorridos em 1984, antes de encerrar essa etapa e começar a enfocar o ano de 1985, para A Chave do Sol. 
 
Ao parafrasear o jingle do "Festival Rock in Rio", que àquela altura, do final de 1984, martelava com insistência na mídia: "se a vida começasse agora"... pois foi o que desejamos para 1985...
Farei um parêntese agora, antes de mergulhar na narrativa sobre 1985, para citar alguns casos pitorescos a envolver a banda, mas não necessariamente ligados com aspectos da sua carreira, tampouco eventos musicais, onde participou. 
 
São fatos curiosos que ocorreram em situações cômicas, com os membros da banda acompanhados de amigos, e pelo fato de não se constituírem em situações oficiais da carreira, e nem mesmo a ter conexão com música, aconteceram de forma esparsa ao longo desse ano, portanto, sem data definida, eu resolvi agrupá-los sob um parêntese final a abordar o ano de 1984.
1) Para quem conhece São Paulo, sabe bem que o cruzamento da Avenida Paulista com a Alameda Joaquim Eugênio de Lima, tem em sua esquina, sentido Ibirapuera, uma série de bares, colados uns aos outros e que todos disponibilizam mesas nas calçadas para os seus clientes, ao conferir-lhe um clima de boulevard àquele quarteirão, e também que tais estabelecimentos vivem lotados de gente, dia e noite. 
 
Informalmente os paulistanos chamam aquele conglomerado de bares, como: "prainha", uma espécie de auto-piada, para ironizar que "praia de paulistano" é assim, no meio do asfalto.
 
Muitas vezes, entre 1982 e 1983, os ensaios d'A Chave do Sol terminaram ali, com os amigos reunidos em intermináveis rodas de conversa e bebedeiras. Eu gostava de estar com eles, conversar, mas pelo fato de não beber, rapidamente enjoava do ambiente e queria ir embora, mas para quem bebe, tais reuniões não acabam nunca, na verdade...

Pois em uma ocasião, ocorrida em 1984, notamos que um ator famoso por atuar muito na TV, Teatro e Cinema, estava a circular entre as mesas, mas não conversava com ninguém. Aparentemente estava sozinho e adotava um comportamento estranho, ao parar perto das mesas e encarar as pessoas, sem falar nada, ou a esconder-se atrás de placas de trânsito e pilastras de prédios pelas redondezas, e olhar para o nada, com semblante bestificado. Mais engraçado ainda, foi o fato de que a maioria das pessoas nem notavam tal comportamento bizarro da parte dele, e pior ainda, nem esboçavam reconhecê-lo, mesmo sendo ele, um ator com uma carreira sólida na TV, mediante uma série enorme de novelas realizadas no seu currículo. Aquele comportamento suscitou várias conjecturas da parte de quem estava em nossa mesa, e as hipóteses mais ventiladas foram:


A) Está muito louco por conta de alguma droga alucinógena ou;

B) Está a realizar "laboratório" como ator, ao simular estar louco na rua, para testar as possibilidades da personagem que estudava para compor em um trabalho futuro.
Foi quando o poeta, Julio Revoredo, que estava presente conosco, quis tirar a história a limpo. Uma característica do poeta, que pouca gente conhece, é que ele é um grande interessado na história do Cinema, TV e Rádio. a sua memória enciclopédica sobre tais temas (fora o Teatro, Artes Plásticas, Música e Literatura, matérias das quais também conhece muito), impressiona.

Nesses termos, ele ficou muito interessado em abordar o referido ator, e descobrir o que significava aquele comportamento. Então, mediante um caderno universitário que tinha em mãos, levantou-se e foi abordá-lo, ao solicitar-lhe um autógrafo. Quando aproximou-se do ator, este nem olhou-lhe no rosto, mas disse com truculência: -"Não!" Chocado com a grosseria, Julio voltou para a nossa mesa, e disse-nos que para ele, a impressão que tivera, fora que o ator estava bêbado, e fora grosso, deliberadamente. Nessa hora, um amigo nosso que adorava fazer traquinagens, chamado, Celso "Esponja" Bressan, propôs uma brincadeira para azucrinar o ator.
Visto que o ator usava um chapéu, estilo "tweed", bastante démodé para os anos oitenta, o nosso amigo arquitetou o plano de surpreendê-lo, ao afanar-lhe a peça, para depois devolvê-la, mas não sem antes provocá-lo de alguma forma. 
 
A ideia causou euforia generalizada na mesa que ocupávamos e de fato, com a minha exceção que não bebo em hipótese alguma e do Julio Revoredo que é bastante comedido nesse sentido, foi aprovada sob aclamação. Então, os amigos resolveram pedir a conta, pagaram, e o Celso posicionou-se para roubar-lhe o chapéu e dar a volta no quarteirão. Os demais já estariam posicionados nos carros disponíveis e assim que resgatassem-no, daríamos uma volta no quarteirão e devolveríamos o chapéu, não sem antes cometer alguma provocação extra ao ator. E assim ocorreu...

Sorrateiramente ficamos a observar a ação, já perto dos carros, quando o Celso passou a correr e arrancou o chapéu do ator. A reação dele foi absolutamente teatral e hilária, pois em câmera lenta, como se estivesse a interpretar, ele gritou: -"Fiiiilllhhhooo  ddaa  ppppuuutttaaa!"
Não poderia ter sido mais esquisita a sua reação e deixou-nos ainda mais em dúvida se interpretava, ou estava apenas bêbado/drogado...
Ao dar a volta no quarteirão, Celso entregou o chapéu ao Rubens e ele próprio, Rubens tratou de colocá-lo na cabeça. Quando voltamos à "prainha" da Alameda Joaquim Eugênio de Lima, a buzinar para chamar-lhe a atenção, Rubens, jogou-o em direção ao ator e gritou: - "canastra!" Na hora, demoramos muito para estancar a epidemia de gargalhadas, mas ao lembrar desse ocorrido hoje em dia, com a idade que tenho agora, já não acho graça alguma...

Algumas semanas depois, a mesma turma estava reunida na Rua 13 de maio, no bairro do Bexiga, e naquela época, como eu já salientei inúmeras vezes nesta autobiografia, tal rua fervilhava de gente, ao ponto de ser quase impossível o tráfego de automóveis durante a noite e madrugada.

Estávamos na calçada a conversar, quando ouvimos alguém a buzinar com muita truculência. Foi um motorista a conduzir um Ford Galaxie, dos anos setenta, enorme e opulento, com tal motorista a mostrar-se profundamente contrariado com o fato de que a multidão ocupava a via, e assim não deixava os carros prosseguirem. 
 
Foi quando finalmente ele conseguiu passar, não sem antes xingar, e ser bastante xingado, sob um pequeno escândalo que obviamente chamou-nos a atenção. E por prestarmos atenção, vimos que o motorista em questão, tratava-se do mesmo ator famoso, com o qual brincáramos, semanas antes com a história do seu chapéu. 
 
Desta feita ao mostrar-se nervoso e por parecer estar a buscar alguma confusão para extravasar, não seria um dia bom para mexermos com ele, novamente, mas o destino tratou de colocá-lo perto de nós, a seguir. Ele subiu a rua com o seu enorme Galaxie azul, e nós esquecemos imediatamente de sua presença.
 
Foi quando de-repente, eis que surge na calçada, bem perto de nós, o dito cujo. O seu semblante nesse dia estava marcado pela tensão. Parecia contrariado e nervoso, prestes a explodir, e fora nítida a sua predisposição para arrumar uma confusão, vide a agressividade que tivera com os pedestres, minutos antes. Então, ninguém ali estava disposto a mexer com ele, mas como a calçada estava lotada, o nosso amigo, Claudio "Capetóide", acidentalmente pisou-lhe o pé...
O berro escandaloso que ele deu, seguido de pulinhos dignos de um Saci Pererê, foi hilário... não vou revelar o nome do ator... sei que você leitor vai frustrar-se e contra-argumentar que não tem nada demais, e que as revistas e sites de fofocas divulgam coisas muito piores, mas se há uma coisa que eu detesto é criar polêmica e expor as pessoas. Contei os casos por que foram pitorescos com tal personalidade, mas não quero ser acusado de usar a sua fama para autopromover-me, portanto, não direi quem ele é.
Contudo, posso revelar é alguém que fez muitas novelas na antiga TV Tupi, também na TV Globo, e tem muitas peças realizadas no Teatro e filmes no Cinema nacional, em seu currículo.
 

2) Como eu mencionei a famosa "prainha" da Alameda Joaquim Eugênio de Lima, outra ocorrência merece nota. Com a turma reunida outra vez, em outra ocasião, um mendigo muito embriagado estava a rondar as mesas, e pedir esmolas.
Extremamente desagradável, o homem não entendia a recusa das pessoas em não dar-lhe dinheiro ou mais bebida, conforme pedia, visto já estar muito bêbado. Quando abordou-nos, todos recusaram a ajudar-lhe, como nas outras mesas ocupadas por estranhos, mas por sermos um bando de cabeludos, talvez, o sujeito cismou conosco, ao não desistir facilmente de seu intento, e começou a abusar, ao insistir em esmolar, e tomar liberdades, como tocar no ombro das pessoas, e ameaçar roubar uma garrafa de cerveja da nossa mesa.
 
Após várias advertências para afastar-se, e pedidos ao garçom para o bar tomar uma providência nesse sentido, na medida em que éramos clientes sendo incomodados por um inconveniente estranho, o rapaz abusou ainda mais, ao dar um empurrão em um de nossos amigos, o Claudio "Capetóide". Este reagiu, não com truculência, mas apenas desvencilhou-se do sujeito e deu um grito, ao falar algo como: -"sai daqui, já falei!"

Muito embriagado, o elemento desabou, mas não foi uma agressão propriamente dita da parte do nosso amigo, e relato isso isento do sentimento de amizade que havia ali naquela mesa, ao distorcer os fatos para proteger o amigo, Claudio, e sobretudo para visar isentar-me de uma eventual culpa moral de minha parte por estar ali inserido naquele contexto.
Contudo, tal reação do nosso amigo gerou revolta na mesa próxima, com outras pessoas, estranhas para nós. Como eu não bebo, jamais poderia passar pela minha percepção, que houvesse uma espécie de "código ético" e velado, absolutamente "da rua". Pois então... os rapazes em questão ficaram revoltados com o fato do mendigo ter sido "agredido" e como agravante, a conter o fato dele estar embriagado e portanto, sem condições de defender-se. 
 
Tal linha de raciocínio surpreendeu-me, pois ninguém ali estava disposto a agredir gratuitamente o rapaz embriagado, mas na mesma medida, raciocino em contrapartida, que se estou sóbrio, por que devo aguentar a inconveniente e insistente abordagem de alguém que está alterado, e portanto sem nenhum freio de ordem moral, social, cultural ou educacional que impeça-lhe de incomodar-me? Mas na "ética" dessa gente, o bêbado era (é) intocável. Ele poderia beber, adulterar o seu comportamento ao ponto de abordar pessoas e incomodar-lhes a vontade, porque estava "bêbado", e o sóbrio é que deveria "entender" e tolerar tal comportamento. Era (é) uma lógica bizarra, e que não faz nenhum sentido entre gente civilizada, contudo...

Bem, eu como era bem ingênuo nesse tipo de questão, fiquei surpreendido quando percebi que o clima ficou tenso. Apressados em pedir a conta, vi que havia uma movimentação e alguns rapazes da tal mesa que revoltaram-se conosco, haviam ido buscar artefatos de luta, no carro de um deles. Nessa altura, já estavam sobre a sua mesa com barras de ferro, tacos de beisebol, correntes, soco inglês e o pior de tudo, um revólver, ostensivamente colocado sobre a mesa deles.
Sem nenhum aparato do mesmo porte, e na iminência de uma tragédia poder acontecer, saímos rapidamente do local, sob uma retirada estratégica, e que pelas circunstâncias, nem considero vergonhosa. 
 
Enfim, que planeta estranho é o nosso, onde a cultura etílica isenta os seus seguidores de seus atos realizados sob efeito do álcool, e assim, sob um estado alterado de consciência, podem tudo, incluso barbaridades como matar, e ferir pessoas no trânsito, e ninguém tolera que sequer sejam repreendidos, verbalmente...
Conto mais três casos pitorescos e ocorridos no ano de 1984, agora, para complementar o assunto abordado nos parágrafos anteriores:

3) Geralmente a turma de amigos que gravitava em torno da banda, principalmente entre 1982 e 1984, reunia-se com regularidade para sair a noite, no pós-ensaio da banda nos finais de semana, ou no pós-show. Mas ocorreram fatos engraçados também no âmbito caseiro, e claro que pelo fato da residência da família Gióia ter sido o QG d'A Chave do Sol nos quatro primeiros anos da carreira da banda, muita coisa ali aconteceu, principalmente quando a família do Rubens ausentava-se para viagens recreativas à casa de praia do clã, no litoral norte do estado (na cidade de Ubatuba-SP). 
 
Uma delas foi comandada por um de nossos amigos, em uma ação ocorrida no meio da madrugada, motivado por um momento sob tédio generalizado, que nos acometera e que rendeu-nos risadas.
A sua ideia foi a de escolher telefones a esmo, via lista telefônica, e ligar, sem nenhum pudor, para a residência de pessoas estranhas e sem falar uma palavra, mas a colocar o fone próximo ao alto-falante de uma vitrola, onde tocava-se discos da coleção do Rubens, e com o objetivo de sentir a reação delas para com esse ato bizarro!

Claro, entre duas e três horas da madrugada, as reações geralmente se provavam iradas, a gerar muitos xingamentos que foram proferidos, e ouvíamos essas manifestações de repúdio sob risadas. Mas um dia, algo inusitado ocorreu... alguém atendeu a chamada, mas manteve-se em profundo silêncio. Desta feita, o nosso amigo havia escolhido o LP "Close to the Edge", do "Yes", para tocar no telefone, mas o interlocutor não pronunciou-se.
Para quem não sabe, trata-se de uma obra típica de Rock Progressivo setentista, ou seja, tal música homônima, na verdade dura o lado inteiro do LP, com mais de vinte e três minutos de duração. Quando acabou, ficamos surpreendidos pois o rapaz disse algo como: -"ô meu, vira o disco aí, cara, quero ouvir o outro lado", adoro o Yes"...
 
Diante disso, o nosso amigo pronunciou-se e ao estimular-se uma conversação, descobrira que esse rapaz havia atendido o telefone diretamente de uma empresa em que trabalhava durante a madrugada e que solitário, e numa Era pré-Internet, espantava o sono para trabalhar, a ouvir rádio enquanto trabalhava, mas fã de Rock setentista, não tinha meios para ouvir nada interessante na programação das emissoras naquela época, e assim, quando atendeu o telefone e ouviu a música "Close to the Edge", do Yes, adorou a surpresa absolutamente inusitada...
Esse mesmo amigo nosso que criou a brincadeira muito inconveniente, eu sei (eu não gostaria de atender uma chamada às três horas da manhã, da parte de um estranho, mesmo que colocasse-se uma música dos Beatles para eu escutar), contou-nos que em sua casa, costumava aproveitar ligações erradas que caíam no seu fone, para uma brincadeira absolutamente mórbida, sob teor de humor negro, embora eu reconheça que fosse criativa. 
 
Quando percebia que alguém ligava equivocadamente para a sua residência, a procurar por alguém que era completamente estranho ao seu seio familiar, ele improvisava, mediante uma incrível dose de cinismo e sarcasmo. 
 
Por exemplo, ele contou-nos que certa vez uma mulher ligou, e antes mesmo de falar bom dia, essa senhora disse-lhe: -"Hugo?" Sem ter nenhum "Hugo" na família, rol de amizades e nem mesmo como um esporádico conhecido, o nosso amigo respondeu-lhe: -"a senhora não soube? O Hugo faleceu"...

Claro que a reação de estupefação da senhora estranha, foi total, a responder-lhe, desesperadamente do outro lado, que -"não era possível, pois falara com o Hugo, ontem"...

É óbvio que não aprovo uma brincadeira desse nível, pelas razões evidentes que se possa imaginar. Por ir muito além do mau gosto, poderia gerar consequências incalculáveis, inclusive a provocar um choque com desfecho terrível para quem pudesse acreditar em uma colocação falsa desse nível. Vale também para a brincadeira da ligação na madrugada, trote, ao trocar-se em miúdos, pois poderia assustar perigosamente pessoas que sempre associam telefonemas nesse horário, a tragédias.
 
Só estou a contar, por que a despeito de se constituírem de práticas abomináveis, e que eu desaprovo, reconheço que foram criativas, e sem nenhuma intenção de fazer apologia desse tipo de brincadeira, pois inclusive, sou bastante avesso à essa prática que muitos programas de TV, usam para atrair audiência.

4) E uma outra brincadeira coletiva que rendeu-nos risadas e euforia, não foi algo reprovável que escorregasse na ética, mas divertiu-nos muitas vezes. Foi a instituição de um "Hide and Seek" ("Esconde-Esconde"), brincadeira infantil que só era possível fazer por que a residência dos Gióia era bem ampla, e com muitos cômodos, tornava a busca pelos escondidos, muito mais difícil, ainda a somar-se ao fato de que era feita durante a madrugada, e com as luzes da casa, totalmente apagadas.
Era engraçado, mas acabou de uma forma tensa, pois muitas namoradas participavam também, mas em certo dia, um "buscador" apalpou a namorada alheia, e mesmo ao alegar que fizera-o no espírito da brincadeira, e só para tentar achar alguém na escuridão, claro que o namorado em questão não gostou, e decidiu-se que a brincadeira estava encerrada, aliás, definitivamente...

5) Outra história engraçada nessa época mais ou menos, ocorreu com o Rubens e o poeta, Julio Revoredo. Eu não estava presente, mas o poeta contou-me tal ocorrido. Estavam ambos no trânsito, certa vez com o Rubens à direção do automóvel, em meio a um grande engarrafamento em uma avenida paulistana. Parados no semáforo, Rubens olhava distraidamente pela sua janela lateral, quando um vendedor ambulante de bouquets de rosas, abordou o Julio, pelo lado direito, e ao querer oferecer o seu produto com ênfase, sugeriu que o Julio o comprasse para a sua “esposa” que dirigia o carro... bem, além de todos os dissabores, perigos, e desaforos que ouvíamos por sermos cabeludos na década de oitenta, em meio aos ataques xiitas da parte dos adeptos da mentalidade Punk/Pós-Punk de plantão, ainda havia a estupefação clássica vinda de incautos em geral com a questão de considerar o uso dos cabelos longos, como um paradigma de afirmação de gênero...
 

Bem encerro aqui essa arrolamento de fatos curiosos, e extramusicais ocorridos em 1984. No próximo capítulo, eu mergulho na narrativa sobre a nossa trajetória no decorrer do ano de 1985...
Uma simpática filipeta criada pelo "Anarca", uma banda da cena pesada oitentista, a enaltecer o trabalho de vários artistas que labutavam em prol do Rock autoral naquela época. Uma coincidência incrível, o endereço da caixa postal deles era na mesma agência onde tínhamos a nossa saudosa caixa postal 19090...

Como última colocação do capítulo, só reforço a ideia de que, apesar de algumas adversidades (o fato de eu dividir-me em duas bandas durante o primeiro semestre, alguns reveses - Danceteria Tífon, por exemplo - e a frustração perpetrada para arrumar e se perder um vocalista, em tão pouco tempo), o ano de 1984, foi muito bom para a nossa banda, em inúmeros outros aspectos. 
 
O crescimento foi visível, tivemos muitos shows importantes, exposição midiática e o lançamento de nosso primeiro disco. Apesar da apreensão gerencial que tínhamos em relação ao futuro, a nossa esperança por mais ascensão para o ano de 1985, foi total. Mesmo ao sentirmo-nos atrasados em relação a "pegar o bonde da história do Br-Rock 80's", a nossa determinação fora de encontro à letra do jingle do Festival Rock In Rio: "se a vida começasse agora"... 
Continua...   

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