Uma determinada banda foi encaixada de última hora no evento, mas o baixista estava desprevenido, e alguém da equipe do Lira Paulistana, cuja lembrança mais precisa foge-me para citar nominalmente, pediu-me a gentileza para que eu emprestasse o meu baixo para o rapaz tocar.
Sinceramente não lembro-me tampouco por que eu estava com o meu baixo ali em mãos
na ocasião, pois A Chave do Sol não iria tocar. Mas enfim, eu o socorri e
a banda pôde apresentar-se. Tal grupo não tinha nada demais, pois era
inclusive muito fraca, tecnicamente. A sua proposta pareceu ser similar ao som da banda gaúcha, "Os Garotos da Rua", grupo que detinha um a boa projeção no Rio Grande do Sul, mas esta, chamada: "Licor de Maçã", além de ser obscuríssima, mostrava-se muito piorada, em relação à boa banda de Bebeco Garcia & Cia.
Por coincidência, eles também eram gaúchos, e os seus membros estavam a apostarem as suas fichas nessa apresentação para tentar a sorte em São Paulo, o que prova que sonhar é gratuito, mas tornar tal devaneio uma realidade, custa muito caro.
No entanto, uma particularidade chamou-nos a atenção: o vocalista desse grupo detinha um potencial vocal
muito bom e presença de palco interessante, ainda que precisasse de
muita lapidação para atingir um nível profissional. O importante, no entanto, foi que detectamos um potencial forte
no rapaz.
Lembro-me de nós três a entreolharmo-nos durante a
apresentação da banda, e comentarmos sobre isso.
O Rubens foi astuto, e assim que terminou a apresentação dessa banda gaúcha, abordou-o a sair do palco, e o convidou para um teste com A Chave do Sol, no dia seguinte.
Na mesma hora, o rapaz aceitou, pois de uma maneira recôndita, ele sabia que seria muito difícil conseguir algo para a sua banda, e que na verdade, tentava a sorte individualmente, também. Nesse sentido, os seus colegas sabiam disso, igualmente. Portanto, sem ferir nenhuma questão ética ao menos em tese, o convite foi feito, e o sujeito aceitou o teste e uma conversa.
Após trocarmos contatos, o Rubens combinou de
buscá-lo no local onde hospedara-se em São Paulo, e no dia seguinte, às três da tarde,
o rapaz apresentou-se no nosso ensaio, pronto para submeter-se a um teste.
Chico Dias, em foto informal clicada em sua residência, na cidade de Rio Grande-RS, algum tempo antes de o conhecermos. Acervo familiar de Chico Dias
Lembro-me
que foi excepcional o seu desempenho e após algumas músicas tocadas
(clássicos do Rock 1960 & 1970), nós formalizamos o convite, e ele aceitou,
efusivamente.
Deu para sentir nele a empolgação, como se estivesse com um bilhete de loteria sorteado em mãos. Ele conhecia A Chave do Sol, graças às nossas aparições no programa, "A Fábrica do Som", que fora retransmitido para o Rio Grande do Sul, via TVE gaúcha.
Naquele dia mesmo, o levamos à rodoviária, pois ele precisava voltar imediatamente ao sul, e assim, nós ficamos com a incumbência de providenciarmos um lugar para ele morar em São Paulo.
Ele voltaria em poucos dias, com a sua bagagem definitiva, e tivemos que esforçarmo-nos para arrumar um lugar. Mal sabíamos, contudo, que seria uma etapa com muitas histórias a serem acumuladas, que hoje reputo como cômicas, mas muitas delas, foram dramáticas à época.
Aperte o cinto na poltrona, amigo leitor, pois contarei todas as particularidades que lembrar-me, a partir deste ponto. Foi a "fase Chico Dias" que iniciara-se para A Chave do Sol, que
foi muito rápida, porém intensa...
Então, nesse ínterim do Chico Dias ter voltado à sua cidade natal para preparar a sua mudança para São Paulo, passamos um bom tempo a procurar uma moradia para ele. Naturalmente, não tínhamos condições para abrigá-lo em nossas respectivas residências e dessa forma, a nossa ideia original foi buscar uma acomodação em uma pensão, onde ele pudesse contar com um quarto privativo.
Com a verba curta e na impossibilidade dele bancar-se sozinho por muito tempo, foi a mais razoável alternativa, visto que não seria possível pensar em alugar uma casa ou um apartamento para ele viver com maior comodidade.
Tínhamos a esperança, todavia, de que essa acomodação em um pensionato simples, seria momentânea e com a banda a alçar voos maiores, ele poderia enfim residir em uma habitação melhor, com maior conforto.
E
a busca começou pela maneira mais usual que dispúnhamos nos anos 1980,
sob uma fase pré-internet popularizada: através de um jornal de
classificados, chamado: "Primeiramão".
Havia uma infinidade de anúncios sobre pensões a oferecerem quartos e dessa forma, selecionamos os mais próximos da casa do Rubens, ao pensarmos na facilidade do Chico Dias para locomover-se, e principalmente ao levar-se em consideração o fato dele não conhecer absolutamente nada da cidade de São Paulo. Claro, o fator financeiro também pesou e não poderia ser muito caro.
A nossa
busca foi intensa e também bizarra em alguns momentos. Lembro-me de haver
visitado pelo menos entre oito a dez pensionatos, e em alguns, termos tido
reações estranhas por parte de seus donos. Por exemplo, em um
deles, quando viram-nos, resolveram simplesmente mentir, ao dizer-nos que a
vaga já estava preenchida. Nos sentimos como naqueles filmes
norte-americanos a focar em preconceito contra negros, índios ou hippies...
Em outro estabelecimento, neste caso tratou-se de duas simpáticas senhoras idosas que nos receberam e que a grosso modo demonstraram ter adorado-nos, pois éramos cabeludos, mas bonzinhos, educados... e dessa forma, ofereceram-nos chá, biscoitos etc. Pareceu ser um ambiente familiar saudável, e ficou entre as favoritas para fecharmos negócio.
E uma
outra pensão, foi demais o que vimos! Tratou-se de uma casa sinistra, com retratos estranhíssimos exibidos pelas
paredes, a parecer-se com um mausoléu. Com decoração lúgubre, tinha a ambientação semelhante à residência da
Família Adams...
A senhora que atendeu-nos lembrou-nos algum personagem dos filmes do Zé do Caixão e por mais engraçado que pareceu-nos naquele momento, não achamos adequado colocá-lo ali, pois em dois ou três dias, ele entraria em depressão, fatalmente.
Todavia, mesmo nas casas onde achamos condições boas
para o Chico poder viver, o fator aluguel preocupara-nos. A banda crescia e
detinha uma agenda em franca expansão, contudo, ainda não tínhamos uma
estabilidade tal que permitisse a segurança financeira absoluta. Teria sido um risco grande que correríamos e ele também, é claro.
Ao analisar sob o prisma da minha atual idade, neste ponto em que escrevo, sem dúvida que foi uma loucura bancar a vinda dele em uma circunstância assim.
Da parte dele, mais ainda, ao considerar-se que o Chico era apenas um garoto, com dezoito anos de idade naquela ocasião. Mas também admiro o arrojo e sobretudo a confiança que tínhamos no trabalho. A confiança que depositávamos no sucesso da banda, foi muito grande, e isso é algo a ser considerado.
Estávamos quase
a fechar com uma pensão, apesar do aluguel estar acima do razoável para
as nossas posses, quando uma solução doméstica e providencial surgiu,
através de um grande amigo e colaborador da banda!
Na primeira foto, o poeta, Julio Revoredo, em foto de seu acervo pessoal e gentilmente cedida para ilustrar a minha autobiografia. Na segunda foto, Chico Dias já a vestir a camisa da nossa banda, literalmente, e feliz da vida no portão de entrada da residência do poeta, Julio Revoredo. Click e acervo do próprio, Julio Revoredo
Pois foi o poeta, Julio Revoredo, quem teve a ideia que salvou essa
situação marcada por incertezas. Ao partir inteiramente dele a iniciativa, Julio propôs que Chico Dias
ocupasse um quarto que estava vago em sua residência, localizada no bairro do
Brooklin, na zona sul de São Paulo.
Tal oferta generosa foi
imediatamente aceita por nós, e além do mais, para quem não conhece a cidade de São
Paulo, se não era exatamente perto da residência do Rubens, digamos que
ficava localizada a uma distância módica, em linha reta, a bastar usar qualquer ônibus que circulasse pela Av.
Santo Amaro, sentido centro, e sem trânsito, chegava-se em vinte minutos,
aproximadamente. E também seria possível enfrentar a pé, pois não seria nenhuma maratona intransponível, ainda mais para um jovem recém-saído da adolescência.
Claro, ficou estabelecido que o Chico ofertasse uma ajuda de custo para auxiliar nas despesas, visto que faria refeições, fora as demais despesas naturais de uma residência. Mesmo assim, sairia muitíssimo mais barato do que hospedá-lo em uma pensão tradicional.
Tirante
o fato de que estaria alojado em um lar familiar, muito diferente de ficar em uma pensão
entre estranhos e sem dúvida, com o Julio Revoredo, ele estaria
acompanhado de um grande amigo, incentivador e colaborador/parceiro da
banda.
O dia em que o Rubens foi buscar Chico Dias na rodoviária Tietê: habemus vocalista! Click, acervo e cortesia de Julio Revoredo
Então, poucos dias depois, assim que chegou do Rio Grande
do Sul, o Rubens levou-o à residência do Julio. Esse dia "histórico"
para A Chave do Sol, foi registrado em fotos, pelo próprio, Julio, que
sempre teve o hobby de fotografar.
Foi um passo e tanto para o jovem, Chico Dias. Ele estava com o semblante assustado, assim que chegou e sua adaptação não foi nada fácil. Demos
um dia de folga para ele recuperar-se da longa viagem e no dia
seguinte, teríamos o primeiro ensaio e o início de um esforço coletivo para
colocá-lo em condições para apresentar-se ao vivo, visto que tínhamos
datas fechadas em vista.
E houve uma preocupação extra: com a mudança de formação de trio para quarteto, o repertório sofreria mudanças inevitáveis.
Precisávamos de mais músicas vocalizadas, a diminuir a quantidade de temas instrumentais que tínhamos em profusão na primeira fase da trajetória da nossa banda.
Além disso, seria a oportunidade para criarmos mais
canções pesadas, dentro daquela proposta para se adequar mais o som à
realidade dos anos oitenta. Enfim, foi um tempo vivido sob muito trabalho e
para correr contra o relógio, ao deixar A Chave do Sol em condições de
brigar por um espaço no mainstream do BR-Rock 80's.
A adaptação de Chico Dias à megalópole de São Paulo, não foi nada fácil. Para ele, Porto Alegre já era demasiada grande, pois a sua cidade de origem era Rio Grande, localizada no litoral sul do estado, quase na divisa do Brasil com o Uruguai.
Por coincidência, eu conheço a cidade
portuária de Rio Grande-RS. Eu tinha (tenho) parentes distantes do meu ramo paterno a viverem naquela cidade, e por
três vezes, em meio a viagens familiares, visitei-a, em 1961, 1967 e 1976.
Rio Grande era uma cidade pequena, apesar de ter um porto gigantesco, o mais meridional do Brasil e se não engano-me, o terceiro em tamanho, apenas atrás de Santos e Rio de Janeiro.
Fica distante, cerca de sessenta Km de Pelotas, esta por sua vez, uma cidade com maior porte, uma das maiores do estado do Rio Grande do Sul. Por isso, eu podia compreender o choque que foi para ele, estar em São Paulo e enfrentar a rudeza da megalópole, difícil para quem não está habituado, eu entendo.
Esse foi o primeiro ponto. Mas houveram outros, naturalmente, a começar pelo fato de que ele era extremamente jovem e apesar do potencial vocal, a sua inexperiência de palco foi algo preocupante. Essa transição de uma pequena banda interiorana, acostumada a parcas apresentações amadorísticas, para algo muito maior, foi assustadora, é claro.
Estávamos fora do patamar mainstream, mas o tamanho que tínhamos naquele momento de 1984, fora incomensurável em uma análise comparativa em relação à sua ex-banda.
Só o fato de termos um disco, o compacto recém-lançado, já foi algo extraordinário para os parâmetros dele. Fora as muitas exibições na TV, entrevistas de rádio, perspectivas para shows e resenhas publicadas por jornais e revistas de grande circulação.
Sem dúvida, foi algo muito grande para o imaginário
dele, e aliado à sua extrema juventude e inexperiência, somada pela adaptação
à cidade grande, foi um turbilhão que ele teve de enfrentar, certamente.
Para amenizar esse choque, eu (Luiz), Rubens & Zé Luiz, imbuímo-nos na boa vontade para dar-lhe o melhor respaldo possível. Fora o poeta, Julio Revoredo e a sua família, que o acolheu, a família do Rubens que tratava-o muito bem, e a do Zé Luiz, idem. No meu caso, por morar mais longe, ele teve pouco contato com os meus familiares, mas também foi bem tratado, apesar disso.
E
para ir além, ele igualmente foi "adotado" por muitos amigos da banda, aquele
pessoal que gravitava em torno de nós, e acompanhava-nos, desde 1982.
Portanto, quando ele percebeu
que efetiváramos, Chico Dias, um rapaz que aparecera "do nada", vindo lá do
litoral do Rio Grande do Sul, sentiu-se magoado, certamente. Porém, a sua mágoa não voltou-se contra nós, especificamente, mas dirigiu-se ao Chico Dias.
O
clima foi sempre hostil entre os dois, e quase resultou nas "vias de
fato'", certa vez, com a "turma do deixa disso" a apartá-los a tempo, em certa
ocasião, na porta da residência do Rubens.
Logo teríamos shows, e o
Chico precisava estar bem ensaiado e pronto para a estreia. E tínhamos a
preocupação também de realizar uma urgente sessão de fotos, e um novo
release, com a sua incorporação à banda, devida e oficialmente relatada.
Contudo, por necessidade, nós faríamos shows ainda como Power-Trio, antes da estreia dele.
Resenhas que foram publicadas nessa época e a animar-nos muito! Aqui, em um jornal de grande circulação de Curitiba, ao fazer com que extrapolássemos a fronteira estadual.
E como teríamos compromissos marcados para um curto espaço de tempo,
decidimos só promover a estreia do Chico Dias, em um outro momento
adiante, com maior segurança. Por isso, fizemos os shows mais próximos, que estavam marcados, ainda sob o formato do Power-Trio, a adiar a estreia dele, para setembro.
Nesse
ínterim, estava a se mostrar dramática a adaptação dele à cidade de São Paulo. Apesar
de ter aprendido a deslocar-se da casa do poeta, Julio Revoredo para o
ensaio, até a casa do Rubens (ao ser ciceroneado, inclusive, pelo próprio,
Julio, nos primeiros dias), tal deslocamento o assustava.
Chico Dias a espreguiçar-se em uma praça pública de sua cidade natal, Rio Grande-RS. Acervo de Chico Dias
E ele logo deu mostras de que estava com saudade de sua rotina caseira, ao lado da família, e na segurança de sua pequena cidade.
Muito
natural que sentisse tal nostalgia, entendemos, mas ao mesmo tempo,
preocupou-nos, pois mal estávamos a iniciar a convivência, e não havia
acontecido ainda nenhum show sequer.
Nesse sentido, lembro-me dele a tecer
comentários singelos do tipo: -"três da tarde... nesta hora, a minha mãe
estava a preparar-me um mingau"... pronunciado mediante o seu forte sotaque gaúcho.
Se por um lado entendíamos a sua nostalgia, e relevávamos o fato ter sido duro para ele viver em São Paulo, para arriscar uma carreira e a ter o respaldo de estranhos, praticamente, por outro, ao analisarmos pelo aspecto frio, foi preocupante também para nós, termos feito uma aposta em alguém tão novo, desestruturado financeiramente, e tão longe de casa.
Se ao menos ele fosse paulistano e
tivesse a estrutura familiar presente, tudo teria sido mais fácil para ambos,
é claro. Mesmo sendo bastante imaturo, daria para nós arriscarmos a
aposta, baseado no potencial artístico dele. Porém, sem respaldo
sociofamiliar, tudo amplificara-se em termos de insegurança mútua.
E
ainda houveram outros aspectos: além de prepará-lo para o palco,
preocupava-nos a sua imaturidade para ser frontman, naquele momento em que a
banda estava a obter oportunidades, na mídia.
Como comportar-se-ia em uma
entrevista (e de fato, teríamos que submetê-lo a isso), e logo surgiriam
tais compromissos?
Tanto no rádio, quanto na TV, seria
inevitável que dessem-lhe a palavra, mesmo se nós três, mais tarimbados e
acostumados, tomássemos a dianteira.
Seria natural que o "vocalista"
fosse procurado pelo entrevistador, até mais do que qualquer outro
membro da banda. E mais um fator: em um momento em que estávamos
a aprimorar o nosso figurino, ele chegou em São Paulo, despreparado
nesse quesito. Portanto, fora mais uma preocupação que tivemos.
Dessa forma, o show mais próximo em questão, realizou-se ao ar livre, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, em frente ao teatro Lira Paulistana. Foi parte do show de lançamento de um livro chamado: "Das Tripas, Coração", de um escritor, chamado, Dau Bastos.
Cerca de trezentas pessoas estiveram presentes, e não havia nenhum nome forte que tivesse tocado no mesmo dia.
A maioria
das bandas que ali apresentaram-se, estavam em um patamar de pequeno porte, e assim, não
despertou a minha atenção, nem como possivelmente emergentes. Isso ocorreu no dia 12 de agosto de 1984.
Foi um show de choque, naturalmente, e lembro-me de termos tocado músicas óbvias para esse tipo de apresentação rápida, tais como "Luz" e "18 Horas". Ainda em agosto de 1984, realizamos mais duas apresentações no formato do Power-Trio, antes de promover a estreia oficial do vocalista gaúcho, Francisco Dias, vulgo "Chico Dias".
O
próximo, inclusive, foi um realizado no interior de São Paulo,
na cidade de Vinhedo, bem próxima da capital, e no meio do caminho para
Campinas.
Tratou-se de uma casa noturna, que propunha-se a seguir a moda oitentista das "danceterias". Chamava-se: "Scalla", e era localizada no centro daquela simpática cidade interiorana. Instalada em um casarão típico do interior, e adaptado de residência para estabelecimento noturno, continha esse charme extra, mas claro, deixava a desejar na infraestrutura para abrigar shows de Rock de uma forma adequada.
O fato, foi que toda a "aura" de danceteria, na verdade, ficara mesmo obscurecida, por evidenciar tratar-se de um tímido Bar, com palco minúsculo, iluminação e PA deficientes, ausência de um camarim etc.
Esse show foi
um pouco tenso, contudo. Isso por que o contratante não informou-se
corretamente sobre o nosso trabalho e dessa forma, ao esperar que
tocássemos covers provenientes de artistas que militavam no movimento "BR Rock" oitentista, irritou-se com nosso repertório
autoral, e intragável para um público formado por jovens burgueses e incautos em sua maioria.
Então, entre uma música e outra, alguns insultos foram proferidos e mesmo assim, levamos o show adiante sem abalarmo-nos, pois aceitar a provocação teria sido o que desejavam, certamente. Ficou nisso, mas curiosamente, duas semanas depois, enfrentaríamos o mesmo problema, em outra cidade interiorana e dessa vez, o imbróglio foi mais sério e logo mais eu comento a respeito.
Ainda a descrever sobre esse show ocorrido na danceteria, "Scalla", eu, particularmente, fui hostilizado quando fui trocar-me no banheiro coletivo da casa, único lugar onde fora possível tal preparação pessoal, na ausência de um camarim decente. Muitos jovens burgueses ironizaram o meu visual Rocker, e a questão ali não foi a típica confrontação de oitentistas contra Rockers sessenta-setentistas (prática normal naquela década), mas ignorância mesmo, estilo "velha guarda", por hostilizarem-me por eu ter cabelo comprido.
Oitocentas
pessoas, mais ou menos, estiveram presentes e certamente não entrou para
a história da banda como uma de suas melhores apresentações, apesar do
cachê ter sido bom, muito provavelmente como o único ponto positivo, para nós nesse dia 18 de agosto de 1984.
Vista aérea do charmoso Parque da Aclimação, localizado no bairro de mesmo nome, na zona sul de São Paulo
Tratava-se da iniciativa de um simpático jornal de bairro, o
"Jornal do Cambuci & Aclimação", bairros que envolvem o famoso Parque
da Aclimação, onde o evento estava a ocorrer já com algumas edições
efetuadas.
Esse evento foi um sonho pessoal de um jovem
músico, nosso contemporâneo, chamado, Dalam Junior. Morador do bairro e muito ativo nas ações
culturais e também a envolver questões da cidadania, por ser um militante ativo de tais ações, ele se tornou muito
amigo dos editores do jornal do bairro, o simpático casal
formado pelos jornalistas: Roberto e Mirna Casseb. Eles também eram ultra ativos nas ações de cidadania, com
múltiplas realizações em prol dos bairros que circundam o parque e incluso,
muitos empreendimentos culturais e esportivos.
E dessa forma, com esse entusiasmo, viabilizaram dentro do departamento de parques da prefeitura de São Paulo, a autorização para que o evento "Praça do Rock" pudesse ser desenvolvido, além de viabilizar o patrocínio da secretaria de cultura municipal para promover o evento, com a questão da locação do equipamento de PA e ajuda na divulgação.
O Dalam foi decisivo nesse processo, por ser um
músico em atividade intensa, e conhecer muita gente do meio. O seu
entusiasmo como produtor foi a mola mestra de tudo, além da participação da ativista cultural, Isaura La Cour, também conhecida pelo seu apelido: "Papum" e de outros apoiadores.
Nós já sabíamos da existência desse evento, desde 1983, e já tínhamos enviado o nosso então tímido material a pleitear participar. No entanto, o tempo passou e A Chave do Sol alcançou um outro patamar em termos de projeção midiática, muito diferente entre um ponto e outro, no momento em que fomos escalados enfim para participar, em agosto de 1984.
E o evento "Praça do Rock" também crescera nesse
ínterim, com muito mais público presente, e o Dalam a trabalhar intensamente para
fazê-lo crescer a cada dia, ao melhorar a sua logística toda.
Dalam Junior em foto bem mais atual
Portanto,
quando fomos escalados, fora em um momento bem mais propício para a banda e
o evento seria (e o foi), uma ótima oportunidade para propiciar-nos um novo élan, a somar-se a tudo o que estava a ocorrer conosco, em termos de projeção, naquele
instante.
Sendo assim, ficamos muito animados para participarmos, apesar
de lamentarmos o fato do vocalista, Chico Dias, ainda não estar preparado
adequadamente, pois sentíamos que precisávamos de um frontman,
urgentemente.
Nesse ínterim, em meio à adaptação do vocalista, Chico Dias, conosco, muitas coisas aconteciam paralelamente, conforme eu já alertei, anteriormente.
Passados os dois shows de lançamento oficial do Compacto, tínhamos
perspectivas de divulgação nas rádios e TV's.
Começavam a aparecer
também, as primeiras resenhas do disco, publicadas na imprensa escrita.
A primeira resenha que muito animou-nos, foi publicada na Revista "Roll", que foi naquele momento de 1984, a principal revista a cobrir o universo do Rock & Pop do país. Super calorosa, tal resenha elogiou-nos e assim cotou bem o lançamento. Essa primeira resenha em uma revista de porte nacional, além de orgulhar-nos, abriu portas, pois dali em diante, passamos a frequentar as páginas de outras revistas, além de voltarmos à própria revista Roll, muitas vezes, dali em diante.
Assim como as aparições no programa, "A Fábrica do Som", foram importantes para colocar-nos na linha de frente, para lutarmos por um lugar no mercado, quase na mesma proporção, aparecer nas páginas de revistas como a Roll, tinha o mesmo efeito. Disse "quase", pois o peso da TV era (é) muito maior como difusor de imagem, em relação à imprensa escrita, obviamente.
Essa
resenha foi publicada na edição de agosto de 1984, em seu número nove.
Tirante notas de shows e uma micro entrevista concedida ao jornal "Folha da Tarde", ainda em 1982, essa resenha da revista Roll, foi sem dúvida a melhor peça de portfólio que conseguimos, do início da banda, até esse momento de julho-agosto de 1984.
Feitos melhores viriam para nós através da imprensa
escrita, doravante, mas essa resenha foi realmente a primeira
importante, e com visibilidade em um órgão focado no mundo do Rock, e
música em geral. Eis a reprodução do que publicaram ao nosso respeito:
"O
Compacto de estreia do grupo paulista, A Chave do Sol, produção
independente de Baratos Afins, mostra que ainda é possível fazer um bom
Rock, sem grandes inovações, desde que o trabalho seja realizado por
músicos talentosos.
E, é exatamente este o caso do grupo A Chave do Sol. No lado A do compacto simples, eles tocam um rockão. com uma ótima presença da guitarra de Rubens Gióia e pelo belo apoio vocal de Soraia e Rosana.
A música, intitulada "Luz", possui uma grande espontaneidade, além daquele clima bem swingado, característico do legítimo Rock. No lado B, a faixa "18 Horas", um tema instrumental, tipo jam-session, onde os músicos mostram todo o seu virtuosismo.
A excelente linha de baixo de Luiz Domingues, as viradas do baterista Zé Luis e a perfeita levada do guitarrista Rubens, se complementam, formando um som compacto e uniforme, sem maiores pretensões.
Para um grupo estreante no vinil e com a proposta de fazer um som que reúna um pouco do blues, do Rock, do progressivo e do Hard-Rock, o Chave do Sol pode ser saudado como uma grata revelação e, no mais, é torcer, para que em breve, eles possam mostrar todo o seu potencial num LP.
Obs: o compacto do Chave do Sol só se encontra à venda na loja Baratos Afins, em São Paulo".
Após o show realizado na cidade de Vinhedo, os nossos esforços centraram-se no show que faríamos ao ar livre no Parque da Aclimação, inseridos no evento denominado: "Praça do Rock".
Foi no domingo, dia 26 de agosto de 1984, sob uma tarde muito fria em São
Paulo, que nos apresentamos.
Que eu me lembre, até o fim dos anos oitenta, as estações
climáticas em São Paulo eram totalmente definidas e dessa forma, agosto
era gelado, tradicionalmente, com maio, junho, e julho, muito mais gelados, também.
E assim, lembro-me muito bem quando subimos ao palco da famosa concha acústica, que ficava (fica) em frente ao lago do parque, o termômetro eletrônico que ali ficava instalado, marcava 7° graus.
Naquela tarde, apresentaram-se também outras bandas, naturalmente. Além da Chave do Sol, passaram pelo palco do evento, o "Cygnus", "Ano Luz" e "Abutre".
O "Cygnus", era uma banda muito interessante, que praticava um som instrumental voltado ao Jazz-Rock setentista, o que dava-lhes uma boa similaridade conosco, apesar de que estávamos a mudar a orientação nesse momento, conformo venho a relatar nos últimos capítulos.
O show do "Cygnus" foi bom e eu gostei da proposta e do
trabalho, com bons músicos em sua formação, sem dúvida. Muitos anos depois, fiquei amigo
do baterista, por outro motivo. Falo sobre o baterista, Paulinho, que tornou-se técnico
de PA do Centro Cultural São Paulo, e operaria muitos shows da Patrulha
do Espaço, em que eu atuaria no futuro, e também do Pedra, a seguir, no decorrer dos
anos 2000.
Show do "Ano Luz", com Fran Alves em destaque, no mesmo dia em que apresentamo-nos nesse evento, pela primeira vez: Praça do Rock. Click. acervo e cortesia do poeta, Julio Revoredo
A segunda banda, foi o "Ano Luz", uma banda orientada pelo Hard-Rock, a beirar o limite do Heavy-Metal, mas com boas influências setentistas,
ainda que obscurecidas pelo caráter pesado daquele trabalho deles, naquele momento.
Era uma boa banda, com bons instrumentistas (o guitarrista, Olavo Jafet, por exemplo), mas o destaque era o seu vocalista, chamado: Fran Alves, um frontman com presença dramática no palco e uma voz potente, por ser até, impressionante.
Mundo muito
curioso e que dá muitas voltas, mesmo, pois assistimos a performance do "Ano Luz", a admirarmos a força interpretativa do Fran Alves ao cantar, "Aurora Boreal",
música de destaque do repertório dessa banda, mas nem passava pela
nossa imaginação que algumas circunstâncias envolver-nos-iam e sob um curto
espaço de tempo. Por exemplo:
1) Admiramos o Fran Alves em ação,
mas estávamos convictos de que havíamos achado o vocalista ideal para
nós, na presença do gaúcho, Chico Dias.
2) O Chico Dias ainda nem havia estreado conosco, fato que só aconteceria alguns dias depois, em um show a ocorrer no interior de São Paulo, que relatarei logo mais. Portanto, nem de longe vimos o Fran, com alguma intenção de que ele viesse a incorporar-se à Chave do Sol em algum momento.
3) Não sabíamos, mas naquele instante, o "Ano Luz" estava a vivenciar o início de uma crise interna, e pouco tempo depois, encerraria as suas atividades.
4) Mais que tudo isso, seria inacreditável imaginar que o Chico Dias não daria certo conosco, evadir-se-ia logo a seguir e o Fran Dias tornar-se-ia o nosso vocalista oficial nos últimos dias de dezembro de 1984 e como consequência, estrear em janeiro de 1985, entrar em estúdio em março, para gravar um álbum que o perpetuaria. Pois é... "um minuto além" e tudo muda...
Contudo,
devo registrar que se nós três (eu (Luiz), Rubens e Zé Luiz), não cogitávamos
isso, um membro honorário da nossa banda, estava presente no evento e sim,
vislumbrou a possibilidade com muita sensibilidade e antevisão. O poeta,
Julio Revoredo, revelou-nos à época que estava muito impressionado com a
performance do Fran Alves, e que considerava-o, um vocalista ideal para A
Chave do Sol.
Fran Alves no palco do Parque da Aclimação. Click, acervo e cortesia do poeta, Julio Revoredo
De fato, meses depois, o Julio foi decisivo nesse
processo, quando perdemos o Chico Dias e ficamos novamente sem
perspectivas.
Graças ao poeta, a ponte foi feita e rapidamente
estabelecemos contato para que o Fran viesse a se tornar novo vocalista da nossa banda
para o ano de 1985. Todo esse relato está ricamente elucidado pelo
próprio poeta, Julio Revoredo, em recente entrevista que concedeu ao Blog
da Chave do Sol, conduzido por Wilson "Will Dissidente" (refiro-me a
2013).
De volta ao relato sobre a nossa primeira apresentação na Praça do Rock, a terceira banda escalada, era formada por garotos
muito jovens, mas com um potencial grande e sobretudo, uma gana impressionante. Chamava-se: "Abutre", tal banda e esse sim, foi um grupo a trabalhar o seu som bem calcado no modismo da
época, ao mesclar o Hard-Rock californiano e oitentista, com o Heavy-Metal, e nesses termos a estabelecer uma
brutal influência do Van Halen, ícone oitentista, sem dúvida.
Mais que garotos com potencial e força de vontade, o "Abutre" fora composto por seres humanos, excepcionais. Tornamo-nos muito amigos dos quatro componentes, inclusive a frequentar ensaios uns dos outros, e participarmos de atividades sociais em conjunto.
Tal banda eram formada por dois irmãos, guitarrista e vocalista, no caso, Wagner "Cabeção" e Ricardo, os irmãos Giudice. O baterista Adalberto, popular "Dalbinha", e o baixista, Tomás, completavam o grupo.
Um outro elo que uniu-nos, ocorreu pelo irmão mais novo dos Giudice, Adriano, que também era guitarrista, e conhecia a irmã caçula do Rubens. Adriano Giudice foi um garoto prodígio na guitarra, e mesmo muito novo, entrou para a formação do grupo, "Centúrias", a seguir, graças ao seu alto nível instrumental, apesar de ser imberbe, ainda nessa época.
Tocamos muitas vezes juntos, doravante, e pelo menos até meados de 1987, o nosso convívio fraternal foi constante. A
banda era muito jovem naquele agosto de 1984, portanto ainda a carecer
de mais experiência naquela ocasião, mas a sua performance naquele dia em específico,
foi acima da média, por não deixar cair o nível do evento. E por fim, chegou a nossa vez...
Por um segundo, lembrei-me da saudosa cantora, Mama Cass, a soltar uma expressão a denotar estupefação ("Wow"), enquanto assistia o show do grupo: "Big Brother And the Holding Company", no festival de Monterey de 1967, mas certamente hipnotizada pela vocalista da banda, uma texana mal-ajambrada, mas de voz estonteante, chamada: Janis Joplin...
Guardadas
as devidas proporções, senti essa perplexidade no semblante de alguns
ali presentes, e claro que tal perspectiva animou-me mais ainda.
A minha performance pessoal, que era sempre frenética nesses tempos, intensificou-se por um motivo de força maior, emergencial.
Estourou
uma corda da guitarra do Rubens, bem na hora em que executávamos a música: "18
Horas".
Ao não fazer-me de rogado, enquanto ele providenciava a troca
(sim, lamentavelmente o Rubens não possuía guitarra sobressalente nessa
época, e nós não tínhamos estrutura para contratar roadies profissionais e eficientes), eis que eu criei um improviso com o Zé Luiz, e por sorte, foi bastante
criativo e inspirado.
Ao final, quando o Rubens sinalizou que estava pronto para voltar à música, demos a sua deixa habitual do arranjo da música para que ele voltasse e o público, em sua maioria, nem percebeu que a guitarra do Rubens teve problemas, ao julgar aquele improviso, como uma parte do arranjo natural da música.
Ao
final, já com a noite a avançar, saímos muito aplaudidos do palco,
o que nos fez lembrar das nossas performances no programa: "A Fábrica do Som".
Claro, apesar da ótima acolhida, falhamos no quesito comunicação com o público, pois nenhum de nós três tinha esse carisma natural, e não foi por menos que estávamos a preparar um vocalista para assumir, pois sentíamos essa carência na comunicação. E ao meu ver, tal falha ocasionou-se por termos falado muito pouco ao microfone, a privilegiar tocar sem muitas pausas entre as músicas.
As portas abriram-se para
nós no evento, e novas participações aconteceriam no futuro, inclusive
com o crescimento do próprio evento, simultaneamente.
Tudo isso ocorreu no dia 26 de agosto de 1984, e segundo a estimativa da polícia militar, cerca de mil e quinhentas pessoas assistiram o show, sob frio, vento e garoa.
Fico a imaginar se poderia existir a possibilidade de hoje em dia (2016), mil e quinhentas pessoas saírem de suas respectivas residências, sob tais condições climáticas acima elencadas, para assistirem quatro bandas de Rock, autorais, desconhecidas da mídia mainstream e do grande público, por conseguinte.
Eu tenho inúmeras restrições aos
anos oitenta, por diversos motivos, mas nesse quesito, não há como não
lamentar que hoje em dia não exista tal predisposição do público, como houve naquela década...
Na semana
seguinte, o Jornal do Cambuci e Aclimação, publicou uma matéria assinada
pelo Dalam Junior, ao estabelecer uma resenha geral sobre o evento. Quando referiu-se sobre nós em específico, Dalam disse:
"Chave
do Sol: Musical perfeito, dentro de um estilo que funde o Rock' n'
Roll ao Jazz, e até mesmo ao som progressivo. Uma banda que, com grande
técnica musical, consegue superar suas deficiências de comunicação e
visual.
Um grupo profissional, que conseguiu arrancar aplausos até dos metaleiros mais radicais, que somavam a maior parte do público".
Discordo apenas da questão do figurino, a qual criticou-nos, mas faço uma ressalva: na percepção dele, ali no momento de 1984, foi óbvio que ele achasse mais adequado que tivéssemos um visual mais espalhafatoso, e similar ao de bandas alojadas na seara do Hard-Rock e Heavy Metal de tal atualidade, ou no mínimo, a usarmos o visual dos seguidores das correntes do Pós-Punk, ambas, em grande voga do momento.
Nesse quesito do figurino, lembro-me bem que o Zé Luiz privilegiou o seu conforto pessoal, além de levar em conta o frio em questão do dia, ao usar, moletom.
Talvez isso houvesse impressionado o Dalam, negativamente, mas eu e o Rubens estávamos mais adequadamente trajados, como Rockers, ainda que mais a parecermo-nos, setentistas em essência.
No entanto, foram meros detalhes, pois o importante foi que o show foi um sucesso e a resenha deixou isso claro, sob uma interpretação correta da parte do Dalam Junior.
durante os ensaios, voltamos ao interior, uma semana depois.
Desta feita, o compromisso também foi realizado em uma cidade próxima, chamada: Atibaia, às margens da Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo à Belo Horizonte. Esse foi na verdade, o show de estreia dele, Chico, na banda.
Contudo, a oportunidade para tocarmos no interior seria importante para os nossos planos de expansão, sob uma primeira análise, mesmo não sendo feito pelas condições ideais.
Outro
ponto importante, o show fora fechado graças a um esforço de um
abnegado fã, chamado: Hélcio Junior, que era oriundo daquela cidade, embora morasse em São
Paulo, e ele, por ter assistido muitos shows nossos, incluso na "Fábrica do Som" (quando
teve a iniciativa de mandar fazer uma faixa a exaltar-nos, para
exibi-la em participações nossas no programa, inclusive ao aparecer em
vídeos, hoje disponíveis no YouTube). Pois então, esse fã proporcionou toda a ponte para o contato ser feito e assim termos fechado tal show.
Nesse dia, contamos com um apoio extra muito importante, da parte de um amigo da banda. O Daniel Negrão, vulgo "Papel", tinha uma casa de veraneio de sua família naquela cidade, e insistiu para que hospedássemo-nos lá por ocasião desse show.
Não
seria o caso, pois Atibaia fica distante apenas sessenta Km de São Paulo, e assim
optamos por voltar à capital, imediatamente após o show, mas sim, usamos a casa
como camarim, quando passamos momentos agradáveis, nas horas que antecederam o nosso compromisso, a aproveitar
a comodidade de uma tremenda casa confortável e afastada do centro, mais
a parecer-se com uma casa europeia, no bosque.
Da esquerda para a direita, em pé: José Luiz Dinola e a sua namorada, Eliane Daic, Sérgio de Carvalho, Hélio, Rubens Gióia e a sua namorada Mônica Maya, Agachados: Daniel "Papel" Negrão (o dono da casa de veraneio), eu (Luiz Domingues), Claudio "Capetóide" de Carvalho, e Chico Dias
A enorme casa de veraneio da família Negrão, em Atibaia-SP, continha uma adega que se assemelhava a um cenário de castelo/masmorra medieval, em anexo, e com vários artefatos, como armas antigas, móveis rústicos, e armaduras como sua decoração. Nessa ambientação que parecia um set de filme de época, não resistimos e clicamos fotos performáticas a fazermos alusão aos filmes de "capa e espada" ambientados na Idade Média...
Carlos Muniz Ventura empolgou-se, e a interpretar um carrasco, ameaça a donzela, Eliane Daic...
Em cima da mesa, a enfrentar três "oponentes", senti-me na pele do ator, Errol Flynn a interpretar o valente, "Capitão Blood", ou mesmo Stewart Granger em "Scaramouche", ao empunhar a espada...
Carlos parece ter enamorado-se de uma luminária, por ter abusado do rum, e abaixo, Daniel revelou-se o "Homem da Máscara de Ferro"...
Fim da linha para o Carlão Muniz Ventura... a Idade Média não era fácil, não...
Sob um provável "contraplano" exigido pelo diretor, Michael Curtiz, "Errol Flynn a interpretar o Capitão Blood", ou Luiz Domingues nas horas vagas, enfrenta os oponentes vistos à sua frente. Atente para o detalhe estilístico da mão esquerda, livre, quando o "ator" revelou que prestou atenção nas aulas de esgrima...
O espaço cultural em que nos apresentamos, chamava-se: "Crie".
Fizemos o show mediante um surpreendente público com cerca de duzentas pessoas presentes, o que fora muito para um espaço inadequado para shows de Rock, por tratar-se de um mini centro cultural, mais preparado para ser um espaço de exposições e apresentações musicais intimistas, como eu já salientei, anteriormente.
Apesar disso, o show foi bastante energético e mesmo com pouco espaço, o Chico Dias demonstrou deter potencial como "frontman", a carecer de um pouco de lapidação de nossa parte, e maior experiência adquirida, da parte dele.
O ponto negativo ocorreu com um roadie nosso, que criou uma confusão alheia à nossa vontade.
Como eu já relatei anteriormente, havíamos passado por algo parecido poucos dias antes, mas desta vez o imbróglio foi mais sério.
Ocorreu
que esse roadie, que na verdade era um garoto bem novo e mais
"carrier" (profissional que dedica-se somente a carregar equipamentos e
instrumentos, mas não envolve-se em seu processo de montagem, que requer, naturalmente,
conhecimentos técnicos superiores), do que roadie, propriamente dito.
Então, ao engraçar-se com uma menina bem nova e bonita ali presente, despertou a ira de alguns rapazes autóctones, e a confusão instaurou-se, com hostilidades cometidas mutuamente e promessas de briga na rua, a aumentar a chance do inevitável, "acerto de contas", ou as vias de fato, como queira o leitor. Isso certamente haveria por respingar negativamente sobre a banda, pois não aceitaríamos que ele fosse agredido, de forma incólume.
Então, para tentar apaziguar os ânimos, o amigo, Hélcio Junior, que era da cidade e conhecia os garotos, interveio, com outros amigos seus a apoiá-lo. O clima esquentou e na rua, eles de fato chegaram a partir para as vias de fato, enquanto tocávamos, mas Hélcio e seus amigos apartaram e salvaram o rapaz, que chamava-se: Hélio.
Os brigões prosseguiram a hostilizá-lo, quando prometeram voltar com "reforços", mas o Hélcio tranquilizou-nos, ao dizer-nos tratarem-se apenas de garotos inconsequentes, conhecidos na cidade, e que não haveriam desdobramentos preocupantes.
De fato, o show acabou tranquilo e nada mais desagradável ocorreu nesse sentido. Voltamos para São Paulo na mesma madrugada e com o dever cumprido, além de estarmos contentes com a estreia do Chico Dias.
De certa forma, foi importante ele ter estreado em um show de pequeno porte em uma cidade interiorana, pois deu-lhe mais segurança para enfrentar compromissos mais impactantes, doravante, e de fato, em breve os teríamos. Isso ocorreu no dia 1° de setembro de 1984.
Curiosamente, o próximo show seria em um outro espaço, mas na mesma cidade de Atibaia-SP...
Voltamos à cidade interiorana de Atibaia-SP, logo a seguir, em outra oportunidade aventada pelo amigo, Hélcio Junior. Desta vez, o show realizar-se-ia em um espaço maior, porém não adequado em 100 % para shows de Rock, também, como no show anterior.
Todavia, tratou-se
de um espetáculo mais agradável, no sentido de que o espaço para a performance
da banda foi maior, com um palco mais extenso, e a existência de um equipamento
mais adequado, onde pudemos tocar com uma pressão sonora mais forte e
compatível com um show de Rock.
Ele precisava melhorar em muitos aspectos, mas representava um alento ter um frontman, situação que não tínhamos desde a saída da Verônica Luhr, a frontwoman que deixou-nos em abril de 1983.
Dividimos a noite com o "Excalibur", uma banda de Heavy-Metal com ótimos músicos (o ótimo baixista, Anísio Mello, por exemplo), e cujo vocalista era um rapaz muito interessado em literatura, chamado: Beto (Luiz Alberto Machado Cabral).
Portanto, ao fugir do lugar comum das
bandas dessa época, Beto Cabral procurava escrever letras com um teor muito poético, e
os seus ídolos na poesia, foram os poetas malditos franceses do século XIX e Jim Morrison, vocalista da banda sessentista, The Doors,
portanto, referências fortíssimas, porém algo bem démodé para os anos oitenta, infelizmente. No entanto, eu admirava-o exatamente por esse
aspecto.
A casa era um centro cultural localizado em meio a um ambiente paradisíaco. Ficava instalada dentro de um grande salão envidraçado, rodeado por um mini bosque, com direito a um belo lago. Durante a noite, com o frio e a garoa, remetia à Europa, pelo paisagismo e baixa temperatura ali observada.
O evento foi batizado como "Festa da Crisi", escrito dessa forma errada ortograficamente, propositalmente. Foi um evento produzido por um Centro Acadêmico de uma faculdade particular, atuante nessa cidade.
Ocorreu no dia 15 de setembro de 1984, e atraiu cerca de duzentas pessoas, considerado um resultado bom pelos organizadores, mas nós ficamos com a impressão de que fora fraco, devido ao espaço físico disponível, que comportava muito mais gente.
Antes do próximo compromisso, tivemos uma missão de produção.
O
Chico Dias alegou que precisava voltar à sua cidade, Rio Grande-RS, para
buscar mais alguns objetos pessoais seus, e perguntou ao Rubens, se ele
aceitaria ir junto, pois poderiam tentar fazer uma alguma coisa em nosso favor, na cidade de Porto
Alegre, onde morava a sua namorada, e essa moça detinha alguns contatos
interessantes na capital gaúcha.
Nesse ínterim, eu aproveitei a deixa, e resolvi ir ao Rio de Janeiro, onde eu
também mantinha alguns contatos e assim, em setembro, fomos fazer produção
em duas frentes fora de São Paulo, simultaneamente.
Em Porto Alegre, Rubens e Chico visitaram a Rádio Ipanema FM, e ali concederam uma entrevista. Essa emissora, assim como a Rádio Fluminense FM do Rio de Janeiro, detinha uma programação 100% Rocker, e já estava a tocar a nossa canção, "Luz" proveniente do Compacto d'A Chave do Sol.
Portanto, o contato da "guria" dele, abriu uma porta, mas a banda já continha uma excelente receptividade espontânea na emissora gaúcha e assim, a entrevista foi feita de uma forma instantânea, sem a necessidade de trâmites complicados para ser agendada.
De minha parte, no Rio de Janeiro, eu visitei a
redação da Revista "Roll", e entreguei bottons, camisetas e mais discos aos membros de sua equipe de redação, que lá encontrei.
Mas a missão mais certeira mesmo que eu cumpri, foi ter levado o material da nossa banda ao
Circo Voador, e o entregue nas mãos da Maria Juçá, a produtora que cuidava
do espaço, junto com o ator, Perfeito Fortuna ("Asdrúbal Trouxe o Trombone").
A produtora musical, Maria Juçá, em foto bem mais atual
Ela, Maria Juçá, foi muito receptiva e falou-me que o Circo Voador iria organizar um festival de grande porte, e que
já trabalhava com o patrocínio fechado para tal realização. Seria com o apoio da Petrobras, estatal
peso pesado, e que dispensava apresentações.
E disse-me também, que já havia contratado diversos artistas que estavam no bojo do movimento BR-Rock 80's, muitos deles, estrelas do mainstream. Ela analisaria o nosso material com carinho, e senti que daria certo, pois ela alegou saber que uma música nossa tocava com regularidade na programação da Fluminense FM, além de também saber que o nosso disco era do selo Baratos Afins, quando acrescentou o fato de que conhecia pessoalmente o Luiz Calanca, e mais uma, o contato dela havia sido passado pela Cida Ayres, produtora do Língua de Trapo, e por conhecer e afeiçoar-se igualmente com a Cida, isso também reforçara um bom conceito ao nosso respeito.
Então, essas duas viagens foram benéficas para a banda, sem dúvida alguma.
Tratava-se de um salão sob médio porte, com dois ambientes distintos, um parecido com um lounge/bar e o outro, a tratar-se de uma pista de dança, com a presença de bastante iluminação e um PA com muita potência. Apesar de possuir ares de uma discothèque e privilegiar o som mecânico quase o tempo todo, a proposta sonora, desde o início de suas atividades, sempre fora tocar Rock e também a MPB setentista.
O seu público habitue, fora
formado por Hippies, Freaks & Rockers nos anos setenta, e com o
avançar da década de oitenta, também tornou-se um espaço para adeptos do
Heavy-Metal, os tais "headbangers", tribo típica daquela década.
Mas por manter essas raízes Rockers setentistas, ainda abrigava um público formado por Hippies anacrônicos, pejorativamente chamados como: "Bichos Grilo".
Recebemos o convite para uma apresentação em 1984, pois a casa estava finalmente a abrir espaço para shows ao vivo, ainda que ao mesclá-los à sua tradição de privilegiar o som mecânico, estratégia, aliás, que perdura até os dias atuais. Nessa fase oitentista, eles costumavam dividir o seu público.
O domingo, geralmente era reservado aos seguidores de estéticas das décadas de 1960 & 1970, e o sábado apresentava uma programação voltada ao Heavy-Metal em voga, com esse tipo de público (os tais "headbangers" a sua tribo típica), a comparecer em massa.
Fomos tocar então, no dia 6 de outubro de 1984. Dividimos a noite com a banda, "Performance's", cujo vocalista, um rapaz chamado, Robson Goulart, tornou-se nosso amigo, doravante.
A casa estava preenchida com um bom público, mas o som não esteve nada bom. Se
tivessem feito o show no andar superior, onde funcionava a pista de
dança, teria sido muito mais adequado. Mas resolveram improvisar um
palco minúsculo, no andar inferior, e pior ainda, com uma estrutura de som e iluminação aquém do que possuíam no outro patamar.
Mesmo assim, a nossa apresentação foi intensa, com o Chico Dias a sentir-se mais seguro, e até ao permitir-se alguma margem de improvisação, quando imprimiu um ritmo de mise-en-scène forte, que nos deu muita esperança de que ele melhoraria a cada show, a estar pronto para apresentações com maior porte, muito rapidamente.
Cerca de trezentas pessoas assistiram-nos
nessa noite de um sábado, e no dia seguinte, nós teríamos mais um
compromisso, em um outro canto da cidade, o Centro Cultural do Jabaquara,
um bem arrumado e novo espaço de responsabilidade da prefeitura, naquele tradicional bairro
da zona sul de São Paulo.
A sensação de possuirmos shows agendados em dias consecutivos foi ótima. Tratara-se de
uma agenda em expansão e certamente fruto de nossos esforços com muitas
oportunidades alcançadas na TV, Rádio e matérias publicadas na mídia impressa, a repercutir, positivamente. E foi
assim que surgiu mais um convite para realizarmos esse show em um espaço cultural
estatal, desta feita, no Centro Cultural do Jabaquara.
Pelo que vimos, tal espaço cumpria essa meta, com várias atividades no campo da literatura (palestras com escritores, saraus), exposições, teatro, cine-clube, shows musicais, atividades infantis e com idosos etc.
Havia dentro dessas atividades todas, um projeto para shows de Rock, com bandas autorais e independentes. E dentro desse espectro, recebemos o convite. O show aconteceu no período vespertino, a se revelar como um esforço para forjar um novo hábito para o público daquele bairro e imediações.
Nessa altura, terceiro show com a banda, o Chico Dias já demonstrava bem maior entrosamento conosco, e mais serenidade.
O show foi bom, com energia e performance forte, potencializada pelo fato do palco ter uma metragem grande. O som era inadequado para o espaço, mas deu para fazer o show, ainda que não em condições ideais. E a iluminação foi digna, com torres de spots novas, recém adquiridas pelo teatro, apesar do iluminador fazer o burocrático papel de ligar e acender aleatoriamente os spots, sem um mapa de luz, e claro, nem cogitar afiná-los, adequadamente.
Isso aconteceu no dia 7 de outubro de 1984, um domingo. O projeto chamava-se: "Última Estação", uma referência ao fato do Centro Cultural do Jabaquara ficar muito próximo da estação Jabaquara do Metrô, a última da linha 1/azul.
Uma banda nova fez o show de abertura. Chamava-se: "Bandazul".
Chamou-me a atenção o fato de que essa banda destoava das correntes estéticas em voga, naquela década. Não eram nem de longe ligados ao Heavy-Metal ou Hard-Rock, mas tampouco tinham comprometimento com alguma escola do Pós-Punk, ao menos que fosse detectável.
Mostrou-se como uma boa banda, mas eu fiquei sem entender a sua proposta musical. Na hora, achei que detinham influência da MPB, mas foi algo difuso, sem muita clareza.
Um bom público esteve presente no Centro Cultural Jabaquara, naquela tarde. Cerca de duzentas pessoas passaram pela bilheteria, e ao final do show, eu fui abordado por muitos frequentadores do Rainbow Bar, que ficava localizado ali perto, e entre eles o "Taínha", figura mítica daquele bar, e que já não está entre nós, infelizmente, porém é lembrado por todo mundo que frequentou aquele espaço Rocker, no bairro do Jabaquara.
Foto do poeta, Julio Revoredo, a flagrar Luiz Domingues & Rubens Gióia na saída de emergência do Teatro Lira Paulista, em julho de 1984. Click, acervo e cortesia de Julio Revoredo
Em várias ocasiões em que o encontramos, esse rapaz falou-nos muitas coisas sobre o que sabia dos bastidores das gravadoras e nesse sentido, alertou-nos sobre a necessidade de prepararmos um material urgentemente, com uma demo-tape, e músicas novas. Computamos a dica e imaginamos que o momento seria propício, visto termos mudado a formação de trio para quarteto, e agora com um frontman, teríamos mais chances para pleitear uma chance no mainstream, pelo menos essa foi a nossa pretensão.
A dica dele foi para direcionarmos os nossos esforços para a gravadora Warner, que supostamente teria um plano para abrir espaço para bandas mais pesadas, fora do espectro do Pós-Punk, que privilegiavam na ocasião. Nesse aspecto, deveríamos enviar material para o Pena Schmidt (ex-operador de PA dos Mutantes nos anos setenta), que era o produtor em São Paulo, associado ao Liminha (este, ex-baixista dos Mutantes também nos anos setenta), que comandava as contratações na sede central, no Rio de Janeiro.
Já estávamos com muitas músicas novas prontas, e outras em fase de elaboração, e planejamo-nos para pensar em gravar uma demo-tape, no final do ano que aproximava-se, mesmo por que, precisávamos dar um tempo maior de maturação para o Chico Dias e, coisa boa, tínhamos compromissos agendados, o que impediu-nos de parar para focar na pré-produção a fim de gravarmos uma fita demo.
E outro fator óbvio: a proximidade do Festival Rock in Rio, para janeiro de 1985, estava a potencializar muito essa euforia, e assim a movimentar todo mundo que sonhava com um pedaço desse filão.
Foto clicada pelo poeta, Julio Revoredo, quando esteve a acompanhar-nos em nossa primeira entrevista ao programa Balancê, da Rádio Excelsior de São Paulo, no Teatro Pimpão. Julho de 1984. Acervo e cortesia de Julio Revoredo
Esse espectro seria o ideal para nós, pois também não encaixávamo-nos no mundo do Heavy-Metal, de forma alguma. Entretanto, decifrar o que esses "gênios" do marketing musical desejavam ao se basearem na premissa de qual seria a tendência mais rentável, era (é), literalmente, impossível. Se fôssemos gravar um material mais a ver com nossas raízes normais, 1960 & 1970, correríamos o risco de sermos rejeitados sem audição, pois aquela década de oitenta foi marcada pelo repúdio sumário, dessa vertente que tais pessoas adoravam odiar.
Se alguém perguntar-me porque o Barão Vermelho e o Herva Doce pareceram não sofrer esse patrulhamento da parte dos adeptos da ideologia Pós-Punk e seguiram, ambas as bandas, as suas respectivas carreiras no mainstream com sucesso, sem serem boicotadas, acho que tenho argumentos, mas não cabe aqui descrevê-los, e foge do sentido desta narrativa, naturalmente.
Só é relevante notar que a nossa chance aparente dar-se-ia em torno do som pesado, ainda que não fosse nem de longe algo de nossa predileção, mas simplesmente por uma questão de maior aproximação, visto que a estética do Pós-Punk e a sua ruindade musical indecente, não dava para nós...
Desta feita, recebemos o convite da danceteria "Tífon", que localizava-se ao lado do Shopping Ibirapuera, em Moema, bairro da zona sul de São Paulo. Ficamos um pouco renitentes em princípio, por que entre tantas danceterias que abriram na cidade, no ano de 1984, a "Tífon", em específico, mostrava-se bastante hostil à manifestações musicais que não coadunassem-se com a estética do Pós-Punk.
Apesar das danceterias terem sido em tese, apenas grandes salões de entretenimento, sem maiores comprometimentos com estéticas, tribos & afins, a Tífon mantinha esse comportamento pouco recomendável que assemelhava-a à casa de shows, "Madame Satã", esta sim, um templo dessa estética, e portanto, um reduto para os seus entusiastas. Mas a argumentação de quem contatou-nos e formulou o convite, foi de que a casa estaria por abrir o seu leque, e com a proposta para abrigar uma noite para o "Heavy-Metal"...
Ao seguir no seu poder de argumentação, disse-nos que uma semana antes de nós, o famoso guitarrista, Robertinho de Recife, que estava a desenvolver um trabalho orientado pela estética do Heavy-Metal nessa época, apresentar-se-ia, portanto, quebraria o gelo inicial, para haver shows pesados, doravante na casa.
Porém, tudo começou a mudar na semana do show, quando recebemos um telefonema, ao dar-nos conta de uma notícia ruim sobre o funcionamento da casa, e que atrapalhar-nos-ia muito em relação a esse show...
Como consequência, o show terminou sob forma abrupta e no tumulto, grande parte do equipamento de PA da casa, foi avariado, portanto, se quiséssemos manter a data em pé, teríamos que responsabilizarmo-nos pelo PA do show, ao usarmos o nosso, ou alugar um que fosse compatível com o tamanho da casa.
Então, a solução foi alugar um equipamento, ao arcarmos com tal despesa e sem nenhuma ajuda da referida danceteria. Ora, o mais lógico teria sido desmarcar a data. Um cancelamento teria poupado-nos de uma série de aborrecimentos que sucederam-se, ao fazer desse show, um roteiro de comédia, que nem Jerry Lewis conceberia.
O que contribuiu decisivamente para que insistíssemos com a manutenção do compromisso, foi o fato de que já havíamos enviado filipetas pelo correio, para centenas de pessoas que tínhamos cadastradas em nossa mala postal que servia ao nosso fã-clube. Fora um trabalho dispendioso e oneroso, mas naquela Era pré-Internet, mostrava-se um meio muito eficaz para a divulgação de shows.
Especificamente a comentar sobre tal show, a nossa verba para a divulgação foi curta e não deu para pensar em outros meios, portanto, apostamos na mala postal e diante dessa notícia vinda da parte do estabelecimento, aborreceu-nos a ideia do dinheiro de nosso caixa a despejar-se pelo ralo, e também o tempo gasto para a preparação, pois as tais centenas de cartas eram preparadas em um sistema manual, e demandava horas de trabalho.
Contudo, não ponderamos outros aspectos:
1) Era uma casa hostil, portanto havia o risco desse fator inibir o nosso público nutrir vontade de comparecer, e assim deixar para ver-nos sob outra circunstância mais agradável.
2) Seria em meio a um feriado, portanto, seria uma incógnita total a presença de público. A correr o risco, checamos a nossa conta bancária e a banda tinha um montante reservado para a futura gravação de uma demo-tape, com o objetivo de se levar às gravadoras grandes (majors), mediante músicas novas e mais centradas no universo pesado, e acima de tudo, por contarmos com a presença do vocalista gaúcho, Chico Dias, o nosso novo "frontman".
Entretanto, diante de tais circunstâncias e a pensarmos de uma forma otimista, achamos que estávamos calçados para bancar um PA e claro que não usaríamos esse dinheiro para tal finalidade menos importante para nós, portanto, avaliamos a situação de uma forma muito superficial, e lastimo muito por isso, na atualidade.
Não tratava-se de uma quantia grande, por isso descartamos contratar uma daquelas empresas famosas que sonorizavam grandes shows de artistas consagrados. Optamos por contratar um equipamento mais modesto, porém adequado ao ambiente acústico daquela casa, que era de médio para grande porte. Contratamos então o equipamento do mesmo rapaz (Pérsio), que sonorizara o nosso show no Teatro do Colégio Piratininga, em abril de 1983.
A danceteria "Tífon" ficava localizada bem ao lado do Shopping Ibirapuera, em Moema, bairro da zona sul de São Paulo. Conforme eu já comentei, era uma danceteria mais radical, diferente das outras, no sentido de que a maioria tinha aquela aura oitentista por modismo e adequação pura e simplesmente, sem nenhuma preocupação ideológica com o movimento A, B ou C. Já a "Tífon", era conduzida por entusiastas das estéticas oriundas do Pós-Punk, e sabíamos que geralmente só abria as suas portas para artistas coadunados sob tal estética, com o seu público sendo formado por seguidores de tais ideais.
De fato, do dono ao mais humilde funcionário da faxina, todos pareciam fazer parte de um vídeoclip do "Bauhaus", "Siouxie and the Banshees", e outros artistas similares da seara do Pós-Punk.
Sobre a questão da briga ocorrida na semana anterior em suas dependências, nós soubemos de alguns fatos, por várias versões. Conhecidos nossos do mundo do "Heavy-Metal", relataram-nos que realmente uma turma de punks, entrou no recinto com a clara intenção de provocar o Robertinho de Recife, e o seu público. Não foram muitos os admiradores do guitarrista pernambucano, ali presentes e naquele instante com ele a tentar impor-se como "Guitar Hero" de Heavy-Metal, portanto, foram alvo fácil das provocações dos agitadores.
Enfim, ensaiamos o nosso show normal, mesmo conscientes de que poderíamos ter problemas como o Robertinho de Recife enfrentara uma semana antes, embora não achássemos que haveria novo tumulto nesse mesmo porte.
Chegamos à Danceteria Tífon para o soundcheck e o equipamento do Pérsio, que havíamos contratado, estava todo montado e ele fazia testes de equalização. Da parte dele, tudo foi perfeito, com profissionalismo e camaradagem. Mas os problemas começaram com os funcionários da casa. Bastante mal-educados, tratavam-nos com rispidez, a responder-nos muito mal algumas perguntas básicas e absolutamente necessárias, como por exemplo: -"aonde fica o camarim, por favor?"
Até então, tudo bem, isso não arrancar-nos-ia pedaços, poderíamos suportar a grosseria generalizada. Fizemos o soundcheck, ao chegarmos em um resultado confortável e isso foi tranquilo com o Pérsio a operar o PA e monitor, por ser ele um profissional competente e bastante equilibrado no trato humano, com os músicos.
Ficamos com a impressão de serem objetos de cena usados por alguma companhia de teatro, mas em mau estado de conservação e assim, sem objetivo de reuso. Lembro-me até de haver a existência de um caixão de defunto na coxia, onde o nosso amigo, Wagner "Sabbath" (que acompanhou-nos nesse show como um misto de roadie e segurança), ter brincado de entrar nele, quando inclusive tirou fotos (fico a dever tais registros fotográficos, lamentavelmente).
E além do fato de ser um feriado, e a moça poder programar-se sem perder as aulas de sua faculdade, ele certamente contaria com uma apresentação em um lugar mais badalado, com equipamento de som e iluminação sob alto nível, para impressioná-la, pois nos shows anteriores, ainda não havia tido tal oportunidade para atuar em melhores condições com a banda.
A solução inicial seria hospedá-los na casa de veraneio da família do José Luiz Dinola, que a ofereceu, gentilmente. Apesar de um pouco longe, localizada no município de Itapecerica da Serra-SP, era extremamente confortável e nesse caso, o casal teria uma luxuosa "lua de mel" para desfrutar, e só daria um trabalho extra ao Zé Luiz, por conta de ter que levá-los e buscá-los nessa cidade (não tão longe assim, pois fica presente na Grande São Paulo).
Posicionamo-nos e quando a casa fechou o som mecânico da pista, demos início ao nosso espetáculo. Havia um público bem razoável presente, mas estava absolutamente indiferente à nossa apresentação. Alguns mais abusados, hostilizavam-nos, a dançar de uma forma debochada e/ou a rir de nós, acintosamente. Tocamos a nossa canção, "Luz" nessas condições e sinceramente, mesmo ao se mostrar como um público hostil, a canção, "Luz", ao tratar-se de um Rock tradicional, com ares cinquentistas, poderia não ser tão ruim ao confrontar o preconceito deles, por isso a colocamos como primeira música do set list.
A seguir, tocamos "Anjo Rebelde", que poderia gerar um certo frisson por ser mais pesada, mas o que aconteceu de fato, foi uma enorme indiferença, com a massa presente na casa, a ignorar-nos em sua maioria e alguns a hostilizar-nos, ainda que de uma forma "moderada". Começamos a terceira música, que foi "18 Horas".
Ainda tocaríamos mais oito músicas, pelo que lembro-me, pois fomos para esse show com a proposta de uma apresentação mais curta que a normal, devido às circunstâncias.
Quando chegou no ponto da música onde começaria o solo do Zé Luiz, ouvi ele dar um acento muito forte no seu prato, "crash", e a seguir, outro, em paralelo aos seus gritos, proferidos fora do seu microfone. Olhei para trás e o vi ensandecido, em pé, a desferir murros no prato, compulsivamente e a gritar: -"não, não, não"...
Por uma fração de segundos, eu paralisei, sem entender o que estava a acontecer, quando finalmente percebi que o som mecânico da casa estava ligado a todo vapor, e muito mais alto do que o PA do nosso show!
O Zé Luiz e o Rubens, acalmaram-se e após alguns minutos para recomporem-se emocionalmente, foram ao escritório do dono do estabelecimento para receber o pagamento acordado. Receberíamos uma porcentagem da bilheteria. Independente dessa atitude horrorosa que tomaram contra nós, não abriríamos mão de nosso cachê, mesmo por que, tínhamos que pagar o PA que alugáramos.
O Zé Luiz enlouqueceu, por que foi óbvio que não havíamos combinado nada disso, no acerto prévio. O elemento, sob uma arrogância incrível, mandou buscar os tais papéis preenchidos e mostrou para eles, pouquíssimos, o que acarretara uma quantia irrisória, dentro dessa justificativa infame e jamais acordada conosco, anteriormente. E o que isso provou exatamente, se não havíamos combinado nada disso, previamente? Sem contrato assinado, foi palavra contra palavra e nem foi possível contra-argumentar com contundência, pois a segurança da casa, armada, ficou em alerta quando o Zé Luiz esboçou exaltar-se.
Certo, foi uma casa antagônica ao nosso espectro musical, e de fato, aquela horda estava indiferente ao show, eu entendo. Só que:
1) Eles nos convidaram e convenceram a aceitar a oferta, ao usar a argumentação de que estavam a abrir o leque de atrações, e assim visar angariar outros nichos de público. Ao partir dessa premissa, foram sabedores de que o ambiente mostrava-se hostil e portanto, sinalizavam apoio para que tocássemos. Sendo assim, na prática agiram ao contrário, como se houvessem nos atraído para uma armadilha, e nesse aspecto, deu-nos margem para pensarmos até no caso de ter sido um jogo proposital com o intuito de humilhar-nos.
2) O combinado na parte financeira, foi uma porcentagem "X" da bilheteria bruta. Não foi falado nada sobre pesquisa de última hora, com a porcentagem da banda a ser vinculada à presença de público específico de nossos fãs.
3) Independente de estarmos ou não a agradar o público, cortar o nosso show com duas músicas e meia, de forma arbitrária, foi de uma grosseria ímpar. A falta de ética dessa gente foi chocante. Nós certamente iríamos reduzir ainda mais o show, por sentirmos esse clima hostil do público, mas tal decisão cabia a nós, em cima do palco.
Tal atitude perpetrada por um energúmeno grosso e arrogante desse nível, se caracterizou como uma indignidade atroz. Foi certamente um dos piores, senão o pior show d'A Chave do Sol em sua história. Infelizmente, a nossa incauta visão naquele momento, não foi capaz de antever que seria um desastre, e tudo poderia ter sido evitado com o simples cancelamento prévio.
Saímos humilhados da casa, com um cheque a conter uma significativa porção das nossas economias, a ingressar no bolso do Pérsio, o dono do PA que alugáramos (que representou na prática, o fim da nossa esperança para gravarmos uma demo-tape atualizada, sob um curto prazo), e muito cansados, emocionalmente a analisar-se.
Ele empolgou-se em ser o "meu cunhado" e embrenhar-se assim no mundo do Rock, que fora o seu sonho. Até aí, tudo bem, dei-lhe essa oportunidade, contudo, o meu namoro com a irmã dele foi curto, não teve uma continuidade maior, e portanto, eu não considerei que mantinha toda essa liberdade para pedir-lhe um favor desses, mesmo ao ter sido um oferecimento da parte dele. Por outro lado, ele também havia estabelecido amizade com o Chico Dias, e estava solidário ao fato do gaúcho estar a sofrer para adaptar-se à pauliceia etc. Bem, incontinente, liguei para o Hélio e mesmo ao tirá-lo repentinamente de sua cama, pois ainda era cedo, comuniquei-lhe os fatos e solicitei a casa, ao lembrar-lhe da sua oferta espontânea, formulada anteriormente.
Ele aceitou de pronto ajudar o casal, e mediante novos telefonemas, combinamos toda a logística para tirá-los de Itapecerica da Serra-SP e realojá-los na Vila Industrial, um subdistrito do bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo.
Chico e a sua garota, estavam com semblantes muito cansados e contrariados com tudo isso, portanto, posso imaginar o quanto isso estava a ser desagradável para ambos, embora, por outro lado, nós estávamos a fazer o possível para ajudá-los nessa situação, e convenhamos, não tínhamos culpa pela falta de uma estrutura para prover-se uma acomodação melhor para ambos...
Bem, eu voltei para a minha casa aliviado, mas estava ainda muito aborrecido pelo desastre humilhante da noite anterior, também pelo prejuízo financeiro, e estressado com esse problema repentino criado para alojar Chico Dias e a sua namorada.
Simplesmente os pais dele anteciparam a sua volta a São Paulo, e surpreenderam um casal jovem e completamente estranho, a dormirem, completamente nus, na sua cama!
Certo, fui levar o casal até a Av. Paulista, onde encontramo-nos com o Helcio. O seu apartamento ficava situado nas imediações da Rua São Carlos do Pinhal, ali perto. Ao contrário da noite anterior, o casal estava em frangalhos novamente, e confesso, eu também estava cansado dessa situação.
Bem, entreguei-os ao Hélcio e fui para a minha casa. Tudo o que eu desejei foi descansar e chegar ao ensaio na segunda-feira posterior, um pouco melhor, para enfim tocarmos a nossa vida adiante, e esquecermos o show malogrado da Tífon.
O Helcio ficou muito chateado, mas nada pôde fazer, pois o avô era de fato o proprietário do apartamento e daí, bem, a sua vontade prevaleceu.
Então, lá fui eu de volta encontrá-los na Av. Paulista. Estavam sentados na escadaria da sede da TV Gazeta, cabisbaixos. E desta vez, eu não sabia o que fazer mais para dar um jeito para o casal. Eu também estava sem recursos, e a minha residência era pequena naquela ocasião, e sem chance para um oferecimento, nem que fosse de emergência. A minha ideia foi ligar para alguém daquele grupo de amigos que orbitavam a nossa banda, desde 1982. Algum deles poderia ter uma ideia.
Gentis como sempre, esses amigos mobilizaram-se e vieram encontrar-nos. Nenhum deles poderia oferecer a própria residência, mas organizaram uma "vaquinha" e a dividir bem tal esforço coletivo, até eu ajudei, apesar de minha precariedade financeira à época.
Transtornado com essa informação chocante, o Carlos foi imediatamente ao hotel, socorrer o casal. Mas nessa altura, alguém do hotel já havia solicitado uma ambulância. O Carlos chegou quase simultaneamente ao resgate e aliviado, descobriu que a moça estava viva, embora desmaiada. Levada imediatamente para o Hospital das Clínicas, foi diagnosticado o seu desmaio como reação do organismo por falta de insulina, visto que ele era diabética e naquele stress todo do final de semana tumultuado, esquecera-se de injetar a sua dose de insulina diária.
O melhor remédio dali em diante, seria mesmo tentar esquecer tudo, e seguir em frente nos nossos planos. Ao pensar na física quântica, teria bastado cancelar o show da Tífon, assim que soubemos que teríamos que alugar um PA por nossa conta. A nossa insistência para fazermos um show em uma casa que sabíamos ser hostil e pior, a corrermos alto risco financeiro, foi uma sandice de nossa parte. Talvez, se tivéssemos de fato o cancelado, não houvesse a ideia do Chico Dias, de trazer a sua namorada do sul.
No campo das infinitas variantes que precipitam-se a cada peça que mexemos no tabuleiro de xadrez, é fascinante verificar que tudo poderia ter sido diferente... bem, a vida seguiu, apesar desse final de semana com derrotas múltiplas que amargamos!
Felizmente, esse final de semana de terror, encerrou-se com a garota do Chico Dias a voltar para a casa, e por chegar sã e salva a Porto Alegre.
A produtora do Língua de Trapo, na época de minha segunda passagem pela banda, Cida Ayres, e que muito auxiliou A Chave do Sol nesse ano de 1984. Aqui, em foto bem mais atual, no entanto
Lograra êxito a nossa investida em setembro, e graças a um empurrão providencial da produtora executiva do Língua de Trapo e minha amiga, Cida Ayres, a produtora do Circo Voador, Maria Juçá, gostou do nosso material, e escalou-nos para a noite do terceiro sábado do referido festival.
Claro, ficamos eufóricos com essa possibilidade de estarmos inseridos em um festival de grande porte, para tocarmos em meio a muitas bandas que estavam na crista da onda do mainstream, e no Circo Voador, lugar muito "cool", no Rio de Janeiro. Foi a hora portanto, para espantar o baixo astral, e ensaiar com bastante atenção, e foi o que fizemos nessa semana que antecedeu o nosso show no Festival.
Como o Zé Luiz tinha a sua irmã mais velha a morar no Rio de Janeiro, ele propôs que eu fosse em sua companhia, um dia antes da apresentação, para fazermos mais contatos e diante dessa possibilidade de termos um lugar para ficar, claro que eu aceitei.
Mas tínhamos um plano antes de irmos ao Circo Voador. Resolvemos irmos ao Parque Laje, onde na mesma noite, ocorreria um show dos Paralamas do Sucesso. Não queríamos ver o show, mesmo por que não haveria tempo para tal, mas a nossa intenção fora sentir a vibração do lugar, que eu particularmente conhecia apenas pelo cinema, através de cenas de alguns filmes nacionais, tais como, "Macunaíma" e "Terra em Transe", que ali foram produzidas.
Fomos para o Circo Voador e quando lá chegamos, tivemos uma certa dificuldade para adentrar o espaço, por conta de seguranças truculentos e despreparados. Bem, nenhuma novidade ao tratar-se de Brasil e convenhamos, 2016 em curso, e isso não melhorou muito em produções de shows em geral.
Ficamos a assistir a apresentação dessa banda bem do fundo, pois tentar aproximar-se seria um exercício de masoquismo, graças à batalha campal gerada pela prática do famigerado "pogo", ao qual, definitivamente não estávamos interessados em submetermo-nos.
Ele mesmo rememorou isso, e aproveitou para dizer-me que a vida havia mudado da água para o vinho, e que ele e seus colegas estavam a morar dentro de aviões e quartos de hotéis, há meses. No sábado, iriam fazer um show em Salvador, mas no domingo, voltariam ao Rio, para gravar o programa do Chacrinha. Um caso raro de pessoa humilde que foi para o mainstream (falarei sobre outro, logo mais), eu fiquei feliz por vê-lo em um momento de ascensão pessoal e artística, incrível.
Sabia que aquele som New Wave oitentista e robótico que tocavam, desagradava-o, pois o negócio dele era o Rock Progressivo setentista, mas por outro lado, como foi bonito ver um conhecido a chegar ao patamar mainstream!
Absolutamente deprimente... mas reafirmo, os rapazes eram ótimos músicos, gentis e estavam certos em nadar a favor da maré que favoreceu-lhes. Encerrado o show do Metrô, seria a hora da atração principal da noite, os paulistanos do "Rádio Táxi"...
O Rádio Táxi foi um outro caso de uma banda formada por excelentes instrumentistas, mas com a intenção deliberada de produzir uma música Pop radiofônica e 100% coadunada com aquela estética em voga. Egressos dos anos setenta, não tiveram dúvida em cortarem os seus cabelos bem curtos, encomendaram figurino a se parecerem como dândis e o pior de tudo, a evocarem aquelas sonoridades abomináveis. Para tocar aquele som, foram fundo, e tal como o Metrô, usavam instrumentos modernosos e ridículos como o famigerado baixo, Steinberger, aquela baboseira "Dark", metida a futurista pelo seu design medíocre.
E nessa altura dos acontecimentos, não bastava só ir ao barbeiro e cortar o cabelo mediante um corte esquisito, e usar muito reverber e chorus nos instrumentos. Já estávamos na luta, e mesmo que sob um patamar muito inferior ao que esses artistas privilegiados estavam a usufruir, pelo fato de termos música a tocar em emissoras de rádio, muitas aparições na TV e portfólio em franco crescimento, não haveriam meios para retroagirmos, a fim de remodelarmos a nossa carreira. Se tentássemos tal guinada vergonhosa, teria sido uma trapalhada digna dos filmes de Cheech & Chong, se uma banda com a nossa sonoridade e identidade ideológica, aparecesse da noite para o dia, com visual Pós-Punk, e músicas novas coadunadas com aquela estética em termos sonoros. Deixaríamos de tocar "18 Horas" repentinamente, e seríamos o "Echo and the Bunnymen " do Itaim-Bibi, assim, em um piscar de olhos? Pois é!
Claro, mera especulação, pois não houve meio de nós pensarmos em uma estratégia desesperada dessas e convenhamos, nunca cogitamos uma bobagem desse porte, pois tínhamos muitas esperanças em atingir o mainstream, mas por outros meios.
Foi um show longo da parte deles e embora o público demonstrasse estar a apreciar, nem de longe havia aquela euforia, que verificamos quando chegamos ao Circo Voador, quando o Camisa de Vênus apresentara-se.
Pode parecer algo tolo, ingênuo até, mas achávamos que esse festival poderia ser um marco para a carreira da banda, pois deu-nos a impressão de que fora fruto da ascensão nítida que estávamos a apresentar, por vários fatores já elencados anteriormente nesta narrativa. De fato, foi isso mesmo, ao considerarmos que talvez não fôssemos escalados, se não estivéssemos nesse "momentum" significativo. No sábado, no entanto, as atrações que circundavam-nos, não mostravam-se sob grande relevância para aquele panorama. Lamentamos, pois queríamos termos sido escalados em um dia em que estivéssemos acompanhados de "Lobão & Os Ronaldos", "Barão Vermelho", "Paralamas do Sucesso" ou outras bandas dessa notoriedade oitentista.
Todavia, foi clara a intenção do Festival em agrupar bandas emergentes, portanto ainda não consagradas, e ao ir além, o fato de terem pensado no sábado, supostamente um dia nobre, como o dia para esse tipo de bandas com menor apelo popular, só poderia ter um motivo: o fato das bandas consagradas estarem com agendas lotadas!
O único conhecido na minha visão, foi o tecladista, Luciano Alves, que eu mantinha vivo em minha lembrança, pelo fato dele ter sido o último tecladista dos Mutantes. Mas a questão foi: o que esse artista estaria a fazer naquele instante de 1984? E no meio do turbilhão oitentista, eu só poderia esperar pelo pior, ou seja, um som decepcionante, certamente a buscar a estática modernosa na onda do Pós-Punk.
O lado ruim, internamente a se destacar, foi que o Chico Dias chegara ao Rio de Janeiro, com um mau humor insuportável. Infelizmente, ele ainda não recuperara-se dos aborrecimentos somados da semana anterior, e ao invés de estar feliz por estar a conhecer o Rio de Janeiro, e prestes a cantar no Circo Voador, um espaço "cool", em meio aos maiores artistas do BR Rock 80's (ao pensar em termos do Festival inteiro e não especificamente sobre os artistas escalados para o dia em que tocamos), ele estava com o semblante fechado, com poucas palavras, e nenhum entusiasmo por tudo o que citei acima.
Passado o soundcheck, tivemos um bom período de espera pela frente. Demos uma volta pela Lapa, caminhamos um pouco pela Cinelândia, e voltamos ao Circo Voador. A primeira atração do dia, foi o "Vento Sul", que sinceramente eu não me lembro exatamente da sua apresentação, pois nessa hora, estávamos no camarim.
Da esquerda para a direita: Rubens Gióia; Chico Dias, José Luiz Dinola (ao fundo) e Luiz Domingues. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
A Maria Juçá deu-nos o sinal e fomos ao palco, com bastante confiança, apesar do mau humor do vocalista, Chico Dias. Infelizmente, demos muito azar, pois já antes da primeira atração subir ao palco, uma chuva torrencial caíra. E continuou a prejudicar a presença de um público melhor. Enquanto tocávamos, a chuva apertou ainda mais. Durante o nosso show, deu para ouvir o barulho dos trovões, a demonstrar que a situação estava feia na rua.
Zé Luiz Dinola ao fundo. Luiz Domingues de costas para o público, Rubens Gióia e Chico Dias de frente para o público. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
Convenhamos, as atrações não eram chamativas o suficiente para arregimentar-se um grande público ao Circo Voador, apesar de ser um sábado. O único nome mais significativo, seria o de Luciano Alves, mas mesmo assim, seria algo bem distante da ideia de que ele fora tecladista dos Mutantes em sua fase final, nos anos setenta etc. E naquele ambiente oitentista hostil, seria até mais prudente omitir isso, ao falar no proscrito, infelizmente, Rock Progressivo etc...
Luiz Domingues em destaque. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
Sendo assim, o público foi muito diminuto, ao considerar-se o registrado na noite anterior, que superlotara o Circo Voador, graças a três nomes fortes do BR-Rock anunciados, conforme eu já citei anteriormente, mas nada desprezível ao se comparar com os parâmetros de hoje em dia (2015).
Rubens Gióia à esquerda, Zé Luiz Dinola ao centro, e Luiz Domingues à direita. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
A nossa performance foi muito boa. Não deixamo-nos abalar pelo pouco público, tampouco pela chuva diluviana que caía, com direito a raios & trovões, ensurdecedores. Tocamos com muita energia. O vocalista, Chico Dias fez até um solo vocal, ao imitar bastante o Freddie Mercury, o que deixou-nos um pouco apreensivos, pois com pouca gente no ambiente, tendia a ser constrangedor, devido à insistência dele para cobrar a interatividade das pessoas ali presentes.
Rubens Gióia em destaque. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
Entretanto, tivemos sorte, pois os poucos presentes, responderam o tal convite à participação e tudo encaixou-se. Pelo contrário, talvez tenha passado uma imagem de segurança da parte dele e da banda, e de certa forma, caiu bem tal ousadia. Desse show, tiramos muitas fotos, e a minha foto individual, na contracapa do EP que lançaríamos no ano posterior, 1985, foi extraída daí.
Uma panorâmica da banda no palco. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
Assistimos um trecho do show de Luciano Alves, que pareceu mesmo uma tentativa de chegar-se a algo com teor Pop, entretanto, com elementos setentistas discretos na sua música. Enfim, nem era explicitamente oitentista, mas também não assumia-se como algo setentista, portanto, pareceu-me um híbrido indefinido, contudo, sem nenhum brilho, infelizmente.
No camarim do Circo Voador: Rubens Gióia, eu (Luiz Domingues), e Chico Dias. O semblante do vocalista gaúcho não desmente a minha narrativa em relação ao seu mau humor, naquele dia. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
Esse show ocorreu no dia 20 de outubro de 1984, um sábado, com cerca de quatrocentas pessoas na plateia. Hoje eu soltaria rojões ao tocar para um público com quatrocentas pessoas presentes, mas naquele momento, achávamos pouco, diante das quase duas mil que espremeram-se no Circo Voador, na noite anterior, em que assisti os shows na companhia do Zé Luiz e os descrevi parágrafos atrás. Fomos jantar nas imediações e dormimos em um hotel ali próximo, na Lapa.
Rubens Gióia de frente, Luiz Domingues de lado e ao fundo, José Luiz Dinola. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
No dia seguinte, quando acordamos, decidimos permanecermos um pouco mais no Rio de Janeiro, para tentar levantar o astral do Chico Dias. Guardamos os instrumentos e a bagagem no guarda-volumes da rodoviária, e fomos passear pela zona sul. Demos uma volta por Ipanema, e na Rua Prudente de Moraes, nos encontramos por acaso com o ex-apresentador do programa, "A Fábrica do Som", Tadeu Jungle. Ele ficou surpreso por ver-nos a circular por ali, mas também mostrou-se contente por verificar que estávamos a subir na carreira, por tocarmos em um lugar badalado do Rio de Janeiro, quando certamente o fato de termos apresentado-nos tantas vezes naquele seu programa, que repercutia nacionalmente, houvera ofertado-nos tal possibilidade de crescimento.
Perspectiva da coxia. Rubens Gióia & Chico Dias, com Luiz Domingues ao fundo semi encoberto. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
Isso foi verdade, claro que sabíamos disso, e estávamos a tentar agarrar todas as oportunidades que estavam por surgir à nossa frente. Depois desse encontro fortuito com Tadeu Jungle, caminhamos até Copacabana, e alguém sugeriu que prolongássemos o nosso passeio até a Urca, para realizarmos um passeio típico para turistas...
Zé Luiz Dinola em destaque, na primeira foto. Na segunda, Rubens Gióia & Chico Dias em destaque, com Luiz Domingues de costas e Zé Luiz Dinola na bateria, semi encoberto. A Chave do Sol no Circo Voador, Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1984. Foto: Claudio de Carvalho
Apesar de ser um passeio clichê destinado a turistas, foi bastante divertido para todos, menos Chico Dias, que pareceu ter entrado em um processo ainda mais intenso de contrariedade pessoal em estar ali.
Nada demovia-o de seu mau humor crônico, e de fato, a oportunidade de estar no Rio, ter tocado em um evento onde estávamos relacionados aos maiores nomes do Rock da ocasião (reafirmo, falo isso a pensar no festival como um todo e não apenas nas atrações que estiveram conosco no sábado), e dentro de uma casa de shows badalada como fora o Circo Voador, pareceu não ter sensibilizado-o.
Para quem conhece bem o Rio, ou pelo menos já fez esse passeio, sabe que faz parte da estratégia de consumo, para arrancar dinheiro de turistas, uma artimanha quase secreta, que é praxe ali no bondinho do Pão de Açúcar (aliás, não apenas ali, mas em qualquer lugar com apelo turístico ao redor do mundo).
Geralmente as pessoas são clicadas com aquelas expressões faciais "abobalhadas", como turistas incautos, e encantam-se com tal lembrança do passeio, ao pagar uma pequena fortuna pela quinquilharia. Pois o fato é que o Chico Dias estava com uma expressão indisfarçável de tédio na tal foto e que simbolizava bem o seu estado de espírito na ocasião. Claro que não compramos as nossas respectivas fotos cotadas a peso de ouro ali naquele instante e com a malandragem local a achar que éramos argentinos pelo tamanho de nossos cabelos, mas hoje em dia, claro que eu gostaria de tê-las para publicar aqui para ilustrar a minha autobiografia...
Bem, com a tarde a findar-se, resolvemos voltar para São Paulo, enfim. Já no trajeto dos ônibus urbanos que usamos nessa tarde inteira, o Chico Dias aproveitava para "dormir" durante o percurso, ao demonstrar o seu completo desinteresse pelo passeio.
Ainda não percebíamos que tratava-se de um processo irreversível, portanto tínhamos esperanças de que ele realinhasse-se, e que aquele momento seria passageiro. E assim foi o nosso final de semana no Rio, em outubro de 1984.
Bem, claro que aceitamos, e nessa segunda-feira citada, fizemos um novo ensaio, para chegarmos bem preparados ao evento. Ao falar especificamente sobre esse detalhe, a despeito de achar a postura bem profissional e madura, aparentemente, acredito que houve uma dose de exagero enorme nesse tipo de procedimento de nossa parte. Éramos ultra ensaiados naquela época, e havíamos tocado ao vivo em um show de grande responsabilidade e importância para nós, no sábado!
Portanto, fazer um novo ensaio, a visar a apresentação na terça-feira posterior, não pareceu ser uma necessidade premente, e de fato não o foi, mesmo. Todavia, éramos muito obstinados naquela época, e fizemos esse ensaio extra, assim mesmo, ao considerarmos tal esforço extra de preparação, a coisa mais normal do mundo naquela ocasião, mas claro que não seria necessário esse ensaio adicional.
Foram bandas batizadas com nomes baseados em siglas, uma outra prática abominável e típica daquela década, e com todo mundo a usar aqueles cortes de cabelo mega esquisitos, além do figurino mediante o uso de cores cítricas. Mais pareciam bandas infantis egressas da "Turma do Balão Mágico", para definir com maior precisão.
Nesses termos, se os supostos "olheiros de gravadoras" estivessem realmente ali presentes, é claro que interessar-se-iam muito mais por essas bandas do jardim da infância do que a nossa, realisticamente a comentar, pois é claro que teria sido isso! Tal show ocorreu no dia 23 de outubro de 1984, uma terça-feira. Cerca de trezentas pessoas, em sua maioria, adolescentes, assistiram o evento. Tocamos quatro ou cinco músicas apenas, por tratar-se de um show de choque. E no dia seguinte, teríamos um outro dia bem puxado!
Estavam agendadas duas aparições em programas de TV, uma logo cedo, e a outra na parte da tarde. Também estávamos agendados para um programa de rádio, ao vivo, na hora do almoço, e na parte da tarde, teríamos o soundcheck no Teatro Lira Paulistana, onde faríamos mais um show, naquela noite. Se o Chico Dias não animava-se com uma agenda dessas, foi por que realmente não estava a dimensionar a oportunidade que estava a obter em sua vida.
A apresentadora dessa atração matinal foi a Márcia Maria, uma atriz que fora bem famosa nas décadas de sessenta e setenta, e que nesse momento oitentista estava a atuar em uma nova função. A música que dublamos, foi: "Luz".
Claro, o curioso ficou por conta de Chico Dias ter tido que dublar a voz do Rubens, presente no disco. Não tínhamos outra alternativa, a não ser submetê-lo a esse constrangimento, pois julgávamos não haver cabimento para apresentarmo-nos sem a presença dele, Chico, pois estávamos a forjar uma nova imagem da banda, doravante como quarteto. E dentro dessa perspectiva, já tínhamos feito fotos promocionais novas (clicadas pelo amigo, Carlos Muniz Ventura), inclusive.
A famosa foto promocional d'A Chave do Sol como quarteto em 1984, com Chico Dias na formação, mas com o pulo acrobático do Rubens Gióia a chamar mais a atenção. Click de Carlos Muniz Ventura
Aliás, cabe o parêntese, é dessa sessão de fotos que saiu uma foto publicada na revista "Mix", posteriormente, sobre o universo de instrumentos e equipamentos musicais, onde o Rubens foi entrevistado, e a sua imagem foi recortada dos demais, pois ele houvera destacado-se ao dar um pulo muito alto, e assim ficar parecido com as posturas triviais do guitarrista do The Who, Pete Townshend.
De volta ao programa em si, infelizmente eu tenho a cópia preservada em VHS, mas a sua qualidade está muito comprometida pela ação do tempo. Digitalizei assim mesmo, mas na prática, ela não reúne condições de ser postada no YouTube, pois é irritantemente ruim, com problemas de rotação, inclusive. Tentarei, por outro lado, aproveitar de alguma forma as poucas tomadas razoáveis de tal vídeo, e quem sabe utilizar em algum promo, só com alguns "frames", no futuro. Aparecemos no programa: "A Mulher dá o Recado", da TV Record de São Paulo, na manhã do dia 24 de outubro de 1984.
Saímos dali do velho estúdio da TV Record, e o próximo compromisso seria apenas para a dupla Rubens Gióia e Chico Dias, por que tínhamos um acordo interno na banda, no qual as entrevistas realizadas em emissoras de rádio, seriam feitas somente por uma dupla a representar-nos. Isso por que geralmente mostrava-se inútil a participação de todos, para o desenvolvimento da conversa em veículo radiofônico.
Essa nota no Jornal da Semana, foi publicada no domingo, dia 21, enquanto passeávamos pelo Rio de Janeiro, mas o nosso show no Teatro Lira Paulistana, de São Paulo, só aconteceu na quarta-feira posterior, dia 24 de outubro de 1984
O objetivo foi uma nova participação no programa, "Realce", do apresentador, "Mister Sam". Foi a nossa segunda aparição em tal programa, e nessa altura, o Mister Sam já tratava-nos como amigos, nos bastidores, além de várias outras pessoas ligadas à produção do mesmo, também, a deixar-nos implícito que ali teríamos as portas abertas e de fato, apresentamo-nos inúmeras vezes em tal programa, e se este não tinha a mesma audiência da "Fábrica do Som", era na verdade muito bem assistido em São Paulo, e trouxe-nos muito público adicional, sem dúvida.
A apresentação foi hilária, como sempre ocorreria naquele anárquico programa. O Sam parecia transformar-se quando o diretor gritava "gravando", e as luzes vermelhas das câmeras acendiam-se!
Esse vídeo, sim, já está postado no YouTube, sob um esforço de restauração do Site/ Blog Orra Meu, capitaneado pelo meu primo, Emmanuel Barreto.
http://www.youtube.com/watch?v=DGYg0lxI5
Eis aí o link da aparição citada, acima.
Depois dessa gravação na TV Gazeta, fomos imediatamente para o Teatro Lira Paulistana, a fim de realizarmos o soundcheck. Tínhamos um novo show pela frente, e o furor dessa agenda múltipla dos últimos dias, não parecia animar o carrancudo vocalista, Chico Dias, que devia passar o tempo todo a sonhar com o "vento minuano" (quem conhece a cidade de Rio Grande, no litoral sul do Rio Grande do Sul, entende sobre o que eu falo)...
Neste frame do documentário sobre a história do Lira Paulistana, o técnico, Canrobert Marques em um momento do vídeo, onde conta "causos" pitorescos da época em que foi técnico daquele Teatro.
Extremamente gentil e prestativo, o "Can" era muito competente como operador de áudio e continha uma característica interessante que poderia ser um fator de estranheza para nós, mas pelo contrário, tornamo-nos muito amigos, e essa tal divergência só fez-nos entender uma série de coisas sobre tal movimento antagônico.
Refiro-me ao fato dele se assumir como um Punk inveterado, e como ele mesmo gostava de enfatizar: "estava comprometido com o movimento Punk, até o pescoço". No entanto, extremamente gentil, destoava de certas características dos que professavam essa "filosofia", principalmente os mais xiitas, que seguiam o "manual de Malcolm McLaren" a risca, com determinação militar.
E dizia-nos que precisava manter em sigilo tais opiniões, por que era de fato um antagonismo que do lado de lá da trincheira, ninguém toleraria. Por outro lado, falava-nos também sobre nuances que fizeram-nos ter uma outra visão mais branda do vulcão Punk. Uma das mais engraçadas, foi quando falou-nos que as garotas Punk, eram como abacaxis... com casca grossa por fora, mas doces por dentro...
Houveram aspectos pró e contra, nesse show de choque que faríamos a seguir. O lado bom, foi que o convite havia partido do apresentador de TV, Mister Sam, em pessoa, por ocasião de nossa segunda aparição no programa: "Realce", por ele apresentado, dias antes. Nos bastidores, ele abordou-nos para falar que estava envolvido na programação de uma nova danceteria que estava por abrir em Moema, na zona sul de São Paulo, denominada: "Raio Laser".
Antes mesmo de nós retrucarmos que não éramos amadores, e não interessava-nos entrar em um festival com tom de disputa, ele disse-nos que seria uma participação só para ajudá-lo a ter mais uma atração de melhor nível ("Barão Vermelho", "Sangue da Cidade", "Made in Brazil", "Anthro" e "Lixo de Luxo", também estavam programados, além de dúzias de bandas desconhecidas formadas por garotos), e que a seguir, contratar-nos-ia para um show individual, com cachê decente etc. e tal.
Todavia, nesse ínterim, fatores muito desagradáveis aconteceram na vida pessoal do vocalista, Chico Dias, e para início de conversa, a nossa planificação para ensaiamos com total afinco, a visar a gravação da demo-tape, ficou muito prejudicada.
Nessa ação, muitos objetos foram roubados, incluso algumas roupas do Chico Dias, e sendo assim, indignado por mais esse revés, ele não sentiu mais clima para ficar hospedado ali. No entanto, claro que não havia um outro lugar disponível, a trazer-nos uma dor de cabeça extra. Foi então que eu lembrei-me que uma prima minha que estava a viver com o namorado e mais um casal de amigos sob uma "república", em um apartamento que alugaram no bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo.
Mara Turci, minha prima, e que ajudou Chico Dias em mais um momento de dificuldade dele, na Pauliceia.
Contudo, foi uma situação emergencial, portanto, não poderíamos fazer escolhas nesse instante e o importante foi arranjar uma acomodação para ele. Claro, com aquele ânimo que era-lhe peculiar, naturalmente que mais um revés desses o minaria profundamente. A resmungar mais do que nunca, estava ciente dos compromissos da banda, mas por alegar estar a readaptar-se, ele pediu um tempo para tal, e assim ausentou-se dos ensaios.
Algumas bandas tocaram e de fato, como o Mister Sam dissera-nos, (com exceção do "Anthro" e do "Lixo de Luxo" que eram bandas formadas por bons músicos, e eram até anacrônicas nos anos oitenta, pois traziam nítidas influências setentistas em seus respectivos trabalhos), o restante dos participantes foram bandas formadas por garotos completamente desconhecidos, e em sua maioria, a apresentar como orientação artística predominante, o Heavy-Metal, e foram todas barulhentas e infantiloides, como seria de esperar-se.
Havia também o "Nota Fiscal", como uma banda que buscava a sorte no nicho, "New Wave", a tentar aproveitar-se do vácuo do humor, produzido por bandas como: "Magazine", "Ultraje a Rigor" etc.
Essa matéria saiu na edição de outubro de 1984, na revista Rock Stars, nº 11. E pasmem, compramos tal edição em uma banca no Rio de Janeiro, no dia em que tentávamos levantar o astral do Chico Dias, e nem mesmo diante de mais um sinal inequívoco de expansão da nossa banda, tal fato demoveu-o de seu pessimismo, naquela tarde
"Classificamo-nos" para uma nova etapa, mas esta nunca foi marcada, e pior ainda, jamais ocorreu o tal show com cachê que fora-nos prometido. Paciência.
Na saída, eu peguei carona com um amigo. Já passava das 2:00 horas da manhã, e eu não tinha alternativa para sair dali, a não ser com essa carona caridosa. Mas infelizmente, eu não poderia saber o risco que estaria a correr, quando aceitei tal gentil oferecimento...
Essa matéria acima saiu no jornal: Folha de São Paulo, e fala sobre a cena do Heavy Metal em 1984, a usar o gancho de um show ao ar livre que estava a ser anunciado para ocorrer na Praça da Sé, no centro de São Paulo. E como o Teatro Lira Paulistana tornara-se um ponto para shows do gênero. A Chave do Sol é citada en passant como membro desse rol. Duas curiosidades na foto: a banda a apresentar-se na foto, é o "Santuário", que era da cidade de Santos-SP, e na plateia, a segunda pessoa da esquerda para a direita, no primeiro degrau da arquibancada, é o hoje saudoso, Hélcio Aguirra, na ocasião, guitarrista do Harppia, e posteriormente, do Golpe do Estado. Esse recorte de jornal pertence ao acervo do poeta Julio Revoredo, que gentilmente emprestou-me para ilustrar este capítulo.
O rapaz em questão, estava acompanhado de sua namorada, e o clima entre eles parecia não estar muito bom. Bem, claro que eu não tinha nada com isso, e também não poderia supor que correria risco de vida em poucos minutos, por conta desse clima gerado entre o casal. Sentei-me no banco de trás, naturalmente, e mantive-me calado, a reservar-me em meio a um momento de tensão alheia. Então, quando o carro pôs-se em movimento, percebi que eles resmungavam com animosidade entre si.
À medida que o carro avançava em direção à Avenida Santo Amaro, os resmungos aumentavam, e o clima azedou-se entre ambos. Quando já estávamos na avenida, percebi que o rapaz pisava mais firme no acelerador, conforme a discussão acalorava-se. Na rampa de acesso em direção à Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, a discussão explodiu. Já não resmungavam mais, a entrarem nos gritos, ofensas e choro compulsivo, ambos. E o "pezinho" no acelerador, respondeu ao impulso da cólera, quando foi até o fundo...
Tudo bem que passava das 2:00 horas da manhã, mas o rapaz perdeu a noção completamente, e ultrapassou todos os semáforos vermelhos, sob uma velocidade absurda, ao deixar-me apavorado, no banco traseiro. Só restou-me torcer para não haver uma colisão, que seria gravíssima, naquelas circunstâncias.
Passar a voar pelo farol vermelho da Avenida Brasil, entre outros cruzamentos perigosos da Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, foi de uma imprudência ímpar. Quando o carro perdeu velocidade, enfim, quase na altura da Rua Tutoia, o motorista resolveu parar, e através de uma rápida conversa com a moça, ambos selaram a paz. Um pedido de desculpas, lacônico, foi feito direcionado à minha pessoa, com o rapaz a olhar-me pelo retrovisor, e claro, o que importara-me naquele instante, foi o fato de nada ter acontecido, e estarmos vivos, sãos e salvos.
O bizarro dessa história, foi que eu não senti em nenhum momento, no período durante e no posterior desse processo mediante perigo iminente, que o casal mensurou o perigo que corremos. Fiquei com a nítida impressão de que eles relevaram o perigo real que corremos, em detrimento de sua estúpida briguinha, que deve ter sido motivada por ciúmes, dentro daquela danceteria. Bem, o meu anjo da guarda é forte, ou foram os Deuses do Rock, pois sobrevivi, passei por uma série de outras situações, e estou aqui a escrever essa história, trinta e dois anos depois (2016)...
Mas o final de semana seria bem cheio. Teríamos importantes compromissos, e uma surpresa desagradabilíssima que ocorrer-nos-ia nos próximos três dias...
A informação que tivemos, fora de que a tal casa já existia em outro formato, e que nós faríamos o primeiro show dessa sua nova fase, como danceteria. Vale notar que realmente havia a febre de danceterias a abrirem o tempo todo, o que foi animador de certa forma, pois eram em tese, espaços para bandas de Rock tocarem, sob vários estilos, fator que se comparado com a atualidade de 2016, chega a dar saudade, por vislumbrarmos a escassez árida da atualidade.
Então, mediante uma conversa telefônica, o Chico Dias relatou-nos que piorara da gripe, e estava sem voz. Tínhamos além desse show em Santo André-SP, um importante compromisso no Rio de Janeiro, no domingo. Estávamos escalados para gravar participação no "BB Vídeo Roll", que era um programa de TV importante no Rio, com exibição pela Rede Bandeirantes.
Tratava-se de uma parceria da Band, com a revista Roll. A apresentação estava a cargo do Billy Bond, ex-vocalista da "La Pesada del Rock and Roll", histórica banda argentina dos anos setenta, e aqui no Brasil, do Joelho de Porco, igualmente setentista, e importante na história do Rock brasileiro. Portanto, sob um exercício de dosimetria forçada, tínhamos que considerar que o compromisso no Rio de Janeiro era mais importante para a nossa carreira, ainda que não envolvesse ganhos financeiros, e pelo contrário, apenas despesas.
Dessa forma, pedimos ao Chico para repousar ao máximo possível nos dois próximos dias, para ver se poderíamos contar com a sua presença na gravação do programa: "BB Vídeo Roll". Ele prontificou-se a preservar-se, e combinamos assim, buscá-lo no apartamento da Aclimação, onde estava alojado, na madrugada de sábado para domingo, quando partiríamos para o Rio de Janeiro, imediatamente, pois a gravação do programa estava marcada para as 16:00 horas, na danceteria Mistura Fina, na Barra da Tijuca, zona sul do Rio.
Nós estávamos há meses com a música: "Luz", na programação da Rádio Fluminense FM. Não acho exagero afirmar, que tal emissora, fora o principal centro irradiador do "BR-Rock oitentista", ainda que dirigida por apaixonados pelo Rock 1960 & 1970. Recentemente havíamos visto publicada, uma excelente resenha sobre o nosso primeiro disco, nas páginas da revista "Roll" e cerca de dez dias antes, tocáramos no Circo Voador.
Portanto, parecia que participar do "BB Vídeo Roll", seria um importante passo para sedimentarmos posição no Rio de Janeiro, daí a importância que depositávamos nessa aparição na TV, e por ser assim, contar com a banda inteira, com o seu frontman em condições, foi vital para os nossos planos. Diante de tudo isso que esteve em jogo, resolvemos viajar ao Rio a usarmos a Kombi do irmão do Zé Luiz, o João Dinola. Ele tinha uma Kombi, com carroceria aberta, que usava para as entregas de sua fábrica de brinquedos de madeira (aliás, ele fazia belos caminhões, carrinhos, e casinhas de madeira, diga-se de passagem). Nesse aspecto, ele detinha o mesmo talento para a carpintaria e marcenaria, que o seu irmão, Zé Luiz.
Seria cansativo, mas éramos jovens, e não medíamos esforços para a nossa carreira deslanchar, enfim.
Havia um grupo de amigos nossos de São Paulo, ali presente, mas quando o público habitue começou a entrar, notamos que não eram nem cabeludos, "hedbangers", tampouco tribos oitentistas do Pós-Punk, tipo de pessoas que sempre esperávamos ver nesses lugares. Eram homens em sua maioria esmagadora, e todos a se parecerem com o Freddie Mercury, fase pós-Glitter (com aquele bigodão e cabelo curto)...
E para coroar a noitada na "gaiola das loucas" de Santo André-SP, um fato inusitado ocorreu-me em particular. Quando o show acabou, em meio a cerca de cinquenta pessoas que ali estavam, só havia uma única mulher. Era uma garota jovem, acompanhada de alguns amigos seus, e que não tinham nada a ver com os gays em sua maioria. Soube disso, de uma forma inusitada e digamos, agradável, pois quando estava a deixar o palco, ainda com o instrumento em mãos, ela abordou-me e eu notei que os seus amigos estavam a incentivá-la para fazer isso.
Bem, passado esse momento como "Rock Star" que ali vivenciei, voltamos à realidade, e foi a hora para desmontar o palco, voltar para São Paulo, pegar a Kombi com o restante do equipamento, buscar o Chico Dias no bairro da Aclimação e entrarmos na Via Dutra, em direção ao Rio de Janeiro. Quando chegamos à casa do Rubens, o nosso "QG", havia um recado próximo ao telefone principal da casa, assinado pela minha prima, dona do apartamento onde o Chico Dias estava hospedado: -"Chico Dias pegou todas as suas coisas, e partiu para o Rio Grande do Sul, nesta tarde de sábado"... pois ficamos desnorteados com a notícia, em plena madrugada, prestes a tomarmos o rumo para o Rio!
Ao irmos em frente, mesmo atônitos com a notícia, não tínhamos tempo para pensar no fato. Mesmo muito abalados, carregamos a Kombi, e partimos para o Rio, imediatamente. Nessa época, eu não sabia dirigir, portanto, a responsabilidade da condução ficara a cargo do Zé Luiz, e eventualmente o Rubens propusera-se a assumir, em caso de cansaço. A viagem foi bem, dentro do possível que uma Kombi oferecia em termos de conforto, é claro. Já estava dia amanhecido quando o trecho da serra encerrou-se, e ao adentrarmos a Baixada Fluminense, eu cochilava, quando senti a Kombi diminuir, e estacionar na Avenida Brasil. Meio zonzo de sono, ouvi o Zé Luiz a conversar com um estranho.
Quando tomei consciência do que ocorria, vi um soldado do exército na carroceria, a falar com o Zé Luiz, e dar-lhe instruções sobre alternativas para o caminho. O que havia acontecido afinal? O Zé Luiz resolvera dar carona para um soldado, e este, ao perguntar-lhe para onde íamos, ofereceu-nos os seus préstimos como guia, para indicar um atalho, que segundo ele, seria bem melhor que o caminho tradicional que faz com que atravesse-se a cidade inteira, até acessar a Barra da Tijuca. Só sei que demos voltas e mais voltas, e só lembro-me de em um dado instante, estarmos no bairro de Bangu.
Chegamos à danceteria, "Mistura Fina", bem antes da hora marcada para a gravação do programa, mas foi providencial, por que pudemos descansar e lanchar, com tranquilidade. O programa seria interessante em seu formato, pois oferecia um bloco para cada banda participante, e um bloco de conversa interativa entre as bandas, além de uma mini entrevista com cada uma, ou seja, bastante espaço.
A estética era bem oitentista, com um cenário que parecia feito de encomenda para o "Culture Club", incluso o apresentador, Billy Bond, bem caracterizado nessa moda New Wave. As bandas participantes foram: "Hojerizah", "Rapazes de Vida Fácil", "Alynaskina", "Baga da Praia", A Chave do Sol e "Garotos do Centro".
No bloco interativo, o Billy perguntou-nos, como víamos a rivalidade entre bandas de Rock, paulistas e cariocas. Eu respondi que achava a rivalidade válida só no futebol e que deveríamos mesmo nos reocuparmos com o fato de estarmos a menos de dois meses do "Festival Rock in Rio", e verificar que muitas bandas boas haviam ficado de fora da programação, em detrimento de alguns artistas "alienígenas", ao mundo do Rock, que estavam escalados para tal evento...
Não falei isso para fazer média com os cariocas ali presentes, mas fui sincero, ao criticar a mentalidade dos produtores de tal evento, ao inserir artistas que não eram do mundo do Rock, e nem precisavam do festival como plataforma de impulso para as suas carreiras, já consagradas, enfim... mas algo inusitado aconteceu, pois mal eu acabei de proferir tais palavras, e todo mundo que ouvia atentamente atrás das câmeras, aplaudiu com veemência, com direito até a alguns gritos e assovios, em sinal de apoio.
Já batia na casa das 21:00 horas, mais ou menos, quando fomos liberados pela produção da TV, e colocamo-nos na estrada. Cogitamos dormir no Rio, mas o Zé Luiz garantiu estar sem sono, e disposto a enfrentar a estrada, portanto, colocamos tudo na Kombi, e partimos. Nunca vimos a nossa participação em tal programa, por que esse programa era regional, e ninguém gravou no videocassete, para nós.
-"Ora, somos músicos "seu guarda", fomos fazer um programa na TV Bandeirantes do Rio, veja o nosso disco"...foi o que lhe dissemos. Então, ele resolveu fazer uma inspeção minuciosa no veículo, e vociferou a frase terrorista: -"está tudo perfeito, mas se eu quiser, eu acho uma irregularidade"... então, após uma canseira de que durou por mais de uma hora, conseguimos seguir adiante, e chegamos em São Paulo no meio da madrugada, enfim.
Descansaríamos na segunda-feira, mas agora teríamos que encarar o fato de que éramos um trio novamente, e começaria mais uma vez, a luta para procurarmos um novo vocalista. A ideia da nova demo-tape com canções novas e cantadas por um frontman dotado de uma garganta forte, estava arruinada, e atormentara-nos a ideia de que o Rock in Rio aproximava-se, e com ele, um mundo de oportunidades abrir-se-ia nesse vácuo, portanto, estávamos prestes a ficar despreparados para agarrá-las...
Claro que fui saber com a minha prima, e o namorado dela, o que teria acontecido com o Chico Dias. Eles disseram que o rapaz estava muito deprimido, a exprimir uma saudade incontrolável de sua cidade, família, amigos e namorada. Até aí, foi algo perfeitamente legítimo, uma reação humana e previsível no sentido de que sentisse-se dessa forma. Mas disseram-me que ele resmungava o tempo todo sobre as dificuldades que estava a sentir na sua adaptação à São Paulo, e também por ter iludido-se em relação à nossa banda, A Chave do Sol, pois quando entrou para a formação da banda, pensou que nós estivéssemos sob um esquema muito maior, como banda mainstream, amparada por gravadora major.
Ora, quando o convidamos, deixamos muito claro o patamar onde estávamos, o que desejávamos, e os caminhos que precisaríamos percorrer para tal. Portanto, considero inaceitável tal argumento, pois explicamos-lhe muito bem a nossa situação naquele instante.
Outro ponto importante, foi que mesmo ao estarmos longe de uma carreira coroada e plena por mordomias inerentes, ao considerar-se sermos ainda artistas a habitar o patamar underground, estávamos a subir muito rapidamente.
Então, se ele não considerava tais conquistas como importantes, foi uma falha de avaliação dele, por inexperiência (muito provavelmente), e uma certa dose de pessimismo, que era marca registrada de sua personalidade. Basta reler os parágrafos anteriores para o leitor verificar que a agenda da banda, estava em plena expansão.
A despeito de suas dificuldades pessoais (reconheço que foram mesmo difíceis), ele deveria ter esforçado-se para ficar um pouco mais, mesmo por que as perspectivas eram ótimas a apontar para melhorias, que seriam concretas. Faltou-lhe maturidade, haja vista a sua debandada, ao aproveitar-se de nossa ingenuidade em ter acatado a sua comunicação sobre a sua doença.
Mas nunca engoli o abandono sumário, ainda mais em uma fase onde tínhamos muitos compromissos importantes. Estávamos a lutar para mudar a imagem da banda e além dos compromissos, havíamos gasto dinheiro para reformular release, organizar sessão de fotos etc.
Alguns dias depois, recebemos uma carta manuscrita dele, a pedir-nos desculpas. Dizia-se muito arrependido por ter tido essa atitude não recomendável, mas justificava-se ao alegar tudo o que eu disse acima, sobre a sua não adaptação, saudade desmesurada da família, decepção com os recursos da banda etc.
Chico Dias tinha muito potencial vocal, e se lapidado, poderia ter tornado-se um excelente frontman de banda de Rock.
Esse show foi o primeiro após a saída oficial do Chico Dias, da banda, mas convenhamos, dados os últimos acontecimentos, não foi uma novidade para nós estarmos sem a sua presença e de fato, a passagem dele pela banda fora meteórica, e praticamente não houve tempo para formatar a banda por uma nova característica, como quarteto.
Lembro-me que duas bandas tocariam, entre elas, a "Archibald's Band" (que passaria a chamar-se: "Fênix", doravante), esta, dos nossos amigos, Carlos Muniz Ventura e Iran Bressan, além de uma outra, formada por alunos da referida faculdade. Essa desconhecida banda de alunos, tocou apenas covers do BR-Rock da moda. Lembro-me que esse pessoal executou muitas baladas do Kid Abelha, Barão Vermelho e Lobão, entre outros artistas em voga.
1) Foi uma oportunidade em realizar uma pré-produção, onde independente do resultado de áudio, poderíamos avaliar arranjo e performance da banda;
2) Foi um oferecimento gratuito de um amigo.
Ocorreu assim: o amigo Carlos Muniz Ventura, baixista e tecladista da banda: "Fênix (ex-"Archibald's Band"), e que começava a tornar-se um bom fotógrafo, também, possuía uma máquina da marca, "Ampex", de 1/2 polegada, que comprara usada, além de alguns microfones.
O seu oferecimento foi para gravarmos uma demo-tape, que na verdade seria um ensaio gravado, com mais qualidade do que habitualmente estávamos acostumados, mediante o uso de um bem mais simples, tape deck da Gradiente. Bem, não haveria condições de se coibir vazamentos, a não ser por providências prosaicas, tais como o uso de biombos improvisados, com móveis, cobertores, e almofadas caseiras. Mas mesmo diante de condições inóspitas de captura, e sujeito à vazamentos externos, claro que decidimos gravar.
Isso aconteceu na metade, para o fim de dezembro de 1984, mas infelizmente, eu não anotei a data precisa, tampouco as particularidades dessa gravação. Foi, conforme já descrevi, uma gravação ao vivo, com característica de ensaio, sujeita aos inevitáveis vazamentos, mas pelo que lembro-me, o fato de ser gravado em fita de 1/2 polegada, com o uso de uma máquina Ampex, de qualidade, propiciou um resultado obviamente muito superior à de gravações com um reles tape deck.
Nunca providenciamos uma cópia em Fita K7 para tal gravação, pois teríamos que necessariamente alugar um estúdio para tal intento, portanto o tempo pôs-se a passar, e a fita engavetou-se.
Mesmo por que, em poucos meses estaríamos em estúdio, para gravar o segundo disco, e com um repertório inteiramente renovado por força da nova orientação estética que adotaríamos a seguir, e também pela entrada de um novo vocalista.
E nos últimos dias de 1984, tivemos mais um compromisso, e uma novidade a se aproximar de nós. Só mais "um minuto além", e conto tudo, embora ainda seja necessário abrir um parêntese para então poder fechar o ano de 1984, nesta narrativa...
O segundo festival ao ar livre, seria realizado em plena Praça da Sé, no centro velho de São Paulo. Seria uma espécie de versão ampliada do evento, "Praça do Rock", que ocorria no Parque da Aclimação, mas desta feita a conter mais atrações, a se caracterizar como um festival, com dois dias de duração. Seria patrocinado pela Paulistur, uma autarquia subordinada à Secretaria de Turismo do Município de São Paulo, com apoio da Secretaria de Cultura e da Administração Regional da Sé, órgão da Prefeitura. Portanto, com todo esse apoio da parte de engrenagens da máquina municipal, teve tudo para ter uma estrutura boa de organização, equipamento, divulgação etc.
O tratamento despendido pela imprensa mainstream às bandas da estética do Heavy-Metal era jocoso. Mais uma razão para não ser conveniente sermos inseridos nessa tribo, mas estávamos encurralados, e essa pareceu-nos ter sido a melhor saída naquele momento na década de oitenta, mesmo ao corrermos o risco de sermos ironizados por estarmos em meio ao "jardim da infância" do Rock underground...
Todavia, a faltar poucos dias para o evento, fomos surpreendidos com a notícia de que este fora cancelado, sem maiores explicações da parte dos apoiadores governamentais. Foi quando surgiu a informação de que fora cancelado a mando de um figurão da política, que alegou ser uma temeridade se apoiar um evento de Rock, quando poderiam haver brigas, consumo de álcool & drogas, e abusos sexuais... ou seja, a velha conversa moralista e hipócrita, pois só em shows de Rock, tais barbaridades acontecem, não é mesmo?
Se comentei acima sobre a nota jocosa da Folha de São Paulo, ao discorrer sobre as bandas que tocariam no Festival da Praça da Sé, esta matéria na Folha da Tarde então escancarou a forma com a qual a imprensa lidava com a cena Heavy-Metal do Brasil no ano de 1984, ou seja, como um movimento talvez criado no mini maternal...
O produtor musical, Antonio Celso Barbieri em foto bem mais recente
Bem, eu precisava ser simpático e solícito com o jornalista, para tentar atrair atenção para a minha banda, e não "alfinetar" o Heavy-Metal, para não ser desagradável. Em suma: foi uma "saia justa" e tanto que eu ali administrei.
O nome desse jornalista era: Okky de Souza, famoso crítico musical que eu conhecia (não pessoalmente, até esse dia), e admirava desde os anos setenta, ao ler com atenção as suas matérias na revista: "Rock, a História e a Glória" , e naquele momento de 1984, ele estava a trabalhar para a revista: "Veja".
O nosso último compromisso do ano, foi no Teatro Lira Paulistana. Aceitamos fechar a data, supostamente insalubre, por ser após o dia do Natal, mas para nós, qualquer dia, era dia de Rock, com o perdão do terrível clichê...
Sendo assim, fomos para o Teatro Lira Paulistana, no dia 26 de dezembro de 1984, quando tivemos a agradável companhia da banda dos irmãos Giudice, o "Abutre", como abertura do evento. Cerca de cento e cinquenta pessoas estiveram presentes, público que consideramos muito bom, pelo inusitado da época do ano, e pelo fato de não termos tido apoio de programas de rádio e TV, desta vez. Mas o show em si, apesar de ter sido bom, não foi o principal evento do dia, para nós.
Foto do "Ano Luz", banda do vocalista, Fran Alves (no destaque), que estava a encerrar atividades ao final de 1984
No camarim, recebemos a visita do vocalista, Francisco Dias Alves, bem conhecido no meio Rocker de São Paulo. Os contatos estavam sendo feitos desde um certo tempo, quando recebemos a informação de que sua banda, chamada, "Ano Luz", estava a encerrar as suas atividades, e isso estava por ocorrer concomitantemente ao fato de termos perdido o nosso ex-vocalista, no início de novembro.
O Ano Luz em ação na Praça do Rock, em agosto de 1984, em foto clicada pelo poeta, Julio Revoredo
Nessas conversas preliminares, fizemos então o convite formal, e ele pediu para esperar uns dias, antes de avançar nas conversações, pois queria ter certeza de que o "Ano Luz" estava mesmo a fechar as suas portas.
Essa atitude foi ética, nobre, e claro que a respeitamos, e ao ir além, apreciamos como norma de conduta ilibada, da parte dele.
Então, no camarim do Teatro Lira Paulistana, ele visitou-nos, e comunicou que estava oficialmente disponível, e que sim, aceitara o nosso convite. Ficamos muito contentes, pois o potencial dele como vocalista e frontman, mostrava-se imenso, conforme já tínhamos avaliado, e corroborado pelo poeta, Julio Revoredo, que fizera algumas observações ao nosso favor, como um agente de campo, pró-A Chave do Sol.
Outra foto de Julio Revoredo, que impressionou-se com o vocal de Fran Alves, em agosto de 1984, ao assistir o Ano Luz em ação.
Celebramos esse engajamento de um novo membro, ali mesmo no camarim, tendo como testemunhas, os amigos da banda, "Abutre", e o próprio poeta, Julio Revoredo, que era um admirador confesso de Fran Alves, como vocalista. Combinamos o início dos ensaios para os primeiros dias de janeiro de 1985, assim que encerrassem-se os dias mortos do pré e pós Reveillon. E assim encerrou-se o ano de 1984, um ano onde tivemos um crescimento muito grande, e dessa forma, sentíamo-nos credenciados a acreditar em um ano de 1985, ainda melhor para nós.
Ficha datilografada que estava nas mãos do apresentador, Tadeu Jungle, quando de nossa última apresentação n'A Fábrica do Som, em junho de 1984. Acervo pessoal do poeta, Julio Revoredo, que gentilmente cedeu-o para ilustrar a minha autobiografia.
Perdemos tempo com o vocalista anterior, mas agora estávamos fechados com alguém muito mais maduro e experiente, fora o seu nível técnico inquestionável.
Farei ainda um parêntese para comentar alguns fatos ocorridos em 1984, antes de encerrar essa etapa e começar a enfocar o ano de 1985, para A Chave do Sol.
Farei um parêntese agora, antes de mergulhar na narrativa sobre 1985, para citar alguns casos pitorescos a envolver a banda, mas não necessariamente ligados com aspectos da sua carreira, tampouco eventos musicais, onde participou.
1) Para quem conhece São Paulo, sabe bem que o cruzamento da Avenida Paulista com a Alameda Joaquim Eugênio de Lima, tem em sua esquina, sentido Ibirapuera, uma série de bares, colados uns aos outros e que todos disponibilizam mesas nas calçadas para os seus clientes, ao conferir-lhe um clima de boulevard àquele quarteirão, e também que tais estabelecimentos vivem lotados de gente, dia e noite.
Pois em uma ocasião, ocorrida em 1984, notamos que um ator famoso por atuar muito na TV, Teatro e Cinema, estava a circular entre as mesas, mas não conversava com ninguém. Aparentemente estava sozinho e adotava um comportamento estranho, ao parar perto das mesas e encarar as pessoas, sem falar nada, ou a esconder-se atrás de placas de trânsito e pilastras de prédios pelas redondezas, e olhar para o nada, com semblante bestificado. Mais engraçado ainda, foi o fato de que a maioria das pessoas nem notavam tal comportamento bizarro da parte dele, e pior ainda, nem esboçavam reconhecê-lo, mesmo sendo ele, um ator com uma carreira sólida na TV, mediante uma série enorme de novelas realizadas no seu currículo. Aquele comportamento suscitou várias conjecturas da parte de quem estava em nossa mesa, e as hipóteses mais ventiladas foram:
A) Está muito louco por conta de alguma droga alucinógena ou;
B) Está a realizar "laboratório" como ator, ao simular estar louco na rua, para testar as possibilidades da personagem que estudava para compor em um trabalho futuro.
Foi quando o poeta, Julio Revoredo, que estava presente conosco, quis tirar a história a limpo. Uma característica do poeta, que pouca gente conhece, é que ele é um grande interessado na história do Cinema, TV e Rádio. a sua memória enciclopédica sobre tais temas (fora o Teatro, Artes Plásticas, Música e Literatura, matérias das quais também conhece muito), impressiona.
Nesses termos, ele ficou muito interessado em abordar o referido ator, e descobrir o que significava aquele comportamento. Então, mediante um caderno universitário que tinha em mãos, levantou-se e foi abordá-lo, ao solicitar-lhe um autógrafo. Quando aproximou-se do ator, este nem olhou-lhe no rosto, mas disse com truculência: -"Não!" Chocado com a grosseria, Julio voltou para a nossa mesa, e disse-nos que para ele, a impressão que tivera, fora que o ator estava bêbado, e fora grosso, deliberadamente. Nessa hora, um amigo nosso que adorava fazer traquinagens, chamado, Celso "Esponja" Bressan, propôs uma brincadeira para azucrinar o ator.
Visto que o ator usava um chapéu, estilo "tweed", bastante démodé para os anos oitenta, o nosso amigo arquitetou o plano de surpreendê-lo, ao afanar-lhe a peça, para depois devolvê-la, mas não sem antes provocá-lo de alguma forma.
Sorrateiramente ficamos a observar a ação, já perto dos carros, quando o Celso passou a correr e arrancou o chapéu do ator. A reação dele foi absolutamente teatral e hilária, pois em câmera lenta, como se estivesse a interpretar, ele gritou: -"Fiiiilllhhhooo ddaa ppppuuutttaaa!"
Não poderia ter sido mais esquisita a sua reação e deixou-nos ainda mais em dúvida se interpretava, ou estava apenas bêbado/drogado...
Ao dar a volta no quarteirão, Celso entregou o chapéu ao Rubens e ele próprio, Rubens tratou de colocá-lo na cabeça. Quando voltamos à "prainha" da Alameda Joaquim Eugênio de Lima, a buzinar para chamar-lhe a atenção, Rubens, jogou-o em direção ao ator e gritou: - "canastra!" Na hora, demoramos muito para estancar a epidemia de gargalhadas, mas ao lembrar desse ocorrido hoje em dia, com a idade que tenho agora, já não acho graça alguma...
Algumas semanas depois, a mesma turma estava reunida na Rua 13 de maio, no bairro do Bexiga, e naquela época, como eu já salientei inúmeras vezes nesta autobiografia, tal rua fervilhava de gente, ao ponto de ser quase impossível o tráfego de automóveis durante a noite e madrugada.
Estávamos na calçada a conversar, quando ouvimos alguém a buzinar com muita truculência. Foi um motorista a conduzir um Ford Galaxie, dos anos setenta, enorme e opulento, com tal motorista a mostrar-se profundamente contrariado com o fato de que a multidão ocupava a via, e assim não deixava os carros prosseguirem.
O berro escandaloso que ele deu, seguido de pulinhos dignos de um Saci Pererê, foi hilário... não vou revelar o nome do ator... sei que você leitor vai frustrar-se e contra-argumentar que não tem nada demais, e que as revistas e sites de fofocas divulgam coisas muito piores, mas se há uma coisa que eu detesto é criar polêmica e expor as pessoas. Contei os casos por que foram pitorescos com tal personalidade, mas não quero ser acusado de usar a sua fama para autopromover-me, portanto, não direi quem ele é.
Contudo, posso revelar é alguém que fez muitas novelas na antiga TV Tupi, também na TV Globo, e tem muitas peças realizadas no Teatro e filmes no Cinema nacional, em seu currículo.
2) Como eu mencionei a famosa "prainha" da Alameda Joaquim Eugênio de Lima, outra ocorrência merece nota. Com a turma reunida outra vez, em outra ocasião, um mendigo muito embriagado estava a rondar as mesas, e pedir esmolas.
Extremamente desagradável, o homem não entendia a recusa das pessoas em não dar-lhe dinheiro ou mais bebida, conforme pedia, visto já estar muito bêbado. Quando abordou-nos, todos recusaram a ajudar-lhe, como nas outras mesas ocupadas por estranhos, mas por sermos um bando de cabeludos, talvez, o sujeito cismou conosco, ao não desistir facilmente de seu intento, e começou a abusar, ao insistir em esmolar, e tomar liberdades, como tocar no ombro das pessoas, e ameaçar roubar uma garrafa de cerveja da nossa mesa.
Muito embriagado, o elemento desabou, mas não foi uma agressão propriamente dita da parte do nosso amigo, e relato isso isento do sentimento de amizade que havia ali naquela mesa, ao distorcer os fatos para proteger o amigo, Claudio, e sobretudo para visar isentar-me de uma eventual culpa moral de minha parte por estar ali inserido naquele contexto.
Contudo, tal reação do nosso amigo gerou revolta na mesa próxima, com outras pessoas, estranhas para nós. Como eu não bebo, jamais poderia passar pela minha percepção, que houvesse uma espécie de "código ético" e velado, absolutamente "da rua". Pois então... os rapazes em questão ficaram revoltados com o fato do mendigo ter sido "agredido" e como agravante, a conter o fato dele estar embriagado e portanto, sem condições de defender-se.
Bem, eu como era bem ingênuo nesse tipo de questão, fiquei surpreendido quando percebi que o clima ficou tenso. Apressados em pedir a conta, vi que havia uma movimentação e alguns rapazes da tal mesa que revoltaram-se conosco, haviam ido buscar artefatos de luta, no carro de um deles. Nessa altura, já estavam sobre a sua mesa com barras de ferro, tacos de beisebol, correntes, soco inglês e o pior de tudo, um revólver, ostensivamente colocado sobre a mesa deles.
Sem nenhum aparato do mesmo porte, e na iminência de uma tragédia poder acontecer, saímos rapidamente do local, sob uma retirada estratégica, e que pelas circunstâncias, nem considero vergonhosa.
3) Geralmente a turma de amigos que gravitava em torno da banda, principalmente entre 1982 e 1984, reunia-se com regularidade para sair a noite, no pós-ensaio da banda nos finais de semana, ou no pós-show. Mas ocorreram fatos engraçados também no âmbito caseiro, e claro que pelo fato da residência da família Gióia ter sido o QG d'A Chave do Sol nos quatro primeiros anos da carreira da banda, muita coisa ali aconteceu, principalmente quando a família do Rubens ausentava-se para viagens recreativas à casa de praia do clã, no litoral norte do estado (na cidade de Ubatuba-SP).
Claro, entre duas e três horas da madrugada, as reações geralmente se provavam iradas, a gerar muitos xingamentos que foram proferidos, e ouvíamos essas manifestações de repúdio sob risadas. Mas um dia, algo inusitado ocorreu... alguém atendeu a chamada, mas manteve-se em profundo silêncio. Desta feita, o nosso amigo havia escolhido o LP "Close to the Edge", do "Yes", para tocar no telefone, mas o interlocutor não pronunciou-se.
Para quem não sabe, trata-se de uma obra típica de Rock Progressivo setentista, ou seja, tal música homônima, na verdade dura o lado inteiro do LP, com mais de vinte e três minutos de duração. Quando acabou, ficamos surpreendidos pois o rapaz disse algo como: -"ô meu, vira o disco aí, cara, quero ouvir o outro lado", adoro o Yes"...
Esse mesmo amigo nosso que criou a brincadeira muito inconveniente, eu sei (eu não gostaria de atender uma chamada às três horas da manhã, da parte de um estranho, mesmo que colocasse-se uma música dos Beatles para eu escutar), contou-nos que em sua casa, costumava aproveitar ligações erradas que caíam no seu fone, para uma brincadeira absolutamente mórbida, sob teor de humor negro, embora eu reconheça que fosse criativa.
Claro que a reação de estupefação da senhora estranha, foi total, a responder-lhe, desesperadamente do outro lado, que -"não era possível, pois falara com o Hugo, ontem"...
É óbvio que não aprovo uma brincadeira desse nível, pelas razões evidentes que se possa imaginar. Por ir muito além do mau gosto, poderia gerar consequências incalculáveis, inclusive a provocar um choque com desfecho terrível para quem pudesse acreditar em uma colocação falsa desse nível. Vale também para a brincadeira da ligação na madrugada, trote, ao trocar-se em miúdos, pois poderia assustar perigosamente pessoas que sempre associam telefonemas nesse horário, a tragédias.
4) E uma outra brincadeira coletiva que rendeu-nos risadas e euforia, não foi algo reprovável que escorregasse na ética, mas divertiu-nos muitas vezes. Foi a instituição de um "Hide and Seek" ("Esconde-Esconde"), brincadeira infantil que só era possível fazer por que a residência dos Gióia era bem ampla, e com muitos cômodos, tornava a busca pelos escondidos, muito mais difícil, ainda a somar-se ao fato de que era feita durante a madrugada, e com as luzes da casa, totalmente apagadas.
Era engraçado, mas acabou de uma forma tensa, pois muitas namoradas participavam também, mas em certo dia, um "buscador" apalpou a namorada alheia, e mesmo ao alegar que fizera-o no espírito da brincadeira, e só para tentar achar alguém na escuridão, claro que o namorado em questão não gostou, e decidiu-se que a brincadeira estava encerrada, aliás, definitivamente...
5) Outra história engraçada nessa época mais ou menos, ocorreu com o Rubens e o poeta, Julio Revoredo. Eu não estava presente, mas o poeta contou-me tal ocorrido. Estavam ambos no trânsito, certa vez com o Rubens à direção do automóvel, em meio a um grande engarrafamento em uma avenida paulistana. Parados no semáforo, Rubens olhava distraidamente pela sua janela lateral, quando um vendedor ambulante de bouquets de rosas, abordou o Julio, pelo lado direito, e ao querer oferecer o seu produto com ênfase, sugeriu que o Julio o comprasse para a sua “esposa” que dirigia o carro... bem, além de todos os dissabores, perigos, e desaforos que ouvíamos por sermos cabeludos na década de oitenta, em meio aos ataques xiitas da parte dos adeptos da mentalidade Punk/Pós-Punk de plantão, ainda havia a estupefação clássica vinda de incautos em geral com a questão de considerar o uso dos cabelos longos, como um paradigma de afirmação de gênero...
Bem encerro aqui essa arrolamento de fatos curiosos, e extramusicais ocorridos em 1984. No próximo capítulo, eu mergulho na narrativa sobre a nossa trajetória no decorrer do ano de 1985...
Uma simpática filipeta criada pelo "Anarca", uma banda da cena pesada oitentista, a enaltecer o trabalho de vários artistas que labutavam em prol do Rock autoral naquela época. Uma coincidência incrível, o endereço da caixa postal deles era na mesma agência onde tínhamos a nossa saudosa caixa postal 19090...
Como última colocação do capítulo, só reforço a ideia de que, apesar de algumas adversidades (o fato de eu dividir-me em duas bandas durante o primeiro semestre, alguns reveses - Danceteria Tífon, por exemplo - e a frustração perpetrada para arrumar e se perder um vocalista, em tão pouco tempo), o ano de 1984, foi muito bom para a nossa banda, em inúmeros outros aspectos.
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