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terça-feira, 12 de maio de 2015

A Chave do Sol - Capítulo 5 - Fomos para a TV e a Vida Começou a Mudar - Por Luiz Domingues


Feito o show de abertura para a Patrulha do Espaço na cidade de Limeira-SP, com grande sucesso para nós, ficamos eufóricos pela proximidade da nossa primeira apresentação na TV. 

Marcamos ainda um ensaio antes da gravação do programa, pois éramos muito dedicados, por que realmente não precisava, visto estarmos em ótima forma sob o âmbito coletivo e individual.

Foi então que no dia 12 de julho de 1983, uma terça-feira, nós chegamos durante o período da tarde no Teatro do Sesc Pompeia, localizado no bairro da Vila Pompeia, na zona oeste de São Paulo. Estava frio, ainda em uma época marcada por invernos rigorosos e bem definidos. 

Quando chegamos, fomos orientados a aguardarmos a nossa vez para realizarmos o soundcheck, e dessa maneira, esperamos no camarim para se evitar a aglomeração incômoda nas imediações do palco. Assim que fomos chamados ao palco para o soundcheck, tivemos uma ligeira indisposição com os técnicos do equipamento de PA e os técnicos da filmagem da TV Cultura.

Uma visão do palco do Teatro Sesc Pompeia, com a presença de público pelos dois lados, além da presença de um mezanino, com a presença de camarotes
 
Ocorreu que o Rubens levara o seu amplificador, e o Zé Luiz, a sua bateria, Tama. Evidentemente que seria muito mais conveniente para a nossa apresentação conter uma maior qualidade sonora, que o Rubens usasse o seu amplificador "Music Man", ao invés do amplificador "Palmer", disponibilizado pela produção. E ao usar a sua Tama, o Zé Luiz atuaria com total qualidade, ao invés de uma bateria, Gope, com qualidade inferior, e um tanto quanto desconjuntada, ainda por cima, dado o fato cabal que aquele instrumento disponibilizado pela produção, observava o uso coletivo e o desgaste dele era brutal e sem sinal de esmero na sua manutenção periódica, da parte dos seus responsáveis do almoxarifado nos estúdios da TV Cultura.

Aliás, tratava-se de uma bateria que estava em todas as produções musicais da TV Cultura, e não apenas usada para as gravações da "Fábrica do Som" e que infelizmente o Zé Luiz foi obrigado a usar em ocasiões posteriores. 

Bem, desta vez, nós driblamos a indisposição com os técnicos, que pelo óbvio motivo da preguiça, não queriam que usássemos os nossos equipamentos. Somente eu usei o amplificador de baixo, disponível no palco, mas sem prejuízo algum para o som d'A Chave do Sol, pois se tratara de um velho, "Duovox", que a despeito de ser uma marca nacional, timbrava muito bem, e o meu Fender Jazz Bass roncou forte. 

Passada essa indisposição, que aliás seria uma praxe doravante na minha trajetória musical (e que logo eu percebi ser algo comum em relação aos técnicos e assistentes de PA em geral, salvo raras exceções), fomos ao camarim para aguardar a chamada para o show/filmagem. 

Fatos engraçados aconteceram naquele camarim, conforme eu relatarei a seguir.

No camarim do Sesc Pompeia, fomos bem tratados pela produção do programa. E por serem pessoas simples e honestas, deram chance para inúmeros artistas desconhecidos, sem parentes importantes e dinheiro no bolso, como dizia o Belchior, aliás, o nosso caso.

Lembro-me mais detalhadamente de três pessoas: Pedrão, Cristiane Macedo e Marina. Futuramente, nós teríamos envolvimento profissional com uma dessas moças, mas eu relatarei tal fato, na cronologia adequada. 

Do camarim, ouvíamos o murmurinho das pessoas agitadas na fila para ingressar ao teatro. Naquela época, o programa, "A Fábrica do Som" já havia tornado-se uma febre na TV, e atraía um enorme público às dependências do Sesc Pompeia.

O fato é que havia um acordo entre a TV Cultura e o Sesc, para não se cobrar ingressos e com o volume crescente de tal demanda, eles foram obrigados a mudar a política, pois de um patamar com cerca de oitocentas pessoas que eram permitidas dentro do teatro, começaram a amontoar cerca de mil e quinhentas, com no mínimo mais quinhentas na rua, a tentar entrar à força, e invariavelmente o Sesc ser obrigado a chamar a Polícia Militar para coibir tumultos. 

Ali se apresentavam diversos artistas pequenos e medianos e muitos completo desconhecidos, meros aspirantes a ingressar na vida artística. Dentro do enorme camarim, a movimentação com o entra-e-sai de técnicos da TV, funcionários do Sesc, e do equipamento de PA locado para o evento, mostrava-se enorme. Das atrações arroladas para o nosso dia, só conhecíamos o pessoal do "Tonelada e seus Kilinhos", cujo vocalista era conhecido de adolescência do Rubens. 

No caso do "Tonelada", o seu som era baseado no modismo em voga do Rock satírico, com o objetivo de tentar achar uma brecha no mercado, no vácuo de artistas como: Leo Jayme, João Penca e seus Miquinhos Amestrados e até do Eduardo Dusek, artistas esses que surfavam nas ondas do BR-Rock oitentista, a usar tal recurso de linguagem via pilhéria. O Ultraje a Rigor os atropelaria a seguir com tal proposta, mas nesse momento, a banda de Roger Moreira & Cia. ainda não havia estourado para valer, porém estava na iminência disso ocorrer, via "Inútil", o seu sucesso inicial.

O excelente, "Duofel", artistas comprometidos com a música Folk, mediante um apuro técnico, inquestionável

Das outras atrações escaladas, conhecíamos o trabalho do Duofel, que se tratava de uma dupla de violonistas sensacionais, que realizavam um trabalho instrumental com alto nível, ao mesclar Jazz, música erudita e música de raiz brasileira, e a Tetê Spíndola, que era egressa do movimento: "Vanguarda Paulista". 

Fato engraçado é que uma famosa atriz que atuava em um programa infantil da própria TV Cultura, nessa época, perambulava pelo camarim e teve que usar o banheiro em anexo. Deve ter sido constrangedor para ela, pois eram aqueles reservados semi vazados, onde vê-se os pés e um pedaço do tornozelo das pessoas. Ela viu-nos a mirá-la, e chegou a demonstrar no semblante que cogitou desistir de usar o reservado, mas acredito que o problema fisiológico que precisava resolver era inadiável para ela naquele instante, e dessa forma, ela venceu a barreira do constrangimento e entrou.

Mas o Zé Luiz não resistiu e quando ela saiu, proferiu uma piada indireta. Acho que ela não ouviu, pois minutos depois, por ironia do destino, ela mesma incumbir-se-ia de entrevistá-lo, ao elegê-lo como o porta-voz da banda.  

Do camarim, ouvimos o público a adentrar nas dependências do Sesc Pompeia, e pelos gritos, sabíamos que lotaria completamente o teatro. Aliás, superlotaria, pois costumavam abarrotar, e dessa forma, abrigar muitas pessoas além da capacidade oficial. 

Então, fomos chamados enfim. A nossa bateria e o amplificador de guitarra já estavam próximos e foi rápido montá-los para a nossa performance, apesar da má vontade dos técnicos, que faziam sinais acintosos de descontentamento entre si, por conta de nossa exigência. Se dependesse deles, todo mundo tocaria no mesmo equipamento, e com o set up de equalização igual, tudo na base do flat para lhes facilitar o trabalho. Eram comodistas por excelência (evito usar outro termo mais adequado, para não pesar na narrativa), e pouco importavam-se com as necessidades técnicas diferenciadas, de cada artista.

Logo que entramos no palco e aprontamo-nos, foi possível sentir a expectativa no ar. Éramos ilustres desconhecidos do público, e tudo o que construíramos ao longo de nove meses de trabalho, a despeito de "pequenas grandes" vitórias que tivéramos até então, nada representava aos olhos do grande público. 

Começamos com "Utopia". Tratava-se de um Rock simples, com melodia e letra com teor bem Pop, e poucas firulas (mas elas existiam, conforme o leitor pode conferir no vídeo que exemplifica a narrativa e exibido, abaixo). 

A performance d'A Chave do Sol para a música: "Utopia", em nossa primeira aparição no programa "A Fábrica do Som". Filmado no dia 12 de julho de 1983 e colocado no ar pela TV Cultura de São Paulo, em 16 de julho de 1983.

Eis o link para assistir no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=YfBvb6ql8HI

Assim que se encerrou a execução da canção, fomos muito aplaudidos, e arrancamos alguns gritos mais efusivos. Um sujeito da plateia, chegou a provocar-me, mas de uma maneira, leve. Eu estava a fazer uso de um macacão ao estilo "jardineiro", e na última hora, no camarim, resolvi tirar a camiseta que usava por baixo, e fui apresentar-me assim, e para incrementar, ainda inventei de usar um cachecol enorme, enrolado no pescoço, a contribuir para tornar o meu figurino, exótico.

Foi então que ouvi um grito, cujo autor da frase, não identifiquei, visualmente. O elemento gritou: -"aí, seu lagartixa"...

Certamente que ele fez referência, ao fato de eu estar absolutamente alvo, sem nenhuma graduação de bronzeamento. Entretanto, eu relevei sob bom humor e não achei ofensivo ou desdenhoso da parte dele. Por sorte não tornou-se viral. Não que eu ofendesse-me se aquilo tornasse-se uma epidemia de pilhérias, ou mesmo um coro mais provocador, como uma palavra de ordem. Mas poderia ser desastroso para o andamento da nossa apresentação, no sentido do desvio de foco. 

Se houvesse acontecido, poderia ter atrapalhado-nos e muito, ao não permitir que as pessoas pudessem prestar atenção na nossa música. A apresentadora, Silvana Teixeira, que eu já mencionei anteriormente, fez a seguir uma micro entrevista, ao escolher o Zé Luiz para falar, provavelmente por ele ter sido o vocalista da música, "Utopia", e naturalmente as pessoas em geral tendem a achar que quem canta, é o líder da banda. Contudo, sem queixas, pois éramos abertos e democráticos, e assim, todos falavam sem problemas, em qualquer entrevista.

A segunda música que tocamos, foi: "Crisis (Maya)". Nesta altura, o público já estava conquistado. Enquanto eu tocava, olhava para todos os lados, e via pessoas a dançar, tocar instrumentos imaginários, sorrir e a bater palmas, enfim, muitas reações diferentes de pessoa para pessoa, mas o importante foi que estávamos a provocar essas reações positivas. 

Por ser um tema muito mais complexo do que o anterior ("Utopia"), percebi que o público, sob uma forma progressiva, inflamava-se. As convenções e o arranjo individual de cada um de nós nessa música, bem preenchida por ricos desenhos rítmicos e melódicos, começou a impressionar a plateia, que era formada em sua maioria por amantes de Rock setentista, fãs do Raul Seixas etc.

Apesar do programa ser o berço de inúmeras bandas das estéticas então consideradas "modernas", oriundas do pós-punk, e demais derivados dessa tendência, o público ali presente, foi formado essencialmente por hippies anacrônicos, seguidores de Raul Seixas etc. Dessa forma, o nosso som caíra como uma luva, pois tocávamos na contramão da estética vigente, e a sua ruindade musical inerente e indecente em muitos casos.

A partir do solo, a guitarra Fender Stratocaster, do Rubens, foi prejudicada pela queda da afinação, generalizada. Ele abusava (ainda bem!), do uso de alavanca, "Hendrixiano" que sempre foi, mas isso causava sempre um dano à afinação, certamente. Na parte final, onde ele tocou diversos acordes sob influência jazzística, isso ficou evidenciado. Contudo, mesmo assim, a performance foi boa, e o público gostou muito. 

Notamos um certo desconforto dos produtores da TV, entretanto, com o tamanho da música, naturalmente por avaliarem que tocaríamos três músicas do tamanho semelhante à da canção anterior, "Utopia".

Isso explica o fato de que na edição da TV, só ter sido exibida, a música,"18 Horas", outra, mais longa ainda. Mas também concordo que foi a melhor da nossa performance no dia, e a que provocou a maior reação, conforme eu relatarei a seguir.
A nossa performance para "Crisis (Maya)", em nossa primeira aparição no programa "A Fábrica do Som". Filmado em 12 de julho de 1983, no teatro do Sesc Pompeia, em São Paulo. No ar, pela TV Cultura de São Paulo, em 16 de julho de 1983.

Eis o Link do vídeo de "Crisis (Maya)", no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=ulOWgEvvl44

Contudo, eu devo observar que o público pôs-se a reagir sob um efeito de crescendo. Antes de executarmos a primeira nota de "Utopia", o sentimento fora de uma profunda incógnita, estampada naqueles rostos. Mas após "Crisis (Maya)", já estavam ganhos. Porém, ao final de "18 Horas", avançamos muito, pois configurou-se como uma ovação e sinceramente, por essa não esperávamos.

Enquanto o Rubens tratou de afinar a sua Fender Stratocaster, o apresentador do programa, Tadeu Jungle entreteve o público, que nessa altura, já estava muito simpático para com A Chave do Sol, após termos quebrado o gelo inicial. E mais que isso, havíamos arrancado muitos aplausos e gritos com a execução das duas músicas anteriores, "Utopia" e "Crisis (Maya)". 

Assim que o diretor autorizou, o Tadeu Jungle anunciou mais uma música nossa.

Eu iniciei o riff de "18 Horas", que começa com o baixo, como todo mundo que conhece essa música, bem sabe. Está bem claro no vídeo, eu estava sorridente e tranquilo, pois sentia o público bem favorável e estava confiante, por que a banda estava bem ensaiada e não apenas eu, mas os dois outros membros do nosso trio, estavam super seguros, também.
À medida que avançávamos na música, eu olhava para a plateia, e via nos semblantes a euforia a tomar conta das pessoas. O que fora uma recepção boa no início, aumentou a sua graduação rapidamente e sendo assim, já na metade da música, pessoas dançavam, batiam palmas etc. Inclusive no vídeo, há vários flagrantes nesse sentido, bem explorados pela edição da TV Cultura.

Chegou o momento do meu solo. Usei o máximo das possibilidades da câmera móvel que acompanhava-me, de muito perto. O cinegrafista empolgou-se com a minha movimentação frenética, e eu entrei na intenção dele, também, ao perceber que ele fazia movimentos ousados com a câmera, a visar enquadramentos nada usuais. 

Encontrei-me com o meu pai alguns dias depois da exibição na TV, e ele, por não querer reconhecer os meus avanços, pois não aprovava a minha insistência em querer ser músico, mas nitidamente orgulhoso, limitou-se a dizer que eu devia fazer menos caretas na TV, enquanto tocava. Bem, realmente ao examinar o vídeo, acho que exagerei um pouco, entretanto... eu tinha vinte e três anos de idade, carregava um esforço marcado por sete anos para chegar em um momento daquele, e por sentir a banda a explodir, e com o público a responder na mesma sintonia, empolguei-me também, naturalmente.

Realmente, impressionar as mil e quinhentas pessoas ali presentes no teatro do Sesc Pompeia, foi muito importante, mas levávamos em conta que havia também a cúpula da TV Cultura, com todos os produtores d'A Fábrica do Som ali envolvidos, também, para impressionarmos. Isso sem contar jornalistas de outros órgãos, "olheiros" de gravadoras que sabíamos que miravam tal programa, profissionais envolvidos com produção musical etc. E milhares de telespectadores, pela TV, a grande massa que haveria de fazer a diferença para nos tirar do anonimato total. 

Como eu falei anteriormente, enquanto tocava, pensava o quanto seria importante causarmos uma boa impressão aos telespectadores.
Claro, não teria o mesmo impacto caso fosse uma atração da Rede Globo em termos de audiência massacrante, mas mesmo nos padrões modestos da audiência da TV Cultura, seriam (e foram) milhares de pessoas a assistir-nos...

Após o solo do Zé Luiz, veio a parte mais densa da música, quando o Rubens soltou todos os seus bichos "Hendrixianos" das jaulas, com um solo pesado, e da pesada. Embora não fosse do seu feitio movimentar-se, pois ele costumava tocar de forma estática, normalmente, na contrapartida ele tinha como fator surpresa, os seus trunfos malabarísticos.

Quando ele tirou a guitarra da postura normal, e solou com o uso de seus dentes, e também com o corpo dela às suas costas, enlouqueceu de vez o público. Testemunhei pessoas a pular, como se estivessem em uma arquibancada de estádio, a comemorar um gol. Foi uma explosão incrível de euforia, que extrapolara a mais otimista previsão que poderíamos ter feito.

Esperávamos fazer uma boa figura, mas essa euforia espontânea, surpreendeu-nos, e basta olhar o vídeo para verificar que nós três, membros da banda, estávamos boquiabertos com essa reação coletiva. 

Em um dado momento dessa explosão, dá para observar-se no vídeo, um rapaz a levantar-se no meio da plateia, com um gravador portátil em mãos. Foi um radialista da Rádio Cultura AM, que ao presenciar aquela reação efusiva, levantou-se rapidamente para chegar primeiro ao camarim, e entrevistar-nos.

Quando a música encerrou-se, grande parte do público levantou-se para aplaudir-nos, e um coro espontâneo, pediu por "bis". Não foi possível tocar mais uma música, e mesmo ao notar essa reação espetacular do público, a produção do programa apressou-se para sairmos, pois uma outra banda esperava para apresentar-se. Chegamos ao camarim a suar em píncaros, mas eufóricos. Assim, esbaforidos e suados, concedemos entrevista à Rádio Cultura AM.

O radialista, um rapaz chamado, Roberto, foi muito simpático conosco, embora tenha feito apenas as perguntas básicas que esperar-se-ia para um artista desconhecido e entre tais colocações padronizadas, questionou-nos sobre perspectivas para o lançamento de um disco. Naquela época, estávamos com uma perspectiva, em pauta, sim, mas ainda, a ser considerada remota. 

Falarei mais sobre isso, logo mais. Aliás, por falar em perspectiva para gravação, havia uma segunda alternativa, que pareceu-nos ainda mais utópica naquele instante, mas, curiosamente, veio a concretizar-se logo a seguir.

De volta ao momento da Fábrica do Som, digo que os produtores do programa cumprimentaram-nos, efusivamente. Saímos eufóricos do teatro Sesc Pompeia. 

E no dia seguinte, uma quarta-feira, eu tive o primeiro sinal de que aquele momento seria um divisor de águas para a carreira da banda. Dirigia-me ao ensaio, no horário habitual, quando um rapaz abordou-me na plataforma da estação Tatuapé, do Metrô. Ele perguntou-me se eu seria o baixista d'A Chave do Sol e ao ouvir a minha confirmação, ele cumprimentou-me e pediu um autógrafo. Se o programa nem fora ao ar ainda, só pode ter sido a manifestação de alguém que estivera in loco no teatro, durante a noite anterior e assistira a filmagem do programa.

Achei emblemático, contudo, e o que mais empolgou-me foi projetar que quando o programa fosse ao ar, no sábado subsequente, esse tipo de manifestação seria multiplicado sob uma proporção incalculável.

Então, esse programa foi mesmo o agente primordial a tirar-nos do anonimato, ao catapultar-nos para um degrau de visibilidade mínima no mercado musical, o suficiente para entrarmos enfim, na briga por um lugar ao sol e digo isso sem intenção piegas, ao usar um clichê surrado. Estávamos no campo de batalha da guerra, e em condições de lutar, finalmente! E quando o programa foi ao ar, isso confirmou-se, pois a nossa performance foi muito elogiada.
A edição oficial que a TV Cultura colocou no ar, contou com uma animação (mediante a ilustração de um foguete com ares infantis, todo colorido no meio da música, por alguns segundos). Mas nós conseguiríamos, através de um contato direto da produção, uma cópia com a filmagem bruta, sem tal intervenção, na sua edição também, além da filmagem das músicas "Utopia" e "Crisis (Maya)".
Assistimos a exibição na casa do Rubens, no sábado, 16 de julho de 1983. Duas horas antes, já tínhamos ouvido o programa especial da Rádio Cultura, com a entrevista concedida no camarim ao radialista, Roberto e a execução de "18 Horas" naquela emissora.
Portanto, já estávamos eufóricos pela ótima performance da banda, e pelos elogios do radialista, fora a entrevista, onde eu fui o que mais falei. Estávamos acompanhados dos familiares do Rubens, e de alguns amigos. Comemoramos a exibição, e ficamos muito contentes com o resultado sonoro e visual na tela da TV (apesar do foguetinho).
Este vídeo acima, é a da versão oficial que foi ao ar pela TV Cultura de São Paulo, no dia 16 de julho de 1983, a mostrar a nossa performance da música, "18 Horas", e conter a tal edição com o desenho animado inserido, que eu mencionei na narrativa
Bem, como eu já havia dito anteriormente, após essa aparição na TV, tudo mudou. Saímos da condição do anonimato para um começo de notoriedade. Um dos primeiros reflexos de que a nossa situação começara a mudar, foi que certas pessoas ligadas à produção d'A Fábrica do Som, comunicaram-nos alguns dias depois, que estavam a chegar muitas cartas na sede da TV Cultura, a elogiar-nos, a pedir informações ou simplesmente para solicitar que A Chave do Sol aparecesse mais no programa.

Isso animou-nos muito, evidentemente. Mas estávamos desestruturados para capitalizar essa oportunidade com as duas mãos, naquele instante. Por exemplo, em plena Era pré-Internet, como o é hoje em dia, nem tínhamos uma caixa postal de nossa propriedade, exclusiva para começar a centralizar essa popularidade crescente em nossas mãos e fazer com que isso tornasse-se um caldeirão de oportunidades, sob o nosso inteiro controle.  

A nossa percepção sobre tal providência a ser adotada em regime de urgência só foi aguçada, quando recebemos essa informação sobre as cartas a serem endereçadas para a sede da TV Cultura, e não diretamente para nós.

Outro fator crucial e óbvio, foi por não termos tido um empresário astuto o suficiente para aproveitar o ensejo com todas as possibilidades. Se tivéssemos alguém minimamente estruturado, a representar os nossos interesses, teríamos vendido muitos shows, para aproveitar esse embalo inicial.  

Mas como não tínhamos nenhum apoio gerencial, essa primeira aparição n'A Fábrica do Som, foi fantástica pela repercussão e visibilidade, mas mudanças realmente significativas para a nossa banda, só começariam a ocorrer algum tempo depois.  

Paralelamente, houve uma esperança para gravarmos um álbum, com um contato fonográfico a vista. 

Tratou-se de um contato travado pelo pai do Rubens, que conhecia executivos de uma gravadora chamada: "Copacabana".  

Tratava-se de uma gravadora muito dispare em relação ao nosso espectro artístico, por que praticamente só lançava artistas popularescos no mercado, entretanto, nós não poderíamos desprezar a boa vontade do pai do Rubens, e naquela época, seria muito importante lançarmos um disco, o mais rápido possível, exatamente para capturar essas oportunidades que estavam a surgir para nós.  

Uma reunião foi realizada entre o pai do Rubens (o saudoso, Dr. Rafael Gióia Junior), com alguns executivos dessa gravadora, e o próprio Rubens, foi quem levou o nosso material em mãos, a representar-nos. Claro, nessa época, o material era fraco em termos de portfólio, por não avançar além de algumas poucas fotos, parcos recortes de jornais e filipetas, além de gravações caseiras de nossas músicas, através de uma fita Demo, muito simplória. O nosso maior trunfo foi evidentemente a cópia de nossa primeira aparição triunfal n'A Fábrica do Som, muito recentemente.

Entretanto, era uma gravadora com intenção diametralmente oposta à nossa. Ali trabalhavam com cantores popularescos, boleros cafonas, Pop vagabundo para mascarar apelação sexual, discos infantis, enfim, esse era o mundo da "Copacabana" e mesmo por ter em seus executivos, amigos leais do pai do Rubens, eles recusaram-nos.

Todavia, eu vou ser sincero, aqui. Apesar de estarmos a precisar de um disco lançado, com urgência para impulsionar a nossa carreira e aproveitar a maré positiva, pós-A Fábrica do Som, na realidade nenhum de nós três membros da banda realmente queríamos ter um disco lançado em uma gravadora daquele espectro artístico, exatamente sob a pena de ficarmos estigmatizados.  

Uma outra solução fonográfica e bem mais compatível com as nossas metas, surgiria logo a seguir, nesse embalo conquistado após a nossa aparição no programa: A Fábrica do Som, conforme eu relatarei logo mais.

Ainda a falar sobre a gravadora, Copacabana, estávamos bem desconfiados, pois além de ser constrangedor para nós, ainda vivia-se um tempo onde as gravadoras eram corporações que manipulavam o artista em 100%, a interferir em todo o conteúdo artístico, visual, áudio, estratégia e até na logística empresarial. 

Seria como vender a alma ao demônio, sem garantias para obter-se êxito assegurado e ainda pior, com a perspectiva em adentrar-se em um mundo popularesco, sem possibilidade de volta. Portanto, a negativa dos executivos de tal corporação foi até um alívio estratégico, mesmo ao levarmos em conta, toda a boa vontade do pai do Rubens em ajudar-nos naquele momento. 

E de fato, o Dr. Rafael, foi uma pessoa sensacional pelo seu apoio ao nosso trabalho, sempre disposto a auxiliar-nos. Mas logo a seguir, eis que surgiu uma nova oportunidade, bem melhor aos nossos anseios.

O Rolando Castello Júnior, baterista da Patrulha do Espaço, deu-nos a informação sobre a existência de um empreendedor, que era dono de uma loja de discos no centro de São Paulo, e que segundo ele, estava a gerir um pequeno selo independente, ao lançar muitos artistas novos, e outros não tão novos assim. Esse rapaz chamava-se, Luiz Carlos Calanca, e a sua loja, estabelecida dentro de uma Galeria, localizada na Av. São João, no centro de São Paulo, chamava-se: "Baratos Afins".

Note o leitor, que o conceito de "Galeria do Rock" ainda não existia em 1983, embora o Luiz não estivesse sozinho ali instalado, pois já naquela época, existiam outras lojas de discos a estabelecerem-se no local. 

E assim, quando fomos conversar com ele, Calanca, além do Júnior da Patrulha do Espaço ter feito a nossa propaganda, estávamos a colher os primeiros frutos da repercussão de nossa primeira aparição no programa, "A Fábrica do Som", portanto, o Luiz Calanca já sabia quem éramos, pois uma qualidade, o Calanca sempre possuiu: ser um produtor musical muito atento aos movimentos culturais emergentes. 

A primeira conversa que tivemos foi excelente, mas não definiu nada concretamente. Ele estava envolvido com recentes lançamentos, e dizia não ter como colocar-nos em estúdio imediatamente, exatamente por estar comprometido a gravar outros artistas, e portanto descapitalizado. Todavia, em um curto espaço de tempo, uma solução conciliadora surgiu, e viabilizou a nossa parceria com a Baratos Afins, fato esse, que relatarei em breve.

Enquanto isso, finalmente conseguimos marcar um show, para tentar capitalizar a enorme repercussão que a aparição na TV Cultura, houvera proporcionado-nos. Não seria em um lugar glamoroso, mas foi o melhor que pudemos fazer. 

Tratou-se de um bar, localizado no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, chamado: "Espaço Aberto". Era bem montado e bem localizado, embora naquela época, o bairro de Pinheiros detivesse pouca movimentação com casas noturnas, nada comparado à realidade de hoje em dia (2015), quando são centenas de casas ali espalhadas, muitas, com música ao vivo.

Para a nossa sorte, uma produtora da TV Cultura, que havia afeiçoado-se à nossa banda, inseriu um testemunhal a anunciar esse show ("Espaço Aberto Bar" em 6 de setembro de 1983), em uma edição d'A Fábrica do Som, às vésperas da data marcada, mesmo sem a nossa presença em tal atração em específico. 

No entanto, essa micro propaganda foi vital, pois quando nós chegamos ao estabelecimento para apresentarmo-nos, haviam muitos Rockers presentes na porta, ali para assistir-nos. Confesso que senti um tremendo calafrio, pois mesmo com o aviso rápido na TV, eu avaliei que isso por si só, não motivaria o interesse de muita gente, pois sob a dificuldade de um dia útil, no período noturno, e na porta de um bar sem tradição alguma com o Rock, aquele bando de cabeludos na calçada, só poderia ser um público interessado em ver-nos. E de fato, foi isso mesmo!

No borderô oficial, foram computados sessenta pagantes naquela noite, mas seguramente haviam mais de cem pessoas na porta. Muitos outros foram embora, no entanto, por que o couvert cobrado pela casa fora extremamente caro, e nós não pudemos evitar essa antipática atitude do estabelecimento, que ficou irredutível nessa postura de cobrar caro. 

Nesses termos tais pessoas que foram embora, ficaram frustradas, mas não pudemos fazer nada para impedir isso, infelizmente. Fizemos um show bom, mas eu particularmente sofri um abalo pessoal naquela noite. Esse fato já está contado com detalhes, no capítulo do Língua de Trapo.

       Pituco Freitas & Laert Sarrumor, em foto bem mais atual  

Aqui, resumidamente, eu conto que em meio à multidão de cabeludos que estavam na porta, avistei dois velhos conhecidos: Laert Sarrumor & Pituco Freitas, membros do Língua de Trapo.
Nessa noite, eles foram lá, deliberadamente para formalizar-me um convite: queriam que eu voltasse a ser integrante do Língua de Trapo, pois haviam brigado e rompido com o baixista, Luiz Lucas.

Eu, Luiz Domingues, Laert Sarrumor, Guca Domênico e Paulo Estevam Andrade, em um show dos primórdios do Língua de Trapo, em agosto de 1979

Foi curioso, pois eu deixara a banda em 1981 e o Luiz Lucas foi o baixista que substituiu-me. Agora, trocaríamos novamente. Começaria aqui um período difícil para A Chave do Sol, pois eu não tive outra alternativa a não ser aceitar fazer parte das duas bandas, simultaneamente, por que o Língua de Trapo havia crescido muito e naquele momento, ostentava uma agenda semelhante à das duplas sertanejas dos dias atuais (2015), com muitos shows e exposição na mídia, portanto, tratou-se de um convite irrecusável. 

A Chave do Sol estava em vias de ascensão, mas ainda não permitia-me uma segurança financeira, satisfatória. Sob o ponto de vista do Língua de Trapo, eu já comentei tais fatos no capítulo específico dessa banda, a esmiuçar a minha volta a tal banda. Farei o mesmo aqui, naturalmente pelo ponto de vista d'A Chave do Sol. 

Fora tal fato inusitado que mexeu com o meu emocional, foi um bom show esse que fizemos no "Espaço Aberto", em 6 de setembro de 1983, com aqueles sessenta Rockers presentes, a sair desse estabelecimento somente a lamentar o verdadeiro ataque desferido pela casa, aos seus respectivos bolsos...

Claro que quando eu revelei sobre essa proposta do Língua de Trapo, para o Rubens e Zé Luiz, os colegas ficaram chocados e bem chateados. Ficaria óbvio que a nossa rotina de ensaios, e a agenda, sobretudo, seria prejudicada, pois o Língua de Trapo vivia uma situação profissional muito melhor do que a nossa. 

E em meio àquele choque inicial, ninguém poderia apostar que eu não fosse seduzido por essa situação e A Chave do Sol, seria prejudicada, pura e simplesmente. Não que eu fosse insubstituível, longe disso, mas uma eventual saída minha, provocaria um atraso nos planos da banda, que vivia um tempo de expansão franca, após a primeira exibição na TV que tivéramos.

Mas enquanto eu apenas começava a ensaiar com o Língua de Trapo, ainda esforcei-me ao máximo para não prejudicar, A Chave do Sol. Foi uma fase cansativa demais, pois eu saía do ensaio do Língua de Trapo, por volta das 18 horas, e dirigia-me ao ensaio d'A Chave do Sol, que iniciava-se às 19 horas e prolongava-se até às 22 horas em ponto, em todos os dias úteis da semana. 

Claro, contei com o apoio do Zé Luiz, que cedeu-me carona, diariamente, visto que ele morava no bairro de Pinheiros, e sendo por sorte, no mesmo bairro onde o Língua de Trapo ensaiava. E além do mais, eu tinha vinte e três anos de idade, e com essa idade, nenhum desconforto derrubaria um homem jovem com vontade para trabalhar e ainda mais tão empolgado com as perspectivas, a potencializar a minha força interna. 

Alguns dias depois de cumprirmos esse show no "Espaço Aberto", recebemos um telefonema oriundo da direção do programa "A Fábrica do Som": queriam que voltássemos ao programa, para mais uma apresentação, a ser gravada ao final de setembro de 1983. Seria um programa especial, para homenagear a persona de Jimi Hendrix, por ocasião de sua data de falecimento (treze anos sem Hendrix, na ocasião). Ficamos eufóricos, e claro que aceitamos o convite imediatamente. Foi uma prova cabal de que estávamos a galgar degraus muito rapidamente, e que não poderíamos desperdiçar mais uma chance de divulgação maciça, como a TV. 

Nessa mesma época, saíra uma reportagem enorme na extinta revista: "Manchete", a retratar o dito "Boom" do BR-Rock em 1983. Várias bandas dessa cena no mainstream, foram fotografadas juntas, sob o cenário do Monumento das Bandeiras, próximo ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Lembro-me bem da presença dos "Paralamas do Sucesso", "Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens", "Barão Vermelho" e "Lobão & os Ronaldos", nessa foto. Houveram outros, mas lembro-me melhor desses que eu citei.

Com essa revista em mãos, lembro-me bem que eu disse aos colegas, Rubens e Zé Luiz, que precisávamos tirar o tempo perdido e não deixar essa turma distanciar-se de nós. Ensaiaríamos o melhor que podíamos, devido ao fato de eu ficar dividido com o Língua de Trapo, e assim a aproveitar o meu tempo e dedicação, para prepararmo-nos bem. 

E assim, no dia 27 de setembro de 1983, subimos mais uma vez ao palco do teatro do Sesc Pompeia, para participarmos de mais uma gravação do programa: "A Fábrica do Som".

O teatro estava absurdamente cheio e houve tumulto na porta, com mais pessoas a desejarem entrar. Foi uma adrenalina absurda, mas desta vez estávamos ainda mais confiantes. A experiência adquirida na primeira exibição, deixou-nos muito mais seguros, principalmente pela reação esfuziante daquela ocasião, mas também pelo fato da cúpula do programa ter afeiçoado-se à nossa banda. A primeira música que tocamos foi: "Átila". 
A nossa performance a interpretar a música: "Átila", durante a nossa segunda participação no programa, "A Fábrica do Som", da TV Cultura de São Paulo. Filmado em 27 de setembro de 1983 e exibido na grade da TV Cultura, em 1º de outubro de 1983

Eis o link para assistir no YouTube: 
http://www.youtube.com/watch?v=mXUqywOna-U   

Tratava-se de um tema instrumental e pesado, quase um Hard-Rock clássico, mas mediante o uso de diversas convenções de baixo e bateria, bastante ousadas, ao estilo do Jazz-Rock setentista. Tocamos com muita energia tal canção e enquanto eu tocava e esforçava-me para ter uma mise-en-scène a mais frenética que podia, olhei fixamente para toda a plateia, e em um dado momento de minha panorâmica, encontrei um rosto conhecido na multidão, que veio a ser de João Dinola, irmão do Zé Luiz.

Eu conhecia o João muito bem, e sabia que ele era um rapaz tranquilo no trato cotidiano, mas quando o fitei, notei que ele estava com uma expressão facial a denotar espanto e que muito impressionou-me. Isso por que eu sabia que o João já havia nos assistido a tocar várias vezes, e que tinha consciência do nosso potencial, mas dessa vez, ele surpreendeu-se com a nossa performance, a tocar com a pressão de um PA de grande porte, com um teatro abarrotado, TV a filmar, e com tudo isso somado, a gerar-se uma adrenalina absurda ali naquele teatro. 

Horas depois, ele mesmo disse-me que esteve mesmo boquiaberto com a nossa performance e que ali tivera a impressão que nós iríamos explodir em grande escala, dali em diante. 

Após a execução da música, "Átila", a adrenalina estava a mil por hora. Passado o intervalo pedido pelos técnicos, iniciamos a execução da segunda música da noite: "A Dança das Sombras".
Tratava-se de um tema instrumental, com duas partes distintas.
Na primeira parte, com um ritmo "swingado", na onda do Jazz-Rock sob acento funk, típico da metade dos anos setenta. 

A nossa performance a executar a canção: "A Dança das Sombras", em nossa segunda aparição no programa "A Fábrica do Som", da TV Cultura de São Paulo. Filmado em 27 de setembro de 1983 e exibido na grade da TV Cultura, em 1º de outubro de 1983.

Eis o link para assistir no YouTube: 
http://www.youtube.com/watch?v=kgAM_PHm7V8  

O Zé Luiz começava a nossa performance, a introduzir o ritmo "swingado", e logo de início o público embarcou, com muitas pessoas a acompanhar-nos com batida de palmas, e outras a dançar pelos corredores do teatro. Em um determinado ponto, fizemos uma convenção preparatória e mudamos radicalmente o ritmo e andamento, ao acelerarmos para um Blues-Rock com sentido jazzístico, com bastante liberdade de improviso, porém, com convenções estratégicas ao longo do tema, o tempo todo. 

Dessa forma, nós evoluímos bem, pois estávamos absolutamente seguros, com muito ensaio, e a única preocupação fora estabelecer uma mise-en-scène muito marcante, para realçar a performance. 

Claro, dentro de nossas características, pois o Zé tinha uma presença espetacular, mesmo ao ser um baterista e portanto a estar limitado fisicamente por conta de sua função. Eu esforçava-me para tocar freneticamente, e o Rubens tinha aquele estilo dele, a permanecer estático. Ele só foi começar a soltar-se mais a partir de 1984, para frente, mas naquele instante no palco do Sesc Pompeia, ele tocava circunspecto, como o John Entwistle, com o "The Who". 

Todavia, para compensar a sua postura imóvel, ele tinha como fator surpresa, os seus malabarismos "Hendrixianos". E nesse momento, chamou tanto a atenção que invariavelmente provocou picos de euforia na plateia. Era sempre uma arma secreta nossa, a mais, sem dúvida.

O final da música foi triunfal, com o público a reagir da mesma maneira como que na nossa primeira exibição, três meses antes, ou seja: com ovação, a pedir bis, e com muita gente a aplaudir-nos em pé. 

O efeito promocional que essa segunda apresentação causou-nos, foi incalculável. Dali em diante, a nossa popularidade aumentou muito, e mais para frente eu falarei sobre notícias vindas de outras cidades e estados, pois a TV estava a expandir-nos, nacionalmente. 

Mas ainda preciso falar sobre essa noite da gravação. Quando chegamos ao camarim, um misto de euforia e preocupação estava delineado nos rostos das pessoas responsáveis pela produção do programa, ou seja, alheios ao nosso sucesso no palco. Um artista havia faltado, e isso haveria por gerar uma lacuna no cronograma deles.

Dessa forma, fomos quase intimados a realizarmos uma jam-session com uma outra banda, no palco. Se a outra banda tocasse mais uma música deles, não teríamos ficado chateados. E se deixassem-nos tocar mais uma, tínhamos várias músicas como opção, e teria sido um prazer, além de ter sido mais uma oportunidade para divulgar o nosso trabalho. Mas o pessoal da produção insistiu nessa ideia em nós tocarmos juntos com uma outra banda, o que foi uma grande bobagem, para ambas, e certamente para o programa, também.

E assim, fomos para o palco novamente, junto com a banda: "Arara de Neon". Os rapazes haviam apresentado o seu som, anteriormente, e pelo o que eu pude observar dos bastidores, eram bons músicos. A área de atuação deles posicionava-se próxima ao Reggae, com uma nítida intenção, Pop. Tal banda apresentava uma característica moderna (oitentista, bem explicado), mas não eram fechados ideologicamente com aquela estética, aparentemente, pois o seu visual (e postura) era bem despojado, por não adotar nenhuma marca que caracterizasse-os fortemente ao pós-punk, new wave ou quaisquer outras escolas oitentistas. Pareciam "desencanados", para se usar uma gíria da época.

Ali em cima do palco, combinamos tocar a canção: "Johnny B. Good", do Chuck Berry. Por ser um clássico do Rock, com harmonia quadrada sob três acordes, e pouca possibilidade para alguém cometer erros. 

Então, lembro-me do baterista deles, ter sugerido ao Zé Luiz, que este tocasse bateria, enquanto ele ficaria na percussão. Ele era o único músico que eu conhecia daquela banda ao menos de vista, e chamava-se, Alaor (não lembro-me de seu sobrenome, mas antes que especulem, não é o Alaor Neves, que é meu amigo e este eu conheço bem, evidentemente). 

Eu combinei com o baixista dessa banda, que eu tocaria nas partes mais graves, e ele ficaria na região aguda. Eu disse-lhe que faria escalas de Rock, ao assegurar a linha básica de baixo, e ele poderia ficar livre para fazer frases soltas. E o guitarrista deles, combinou rodízio de solos com o Rubens.

E assim nós tocamos. Não foi um desastre, mas foi nítido o desconforto, pois os rapazes deviam ter outra escola de música, e o Rock não era exatamente confortável para a sua formação. 

Essa jam-session fora de propósito, foi ao ar. Ninguém ainda postou no YouTube, ao menos que eu saiba, mas oportunamente eu poderei fazê-lo. Só não o fiz ainda, por que a qualidade da imagem VHS, que eu possuo, não está um primor e essa performance é certamente algo que não acrescenta nada à memória d'A Chave do Sol, só a justificar-se mesmo, por tratar-se de um material curioso. 

O lado bom por ter participado disso, foi que ganhamos mais alguns pontos no conceito do pessoal da produção, e aliado ao sucesso evidente que fizéramos perante o público, tanto ao vivo, quanto no conceito dos telespectadores (muito mais cartas chegaram à TV Cultura, ficamos a saber), selamos assim, a nossa participação no programa especial de um ano de Fábrica do Som, a ser gravado no mês posterior, novembro de 1983. 

Para encerrar, acrescento que novamente concedemos entrevista à Rádio Cultura AM, que cobria o programa e transmitia um compacto dos melhores momentos aos sábados, antes da transmissão da TV. Mais uma vez o repórter perguntou-nos sobre o disco a ser lançado, e desta vez nós estávamos com uma perspectiva concreta, enfim. Uma ideia que estava por amadurecer rapidamente, culminou em firmar-se ao final de 1983, mas eu falarei sobre isso, posteriormente.

E logo após a nossa participação pela segunda vez no programa "A Fábrica do Som", a repercussão foi muito grande e assim sendo, a produção do programa convidou-nos a participarmos da festa de aniversário de um ano dessa atração musical, da TV Cultura.

Seria uma edição especial e gravada fora do seu palco tradicional do Sesc Pompeia, mas sim no "Circo Mágico", um picadeiro montado no estacionamento do complexo de exposições e espetáculos, Anhembi, localizado na zona norte de São Paulo.

Lógico que aceitamos sem relutar, pois foi o reconhecimento de que A Chave do Sol representava, sem dúvida, uma das mais citadas bandas emergentes naquele universo que girava na órbita d'A "Fábrica do Som". E isso foi muito significativo, pois ali também tocaram diversos (para não dizer, todos), nomes do BR-Rock mainstream, oitentista.

A Fábrica do Som, ajudou a catapultar as carreiras de artistas como: "Titãs", "Ira", "Ultraje a Rigor", e outras tantas bandas daquela cena oriunda da cena do Pós-Punk/New Wave e que tais. 

E fora essa euforia pela confirmada terceira aparição, estávamos a todo vapor a ensaiar e compor, a respeito do baque psicológico que foi para A Chave do Sol, o fato de eu ter voltado ao Língua de Trapo, para manter-me simultaneamente nas duas bandas. 

Como eu já expressei algumas vezes, isso gerou conflitos nos meses subsequentes, para as duas bandas, e eu senti-me no meio do fogo cruzado, pois precisava do emprego no Língua de Trapo, e também tinha meus laços afetivos com aquela banda, por ter sido membro fundador, manter uma parceria com o Laert Sarrumor desde os meus primórdios na música, e também gostar bastante do trabalho. 

Entretanto, o próprio Laert sabia que o meu objetivo maior sempre foi o Rock, e portanto, A Chave do Sol representava a minha esperança nesse sentido.

Enfim, foi uma fase em que administrei melindres, durante as 24 horas do dia. 

De volta ao relato sobre A Chave do Sol, digo que apesar desse clima constrangedor gerado pela minha situação pessoal, estávamos muito felizes e sob um momento de intensa criatividade. Músicas novas não paravam de serem criadas, e nem só de longos temas instrumentais, nós vivíamos. Aliás, nós nunca tivemos essa determinação fechada. Os temas instrumentais que tornaram-nos conhecidos pelas aparições na TV, foram nuances do nosso repertório, e não a sua essência definitiva. 

Portanto, nessa época, tínhamos canções com melodia e letra, muito interessantes e que culminaram em nunca serem gravadas e pouco, ou mesmo nunca, executadas ao vivo, infelizmente. Lembro-me que nesse final de 1983, tínhamos uma música que eu gostava muito, chamada: "Superstar", por exemplo. Era uma canção que lembrava-me demais o som do "The Kinks", e continha uma letra interessante, que fazia uma irônica crítica às pessoas que desejavam serem famosas, sem, no entanto, possuírem substância nenhuma para tal. Cáspite! 

Estávamos em 1983, e como isso piorou tempos depois, com programas de TV que tem essa proposta idiota, como mote!

Uma outra canção que eu gostava demais, era: "Vestido Branco". Salvo engano, foi a primeira letra fornecida pelo poeta, Julio Revoredo, que musicamos. Se tratara de uma canção muito balançada, sob forte acento da Soul Music clássica, com "groove" de baixo e bateria, que remetia ao "Vanilla Fudge". 

Uma pena mesmo, mas nem "Vestido Branco", tampouco "Superstar", foram gravadas ou executadas ao vivo, para que eu pudesse ter ao menos uma cópia preservada em uma simples fita K7, hoje em dia. Para não dizer que não há registro algum, existem pequenos fragmentos oriundos de ensaios, com tais canções, mas creio não ser adequado lançar no YouTube, pois realmente são trechos minúsculos, e que não conseguiriam passar a ideia, mesmo que pálida, de como eram tais trabalhos. 

E mais uma canção nova que preparávamos, foi: "Reflexões Desconexas". Tratava-se de uma música com forte apelo Prog-Rock, mas com elementos da MPB, muito interessantes, principalmente na inserção de backing vocals onomatopaicos, criados pelo Zé Luiz, e que, aliás, sempre foi um arranjador nato.

Esta peça se posicionava na linha de "Intenções", e cheia de convenções, ritmos quebrados, e outras ousadias instrumentais. Na sua letra, essa canção expressava uma complexa reflexão subjetiva, quase a sugerir uma intervenção psicanalítica.

Antes de falar sobre a terceira apresentação no programa, "A Fábrica do Som", farei um parêntese para falar de dois fatos paralelos.
Um deles, a se tratar de uma pequena explanação sobre o poeta, Julio Revoredo, nosso grande parceiro e incentivador incansável.

                    O poeta, Julio Revoredo, em foto de 2001

Eu (Luiz Domingues), e o poeta Julio Revoredo, em foto de julho de 1984. Detalhe: ele estava a usar uma camiseta a conter a estampa com o primeiro logotipo d'A Chave do Sol. Ambas as fotos são do seu acervo particular, e sob a cortesia do próprio, poeta.

Conhecemos o poeta, Julio Revoredo no dia da primeira apresentação oficial da banda, 25 de setembro de 1982. Ele apareceu no Café Teatro Deixa Falar, conduzido por um amigo em comum, meu e dele, chamado: Wagner.
Wagner "Sabbath", o rapaz que apresentou-nos o poeta, Julio Revoredo. Foto do acervo e cortesia do poeta, Julio Revoredo.

Mas o curioso, foi que o Julio já havia assistido-me tocar ao vivo no ano de 1981, pois o Wagner era um admirador da minha banda de covers, com a qual atuei entre 1979 e 1982, chamada: "Terra no Asfalto" (cuja história completa está disponível neste Blog, naturalmente).
Outra foto do poeta, Julio Revoredo e eu, Luiz Domingues, com ele a exibir a capa de nosso compacto, lançado em 1984. Acervo e cortesia de Julio Revoredo 

Mas só conhecemo-nos efetivamente, a partir da formação d'A Chave do Sol, quando eu tomei conhecimento de seu talento literário, e tornei-me um admirador de sua obra. Portanto, em 1983, a nossa ligação de amizade com o poeta, Julio Revoredo, já estava muito forte, e assim, a nossa parceria artística, efetivamente consolidou-se, enfim.

Então, desde 1982, eu também já havia tomado contato com a sua produção poética e profundamente impressionado pela profusão e erudição de seus poemas, conversei com o Rubens e José Luiz, sobre aproveitar essa oportunidade extraordinária em possuirmos um amigo que era um grande poeta e entusiasta da nossa música, como um colaborador artístico, em parcerias efetivas. 

O Julio não era (é) só um poeta brilhante, mas também se mostrava com grandes conhecimentos em outros ramos da cultura e da arte, tais como o cinema, música em geral, e o Rock em específico, daí a nossa amizade ter solidificado-se de uma forma quase instantânea. Com muito conhecimento igualmente das artes plásticas (ele é também um artista plástico), literatura, e teatro, Julio ajudou-nos muito em diversas ocasiões, principalmente nos shows performáticos que faríamos em 1984 e 1985, ao mesclar elementos cênicos avant-garde, nos respectivos shows de lançamento do compacto, e do EP posterior (contarei tudo no momento oportuno, e há muitas histórias sobre os dois, efetivamente).

Fanático pelo "Cream" (famosa banda britânica dos anos sessenta), brincávamos que ele era o "Pete Brown do Brooklin" (Pete Brown foi um poeta que escreveu muitas letras para as músicas do Cream, e o Brooklin, é um bairro da zona sul paulistana, onde o Julio mora até hoje, 2015). 

Contentes com essa perspectiva, nós três e o Julio, começamos a trabalhar, ao musicarmos um poema dele, chamado: "Vestido Branco".

Aliás, esse poema fugiu um pouco às características normais de sua produção, pois foi feito por encomenda, pois normalmente ele dava-nos manuscritos de sua produção para musicarmos. 

Ponderamos que a sua produção era complexa, com erudição linguística e até com o uso de expressões em latim, sendo assim, pedimos algo mais coloquial pois estávamos com uma música nova em processo de elaboração, e ela seria algo mais centrada no universo Pop, do que os habituais números instrumentais que vínhamos a compor, com enfoque nas "firulas" do Jazz-Rock. 

Dessa forma, ele apresentou-nos a letra de seu poema: "Vestido Branco". Não foi muito difícil musicá-la, por encaixar-se muito bem naquela canção com forte apelo da Soul Music. Lembrava bastante o som do "Vanilla Fudge", cheio de swing de baixo e bateria.

Infelizmente, nunca a gravamos e por circunstâncias alheias à nossa vontade, nunca a tocamos ao vivo, igualmente.

O poeta, Julio Revoredo em foto de 1985, a usar camiseta d'A Chave do Sol, com o logotipo do nosso primeiro álbum e ao exibir a capa do segundo álbum da banda, o EP lançado nesse mesmo ano. Acervo e cortesia de Julio Revoredo

Recentemente eu achei uma fita K7 com ensaios dessa época e verifiquei, mediante decupagem, que só existem pequenos trechos, onde acertávamos detalhes de introdução, levadas de bateria etc.

Achei um trecho apenas da banda a tocá-la, mas de uma forma truncada e mesmo assim, com qualidade sonora, sofrível, o que inviabiliza a esperança para se montar um promo e lançar no YouTube. Salvo falha de minha memória, "Vestido Branco" foi a primeira parceria entre A Chave do Sol & Julio Revoredo, que foi prolífica, doravante. 

A seguir, abro um outro parêntese, desta feita para falar da histórica caixa postal 19090 -SP!

Sem empresário, produtor ou alguém que gerenciasse os nossos interesses de uma forma profissional, ficamos muito frustrados com a negativa da direção do programa, "A Fábrica do Som", em ceder-nos o volume de cartas que havia chegado à emissora, ao citar-nos. 

Se tivéssemos tido esse contato, naturalmente poderíamos ter capitalizado algo bom em nosso favor, mas perder esse "momentum", frustrou-nos. De outro lado, foi compreensível que a TV Cultura não fizesse isso, pois legalmente a se pensar, a correspondência pertencia-lhes e não haveria cabimento em fazer isso, e mesmo por camaradagem, seria um crime fornecer-nos a sua mala postal, ainda que essas pessoas estivessem interessadas em receber informações sobre nós. 

Além do precedente aberto, pois todo artista participante do programa sentir-se-ia no direito de pleitear a mesma regalia.

 
Então, nós tomamos a atitude que esteve às nossas mãos na época: abrimos uma Caixa Postal, onde passaríamos a ter um canal de comunicação direto com o público, a englobar fãs, admiradores, produtores de shows, discos ou responsáveis por quaisquer outras oportunidades afins.

O Rubens morava a cerca de cem metros de uma agência do Correio, e mediante a consulta prévia, descobrimos todas as obrigações que teríamos que cumprir no âmbito burocrático, e dessa maneira, tratamos de tomar tais providências. 

Exatamente igual ao caso do registro do nome no INPI, que ficou em nome do Rubens por que apenas uma pessoa física poderia assumir essa responsabilidade, no correio foi o mesmo, e mais uma vez o Rubens tornou-se proprietário, pois ele era o único morador do bairro, de fato. 

Mas na parte prática, fui eu que assumi a sua responsabilidade, pois tornou-se doravante a minha rotina diária, por anos a fio, passar na agência e verificar o movimento da caixa. No início, não, mas logo tornar-se-ia importante não faltar um só dia, pois em caso de falta, o volume acumulado mostrava-se significativo.

E sendo assim, o número "19090", tornou-se emblemático na vida da banda, por ser repetido como um "mantra", em diversas entrevistas de TV, rádio, shows ao vivo e publicações de jornais, revistas, cartazes e filipetas. "19090"... um número que marcou para nós, e para muita gente que gostava do nosso trabalho!

Para aproveitar ainda o parêntese, falo sobre Wagner "Sabbath", um agregado da banda que acompanhou-nos com bastante frequência nos primeiros tempos, e que apresentou-nos ao poeta, Julio Revoredo, como eu já salientei anteriormente. 

Ele era um rapaz que cultivara o sonho acalentado em sua alma, para vir a ser um vocalista de Rock. Queria isso a todo custo, e convenhamos, o seu sonho foi legítimo, pois todo mundo que entra para a música, é movido por essa mesma motivação onírica.

Wagner "Sabbath", em algum momento do início dos anos oitenta. Acervo e cortesia de Julio Revoredo

Ele começou a frequentar as apresentações do Terra no Asfalto (a minha banda cover de então, 1979-1982), em 1981. Lembro-me em tê-lo visto pela primeira vez, presente no bar 790, que ficava no Itaim-Bibi, bairro da zona sul de São Paulo. 

Bastante extrovertido, ele sempre pedia para ter uma participação em meio às nossas apresentações, por alegar ser cantor etc. e tal. 

Lembro-me até de uma ocasião em específico, quando o vocalista da nossa banda, Paulo Eugênio Lima, o deixou apresentar-se durante o intervalo de uma entrada da banda. Ele tocou a fazer uso de sua própria guitarra, uma Giannini, e cantou duas ou três músicas ("Paranoid", do Black Sabbath, "Smoke on the Water", do Deep Purple e "Cocaine", do JJ Cale). 

E vou registrar ao leitor: apesar de não saber nada a respeito de teoria musical, ele não decepcionou, não. Somente o seu inglês "macarrônico", depunha contra, mas a voz mostrara-se afinada, e ele tinha ritmo, noção de andamento etc. 

E assim, ao estreitar amizade, Wagner soube da fundação d'A Chave do Sol e esteve presente no primeiro show da banda, em 25 de setembro de 1982. E nesse dia, ele levou consigo também um amigo/vizinho seu, que tornar-se-ia um grande amigo e colaborador não só d'A Chave do Sol, como de outros trabalhos meus: o poeta, Julio Revoredo. 

Aliás, ambos contaram-me que o Julio assistira um show do Terra no Asfalto, portanto ele conhecia-me antes do que eu o conhecera, formalmente.

O poeta, Julio Revoredo, em foto de 1984. Acervo e cortesia dele próprio.

Vou falar bastante do poeta, Julio Revoredo doravante, pois ele tornou-se um parceiro importantíssimo como letrista, mas também testemunha ocular de diversas passagens de nossa carreira. 

E o Wagner "Sabbath" continuou com as suas investidas para ser vocalista oficial d'A Chave do Sol. Desde que viu-nos, a atuar com o Percy Weiss, ele já insistia em participações forçadas e testes. Esteve presente em várias apresentações nossas com a presença da Verônica Luhr, no comando de nosso microfone, mas nunca desistiu, e sempre pedia para cantar ao vivo, conosco, principalmente no Devil's Bar, que fora uma casa que mantinha um clima mais despojado para tal. E isso persistiu até meados de 1985, pelo menos!

Mas nem tudo foram flores nessa insistência dele e houve momentos de exagero nisso, histórias que relatarei, certamente no instante oportuno da cronologia. 

Falta um último parêntese para eu voltar a falar da terceira apresentação no programa: "A Fábrica do Som". 

Ocorreu que nesse ínterim, nós comemoramos o aniversário da banda, com um ano sob atividades intensas, através de uma festa produzida por nós mesmos, mas com característica de show, e de fato, o computamos como show oficial, pois houve público presente.

Antes de falar sobre isso, porém, depois de gravarmos a nossa segunda aparição n'A Fábrica do Som, na terça-feira, 27 de setembro de 1983, fizemos um novo show no Bar Espaço Aberto, na quinta posterior, dia 29. Desta feita, sem divulgar na TV, mediante um público bem mais modesto, com apenas trinta pessoas presentes no recinto. 

Depois disso, fomos ao ar pela TV, no sábado, dia 1° de outubro, com direito também à execução radiofônica na mesma tarde de sábado, pela Rádio Cultura AM, conforme houvera acontecido na nossa primeira exibição n'A Fábrica do Som, em julho. 

A participação na rádio constava sempre de uma entrevista e a execução de pelo menos uma música na íntegra, além de trechos de uma eventual segunda música, mas usada como "background" ("BG", no jargão dos radialistas). 

Ainda em outubro de 1983, tivemos vários acontecimentos interessantes, após a segunda aparição n'A Fábrica do Som. Por exemplo, participamos da edição de 1983, do Festival Fico, em uma eliminatória realizada no Teatro Objetivo.

A letra de "Luz", publicada no programa oficial do Festival Fico de 1983. O nome do rapaz, creditado como o "autor" da canção, está rasurado, propositalmente

Claro, não éramos estudantes de tal colégio, mas através de um conhecido da irmã do Rubens, que lá estudava, inscrevemos a música: "Luz", ao colocá-la em nome dele, que era aluno, e classificamo-nos para uma eliminatória.

Programa do Festival Fico, de 1977, onde eu concorri com o Boca do Céu

Eu havia tocado na edição de 1977, com a minha primeira banda, o Boca do Céu, mas agora, seis anos depois, seria uma situação muito diferente, pois estava profissionalizado e a atuar em uma banda autoral sob reconhecido alto teor técnico. 

Usaríamos o Festival deliberadamente como um meio de divulgação apenas, pois ficaríamos alheios às suas disputas internas e juvenis. Claro, pelo fato de sermos adultos e tocarmos muito acima da capacidade técnica dos demais concorrentes, seria uma disputa desleal e hoje em dia eu questiono se agimos bem em inserirmo-nos dessa forma naquele universo estudantil, onde não éramos reais integrantes, somente com o objetivo deliberado de aproveitarmo-nos do festival para extrairmos uma pequena vantagem meramente promocional. 

Sinceramente, acho que não, pois tropeçamos no quesito ético, ao meu ver. Contudo, "consumatum est", como diriam os romanos, o fato é que apresentamo-nos na eliminatória realizada no Teatro Gazeta, dentro do prédio da Fundação Cásper Líbero, na Av. Paulista, onde o Colégio Objetivo alugava espaço, desde os anos sessenta.

Isso ocorreu no dia 5 de outubro de 1983. Calculo que haviam cerca de trezentas pessoas presentes e eu recordo-me que tivemos uma postura arrogante, praticamente a ignorar o Festival, pois falamos ao microfone que iríamos gravar o nosso primeiro disco em breve, divulgamos a nossa caixa postal e deixamos claro que não éramos amadores, com uma postura de palco esfuziante, a contrastar com os demais concorrentes, adolescentes atônitos, e a apresentarem crises de "Stage Fright" (temor para enfrentar o palco), nas coxias do teatro.

Claro, classificamo-nos facilmente para a final e assim, tocaríamos ainda em outubro, no Ginásio do Ibirapuera e com direito à transmissão ao vivo através da Rádio Jovem Pan AM. Se fora a publicidade o que desejáramos, nesse quesito, havíamos garantido o nosso intento.

Só que antes de participarmos da finalíssima do Festival Fico, teríamos a festa-show que realizamos, para comemorarmos um ano de atividades da banda.

Em 25 de setembro de 1983, comemoramos um ano de existência oficial da nossa banda. De fato, começáramos em julho de 1982, com os primeiros esforços em termos de reuniões e ensaios, mas adotamos a data de 25 de setembro como oficial, por conta do primeiro show realizado. 

Mas como estávamos envolvidos com a nova participação no programa, "A Fábrica do Som" naqueles dias, não tivemos como preparar uma comemoração como sonhávamos. Então, marcamos para o dia 8 de outubro de 1983, uma festa-show entre amigos e agregados, mas aberta a estranhos também. O local foi o sitio de propriedade do irmão do Zé Luiz, localizado em Juquitiba-SP, cerca de sessenta km de São Paulo, às margens da Rodovia Régis Bittencourt, BR 116, que faz a ligação entre São Paulo e Curitiba/Porto Alegre. 

Nesse dia, cerca de cinquenta pessoas compareceram e além do nosso show, tivemos a abertura da "Archibald's Band", banda de nosso amigo e fotógrafo, Carlos Muniz Ventura, que era o seu baixista.

Carlos Muniz Ventura, o popular "Carlão", nosso amigo e fotógrafo, em foto bem mais atual

No caso dessa banda amiga, tocou um repertório com covers setentistas bem interessantes. Na formação da banda, além do Carlão no baixo, houve a presença do então muito jovem, Iran Bressan, à guitarra, irmão de um amigo do Rubens chamado, Celso Bressan. 

Os demais membros, não lembro-me, sinceramente. E além disso, os poetas: Julio Revoredo e Edgard Puccinelli Filho declamaram poemas, além de participação, desta vez permitida por nós, do Wagner "Sabbath", e a presença de uma figura estranhíssima, autodenominado como: Marcos "Styx" (seria por causa da banda norte-americana, homônima?). 

Esse sujeito apareceu sem ser convidado por nenhum de nós da banda nessa festa, sendo que não faço nem ideia sobre quem o tenha levado. Ele era uma figura recorrente nas gravações do programa: "A Fábrica do Som", portanto não se tratava de um estranho totalmente, contudo, foi inusitada a sua presença, pois não o conhecíamos, de fato. 

E no desenrolar da festa, eis que ele subiu ao palco improvisado e declamou os seus poemas. Por ter visto a declamação do poeta, Julio Revoredo, talvez tenha empolgado-se, mas o teor de suas criações em comparação ao trabalho do Julio Revoredo, bem... prefiro nem comentar.

E um fator engraçado aconteceu com esse sujeito. Em um determinado momento, ao interpelar-me, ele fez o gênero "sincero", e disse-me que estava surpreendido por constatar que eu era "legal", pois ao assistir-me a atuar no palco do Sesc Pompeia, havia considerado-me, um "babaca!" Adorei a franqueza, e disse-lhe que iria anotar a sua opinião ao meu respeito...

Apresentamo-nos por último, naturalmente, e com liberdade para tocar muito alto e o set que quiséssemos, varamos a madrugada a tocar, todas as nossas músicas, algumas brincadeiras com covers, e muitos improvisos em forma de jam. 

Muita gente ali presente, exagerou nos aditivos e capotou, literalmente. Fez um frio significativo na madrugada, apesar de estarmos na primavera, e os casais que formaram-se no momento da pós-paquera inevitável, foram procurar os recantos discretos para namorar até amanhecer.

Pela manhã, foi um verdadeiro clima desolador ali instaurado, com tantas pessoas a sofrerem com a ressaca e o grande acontecimento foi um filhote de cobra que apareceu na varanda da casa e um bando de doidos que eu nem sabia quem eram exatamente, que trataram de embriagar o bicho, ao jogar-lhe goela abaixo, uma quantidade razoável de pinga. O bichinho estrebuchou em coma alcoólica, infelizmente. 

E assim foi a festa show de aniversário da banda, com direito a bolo e velinha, e com cerca de cinquenta pessoas, ali presentes. O próximo passo foi participar da finalíssima do Festival Fico, a ser realizada no Ginásio do Ibirapuera.

Depois da festa promovida no sitio em Juquitiba-SP, de propriedade do irmão do Zé Luiz (João Dinola), chegou a hora de participarmos da finalíssima do Festival FICO. Não estávamos nem um pouco preocupados em vencê-lo, mesmo por que, nem éramos alunos do Colégio Objetivo, e graças a uma falcatrua, deveras inconveniente, da qual hoje em dia arrependo-me por ter participado, estávamos ali indevidamente. 

Mas se a meta foi usar o festival como ferramenta de divulgação, que o fizéssemos da melhor maneira possível e foi assim que procedemos, de fato.

Essa finalíssima ocorreu no dia 21 de outubro de 1983, e foi realizada no Ginásio do Ibirapuera no bairro Jardim Paulista, na zona sul de São Paulo. 

O público presente foi de aproximadamente doze mil pessoas, pois o ginásio estava abarrotado. Eram exclusivamente alunos do colégio, vindos de diversas unidades espalhadas por São Paulo, de cidades interioranas, e até de outros estados, pois o Colégio Objetivo havia crescido muito e expandido-se. 

Tocamos com a nítida preocupação de divulgar o nosso trabalho e assim, a aproveitar o fato do festival estar a ser transmitido ao vivo, pela rádio Jovem Pan AM, eu quebrei o protocolo, e não fiz-me de rogado, pois assim que o apresentador anunciou a nossa música, e seu falso autor, eu fui ao microfone e afirmei em alto e bom som, que nós éramos "A Chave do Sol" e tocaríamos a música, "Luz", de nossa autoria.

O poeta, Julio Revoredo estava a acompanhar essa transmissão pelo rádio e contou-me posteriormente que a minha intervenção ao microfone fora providencial, e que ficou claro que não éramos amadores juvenis a disputar o Festival. 

Tocamos como se o show fosse nosso, a ignorar o corpo de jurados e saímos satisfeitos com a performance. De fato, apesar de ter sido um público composto por adolescentes agressivos e invariavelmente a "torcer" por esta ou aquela música, nós arrancamos aplausos.

Nos bastidores, ao entrarmos no backstage, vimos os músicos do "Rádio Táxi" ali, a prepararem-se para entrar em cena, visto que fariam o show da noite, ao lado do "Kid Abelha". Havia uma terceira atração mainstream escalada para atuar, da qual não recordo-me exatamente qual seria. Acho que tratava-se de Lulu Santos. 

Alguns membros do Rádio Táxi fizeram menção de rir do Rubens, assim que ele saiu de cena. Mas ao pensar hoje em dia, acho que foi uma interpretação errada que fizemos naquele momento, certamente. Os rapazes deviam estar a conversar sobre qualquer coisa que não tinha nada a ver conosco, bem na hora em que passamos e olharam furtivamente para o Rubens quando este caminhava ali naquele corredor, mas coincidentemente, estavam a rir, naquele instante. 

Certamente que foi absolutamente ocasional. Contudo, o fato é que no calor do momento, achamos que fosse alguma manifestação gratuita a denotar desdém da parte deles.

Anos depois, conheci o Wander, o Gelsinho e o Lee, e nunca comentei esse fato com eles, pois não teria o menor cabimento questioná-los por uma bobagem dessa monta, que certamente nem lembrar-se-iam. 

E ao conhecê-los melhor, tenho a certeza de que não teriam sido capazes de um ato de deboche gratuito, desse nível. Mesmo por que, estavam consagrados, estabelecidos no mainstream e eram adultos, portanto, deve ter sido um mal-entendido, que interpretamos erroneamente ali naquele breve instante.

A nossa vontade foi ter ido embora, mas aguardamos o resultado, pois poderíamos ser convocados a tocar novamente se tivéssemos obtido alguma colocação entre os três melhores classificados do Festival. 

Isso não ocorreu, mas nós não importamo-nos com o resultado do Festival, pois não fora o nosso objetivo e além do mais, seria embaraçoso obter uma colocação, pois "Luz" estava inscrita em nome de um aluno, sob falsa nomeação, e era nossa música, não dele. 

Fomos embora portanto, com o dever cumprido, a divulgar um pouco mais o nosso trabalho, principalmente pela execução radiofônica em uma estação com audiência maciça, em rede nacional, fora o público presente em grande número no Ginásio do Ibirapuera. 

Falta só um item no grande parêntese que fiz, antes de mergulhar na história da nossa terceira participação no programa: "A Fábrica do Som". Seria tal fato novo, a nossa segunda viagem ao interior do estado, e primeira vez como atração principal de um evento.

Logo a seguir, fizemos um show inusitado. Foi o tal negócio: sem um empresário que soubesse capitalizar o bom momento que tivéramos com as duas exposições na TV (com enorme sucesso), aceitávamos as propostas que apareciam. 

Dessa maneira, fomos convidados a tocar em uma festa particular e sem perspectivas melhores no momento e por ter em conta que o conflito de agendas estava formado pelo fato de eu ter voltado ao Língua de Trapo, fomos à cidade de Atibaia-SP, no interior de São Paulo, para tocar na festa de aniversário de um fã da nossa banda, chamado: Helcio Junior.

Ele conhecera-nos quando tocamos ao vivo no Sesc Pompeia, durante as gravações do programa, "A Fábrica do Som", e abordara-nos nos bastidores, quando formulou tal proposta, a oferecer-nos condições modestas, mas dignas, com despesas de viagem cobertas, um pequeno cachê, e claro, livre acesso garantido para usufruirmos da festa. 

Fomos então à casa do Hélcio, e a parte mais trabalhosa foi que obviamente tivemos que usar todo o nosso equipamento, incluso o mini PA. No entanto, com a ajuda de amigos, não foi tão traumática assim essa logística, e no meio da tarde já estávamos a montar o equipamento no deck da piscina, localizada na ampla casa de propriedade do avô do Hélcio nessa citada cidade. 

Para quem não conhece o estado de São Paulo, informo que Atibaia fica apenas a sessenta km distante da cidade de São Paulo, pela estrada federal, Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte. A festa começou cedo, pois ainda não havia escurecido e logo começaram a chegar os convidados.

O nosso show foi misto, logicamente, pois não poderíamos tocar só nossas músicas autorais, portanto incluímos diversos covers, a ressuscitar músicas que tocávamos apenas nas primeiras apresentações de 1982, na época que não tínhamos material autoral suficiente para sustentar um espetáculo inteiro. 

Foi positivo, é claro, dentro das possibilidades, pois tirante o Helcio e uns poucos amigos, ninguém conhecia as nossas músicas, e os covers que tocamos também causaram estranheza à maioria "não iniciada" ali presente, fora a presença de pessoas de meia e terceira idade, certamente. 

Isso ocorreu no dia 12 de novembro de 1983, com um público aproximado de oitenta pessoas. O fato engraçado, mas pelo lado do humor negro, foi que em uma parte da residência, onde havia um pequeno bosque, uma turma de convidados do aniversariante embrenhou-se para realizar uma atividade ilícita que envolvia fumaça e um sujeito com aparência robusta, empolgou-se e ao ficar com o seu estado de consciência alterado, ele caiu em um pequeno precipício enquanto dançava. Estava bem "animado" o gorduchinho, mas acabou mal, ao contundir-se...

Esse show de Atibaia-SP foi devagar, embora não fosse exatamente um local e público ideal para nós. Eu o considerei como um show oficial, contudo, pois houve público, equipamento, pagamento de cachê e a nossa postura foi a mesma de sempre, como se estivéssemos em um grande show realizado em um teatro. Portanto está computado na lista de shows oficiais da nossa banda.

Mas valeu pelo aspecto financeiro, também pela camaradagem da parte do nosso simpático anfitrião, e para dar uma esquentada ao vivo, pois dali a três dias, iríamos apresentarmo-nos novamente no programa: "A Fábrica do Som". 

Desta feita, seria um especial em comemoração pelo aniversário de um ano do programa, e seria filmado fora de seu palco tradicional, o teatro do Sesc Pompeia.

Nesse caso, fora designado o Circo Mágico, localizado no Parque Anhembi. Tratava-se de um enorme circo, de fato, instalado no estacionamento do Parque de Exposições do Anhembi, na zona norte de São Paulo. 

O fato de termos sido convidados, foi uma enorme honra, pois estavam ali reunidos os artistas que mais haviam repercutido positivamente no programa até então. Lembro-me da presença do "Premeditando o Breque", que nesse dia estava com o meu velho amigo, o ótimo tecladista, Sérgio Henriques (ler capítulos sobre os meus "Trabalhos Avulsos" e "Terra no Asfalto", onde ele é amplamente citado), como novo integrante daquela banda. 

Não vi as demais atrações, pois assim que terminou a apresentação d'A Chave do Sol, eu saí imediatamente do Circo, pois estrearia com o Língua de Trapo, naquela mesma noite, no TUCA. Essa parte da narrativa, pelo ponto de vista do Língua de Trapo, já está relatada no seu capítulo adequado, naturalmente. 

A seguir, falarei detalhadamente sobre mais uma apresentação, n'A Fábrica do Som.

Bem, pelo fato de ser um programa especial, com essa badalação toda e nós estarmos envolvidos, deu-nos uma responsabilidade extra, naturalmente. 

E por ter sido uma ocasião nobre, resolvemos tocar uma música diferente, e uma já exibida anteriormente, no programa. Escolhemos "Luz", como música já executada anteriormente, pois era quase certeza que a gravaríamos de forma oficial, em disco, para breve. Aliás, falo sobre essa boa perspectiva, logo mais.

De volta à apresentação do Circo Mágico no Anhembi, chegamos cedo, e logo conversamos com a produção do programa.

Seria importantíssimo que A Chave do Sol fosse o primeiro artista a apresentar-se, pois eu teria que sair apressadamente do Anhembi, e dirigir-me ao TUCA, no bairro das Perdizes, zona oeste, onde eu reestrearia com o Língua de Trapo. 

O pessoal da produção foi gentil e por entender o meu problema logístico, se fez a inversão na escala, e assim, apresentamo-nos em primeiro lugar. Tocamos: "Luz" com extrema segurança e na mesma noite, resolvemos apresentar uma música nova, denominada: "Reflexões Desconexas". 

Tratava-se de um Hard-Rock, com bastante influência de Jazz-Rock, e nítida influência de MPB setentista, principalmente por conta de um contraponto vocal que o Zé Luiz criou como arranjo, e que nós fazíamos, eu e ele, a mesclar-se ao vocal solo do Rubens.

A música seguia na mesma linha de "Intenções", outra canção que tínhamos no repertório, nesses mesmos moldes estilísticos, e a letra era bem complexa, apesar de ser criação nossa, coletiva, e não de autoria do poeta, Julio Revoredo, que costumava brindar-nos com a sua erudição poética. 

"Reflexões Desconexas" era muito complexa a conter uma linha de baixo e bateria bem requintadas, convenções intrincadas, uma bela melodia "JeffBeckeana" em uma das inúmeras intervenções do Rubens, além de mudanças de ritmo bruscas com fórmulas de compasso não usuais e essa parte meio na onda da MPB, que causava uma deliciosa estranheza aos ouvidos de Rockers mais radicais.

Infelizmente, eu empolguei-me um pouco na performance e ao esbarrar o headstock (a parte de cima do braço do instrumento, onde ficam as tarraxas), do meu baixo em algum obstáculo (nem lembro-me, o que foi), desafinei levemente as tarraxas das cordas Ré e Sol, do meu baixo. 

Com isso, a tocar e cantar, no meio da música, coloquei-me a tentar afinar o instrumento com a performance em curso, e não consegui o meu intento, ao desarticular-me um pouco, e assim fazer com que eu fosse a perder a minha concentração. Infelizmente, essa minha falha pessoal comprometeu a performance da banda, não ao ponto de sairmos do palco cabisbaixos por uma má performance, mesmo porque 99% do público, nem percebeu, mas o suficiente para chatear-nos um pouco.

Como consolo, a execução da canção "Luz" foi boa, e essa é que foi ao ar, a representar-nos, nessa terceira participação no programa. De fato, a minha lembrança sobre quando tocamos "Luz", é a melhor possível. Recordo-me dos rostos de várias pessoas da plateia a sorrir, outras tantas a dançar, e empunhar guitarras imaginárias etc. 

Só um detalhe incomodou-me nessa específica performance: em um dado momento da execução, eu percebi que o cabo do meu instrumento estava enroscado na minha perna, e daí, eu tive que quebrar a minha mise-en-scène, ao dar um passo desajeitado para desatar-me do fio, e isso foi capturado pela TV. Foi muito azar da minha parte, mas no vídeo está lá registrado, esse pequeno desastre cênico...

Foi a nossa terceira participação no programa, gravado em 15 de novembro de 1983, no Circo Mágico do Parque Anhembi, em São Paulo. 

No meio da plateia, o amigo-fã, Helcio Junior, da cidade de Atibaia-SP, esteve lá com os seus amigos, a empunhar uma faixa que mandara produzir em uma gráfica, em nosso apoio, com os dizeres: "Vida Longa à Chave do Sol". 

Nos bastidores, eu falei rapidamente com o meu amigo, Sérgio Henriques, tecladista com quem trabalhei em diversas ocasiões entre 1979 e 1982, e que estava agora a atuar como membro do "Premeditando o Breque" (ler capítulos sobre "Trabalhos Avulsos" e "Terra no Asfalto"). 

Salvo a minha pressa, e essa falha em "Reflexões Desconexas", foi mais uma boa apresentação n'A Fábrica do Som, o que só reforçara a ideia de que os tempos de anonimato para A Chave do Sol, certamente haviam ficado para trás, e dessa maneira, vivíamos uma nova etapa, iniciada desde quando apresentamo-nos nessa atração televisiva, em julho daquele mesmo ano, pela primeira vez.

 
A performance da música, "Luz", em nossa terceira aparição no programa: "A Fábrica do Som", da TV Cultura de São Paulo. Filmado em 15 de novembro de 1983. No ar em 20 de novembro de 1983.

Eis o link para assistir no YouTube: 
http://www.youtube.com/watch?v=OJU3DjalE4

Continua... 

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