Beto Cruz rapidamente começou a trabalhar conosco, pois o tempo urgia. Teríamos compromissos agendados e ele precisava adaptar-se à banda o quanto antes.
Em princípio, ele teria que cantar todas as músicas do
EP, mais "Luz", do compacto. Eventualmente contaríamos com "Átila" e "18
Horas" a constarem no repertório, mas não queríamos carregar muito nas
músicas instrumentais. O fato dele ser guitarrista, animou-nos, pois além
de ser uma possibilidade inédita para a banda, facilitaria e muito o
processo de criação de novas canções, pois ele também era um bom compositor e
criador de Riffs.
Em princípio, não cogitávamos que ele tocasse guitarra nos shows, mas foi uma real possibilidade que não descartávamos para o futuro. Ele começou a ensaiar conosco ainda naquela semana e nós gostamos muito do astral dele, sob vários aspectos.
Além
de apresentar-se apto como cantor, guitarrista e compositor/letrista, o
Beto mostrava-se decidido, com personalidade forte. Ele tinha consigo muitas ideias
sobre gerenciamento, marketing e tal demonstração de versatilidade de sua parte, agradou-nos bastante.
E ele sabia exatamente que fora uma oportunidade muito boa que estava a agarrar para si, pessoalmente, ao saber dimensionar o tamanho que A Chave do Sol tinha naquele momento e a possibilidade de crescimento que a banda demonstrava ter.
Agimos o mais rápido que pudemos e providenciamos uma
sessão de fotos imediatamente, um novo release, e usamos a mala postal do fã-
clube para anunciar a notícia oficial de sua entrada na banda.
O Luiz Calanca lamentou a saída do Fran e certamente, como produtor fonográfico da banda, enxergou nessa troca, com o novo disco ainda quente, por estar recém-saído da fornalha, um prejuízo e tanto para o seu investimento. Ele teve razão sob esse aspecto, certamente. No entanto, o que poderíamos fazer?
Sobre o Beto, as informações que tínhamos davam conta de ele havia tido uma recente participação em uma banda Hard-Rock,
radicada no interior de São Paulo (na cidade de Mogi-Guaçu), denominada: "Zenith". Tratava-se
de uma boa banda, com bons instrumentistas em sua formação e a contar com composições
de bom nível em seu repertório, vide a balada "Change My Evil Ways", que fazia parte do seu material de criação, mas como tratava-se de uma composição de seu guitarrista
(Zé Carlos Vasconcellos), em parceria com o Beto, este último a trouxe
para A Chave do Sol, em um futuro ainda distante deste ponto da narrativa, para que a gravássemos ao final de 1987, como peça do LP The Key.
E antes da passagem pelo Zenith, o Beto Cruz vinha de uma banda de covers, onde o baixista fora o seu irmão, Claudio Cruz (baixista que viria a ser componente do "Harppia", a partir de 1986), e um dos bateristas que por ali passou, foi, Charles Gavin, que posteriormente foi fundador do "Ira!" e depois, membro d'Os "Titãs".
A orientação musical do Beto, era toda firmada na estética sonora dos anos 1970. Ele gostava de coisas boas dos anos 1960, certamente, mas do que gostava mesmo, era das "setenteiras", notadamente o Hard-Rock de bandas britânicas como o Led Zeppelin, Bad Company & afins. Em termos vocais, ele gostava muito de Robert Plant e David Coverdale, e dessa forma, saíra de nossa vida, a voz rouca do Fran Alves e ganhávamos com uma voz mais "aveludada", talvez mais palatável aos ouvidos do público, que tanto estranhara e rejeitou a voz potente de nosso ex-vocalista.
Bem, essas foram as primeiras impressões e informações sobre o Beto Cruz, que obtivemos logo no início de sua entrada na banda. Teríamos
dois shows para cumprir já no início de novembro, e ambos apresentavam
características de shows para um público de grande porte. Ambos acumularam histórias e algumas bem engraçadas...
Uma das histórias, começou na verdade, alguns dias antes do show em questão. Surgira uma proposta para tocarmos em um show coletivo, na cidade de Santos, no litoral de São Paulo. Ele seria realizado no ginásio poliesportivo do Santos Futebol Clube, anexo ao estádio Urbano Caldeira, popularmente conhecido como: "Vila Belmiro".
O contato fora de um
produtor com escritório localizado no centro velho de São Paulo e que segundo
apuramos preliminarmente entre colegas que também haviam sido
contatados, tratava-se de um típico empresário popularesco, daqueles que lidam com
tal espectro musical, e portanto, não detinha nenhuma experiência com shows
de Rock.
Fora, contudo, uma pessoa com poucos recursos educacionais e portanto, demonstrava ter baixo nível cultural por consequência, porém, dentro do seu ramo de atividades, parecia ter uma noção básica, ainda que sob a ressalva que seu métier era o mundo da música popularesca, e nesse aspecto, as produções pelas quais estava acostumado a lidar, sem dúvida, respondiam aos parâmetros medidos pelo baixo nível no tocante ao uso de equipamentos.
Para não dizer que grande parte das produções que fazia, com tais artistas, tratava-se na verdade do famigerado recurso do playback, ou seja, shows onde dispensava-se a necessidade de tocar-se e cantar ao vivo, prática normal entre tais artistas, mas para Rockers como nós, causava-nos arrepios, tal ideia.
O sujeito falou sobre como seria o
"festival", o equipamento que teríamos ao nosso dispor, estrutura de
camarim e a logística do transporte, com um ônibus fretado pela
produção, a sair do centro de São Paulo e conduzir todas as bandas participantes. Falou
sobre a divulgação que parecia eficaz, com inclusive apoio de Rádio e
da TV local, e o melhor de tudo: um cachê fixo e com um valor digno, eu
diria. Para um sujeito rude como ele apresentara-se, esse aceno todo, chegou a surpreender-nos, inicialmente.
Foto extraída da primeira sessão de fotos com Beto Cruz, já integrado à banda. Novembro de 1985
Ponderamos
que seria uma oportunidade boa para o Beto fazer a sua estreia, a quebrar-se
o gelo, visto que no dia seguinte, teríamos um show no Sesc Campestre, em São Paulo e nós tratávamos tal compromisso com maior cuidado,
primeiro por ser uma unidade de Sesc, onde sempre houve da parte de nós músicos militantes dos subterrâneos da música, a preocupação de
causar uma boa impressão nos bastidores, para visar entrarmos nesse circuito
cobiçado de forma definitiva e não sazonal, e segundo, por que havia a perspectiva de jornalistas estarem
presentes para cobrir o show.
E mesmo que o show de Santos não fosse uma maravilha em sua estrutura, o tal produtor oferecera-nos a perspectiva de um contrato assinado, o que foi uma rara ocasião em que sentir-nos-íamos seguros em relação ao cumprimento das promessas feitas. Nesse caso, não tínhamos nada a perder, sob uma leitura bem superficial, visto que no show business não basta tal prerrogativa na relação artista x empresário.
Dessa maneira, fechamos o contrato e nos colocamos oficialmente escalados para o tal festival. Uma exigência do contratante, no entanto, causou-nos um aborrecimento inevitável. Dada a circunstância do contrato, fomos obrigados a regularizar a nossa situação na Ordem dos Músicos e ter que passarmos novamente (no meu caso), pela ridícula prova de aptidão, fora o pior de tudo, pagar as taxas altas e abusivas cobradas por tal instituição. Hoje, a Ordem dos Músicos abrandou muito a sua rigidez imprópria de outrora, mas naquela época, fora liderada por um ditador monolítico e perpétuo a preconizar tal rigidez sem contrapartidas aos artistas.
Nesses termos, foi sempre odioso termos que nos submeter às suas regras e sobretudo desembolsar uma quantia significativa para ter o "direito" de tocar, sem ser importunado por seus "fiscais", geralmente brucutus arrogantes e intransigentes, prontos a tomar atitudes desagradáveis, como verdadeiros agentes da Gestapo.
Eu
detinha a minha carteira desde 1982, mas em 1985, relaxei a guarda e não
paguei a anuidade, portanto fui obrigado a pagar a multa e naquela
época, o exame de aptidão era obrigatório, todo ano, a causar
constrangimentos generalizados. Os meus colegas tiveram que preparar as suas respectivas carteiras pela primeira vez, pois há anos postergavam tal "obrigação". Paciência, pensamos, pois se
o contrato em questão exigia tal documento regularizado, achamos que
valeria a pena, pois o cachê acordado fora bom.
E da parte dele, estávamos tranquilos, pois todo o empenho estava a ser empregado, ao demonstrar profissionalismo, mas acima de tudo, uma forte determinação de sua parte que animou-nos, certamente. No entanto, as músicas do EP, que ele teria que cantar, não foram exatamente do seu agrado.
Ele foi sincero logo de início, ao dizer-nos que aquele peso todo, mostrava-se excessivo em demasia para o seu gosto pessoal, e achava que exagerávamos nas firulas instrumentais, um recurso que trazíamos da nossa influência de Jazz-Rock setentista, desde o início das atividades da banda em 1982.
O Whitesnake tornou-se um exemplo para nós, portanto, como banda oitentista (sei que a banda começou as suas atividades ainda nos setenta, não assuste-se, leitor, não estou desinformado!), que ainda trazia tais traços em sua sonoridade e nesses termos, seria uma saída honrosa para abandonarmos a escolha errada que efetuáramos no sentido do Heavy-Metal, expresso no EP, recém lançado.
Skowa, um artista multifacetado e também empenhado em produção e ativismo cultural
A retroagir um pouco, antes de falar sobre os shows de estreia do Beto Cruz, eu devo registrar uma entrevista que eu e Rubens concedemos ao programa: "Os Rapazes da Banda", apresentado pelo multi-músico e agitador cultural, "Skowa", na Rádio USP FM, em 20 de outubro de 1985.
O ônibus fretado não foi de primeira linha, pelo contrário, tratou-se de um velho Mercedes, dos anos setenta, com bastante kilometragem marcada no seu velocímetro, e não estava lá muito bem cuidado em seu interior. Entramos, junto com músicos de outras bandas que participariam também, e para amenizar a jornada, muitos ali presentes eram amigos nossos, a tornar a experiência mais amena.
Alguém fez algum comentário sobre a produção ser tosca e o show estar ameaçado com esse tipo de atitude perpetrada por essa gente, quando um desses produtores ouviu, e foi contar para o tal empresário. Este ficou enfurecido e no meio da viagem, fez um discurso rude sobre "exigir respeito" etc.
Isso sem contar que o ônibus acusou uma pane e chegou a ter um princípio de incêndio já na descida da serra, que foi logo coibido por extintores, no entanto, que viagem conturbada! Bem, o resto da viagem foi feita em silêncio e só restara-nos torcer para que o show fosse razoável pelo menos, pois esteve claro que seria tensa a relação com essa gente.
Essa foto performática foi clicada pelo poeta, Julio Revoredo, em algum momento de 1984. Trata-se da minha, Luiz, própria sombra e lembra de certa forma, o personagem "Nosferatu", da sua versão clássica de 1922, do diretor, Murnau. E tal fantasmagoria espelha bem o clima de terror que vivemos, ao interagirmos com essa produção que estou a descrever, sobre esse show em Santos-SP...
Click, acervo e cortesia de Julio Revoredo
Com aquele equipamento, seria impossível fazer o show, e o elemento percebeu tardiamente, é bem verdade, que não estava a lidar com artistas popularescos apresentavam-se com qualquer equipamento, pois muitas vezes, nem tinham crivo pessoal para notar a precariedade, ao não dimensionar o prejuízo que isso causar-lhes-ia, quando a se apresentarem com uma estrutura de áudio, horrorosa.
Por sorte, o Zhema estava em Santos e sem compromisso para aquela noite, pois o Vulcano não tinha show, tampouco a banda cover que ele mantinha regularmente, especializada em fazer tributos ao Creedence Clearwater Revival pela noite.
A tarde correra e o horário para a realização de um soundcheck minimamente decente, já não existiu mais. Seria montar o equipamento do Zhema e tentar salvar a noite na base da paciência e boa vontade, tão somente. Ninguém ali nutriu esperança de apresentarmos um som com qualidade, e para quem é músico, sabe bem que ter essa realidade concreta como perspectiva, desanima muito.
Se não apareceram, por conhecer bem o Língua de Trapo em seu âmago, e sobretudo, o seu empresário, Jerome Vonk, ficara claro que não haviam assinado contrato e não viriam, certamente. Depois de algum tempo, eu soube que o Língua de Trapo nunca acertara nada com esse empresário energúmeno e que pelo contrário, o Jerome estava a processar o sujeito, pelo nome da banda ter sido incluído indevidamente nos cartazes e filipetas.
Ainda mais ao testemunharmos as bandas a apresentarem-se naquele palco todo improvisado e sob uma iluminação vergonhosa, que certos festivais colegiais costumam ter bem mais estruturada.
No camarim (que também foi todo improvisado, por tratar-se de vestiário para times de basquete, vôlei, futsal e afins), a piada da noite entre os membros das bandas, foi que haviam mais músicos ali, do que público para assistir-nos. O tal "empresário" e os seus asseclas estavam ainda mais tensos, naturalmente por sentir a iminência do prejuízo, mas o que poderia ser feito, se tudo fora obra malograda da parte deles mesmos?
Enfim, a cada banda que subia ao palco, ficara nítido o desânimo e uns incentivavam os outros com aqueles comentários típicos para esse tipo de situação, ou seja, o panorama ficou feio mesmo, e só restara-nos então, a dignidade para fazermos o melhor possível em prol do público, que dignou-se a comparecer, e pagar por um lixo de produção daquele nível.
O Beto cantou as músicas com toda a sua boa vontade, mas o equipamento não auxiliou-nos de forma alguma. Tentamos tocar mais baixo do que o padrão confortável normalmente para nós no palco, mas a reverberação em um ginásio de esportes mostrou-se enorme, e assim, tornou o som, uma maçaroca inevitável (e lastimável).
Encerrada a noite de terror, voltamos para São Paulo em profundo silêncio naquele ônibus, pois definitivamente, não seria aconselhável exercer qualquer tipo de comentário e fomentar a irritabilidade daqueles indivíduos, ainda mais depois de um dia marcado por tantas adversidades. Ao chegarmos em São Paulo no meio da madrugada, as despedidas foram discretíssimas, pois aquele ambiente pareceu com um barril de pólvora prestes a explodir. E para não dizer que tudo fora um desastre, contabilizamos a oportunidade do Beto quebrar o gelo com a banda, com uma estreia, enfim.
E como curiosidade, o fato de termos dado um passeio pelo estádio da Vila Belmiro, ainda no período vespertino, que foi prazeroso, é claro. Além de termos visto e cumprimentado um grupo de ex-jogadores do Santos Futebol Clube, que jogavam uma partida de pôquer, animadamente, juntamente com o famoso ator, Nuno Leal Maia.
Mas esse não seria um grande problema, pois o equipamento locado foi de bom nível e os técnicos, competentes. Portanto, estivemos confiantes de que mesmo sem um soundcheck mais apurado, tudo daria certo. O Centúrias tocou primeiro, e da coxia, o som da banda parecia agradável na monitoração, para tocar-se com segurança. Mas quando o show deles encerrou-se, observamos que os seus componentes que saíram do palco com queixas sobre a monitoração, e isso acendeu a luz amarela para nós.
E não houve muito tempo para respirar (ainda bem!), pois o próximo compromisso seria logo em seguida. Tínhamos sido convidados para um show em um evento no interior de São Paulo e seria realizado na ambientação rural de uma chácara, próxima à cidade de Botucatu, no centro do estado. O cachê acordado foi muito bom, mas ao contrário do show de Santos, onde houve um contrato formal, assinado e com reconhecimento de firmas mediante a ação cartorial, desta feita o acordo fora verbal, mas na inversa proporção, a confiança que tivemos foi total, mesmo não sendo os organizadores do festival, conhecidos nossos, propriamente dito.
Foto ilustrativa, não era esse exatamente o Dodge Dart que o Zé Luiz possuía naquela época, mas era nessa linha de pintura cor de vinho com capota de vinil, embora o dele fosse o modelo, "Charger RT"
O evento, por sinal, chamara-se, "Rock in Chácara", uma alusão ao "Rock in Rio" e aliás, em 1985 isso tornou-se uma febre, com muitos festivais por todo o Brasil a copiar descaradamente tal título, no afã de tentar aproveitar-se do vácuo produzido pelo festival realizado no Rio, em janeiro do mesmo ano.
Alguns contiveram-se, mas outros, não resistiram à ação da pinguinha maledetta e assim, quando chegou a hora do soundcheck, o pior de todos entre nós, no estado etílico, infelizmente, foi o Nico, o técnico que leváramos para operar o nosso show. Já na passagem do som ele estava a apresentar sinais nítidos de tal transtorno etílico, e se não houvesse a compreensão do técnico local, e dono do PA que prontamente ficou ao lado para auxiliá-lo, infelizmente tudo arruinar-se-ia...
Porém, o desfecho previsível, concretizou-se, pois o sujeito sucumbiu depois do soundcheck e nós optamos por deixá-lo a dormir, pois ele não reuniria condições de recuperar-se da embriagues, a tempo de operar o som da banda na hora do show. Resultado: fizemos o show sem a presença dele na pilotagem dos botões. O técnico local não era nenhuma sumidade no quesito dos conhecimentos mais avalizados sobre a operação de áudio, mas trabalhou razoavelmente.
Nessas circunstâncias, demo-nos por felizes de ter um sujeito a coibir microfonias básicas, pois todo o nosso esforço para levar um técnico nosso, que conhecia as músicas e poderia dar-nos o luxo de uma pilotagem de volume pré-concebida, nos momentos estratégicos de solos & afins, houvera arruinado-se. Como poderíamos suspeitar que o sujeito não conter-se-ia e cairia na armadilha da fartura interiorana, e com direito ao típico jargão: -"experimente esta aguardente da região?
Enfim, nem ficamos bravos com o rapaz, mas claro que ficamos desapontados e na volta a São Paulo, ele mostrou-se bem chateado, ao pedir-nos mil desculpas etc. O show foi bom, ao considerar-se que aquele dito festival não atraíra um público interessado em bandas a praticar música autoral. A maioria ali presente, esperava por bandas cover, e o clima foi o de um "churrascão de fazenda", com todo mundo a desejar farrear, ao som de covers internacionais.
Apesar do dia bom, com sol, calor e consequente noite de céu aberto e estrelado, o público esperado pelos organizadores foi aquém. Cerca de quinhentas pessoas estiveram presentes. Se fosse realizado em um teatro com porte médio, ou uma casa noturna, eu diria tratar-se de um número excelente, mas para um festival realizado em uma chácara ao ar livre, decepcionou-me.
As pesquisas davam como certa a vitória de Fernando Henrique Cardoso à prefeitura de São Paulo, e assim, sob um ato tresloucado, ele deixou-se fotografar no gabinete de prefeito, sentado imponentemente, um dia antes da eleição.
Tal foto saiu na capa do jornal, Folha de São Paulo, no dia da eleição, e quando o resultado oficial apontou Jânio Quadros como o vencedor do pleito, a sua primeira atitude, muito deselegante por sinal, foi querer ser fotografado com um desinfetante spray à mão, a higienizar a poltrona de prefeito.
"Chave em Disco
Quem acaba de lançar-se em disco é o grupo paulista Chave do Sol, que soltou um EP de 45 RPM pela Baratos Afins.
Uma nota sucinta, mas bem objetiva, eu devo acrescentar.
"Depois de muita expectativa entre os roqueiros de Sampa, foi lançado, finalmente, o primeiro EP do grupo A Chave do Sol, através do selo Baratos Afins.
Antonio Carlos Monteiro
O grande jornalista, Tony Monteiro, em foto bem mais recente e devo observar... que bela camiseta, hein? Exilado na rua principal!
Uma excelente resenha do ótimo jornalista, Antonio Carlos Monteiro, que foi um dos poucos naquela década, que não esteve inebriado pela estética do pós-punk e escrevia sem o ranço niilista e odioso, baseado na infame cartilha ditada por Malcolm McLaren.
A sua isenção foi total e de fato, apesar dele ter sido um fã confesso da nossa banda, tinha certamente a total liberdade para tecer críticas negativas em aspectos que detectava, e assim o fez em algumas ressalvas, conforme está explícito no texto acima.
Eis a transcrição da matéria:
"A Chave do Sol só nos Baratos (primeiro LP anima grupo)
Há três anos surgia em São Paulo um grupo que se definia eclético, misturando Rock, Jazz e Heavy-Metal.
Solange Guarino
Bem, a moça foi extremamente simpática conosco, mas cometeu deslizes na edição da conversa que tivemos, e de nada adiantou a gravação da entrevista mediante um gravador e suas anotações de apoio, pelo visto.
Um outro ponto interessante, em dado instante, a repórter embaralhou a conversa, pois afirmou que usávamos "metais" nas nossas músicas, certamente ao confundir-se com toda aquela baboseira sobre o Heavy-Metal e "metaleiros". Enfim, a boa intenção dela foi ótima e a despeito dessas falhas, ficamos contentes por sermos retratados em uma revista popular e tendo assim a oportunidade para atingir um público diferente.
Na Revista Rock Stars nº 16, foi publicada a seguinte resenha:
"Firme
no propósito pela conquista de um lugar ao sol, prossegue em sua
batalha o grupo paulista A Chave do Sol, que está lançando agora seu
primeiro LP, através do selo independente Baratos Afins.
A banda existe desde setembro de 1982, e iniciou suas atividades como um trio, contando com Rubens Gióia (guitarra); Zé Luis (bateria) e Luiz Domingues (baixo). Recentemente, um quarto elemento se juntou a eles: foi o vocalista Fran, que já comparece no LP.
É interessante perceber que tais grupos se esmeram no sentido de proporcionar à juventude brasileira algo melhor que os campeões de danceteria (Barão Vermelho, Titãs & Caterva), que se acomodaram em seu modelo pequeno-burguês, e se esqueceram que o Brasil está mais para favela do que para glitter.
No LP da Chave, destaque para "Um Minuto Além" ("O mundo teria de ser um lugar onde todos pudessem viver/Com a certeza de um amanhã melhor/Com a certeza de um lugar ao sol/Eu só queria entender por que tantas diferenças sociais?/Tantas discriminações? Somos todos iguais"...
Presente também no LP, a faixa instrumental "Crisis (Maya)", que conta com a participação do tecladista Daril Parisi (do Platina).
Estamos torcendo
para que a banda atinja seus objetivos, marcando assim, uma importante
etapa da música jovem brasileira".
A resenha não está
assinada, mas pelo estilo e vocabulário usado, está patente tratar-se da autoria do
editor, Valdir Montanari, que realmente expressava-se com bastante
formalidade, pois além de ser jornalista musical, foi também professor
de física em um colégio tradicional da zona sul de São Paulo e nos seus
textos, a formalidade, o bom uso do idioma e a ausência de gírias, foram
marcas registradas.
Infelizmente, ele citou tratar-se de um LP, o
tempo todo, mas na verdade, fora um EP. Mais uma
confusão gerada pela falta de ênfase na capa do disco, para deixar clara
a rotação alternativa e adequada para ouvi-lo.
Bem, foi muito interessante ele ter pego o gancho da política, baseado na letra da canção "Um Minuto Além". A alfinetada no movimento "BR-Rock 80's" parece não ter sido no alvo correto, pois a despeito da fragilidade musical das duas bandas que ele citou, no quesito das letras propostas, estas não foram nem de longe as piores, e pelo contrário, muito provavelmente tiveram nesse específico quesito, o seu ponto forte. Aliás, justiça seja feita, no caso do Barão, o Cazuza escrevia boas letras, com conteúdo e poesia, e se havia restrições à sua banda, sem dúvida foram relacionadas à duvidosa performance dele como cantor, e a fragilidade da banda, na parte instrumental (deixo a ressalva, que a banda melhorou muito, anos depois).
Mas o Valdir estava a enaltecer-nos e naturalmente que apreciamos essa colocação de sua parte, ainda que em termos comparativos inadequados, ao meu ver. Acho que ele gostou mesmo foi do teor sociopolítico da letra, e acabou por citar a canção, "Crisis (Maya)", por ser instrumental e com elementos nítidos oriundos do Jazz-Rock, ou seja, algo muito mais próximo da sonoridade setentista que ele apreciava.
A resenha saiu com uma foto da banda, oriunda daquela sessão toda equivocada cuja história eu já contei e foi lastimável que a fotógrafa tenha enquadrado-nos sob um fundo negro improvisado e todo torto, a revelar espaços em branco. Bem, posso dar a desculpa de que a sua intenção talvez tenha sido homenagear a arte expressa em cenários do cinema "expressionista alemão", inspirado em filmes dos diretores Fritz Lang e F.W. Murnau, para dourar a pílula, mas na realidade, fora mesmo um pano preto, muito mal fixado na parede branca, e que ficou torto de forma abominável, por conta da falta de fita adesiva suficiente para tal.
Na Revista Bizz, nós tínhamos ao menos um elemento não
compactuado com aquele tipo de jornalismo comprometido com a estética niilista
oitentista. Tratava-se de Leopoldo Rey, que parecia um oásis humano, naquela redação infestada por seres lobotomizados pelo Malcolm McLaren. E
ele teve a audácia de publicar uma resenha sobre o EP, ainda que
pequena, pois ali naquela revista sempre foi realmente inóspito pleitear espaço para algum artista
que não fosse adepto da estética tão apreciada pela "intelligentsia" oitentista.
Eis a transcrição:
"No
início de carreira, A Chave do Sol era um power-trio e depois do
primeiro compacto, já na Baratos Afins, resolveu-se por um novo elemento
na presença de Fran.
Surgem agora nesse extended-play (45 rpm) com seis
faixas de qualidade. Som e vocal bem equilibrados (note em "Um Minuto
Além"). Algumas letras ficam devendo, mas Rubens come sua guitarra e
Tigueis (Luiz Domingues) e Zé Luiz estão entrosadíssimos. Muita garra e energia".
Leopoldo Rey
Nada
como ser um jornalista do ramo, e mesmo com pouco espaço que deram-lhe,
dar o recado preciso.
Só por afirmar ser um "Extended Play", o popular
"EP", já acusou grande acerto, diante de tantos chutes no vácuo, desferidos da
parte de outros jornalistas.
Ele reconheceu a qualidade da canção: "Um Minuto Além", ao enaltecer o Fran, e teceu elogios ao trio de instrumentistas da banda, além de dar um mega resumo da trajetória da banda. Achei vaga a referência negativa sobre as letras, mas claro que respeitei a posição dele por não ter gostado, de uma maneira geral. Essa resenha foi publicada na sua edição nº 4, de novembro de 1985.
O produtor Luiz Calanca comunicou-nos que um rapaz abordara-o com uma proposta interessante no campo do marketing. A ideia seria lançar um álbum com figurinhas, a conter todo o elenco de artistas da Baratos Afins, ao lado de artistas do Rock internacional. Claro que gostamos da ideia e aceitamos participar. Aliás, quem em sã consciência, não aceitaria?
Bem, daí a ser efetivamente lançado nas bancas, o álbum teve um longo processo percorrido em termos de etapas burocráticas e técnicas a serem vencidas, e nesse quesito gráfico, inclusive, nós fomos prejudicados, infelizmente, pois houve uma pressão do editor para fechar o material (o que aliás foi natural e legítimo da parte dele), mas lastimavelmente, essa pressa fez com que perdêssemos a oportunidade de termos duas figurinhas d'A Chave do Sol no álbum, pois não houve tempo hábil para incluir a capa do EP.
Nesses termos, ficamos representados somente com a figurinha da capa do compacto de 1984, mas não podemos reclamar, pois foi um apoio de divulgação e tanto, e motivo de orgulho para a banda, claro.
Apesar desses aspectos positivos que arrolei, houve um de cunho negativo, também. E foi inevitável, pois estávamos em 1985! Isto
é, claro que o álbum manteve um ranço Heavy-Metal acentuado, muito mais
do que outras vertentes ali representadas. Se por um lado foi muito importante estar presente no álbum, por
outro, estar inserido em meio à cena Heavy-Metal, não foi exatamente o
ambiente em que desejávamos estar.
O álbum chamou-se: "Rock Stamp", com boa apresentação gráfica & ilustrações e as figurinhas contiveram boa impressão, com cores bem definidas e sem distorções na imagem. Lógico que eu comprei um álbum e retornei de certa forma à minha infância, ao visitar as bancas de jornais e revistas com frequência naqueles dias finais de 1985, para reviver assim, o prazer de comprar os famosos "pacotinhos" com figurinhas.
Contudo, assim que eu consegui a figurinha da capa do compacto d'A Chave do Sol e a colei no álbum, parei de comprar mais, pois realmente não tive interesse em completar o álbum, com toda aquela carga de bandas de Heavy-Metal.
Essa foi a primeira história. A seguir, falo sobre a segunda ocorrência, que consumiu-nos muitos dias de dedicação.
A outra história também passou pelo famoso balcão da loja Baratos Afins. O Luiz Calanca contatou-nos para comunicar-nos que fora abordado por um rapaz que desejava lançar diversos "Song Books" dos artistas do elenco da Baratos Afins. A ideia pareceu bastante interessante, e mesmo ao ponderamos ser um tipo de ação de marketing, e com viés deveras elitista, claro que aceitamos de pronto, pois o outro lado dessa suposta sofisticação, seria o fato de ser algo bem elegante para o portfólio da banda.
Bem, o rapaz queria fazer o Song Book nos moldes
dos que existem normalmente no primeiro mundo, com rica ilustração recheada por fotos, biografia da banda e acabamento de luxo, ao utilizar material gráfico de alta
qualidade e capa dura. O único problema, foi que nenhum de nós
quatro, sabíamos ler e escrever música para transcrever corretamente as nossas
músicas e o editor queria a transcrição completa de todos os
instrumentos e a melodia dos vocais.
Sendo assim, o Luiz Calanca resolveu contratar um músico de grande capacidade teórica para fazer a transcrição e nós apreciamos muito quando tomamos ciência de que esse teórico seria o Bocato, um trombonista superb da música brasileira, com incontáveis trabalhos como side man para artistas da MPB, Rock, Pop, Música instrumental, Black Music, Música latino-americana & Caribenha, Jazz; música experimental entre outros tantos, fora os seus trabalhos próprios, discos solos e trilhas compostas para cinema, teatro, TV e publicidade. Daí em diante, foram muitas sessões de transcrição marcadas na residência do Rubens, onde ele gastou muitos cadernos de pentagrama, a transcrever nota por nota de cada instrumento.
Bocato foi muito camarada e teve uma paciência de santo. Lembro-me de passar tardes inteiras com ele, com o baixo em mãos e o apoio de um pick-up, com os dois discos da banda a postos, para audições ad nauseam de pequenos trechos e em momentos de dúvida, eu mostrava-lhe a frase executada, ali na hora.
E assim foi com a bateria e a voz do Fran Alves, pois esses trabalhos ocorreram ainda com a presença dele na banda, como membro oficial. Na hora de transcrever a guitarra, o Bocato sofreu um pouco no quesito dos "efeitos, alavancadas & ruideiras" em geral. Claro que tais efeitos não entram na teoria musical oficial, representados no pentagrama, de forma tradicional.
Mas por outro lado, sem a menção de tais efeitos, a
transcrição não ficaria fidedigna, pois tais artifícios estavam
explícitos na gravação de quase todas as músicas. Então, o Bocato
deu um jeito de fazer menção de uma forma criativa e dessa forma, todas
as músicas do EP, acrescidas por "Luz" e "18 Horas" (do compacto anterior, de 1984), foram fielmente transcritas,
sob um trabalho magnífico de sua parte.
A seguir com as principais matérias sobre o EP.
Na Revista Roll, nº 22, uma nota saiu dessa forma:
"Chave de Ouro
O
grupo paulista A Chave do Sol ( Rubens Gióia, guitarra, Fran, vocais,
Luiz Domingues, baixo e Zé Luiz, bateria), acaba de lançar um LP pela
Baratos Afins.
O som da banda é definido por eles mesmos como
"Jazz-Metal-Rock" (de muita qualidade, aliás) e eles já possuem um
fã-clube com mais de 200 sócios. Bola cheia".
Achei interessante o jornalista dar ênfase ao fato de que tínhamos um fã-clube organizado e em franca expansão. E por falar na Revista "Roll", preciso mencionar um fato extra, nada a ver com o disco que acabáramos de lançar.
Uma enquete fora publicada e comemoramos muito o fato de termos sido mencionados. Foi publicada na edição de nº 19, quando notamos que estivemos mencionados em igualdade de condições (empatados na 24ª posição pelos votos de leitores), ao lado de nomes como: Elis Regina, Ivan Lins, "Ira!", "14-Bis", Marina Lima, "Roupa Nova", "Titãs", Eduardo Dusek, "Plebe Rude" e Ritchie. Ou seja, estivemos ao lado de nomes consagrados e inclusive, até em alguns casos, artistas oitentistas na crista da onda.
E melhor ainda, na frente de muitos nomes que tiveram cotação bem menor do que a nossa, naquele meio de 1985, tais como: "Ratos de Porão", "RPM" e "Sempre Livre", entre outros tantos que supostamente continham muito maior visibilidade de mídia e investimento pesado de carreira com aportes milionários, inclusive, no caso de alguns citados.
Sobre o "RPM" então, foi
uma menção muito sintomática, pois essa pesquisa foi feita na metade de 1985 e não
passou nem dois meses, eles explodiram em meio a uma super exposição midiática,
que os alçou à condição do mega estrelato.
Moral da história: com esquema de empresários e gravadora major, tudo muito bem amarrado, além de super exposição na mídia, tudo mudava da água para o vinho naqueles tempos.
Todavia, nós
comemoramos a nossa pequena vitória, pois estarmos colocados em 24º lugar, em um ranking com mais
de cem artistas, e em sua maioria, verdadeiras estrelas sedimentadas no mundo mainstream, e em nosso caso, sem ter
esquema algum como retaguarda, portanto foi digno de nota e orgulho para nós.
A Folha de São Paulo, um dos maiores, senão o maior jornal do país, a partir do início dos anos oitenta, adotou uma linha editorial fechada no seu departamento cultural, e que a grosso modo perdura até os dias atuais, infelizmente. Nesses termos, artistas não coadunados com a "revolução" Punk de 1977, tendiam a serem desprezados, desdenhados e preteridos em favor de artistas com qualidade técnica muito duvidosa, para ser muito elegante de minha parte.
No início de janeiro de
1986, eis que tal jornal soltou uma resenha coletiva, para resenhar quatro discos de Rock
pesado lançados pela Baratos Afins, entre eles, o nosso EP,
evidentemente. Eis a transcrição:
"A
estreia de "A Chave do Sol", em álbum, tem seu momento alto em "Um
Minuto Além", onde a voz gutural de Fran (o mais novo integrante do
ex-trio) só quer entender porque tantas diferenças sociais.
Por trás, a guitarra de Rubens Gióia costura e caseia um clima delicado, diferente do que faz em "Anjo Rebelde", "Segredos" e "Ufos", quando o que vale é o muro desabando sob os ouvidos dos ouvintes.
Segunda constatação:
a competência está a caminho. A mesma "Chave do Sol" peca por tentar
unir um baterista (atenção Zé Luiz: ouça Max Webster) de influências
jazzísticas e um baixo comandado por Luiz Domingues (também Língua de
Trapo), resultando em problemas nas passagens da introdução ao tema
central. A salada dá certo na instrumental "Crisis", mais para o
Jazz-Rock".
Bem, ao considerar-se a praxe da Folha em vilipendiar quem não comungava pela infame cartilha de Malcolm McLaren, até que as críticas foram amenas.
Primeiro ponto: por que o jornalista sugeriu que o Zé Luiz ouvisse o trabalho da banda canadense, "Max Webster?" Nada contra a banda, e pelo contrário, trata-se de um trabalho ótimo desse grupo e do qual aprecio, construído por músicos com grande capacidade técnica, qualidade e ótimas influências. O que causou-me espanto, foi perder espaço na lauda para uma observação fora de contexto completamente, ao meu ver. O que ele quis dizer com isso, afinal de contas? Ele é que era fã do Max Webster e talvez gostaria que A Chave do Sol adotasse tal linha musical? Farejou similaridades entre as duas bandas?
De minha parte, eu deixo claro que acho muito bom o trabalho do grupo Max Webster, mas essa banda não é nem de longe, uma referência na minha vida, e nem o foi para A Chave do Sol, em momento algum de nossa carreira, e tampouco para o Zé Luiz, que eu tenho certeza que tinha outras preferências.
Não me ofendi na época, e muito menos hoje em dia, mas quais seriam exatamente os "problemas" detectados pelo resenhista em relação à atuação da cozinha da banda? É realmente uma observação vaga, e a única explicação plausível para que ele houvesse reprovado a linha de baixo e bateria ao longo do trabalho inteiro, talvez residisse no simples fato de não a ter apreciado pessoalmente. Aceito isso sem ressentimentos, é claro, mas daí a publicar que fora um "problema", pareceu-me uma observação vazia, sem argumentação plausível.
Além da contradição expressa no próprio parágrafo, pois se "a competência está a caminho", o que estaria errado, então? Eu poderia afirmar também que a resenha que esse rapaz assinou conteve "problemas", para deixar vaga a ideia do que realmente achei inadequado nela, e isso sinaliza o quanto ele foi infeliz na observação. Melhor teria sido falar de uma forma clara, que achara exagerados os arranjos, com excesso de convenções e isso seria mais aceitável como uma crítica realista.
Foi boa, outrossim, a menção ao fato da letra de "Um Minuto Além" ter uma conotação sob crítica social, mas no contexto da resenha completa e refiro-me às observações sobre os outros discos, a intenção do jornalista foi clara ao estabelecer a ponte entre a infantilidade reinante das letras de bandas de Heavy-Metal, ao falar sobre demônios, inferno & afins ou sob outro clichê óbvio, o de sexo, drogas, & Rock'n' Roll, neste caso, saíra o Rock, e entrara o Metal.
Bem, como eu já disse, por tratar-se da Folha de São Paulo, e a se considerar a sua costumeira rejeição à tudo que não deriva da
metástase punk de 1977, até que foi uma resenha positiva. E Max
Webster é bom, mas... o que teve a ver? Será que o jornalista desejara que eu ouvisse "Steely
Dan", também? Pois poderia dormir tranquilo, pois eu ouvia mesmo, desde os anos setenta e sempre gostei
muito!
Uma
contrapartida interessante à resenha da Folha de São Paulo, deu-se com a
resenha publicada em um jornal de bairro, de infinito menor alcance do que
o poderoso jornal paulistano. Foi no "Jornal do Cambuci & Aclimação", que a resenha do EP saiu assim:
"A
Chave do Sol vem com segundo lançamento do selo Baratos Afins, só que
agora é um LP. Depois da entrada de Fran para os vocais, a proposta é de
fazer um Heavy-Metal e não um Jazz Rock que a Chave propunha
anteriormente.
O disco é um petardo e mostra que os rapazes da Chave do Sol são bons mesmo. A canção "Um Minuto Além" é bem no estilo do grupo alemão 'Scorpions'.
Um prato cheio para aqueles que curtem Rock
de boa qualidade. O negócio é correr nas lojas, antes que os discos se tornem raridades".
Ricardo Dalan
Foi tal negócio: um jornal de bairro, humilde, e uma resenha bem mais objetiva do que o tubarão do mainstream publicara.
De
fato, o resenhista detectou que o Jazz-Rock que norteava o trabalho da
banda anteriormente, ficara um pouco obscurecido pelo peso do
Heavy-Metal, mas não saíra de cena totalmente (e talvez tenha sido esse o
fator que o jornalista da Folha detectara em sua resenha e que provocara o seu
desagrado, que laconicamente chamou como: "problema").
A menção ao "Scorpions" foi precisa, na medida que o sucesso radiofônico da canção, "Still Loving You", da parte dessa banda germânica, realmente inspirou a banda a procurar uma balada nos mesmos moldes, como peça autoral para o nosso novo disco.
Acho, no entanto, que o resenhista exagerou um pouco na sua avaliação final, ao dimensionar que os discos venderiam dessa forma tão efusiva quanto preconizou, mas encaro como uma frase de efeito positiva, tão somente, como um desejo de sua parte. Não tenho certeza, mas acho que Ricardo Dalan é irmão do Dalam Júnior, baixista e colaborador do jornal, e um dos principais articuladores do evento "Praça do Rock".
E considero a
menção ao fato do disco ser um LP, como um ato falho. Realmente, mostrou-se como uma constante essa confusão, e mais uma vez fomos prejudicados por conta desse formato
não usual, em torno da rotação 45 rpm...
De volta para falar sobre os shows e demais acontecimentos ao final de 1985, o próximo compromisso após o "Rock in Chácara" realizado na cidade de Botucatu-SP, seria mais próximo da capital.
Tratou-se de uma casa noturna
chamada, "Shock", localizada na cidade de Santo André, cidade localizada na região da Grande São Paulo. Realizou-se
no dia 23 de novembro de 1985, com um público de setenta pessoas no local. Foi um
show correto, mas o equipamento disponibilizado não foi bom e mais uma
vez, fizemos o espetáculo mais na base da vontade, do que sob condições ideais.
Bem, internamente, tínhamos a resistência do Zé Luiz no tocante à simplificação dos arranjos. Em sua concepção, a marca registrada da banda, sempre fora justamente a sofisticação via Jazz-Rock.
Tirar o peso e o ranço Heavy-Metal, foi ótimo, mas passar a exercer arranjos simples, representara demais para ele. Lembro-me bem, em sua argumentação, ele costumava citar o "Rádio Táxi", como banda formada por músicos de alto nível, mas que deliberadamente faziam um som Pop simplista para atingir o público popular. Isso para ele, se mostrava como algo execrável.
No meu caso, eu temia pelo teor das novas letras, já que gostava da linha que adotávamos desde o início, a falar sobre questões sociais, ecológicas, ou a partir mesmo para o hermetismo sofisticado, quando do aproveitamento dos poemas de nosso colaborador, Julio Revoredo. Mas o Beto insistia que a reformulação deveria ser total, se quiséssemos de fato pleitear um lugar no mainstream, e nesse caso, não bastava adequar a parte musical, mas seria importante também buscarmos letras mais populares.
Ele
teve razão nos dois aspectos, é claro, ao se pensar no que o mercado mainstream investe, ainda que fosse bastante doloroso para
nós, pois ficara a sensação de que estávamos a nos vendermos para o
sistema. Bem, o único fator que foi unânime entre nós, fora a tomada de consciência que
erráramos na estratégia, ao imprimirmos peso ao trabalho, no início de 1985,
motivado por falsos boatos de que as correntes oitentistas do Hard-Rock & Heavy-Metal teriam oportunidades no
mainstream, e sendo assim, tirar esse ranço seria mais do que necessário, para 1986.
Após o show em Santo André, ao final de novembro, tivemos um tempo maior para dedicarmo-nos aos ensaios e acelerar assim o processo de composição e arranjos para muitas músicas novas, algumas aliás que já citei nominalmente no parágrafo anterior.
Esteve delineada então a nova fase da banda, ao amenizar bastante o peso imprimido no EP. Tornara-se nítida a nova tendência de se privilegiar o Hard-Rock, como base das novas ações de nossa parte.
Dessa forma, o peso se tornou bem mais amenizado, e além
disso, as letras ficaram mais coloquiais, com o Beto a propor a sua visão
mais direta, mais próxima do universo Pop. Se em algumas ainda falava-se
sobre questões sociais (a questão do apartheid na África do Sul, em "Sun
City", é o emblema dessa fase com o Beto, é óbvio), mas em: "O Que Será
de Todas as Crianças?" e "Guerra Quente", o enfoque foi sobre aquela fase
final da "Guerra Fria" entre Estados Unidos e União Soviética, ou seja,
assuntos nem tão "Pop", assim ao se tocar ainda que superficialmente, no quesito da geopolítica.
Mas claro, em "Solange" e "Saudade", o Beto levou a banda explicitamente para o caminho do Rádio Táxi (para desespero do Zé Luiz), mas aprovado ou não o romantismo extremo dessas letras, estas passaram a representar a esperança por dias melhores para a banda, quiçá alojada enfim no mainstream, pois em 1986, conforme eu contarei na correta cronologia dos fatos, seriam importantes apostas feitas através das duas demos-tapes que gravaríamos e que mandaríamos às gravadoras majors.
Em termos estéticos, a aproximação ao Hard-Rock oitentista teve um aspecto bastante interessante ao meu ver, pois se o Hard-Rock (então) moderno, oitentista, fora mais aceitável ao padrão Pop radiofônico e midiático em geral, houve similaridades visíveis com o Hard-Rock clássico setentista.
Muitas nuances das músicas novas, mais coadunavam-se com bandas setentistas clássicas como o "Led Zeppelin",
"Humble Pie" e "Bad Company", do que exemplos oitentistas da moda, como: "Ratt", "Motley Crüe" e "Quiet Riot". E no meu caso, foi um alívio, evidentemente.
Bem, em dezembro de 1985,
ainda tivemos dois compromissos. Um deu-se fora da capital, quando tocamos
como "headliner" de um festival em uma cidade do interior de São Paulo, e o
outro, foi praticamente uma festa realizada em um bar de São Paulo.
Essa nova investida no interior mostrara-se mais um fruto que colhíamos graças aos esforços reunidos por três anos de trabalho. Nessa época, já não foram incomuns os convites espontâneos vindos de contratantes de outras cidades, a buscar contratar A Chave do Sol, como banda emergente que éramos.
Ao relembrar esse fenômeno hoje em dia, não posso deixar de analisar que se por um lado constituíra-se de um "momentum" mágico, por outro, revelava-se desesperador não termos tido a oportunidade para contarmos com um empresário com real poder de cooptação e que interessasse-se por nós e vislumbrasse o nosso visível potencial de crescimento.
Dentro
dessa análise calculista, não posso também deixar de observar que se
houve o potencial artístico, o nosso material esteve mal direcionado. É claro que na
hora decisiva para travar-se uma negociação, nem o compacto, e pior ainda o EP de 1985, seriam adequados para
exibir uma amostragem do nosso áudio. Por isso, tornou-se premente a
gravação de uma demo-tape, o mais rápido que pudéssemos, a conter o
material novo que estávamos por criar. Não dá para deixar de notar que mais uma vez, lutamos contra o relógio...
Bem, de volta a mencionar sobre o show, o convite foi para participarmos de um festival de Rock, na cidade de Aguaí, no interior de São Paulo. Fora uma iniciativa da Secretaria de Cultura Municipal daquela cidade, ao tratar-se de um festival com cunho competitivo, mas pelo menos no formato de uma mostra, e não regulado por participações de uma música apenas, com a presença de bandas locais, além de cidades da região, também, e dois headliners "famosos" nos seus dois dias de duração.
O "Ira!" faria o encerramento em uma noite e A Chave do Sol, no outro. Ficamos lisonjeados por sermos considerados banda com a "aura" de estarmos no mainstream, sem o sermos de fato, diferentemente do Ira, que gozava desse status, realmente. Foi mais um sinal claro da nossa condição como emergente ao final de 1985, e que ficaria ainda mais acentuado no ano seguinte, 1986, conforme relatarei na cronologia adequada.
A aspirante a empresária, Cristiane Macedo, esteve conosco há pouco menos de dois meses, mas na prática, não havia proporcionado-nos absolutamente nada de concreto, a não ser boatos sobre colocações que alegara estar a preparar, mas que nunca viabilizaram-se. Mas assim como em Botucatu-SP, e nos shows que fizemos nesse período por São Paulo e adjacências, acompanhar-nos-ia como membro da comitiva, para Aguaí-SP, na condição de produtora & empresária.
Desta feita,
além do Edgard Puccinelli, como roadie, levamos também o Canrobert Marques, para
operar o PA e um amigo que conhecíamos há algum tempo, sob uma forma
inusitada, o Rodolpho Tedeschi, o popular "Barba".
Abro um parêntese para falar dele, Rodolpho, pois
não obstante o fato de ser um rapaz bem gentil, a curiosa maneira com a qual o
conhecemos, merece registro. O "Barba", foi morador do mesmo bairro
onde o Rubens morava, e mostrava-se aquele tipo de vizinho do qual fica-se por
anos a cumprimentar, mas sobre o qual nada se sabe, nem mesmo o seu nome.
Segundo o Rubens, fazia tempo que conheciam-se "de vista", mas nunca haviam conversado ou estabelecido amizade de uma forma concreta. Um dia, surgiu a oportunidade, ao falarem sobre música, naturalmente com a conversa tendo surgido após o Rodolpho ver a movimentação do entra e sai de cabeludos e a portarem estojos de guitarra, baixo, peças de bateria etc.
Enfim, daí, o Rodolpho "Barba" disse ser fotógrafo e logo mostrou alguns trabalhos seus, e nós apreciamos os seus clicks. Dessa forma, surgiu assim a ideia de levá-lo para fotografar alguns shows. Tínhamos sempre amigos a cumprir essa função, como o Carlos Muniz Ventura, por exemplo, mas nessa ocasião, convidamos o "Barba" para ir conosco e nos fotografar em Aguaí-SP, e ele aceitou.
Tremenda figura do bem, foi um prazer contar com ele na viagem e da parte dele a recíproca também revelou-se verdadeira, por gostar da possibilidade de viajar conosco, estar em uma equipe, fotografar o espaço do show de Rock etc.
E assim fomos para Aguaí, e logo que chegamos à localidade, vimos que havia sido publicada uma
matéria no jornal local ao nosso respeito, com destaque, pois o Rubens concedera uma boa entrevista
por telefone alguns dias antes para o jornal dessa cidade. Verificamos também que
haviam cartazes, filipetas e faixas nas principais ruas e avenidas da cidade, ou
seja, o trabalho de divulgação fora bem conduzido e os organizadores
estavam motivados, a esperarmos então a presença de um bom público.
Na noite em que tocaríamos, estavam escaladas as bandas locais e algumas de cidades vizinhas, como já salientei, mas entre elas, sob uma coincidência interessante, houve a presença do "Zenith", banda em que o nosso vocalista, Beto Cruz, havia tido passagem recente.
As bandas participantes do festival, foram: "Cabeças y Lustres", "Draco", "Calibre 12", "Sociedade Anônima", "BR", "Éden" e o "Zenith", já citado. Assim
que chegamos no local onde realizar-se-ia o show, um enorme pátio,
ficamos contentes ao verificarmos que o equipamento de PA contratado seria de bom nível e
adequado à demanda de público que esperavam contar no local, além da iluminação,
que se não era o equipamento do "Queen", mostrara-se razoável.
No soundcheck, foi tudo muito tranquilo e amistoso, conosco e com o suporte que o técnico Canrobert Marques teve para trabalhar e sempre tende a ser tensa a relação dos técnicos de equipamentos com o técnico da banda, fora a velada (as vezes, explícita), "disputa" para ver quem "entende mais" de sonorização & áudio, gerada por ciumeiras tolas, mas bem típicas desse meio.
Eliane Daic, namorada do Zé Luiz à época, a descansar dentro do famoso, Dodge Charger RT, o "Dinolamóvel", que transportou-nos à Aguaí-SP. Click de Rodolpho Tedeschi
Encerrado o soundcheck, fomos conduzidos à Kombi da produção e levaram-nos para jantar em um bom restaurante da cidade. Procuramos pela nossa empresária, mas ela simplesmente sumira. Resolvemos ir jantar sem sua presença, nessa circunstância enigmática de sua falta.
Estávamos muito satisfeitos com o tratamento e atenção dos organizadores e pareceu que seria um show tranquilo e bem-sucedido. E o foi, a não ser por dois eventos que não foram causados por culpa deles, mas quase estragou a noite.
Enfim, quando entramos no restaurante, a conversa parou em todas as mesas e a atenção recaiu em cima de nós, como se fôssemos alienígenas ao acabarmos de aterrissar em uma cidadezinha do meio-oeste norte-americano, conforme enredo de filme de Sci-Fi da década de cinquenta. Claro que foi constrangedor, mas relevamos, pois em uma questão de segundos já estávamos sentados na mesa e preocupados em analisar o cardápio e a formular pedidos aos garçons.
Esse não foi o problema, contudo. O que ocorreu, foi que tal evento incomodou um membro da nossa comitiva e após a ingestão de bebida alcoólica, tal elemento mudou o seu comportamento pessoal e passou a realizar performances agressivas para chamar a atenção geral e assim, demonstrar o seu desagrado pela recepção quase hostil com a qual havíamos tido em nossa chegada. Ao tornar-se inconveniente, passou a exagerar ao ponto de alguns clientes reclamarem com o gerente do restaurante.
Foi tão inusitado e tão rápido, que só percebemos quando ele berrava e os rapazes já haviam sumido em meio à multidão. Bem, fora uma provocação gratuita, com o intuito claro da provocação e a nossa reação de imediato foi ajudá-lo, talvez a localizar os vagabundos, mas naquela balbúrdia, foi impossível.
"Um Muro de Decibéis
'A ideia de um encontro de Rock como esse é excelente porque abre espaços, principalmente para o interior, que sempre foi muito criativo'.
Os vocais que no disco eram de Fran, agora estão por conta de Roberto, um músico muito experiente, com passagens em várias bandas, e que está com a Chave, há cerca de três meses. Extremamente profissional, o grupo já fez mais de 100 shows pelo interior do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro e completou mais de 20 aparições na TV.
Bem, a jornalista, Célia Coltro usou frases de efeito colhidas durante sua entrevista telefônica, e mesclou-as à informações contidas no release da banda, isso é nítido. Positivo ter dado essa ênfase, sem contar a foto promocional publicada, já da mais recente sessão de fotos, com o Beto Cruz inserido na formação.
A noitada foi excelente no Café Brasil e o dono animou-se. Daí em diante, esse rapaz agendou shows com bandas autorais, ao menos uma vez por semana, para tornar a sua casa, um outro espaço forte para o Rock autoral na cidade de São Paulo. E A Chave do Sol voltaria nesse mesmo estabelecimento, no ano de 1986, por mais duas vezes, conforme comentarei no momento oportuno.
Permito-me realizar um balanço com poder de análise, e embasada pelo distanciamento histórico:
Chegamos ao final de 1985 com mais uma mudança radical de planejamento. Exatamente um ano antes, estávamos a fechar 1984, na mesma situação, em um misto de euforia pelas perspectivas, com preocupação pelas mudanças que precisávamos empreender.
Ao analisar hoje em dia (2016), está claro que faltou-nos um direcionamento orientado por alguém que realmente conhecesse o mercado. Empreender tantas trocas de membros e orientação artística da banda, só prejudicou-nos em todos os sentidos.
1) Para que?
2) Onde achá-los?
O "para que" é emblemático por si só, pois sendo práticos, o vocal do Rubens teria sido suficiente para suprir quaisquer necessidades com teor Pop do mercado. O próprio Zé Luiz também tinha potencial vocal e nós três fazíamos backing vocals (ainda que no meu caso, eu reconheça que só fui melhorar nesse quesito depois do trabalho com o Sidharta, em 1997 e aprimorar ao vivo com a Patrulha do Espaço, a partir de 1999).
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