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segunda-feira, 18 de maio de 2015

A Chave do Sol - Capítulo 10 - Beto Cruz e uma Nova Mudança Radical - Por Luiz Domingues

Beto Cruz rapidamente começou a trabalhar conosco, pois o tempo urgia. Teríamos compromissos agendados e ele precisava adaptar-se à banda o quanto antes. 

Em princípio, ele teria que cantar todas as músicas do EP, mais "Luz", do compacto. Eventualmente contaríamos com "Átila" e "18 Horas" a constarem no repertório, mas não queríamos carregar muito nas músicas instrumentais. O fato dele ser guitarrista, animou-nos, pois além de ser uma possibilidade inédita para a banda, facilitaria e muito o processo de criação de novas canções, pois ele também era um bom compositor e criador de Riffs.

Em princípio, não cogitávamos que ele tocasse guitarra nos shows, mas foi uma real possibilidade que não descartávamos para o futuro. Ele começou a ensaiar conosco ainda naquela semana e nós gostamos muito do astral dele, sob vários aspectos. 

Além de apresentar-se apto como cantor, guitarrista e compositor/letrista, o Beto mostrava-se decidido, com personalidade forte. Ele tinha consigo muitas ideias sobre gerenciamento, marketing e tal demonstração de versatilidade de sua parte, agradou-nos bastante.

E ele sabia exatamente que fora uma oportunidade muito boa que estava a agarrar para si, pessoalmente, ao saber dimensionar o tamanho que A Chave do Sol tinha naquele momento e a possibilidade de crescimento que a banda demonstrava ter. 

Agimos o mais rápido que pudemos e providenciamos uma sessão de fotos imediatamente, um novo release, e usamos a mala postal do fã-  clube para anunciar a notícia oficial de sua entrada na banda.

O Luiz Calanca lamentou a saída do Fran e certamente, como produtor fonográfico da banda, enxergou nessa troca, com o novo disco ainda quente, por estar recém-saído da fornalha, um prejuízo e tanto para o seu investimento. Ele teve razão sob esse aspecto, certamente. No entanto, o que poderíamos fazer? 

Sobre o Beto, as informações que tínhamos davam conta de ele havia tido uma recente participação em uma banda Hard-Rock, radicada no interior de São Paulo (na cidade de Mogi-Guaçu), denominada: "Zenith". Tratava-se de uma boa banda, com bons instrumentistas em sua formação e a contar com composições de bom nível em seu repertório, vide a balada "Change My Evil Ways", que fazia parte do seu material de criação, mas como tratava-se de uma composição de seu guitarrista (Zé Carlos Vasconcellos), em parceria com o Beto, este último a trouxe para A Chave do Sol, em um futuro ainda distante deste ponto da narrativa, para que a gravássemos ao final de 1987, como peça do LP The Key.

E antes da passagem pelo Zenith, o Beto Cruz vinha de uma banda de covers, onde o baixista fora o seu irmão, Claudio Cruz (baixista que viria a ser componente do "Harppia", a partir de 1986), e um dos bateristas que por ali passou, foi, Charles Gavin, que posteriormente foi fundador do "Ira!" e depois, membro d'Os "Titãs". 

A orientação musical do Beto, era toda firmada na estética sonora dos anos 1970. Ele gostava de coisas boas dos anos 1960, certamente, mas do que gostava mesmo, era das "setenteiras", notadamente o Hard-Rock de bandas britânicas como o Led Zeppelin, Bad Company & afins. Em termos vocais, ele gostava muito de Robert Plant e David Coverdale, e dessa forma, saíra de nossa vida, a voz rouca do Fran Alves e ganhávamos com uma voz mais "aveludada", talvez mais palatável aos ouvidos do público, que tanto estranhara e rejeitou a voz potente de nosso ex-vocalista. 

Bem, essas foram as primeiras impressões e informações sobre o Beto Cruz, que obtivemos logo no início de sua entrada na banda. Teríamos dois shows para cumprir já no início de novembro, e ambos apresentavam características de shows para um público de grande porte. Ambos acumularam histórias e algumas bem engraçadas...

Uma das histórias, começou na verdade, alguns dias antes do show em questão. Surgira uma proposta para tocarmos em um show coletivo, na cidade de Santos, no litoral de São Paulo. Ele seria realizado no ginásio poliesportivo do Santos Futebol Clube, anexo ao estádio Urbano Caldeira, popularmente conhecido como: "Vila Belmiro". 

O contato fora de um produtor com escritório localizado no centro velho de São Paulo e que segundo apuramos preliminarmente entre colegas que também haviam sido contatados, tratava-se de um típico empresário popularesco, daqueles que lidam com tal espectro musical, e portanto, não detinha nenhuma experiência com shows de Rock. 

O sinal amarelo acendeu não só em nossa percepção, mas nas de vários colegas de outras bandas que estavam envolvidas nessa especulação. Contudo, não poderíamos descartar imediatamente, sem ao menos conhecer a proposta do rapaz, e assim fomos conversar, naturalmente. O sujeito era bastante prolixo e demonstrava uma confiança no que dizia, sem dúvida. 

Fora, contudo, uma pessoa com poucos recursos educacionais e portanto, demonstrava ter baixo nível cultural por consequência, porém, dentro do seu ramo de atividades, parecia ter uma noção básica, ainda que sob a ressalva que seu métier era o mundo da música popularesca, e nesse aspecto, as produções pelas quais estava acostumado a lidar, sem dúvida, respondiam aos parâmetros medidos pelo baixo nível no tocante ao uso de equipamentos. 

Para não dizer que grande parte das produções que fazia, com tais artistas, tratava-se na verdade do famigerado recurso do playback, ou seja, shows onde dispensava-se a necessidade de tocar-se e cantar ao vivo, prática normal entre tais artistas, mas para Rockers como nós, causava-nos arrepios, tal ideia. 

O sujeito falou sobre como seria o "festival", o equipamento que teríamos ao nosso dispor, estrutura de camarim e a logística do transporte, com um ônibus fretado pela produção, a sair do centro de São Paulo e conduzir todas as bandas participantes. Falou sobre a divulgação que parecia eficaz, com inclusive apoio de Rádio e da TV local, e o melhor de tudo: um cachê fixo e com um valor digno, eu diria. Para um sujeito rude como ele apresentara-se, esse aceno todo, chegou a surpreender-nos, inicialmente.

Foto extraída da primeira sessão de fotos com Beto Cruz, já integrado à banda. Novembro de 1985

Ponderamos que seria uma oportunidade boa para o Beto fazer a sua estreia, a quebrar-se o gelo, visto que no dia seguinte, teríamos um show no Sesc Campestre, em São Paulo e nós tratávamos tal compromisso com maior cuidado, primeiro por ser uma unidade de Sesc, onde sempre houve da parte de nós músicos militantes dos subterrâneos da música, a preocupação de causar uma boa impressão nos bastidores, para visar entrarmos nesse circuito cobiçado de forma definitiva e não sazonal, e segundo, por que havia a perspectiva de jornalistas estarem presentes para cobrir o show. 

E mesmo que o show de Santos não fosse uma maravilha em sua estrutura, o tal produtor oferecera-nos a perspectiva de um contrato assinado, o que foi uma rara ocasião em que sentir-nos-íamos seguros em relação ao cumprimento das promessas feitas. Nesse caso, não tínhamos nada a perder, sob uma leitura bem superficial, visto que no show business não basta tal prerrogativa na relação artista x empresário. 

Dessa maneira, fechamos o contrato e nos colocamos oficialmente escalados para o tal festival. Uma exigência do contratante, no entanto, causou-nos um aborrecimento inevitável. Dada a circunstância do contrato, fomos obrigados a regularizar a nossa situação na Ordem dos Músicos e ter que passarmos novamente (no meu caso), pela ridícula prova de aptidão, fora o pior de tudo, pagar as taxas altas e abusivas cobradas por tal instituição. Hoje, a Ordem dos Músicos abrandou muito a sua rigidez imprópria de outrora, mas naquela época, fora liderada por um ditador monolítico e perpétuo a preconizar tal rigidez sem contrapartidas aos artistas. 

Nesses termos, foi sempre odioso termos que nos submeter às suas regras e sobretudo desembolsar uma quantia significativa para ter o "direito" de tocar, sem ser importunado por seus "fiscais", geralmente brucutus arrogantes e intransigentes, prontos a tomar atitudes desagradáveis, como verdadeiros agentes da Gestapo.

Eu detinha a minha carteira desde 1982, mas em 1985, relaxei a guarda e não paguei a anuidade, portanto fui obrigado a pagar a multa e naquela época, o exame de aptidão era obrigatório, todo ano, a causar constrangimentos generalizados. Os meus colegas tiveram que preparar as suas respectivas carteiras pela primeira vez, pois há anos postergavam tal "obrigação". Paciência, pensamos, pois se o contrato em questão exigia tal documento regularizado, achamos que valeria a pena, pois o cachê acordado fora bom.

Os ensaios intensificaram-se com a proximidade desses shows iniciais, com o Beto Cruz na banda. Apesar do pouco tempo que dispúnhamos, estávamos confiantes, pois a banda estava muito ensaiada, e a questão imediata que precisamos resolver seria apenas a adaptação do Beto. 
E da parte dele, estávamos tranquilos, pois todo o empenho estava a ser empregado, ao demonstrar profissionalismo, mas acima de tudo, uma forte determinação de sua parte que animou-nos, certamente. No entanto, as músicas do EP, que ele teria que cantar, não foram exatamente do seu agrado. 
Ele foi sincero logo de início, ao dizer-nos que aquele peso todo, mostrava-se excessivo em demasia para o seu gosto pessoal, e achava que exagerávamos nas firulas instrumentais, um recurso que trazíamos da nossa influência de Jazz-Rock setentista, desde o início das atividades da banda em 1982. 
 
Nesses termos, ele sabia que teria que cantá-las, ao menos nos seus primeiros meses na banda, mas deixou claro que ansiava por mudanças estruturais no som. De fato, a questão do EP e sua sonoridade, foi objeto de nossas discussões internas.
 
Por todos os motivos que já eu expus nesta narrativa, ficara claro que precisávamos e queríamos mudar. Eu e Rubens gostamos da ideia do Beto de conduzir a sonoridade da banda mais para o Hard Rock, ainda que baseada na escola oitentista em voga, porém com pitadas (sutis), do velho Hard-Rock setentista, que foi efetivamente o que gostávamos.
O Whitesnake tornou-se um exemplo para nós, portanto, como banda oitentista (sei que a banda começou as suas atividades ainda nos setenta, não assuste-se, leitor, não estou desinformado!), que ainda trazia tais traços em sua sonoridade e nesses termos, seria uma saída honrosa para abandonarmos a escolha errada que efetuáramos no sentido do Heavy-Metal, expresso no EP, recém lançado. 
 
Porém, houve um problema básico nessa mudança. O Beto não criticava apenas o peso, mas falava também sobre o teor das letras inadequadas em sua concepção e o excesso de firulas, nos arranjos. 
O seu discurso tinha bastante bom senso, pois falou bastante sobre adequar o som ao padrão mais Pop possível, se realmente desejássemos tentar a sorte no mundo mainstream. Claro que teve coerência e nesse sentido, eu e Rubens concordávamos, ainda que um pouco relutantes, com a dúvida a pairar no ar: até que ponto seriam tais mudanças? 
 
Todavia, o conflito instaurou-se mesmo foi com o Zé Luiz, pois amenizar o som, para tirar o peso e o ranço Heavy-Metal, seria salutar para o Dinola, mas na questão das "firulas do Jazz-Rock", ele não gostou nem um pouco do discurso do Beto e contra-argumentou com bastante veemência, a colocar que os arranjos elaborados sempre foram a marca registrada da nossa banda, desde o início das nossas atividades em 1982.
 
Isso que ele afirmara, teve a sua razão de ser, mas ao mesmo tempo, se pleiteávamos um lugar ao sol (com o perdão do trocadilho), no mainstream, fazia-se mister que o som fosse simplificado ao máximo.
 
Tal discussão não foi fácil. O Zé Luiz relutou bastante, não foi na primeira tentativa que ele aceitou a simplificação de nosso trabalho, ao render muitas, mas muitas mesmo, conversas em grupo e outras tantas individuais entre ele e eu. Enfim, com o passar do tempo, essa resistência foi sendo quebrada e assim, ao final de 1985, começamos a trabalhar em uma série de músicas novas que já passaram a ter a característica do Hard-Rock, com letras mais simples, e sobretudo, com arranjos bem mais simplificados, a conferir uma roupagem muito mais Pop para a banda. 
Skowa, um artista multifacetado e também empenhado em produção e ativismo cultural
 
A retroagir um pouco, antes de falar sobre os shows de estreia do Beto Cruz, eu devo registrar uma entrevista que eu e Rubens concedemos ao programa: "Os Rapazes da Banda", apresentado pelo multi-músico e agitador cultural, "Skowa", na Rádio USP FM, em 20 de outubro de 1985. 
 
Foi um programa com uma hora de duração, quando tivemos a oportunidade para falarmos bastante sobre o trabalho, execução de várias músicas e sob um astral leve com o Skowa e a garota que o assessorava e cujo nome não recordo-me. Sobre o programa, apesar desse título, que poderia sugerir algo muito diferente (para quem liga-se em dramaturgia, "Os Rapazes da Banda" é uma peça teatral centrada no universo gay), mas neste caso, o Skowa quis fazer mesmo um trocadilho com a questão musical.
 
Essa entrevista eu também ainda tenho preservada em uma fita K7, e tenho planos para disponibilizá-la no YouTube. De volta a falar a respeito do show de Santos, no ginásio do Santos Futebol Clube daqui em diante.
Aceitamos as condições e assinamos o contrato, mas estávamos obviamente com uma desconfiança, quiçá duas, pois naquela altura dos acontecimentos, mesmo sendo jovens, já tínhamos uma vivência que deixava-nos ressabiados com esse tipo de profissional do nível desse produtor que contratara-nos. 
 
Chegou o dia do show e o ônibus fretado que levar-nos-ia, estava estacionado no local e horário combinado, previamente. Foi por volta do meio dia, e naquela época, sem os congestionamentos monstruosos que observamos hoje em dia, a ida ao litoral foi realizada com uma hora de duração, aproximadamente.
O ônibus fretado não foi de primeira linha, pelo contrário, tratou-se de um velho Mercedes, dos anos setenta, com bastante kilometragem marcada no seu velocímetro, e não estava lá muito bem cuidado em seu interior. Entramos, junto com músicos de outras bandas que participariam também, e para amenizar a jornada, muitos ali presentes eram amigos nossos, a tornar a experiência mais amena.
 
Todavia, apesar desse bom ambiente com os colegas, o clima dessa viagem foi tenso. Tanto o tal produtor, quanto os seus asseclas, portaram-se extremamente rudes e ao tratarem-nos como colegiais de uma excursão escolar.
Alguém fez algum comentário sobre a produção ser tosca e o show estar ameaçado com esse tipo de atitude perpetrada por essa gente, quando um desses produtores ouviu, e foi contar para o tal empresário. Este ficou enfurecido e no meio da viagem, fez um discurso rude sobre "exigir respeito" etc. 
 
Para piorar e muito a situação, este senhor destemperado ameaçou cancelar o show ali mesmo (claro que foi um blefe, pois a responsabilidade recairia sobre as suas costas, em tese), mas exagerou, ao dizer que se não colaborássemos, ordenaria que fôssemos expulsos do ônibus, e deixados no meio da estrada, com instrumentos na mão. Muitos gritos e ameaças foram proferidas pelos asseclas do fulano, e para não conturbar mais o ambiente, a discussão acabou, por uma questão de bom senso, mesmo por que, um colega nosso relatou-nos que viu que os asseclas do rapaz estavam armados. Aonde fomos envolver-nos, ao lidar com pessoas de baixo nível?

Isso sem contar que o ônibus acusou uma pane e chegou a ter um princípio de incêndio já na descida da serra, que foi logo coibido por extintores, no entanto, que viagem conturbada! Bem, o resto da viagem foi feita em silêncio e só restara-nos torcer para que o show fosse razoável pelo menos, pois esteve claro que seria tensa a relação com essa gente.
Essa foto performática foi clicada pelo poeta, Julio Revoredo, em algum momento de 1984. Trata-se da minha, Luiz, própria sombra e lembra de certa forma, o personagem "Nosferatu", da sua versão clássica de 1922, do diretor, Murnau. E tal fantasmagoria espelha bem o clima de terror que vivemos, ao interagirmos com essa produção que estou a descrever, sobre esse show em Santos-SP...
Click, acervo e cortesia de Julio Revoredo


Chegamos enfim ao ginásio do Santos Futebol Clube e verificamos que o equipamento de PA contratado mostrava-se absolutamente ridículo. Tal equipamento serviria para animar uma festinha de salão de festas de condomínio, desde que limitado à função prosaica de alimentar um pick-up, tape deck, ou receiver, tão somente. 
 
Todos os músicos das banda se agitaram com tal constatação, pois o sujeito (ir)responsável pela insanidade de contratar um equipamento de sonorização "Hi-Fi" para servir como PA de show de Rock, foi no mínimo, um incauto, mas ao considerar-se que na reunião prévia realizada em seu escritório, a lista apresentada como "rider técnico", mostrara-se compatível com as nossas necessidades básicas, só poderíamos deduzir que tratou-se mesmo de uma tremenda pilantragem da parte do elemento. Uma pressão começou a irromper para cima do sujeito, e os seus ajudantes truculentos ficaram atentos, mas na prática, não houve como não reclamar diante de um disparate desse nível.
Com aquele equipamento, seria impossível fazer o show, e o elemento percebeu tardiamente, é bem verdade, que não estava a lidar com artistas popularescos apresentavam-se com qualquer equipamento, pois muitas vezes, nem tinham crivo pessoal para notar a precariedade, ao não dimensionar o prejuízo que isso causar-lhes-ia, quando a se apresentarem com uma estrutura de áudio, horrorosa.
 
O equipamento de palco (backline), também mostrou-se deprimente, com a presença de amplificadores inadequados, não só pela baixa qualidade, mas sobretudo pela falta de potência conveniente para o tamanho daquele ginásio. A iluminação seguiu o mesmo padrão, com duas torres laterais, e com poucos spots de 500, que no máximo serviriam como apoio, mas jamais como estrutura total para um palco daquele tamanho. 
 
Então, alguém sugeriu uma solução paliativa para não arruinar o show de vez (hoje eu penso: não teria sido melhor cancelar?), e daí, ligaram para o baixista da banda de Metal extremo, "Vulcano", o Zhema, que era dono de um equipamento de palco e com algum reforço para vitaminar aquele PA ridículo que o empresário havia providenciado.
Por sorte, o Zhema estava em Santos e sem compromisso para aquela noite, pois o Vulcano não tinha show, tampouco a banda cover que ele mantinha regularmente, especializada em fazer tributos ao Creedence Clearwater Revival pela noite. 
 
Dessa forma, Zhema veio gentilmente veio em socorro e solidariedade às bandas, das quais era amigo de quase todos os seus membros e não cobrou nada do rapaz, mas fez um pedido, que pareceu-nos óbvio: que o Vulcano fosse incluído e tocasse também. Da parte de todos, não haveria nenhuma objeção, pelo contrário, seria o mínimo em retribuição ao esforço de ajuda que ele empregara. Alguns telefonemas depois, e após localizar seus companheiros de banda, o Zhema sinalizou que o Vulcano participaria, mas estava certo que emprestaria o seu equipamento, mesmo que não fosse possível a participação de sua banda. O fato, é que para quem não o conhece, o Zhema é um sujeito extremamente gentil, cortês e prestativo, e todas as vezes em que eu interagi com ele, sempre fiquei com essa impressão positiva de sua pessoa.
A tarde correra e o horário para a realização de um soundcheck minimamente decente, já não existiu mais. Seria montar o equipamento do Zhema e tentar salvar a noite na base da paciência e boa vontade, tão somente. Ninguém ali nutriu esperança de apresentarmos um som com qualidade, e para quem é músico, sabe bem que ter essa realidade concreta como perspectiva, desanima muito. 
 
O ânimo foi para o subsolo, diante de tais condições inóspitas. Claro, com esse panorama todo que delineara-se, os cochichos sobre um eventual calote do contratante em relação ao cachê acordado, começou a ganhar força nos bastidores. Bem, talvez a única ação positiva perpetrada por esse sujeito, foi cumprir o compromisso de servir-nos um almoço decente, ainda que no cômputo geral fosse uma mera obrigação trivial de qualquer contratante. 
 
E de fato, com o apoio do restaurante interno do Santos Futebol Clube, a comida servida foi farta e com qualidade. As copeiras do clube montaram uma mesa gigante e os membros das bandas misturaram-se em confraternização total. 
 
Lembro-me de haver sentado-me ao lado do Clemente e do Ronaldo, membros d'Os "Inocentes". Ambos foram extremamente simpáticos e eu já os conhecia na verdade, desde 1983. Eles foram assistir A Chave do Sol algumas vezes no Teatro Lira Paulistana, além de muitos shows coletivos em que participamos juntos, ainda mais pela coincidência sobre o técnico de som deles, Canrobert Marques, ter tornado-se o nosso técnico, também. 
 
Nos cartazes e filipetas do show, estiveram relacionadas as seguintes bandas: "Língua de Trapo", "A Chave do Sol", "Sparadrapo", "Abutre", "Os Inocentes", "Eclipse", "Santuário" e "Salário Mínimo". O fato do Língua de Trapo estar na relação do micro festival, foi um dos fatores que animara-nos a fechar também, por uma questão de credibilidade. Mas no dia do show, simplesmente os seus componentes não estiveram presentes no ônibus da produção, e ninguém fez menção alguma de que apareceriam por conta própria. Claro que foi um outro sinal de que as coisas estavam muito erradas nessa produção.
Se não apareceram, por conhecer bem o Língua de Trapo em seu âmago, e sobretudo, o seu empresário, Jerome Vonk, ficara claro que não haviam assinado contrato e não viriam, certamente. Depois de algum tempo, eu soube que o Língua de Trapo nunca acertara nada com esse empresário energúmeno e que pelo contrário, o Jerome estava a processar o sujeito, pelo nome da banda ter sido incluído indevidamente nos cartazes e filipetas. 
 
Bem, o equipamento foi montado às pressas e mesmo com toda a boa vontade do Zhema, claro que as condições seriam precárias, mesmo por que, nem que um PA de alto nível estivesse à disposição, sonorizar show de Rock em ginásio de esportes é sempre traumático pelas condições acústicas inóspitas. Fora tudo isso, agravar-se-ia ainda mais a ruindade sonora do evento, se o público fosse pequeno, pois em tese, quanto mais gente estiver presente, maior a possibilidade de se abafar e coibir frequências desagradáveis.
 
Sem tempo algum para um soundcheck decente, os portões do ginásio abriram-se para o público e o Vulcano iniciou o evento, ao servir como cobaia das outras bandas, com a mixagem do PA a ser corrigida com o show em andamento. Tal prática é equivale a de um mecânico fazer reparos em um avião em pleno ar, com a devida licença que eu peço ao leitor pelo uso da metáfora surrada.
Um outro fator muito desanimador, como se não houvessem vários naquele evento, foi a baixíssima presença de público. Sinal claro que a divulgação também falhara, pois se houveram cartazetes e filipetas, a pergunta foi: quantos foram realmente impressos na gráfica e sobretudo, o que foi efetivamente para as ruas? Ao olhar para o ginásio vazio, com apenas oitenta pessoas espalhadas pelas arquibancadas e pista, onde caberia três mil ou mais, realmente foi desalentador.
Ainda mais ao testemunharmos as bandas a apresentarem-se naquele palco todo improvisado e sob uma iluminação vergonhosa, que certos festivais colegiais costumam ter bem mais estruturada.

No camarim (que também foi todo improvisado, por tratar-se de vestiário para times de basquete, vôlei, futsal e afins), a piada da noite entre os membros das bandas, foi que haviam mais músicos ali, do que público para assistir-nos. O tal "empresário" e os seus asseclas estavam ainda mais tensos, naturalmente por sentir a iminência do prejuízo, mas o que poderia ser feito, se tudo fora obra malograda da parte deles mesmos?
Enfim, a cada banda que subia ao palco, ficara nítido o desânimo e uns incentivavam os outros com aqueles comentários típicos para esse tipo de situação, ou seja, o panorama ficou feio mesmo, e só restara-nos então, a dignidade para fazermos o melhor possível em prol do público, que dignou-se a comparecer, e pagar por um lixo de produção daquele nível. 
 
Fomos um dos últimos a apresentarmo-nos. O combinado inicial fora para usarmos cerca de quarenta minutos para cada banda, entretanto, todas de comum acordo abreviaram os seus respectivos sets, ao visar minimizar o sofrimento generalizado, inclusive do público, que realmente estava a receber um produto deteriorado com aquelas condições de áudio e luz, sob baixo nível. 
 
O nosso show foi de choque, como o combinado. Tocamos as músicas: "Ufos", "Segredos", "Anjo Rebelde", "Um Minuto Além", e "Luz".
O Beto cantou as músicas com toda a sua boa vontade, mas o equipamento não auxiliou-nos de forma alguma. Tentamos tocar mais baixo do que o padrão confortável normalmente para nós no palco, mas a reverberação em um ginásio de esportes mostrou-se enorme, e assim, tornou o som, uma maçaroca inevitável (e lastimável). 
 
Por incrível que pareça, a reação do público foi calorosa, apesar do horror sonoro que ouviam por causa daquelas condições precárias. Acho que reconheceram o nosso esforço, para tocar com uma performance normal, como se tudo estivesse às mil maravilhas.

Encerrada a noite de terror, voltamos para São Paulo em profundo silêncio naquele ônibus, pois definitivamente, não seria aconselhável exercer qualquer tipo de comentário e fomentar a irritabilidade daqueles indivíduos, ainda mais depois de um dia marcado por tantas adversidades. Ao chegarmos em São Paulo no meio da madrugada, as despedidas foram discretíssimas, pois aquele ambiente pareceu com um barril de pólvora prestes a explodir. E para não dizer que tudo fora um desastre, contabilizamos a oportunidade do Beto quebrar o gelo com a banda, com uma estreia, enfim.
E como curiosidade, o fato de termos dado um passeio pelo estádio da Vila Belmiro, ainda no período vespertino, que foi prazeroso, é claro. Além de termos visto e cumprimentado um grupo de ex-jogadores do Santos Futebol Clube, que jogavam uma partida de pôquer, animadamente, juntamente com o famoso ator, Nuno Leal Maia.
 
Quanto ao cachê, bem, seria pedir demais que o tal empresário honrasse o tal contrato, não é?  E já que fomos obrigados a regularizar a nossa situação com a Ordem dos Músicos, levamos o contrato desonrado para o corpo jurídico da Ordem, que teoricamente existia para proteger-nos. Bem, isso aconteceu em novembro de 1985. Estou a escrever este trecho da história em 2016 e até agora o caso não foi resolvido. Prescreveu, não é mesmo?
 
No dia seguinte, teríamos enfim um show dignamente produzido e o Beto faria de fato a sua estreia, decentemente...
Após um sábado difícil, ao lidarmos com adversidades para lá de presumíveis (mas que não tivemos a capacidade de discernir à época, ao ponto de evitá-las, simplesmente), o domingo pareceu-nos ser mais promissor e digno para A Chave do Sol, e de fato, o foi mesmo. O compromisso seria na unidade do Sesc, conhecida como Sesc Campestre, uma bela instalação, a conter muita natureza, lagos, e equipamentos de lazer aos montes, incluso muitas piscinas.
O show seria realizado em uma concha acústica sui generis, pois ficava instalada dentro de um lago, sob razoável extensão de comprimento e largura, com o público a acomodar-se na margem do outro lado, em um declive que insinuava-se como uma pequena encosta. Visualmente a descrever foi muito bonito e claro que foi prazeroso ter tocado ali, por esse e outros motivos. 
Alguns anos depois, esse mesmo palco seria o espaço oficial para o programa da TV Cultura, "Bem Brasil", onde muitos artistas da MPB e também do Rock brasileiro tocaram, incluso o "Big Balls" do Xando Zupo, futuro companheiro meu no "Pedra" (acho que o Golpe de Estado também tocou nesse programa, enfim).
Esse show fora marcado graças à intervenção do Luiz Calanca e nós dividiríamos o palco com o Centúrias e o Platina, bandas do elenco da Baratos Afins, também. Chegamos no Sesc Campestre no horário combinado e o soundcheck foi muito rápido, por tratar-se de um palco ao ar livre, e assim não ser possível realizá-lo com a devida calma, o que seria de bom alvitre.
Mas esse não seria um grande problema, pois o equipamento locado foi de bom nível e os técnicos, competentes. Portanto, estivemos confiantes de que mesmo sem um soundcheck mais apurado, tudo daria certo. O Centúrias tocou primeiro, e da coxia, o som da banda parecia agradável na monitoração, para tocar-se com segurança. Mas quando o show deles encerrou-se, observamos que os seus componentes que saíram do palco com queixas sobre a monitoração, e isso acendeu a luz amarela para nós.
Levamos o Edgard Puccinelli Filho, popular, "Pulgão", como roadie, e ele insistiu para recitar um de seus poemas antes do nosso show. Achamos que não haveria nada a desabonar a nossa apresentação se ele recitasse ao público, um pouco antes de entrarmos em cena, mesmo por que, ele era extremamente divertido em sua forma de se expressar e as suas performances tresloucadas arrancavam risadas e euforia, geralmente. 
Mas ao pensar hoje em dia, será que agimos certo? Bem, lá foi ele declamar, "A Morte", um de seus poemas. Apesar da declamação ser muito exótica, o tema por ele escolhido mostrara-se mórbido e convenhamos, não seria um show Dark ou Gótico no "Madame Satã", mas uma apresentação a ser realizada no período da tarde, sob um ambiente bucólico, ao ar livre, com muito sol e calor, portanto, com as pessoas a aproveitarem o dia, quase sob um clima de "pic-nic". 

Enfim, muita gente riu, houveram aplausos, mas quando lemos a resenha do show, publicada na revista "Metal", algum tempo depois, ficamos surpresos por ver que o crítico, Antonio Carlos Monteiro, não aprovara a performance, pois deixou registrado assim, seu desagravo. O show foi curto, pois fora compartilhado com outras bandas, mas foi muito bom. O Beto já conseguiu soltar-se um pouco mais e nesse aspecto, o desastre sonoro pelo qual fomos submetidos em Santos-SP na noite anterior, tornou-se benéfico, como efeito de preparação, digamos assim. 
Lembro-me que a energia foi muito grande. Um dado curioso ocorreu nesse dia e que desencadeou uma mudança de vida para o Beto, dali em diante, ao acompanhá-lo pelo resto de sua estada à frente da banda. Acho que posso narrar isto, pois não é nada comprometedor e ele não teria motivo para chatear-se com tal revelação. Pois ocorreu que graças a esse show, alguns comentários sobre a aparência dele chegaram até nós. Por ser vocalista e estar mais exposto, sem um instrumento às mãos, qualquer pequena saliência que apresentasse no seu abdômen, poderia ser detectada, principalmente pelas mulheres, sempre mais observadoras.
E assim, uma gordurinha chamou a atenção desse tipo de audiência, e tais comentários incomodaram-no. Não deu outra, na segunda-feira posterior, ele matriculou-se em uma academia de ginástica perto de sua casa, e a chamada "malhação", tornou-se uma rotina na sua vida. Mas ele teve razão em cuidar-se, pois vocalistas são os músicos que mais chamam a atenção do público em geral, e por ser dessa forma, eis que ele passou a observar isso com atenção. 
E não foi nada demais a tal gordurinha extra que ele apresentava nesse início de sua estada em nossa banda e confesso, no lugar dele, eu não teria tomado providência alguma no campo estético. Assim foi o show no Sesc Campestre, no dia 10 de novembro de 1985, sob um domingo quente. Segundo os produtores do Sesc, houve cerca de mil pessoas a assistir-nos.
 
Resenha sobre o Show realizado no Sesc Campestre, em São Paulo, publicada na Revista Metal, algum tempo depois e também a conter a resenha sobre os shows de lançamento do EP, no Teatro Lira Paulistana, ainda com Fran Alves na banda. Sobre a performance do Edgard a declamar um poema no Sesc Campestre, o crítico musical, Antonio Carlos Monteiro, observou: -"após uma pausa em que uma figura estranha surgiu no palco para declamar alguns poemas sem senso, nem lógica, apareceu A Chave do Sol"...

E não houve muito tempo para respirar (ainda bem!), pois o próximo compromisso seria logo em seguida. Tínhamos sido convidados para um show em um evento no interior de São Paulo e seria realizado na ambientação rural de uma chácara, próxima à cidade de Botucatu, no centro do estado. O cachê acordado foi muito bom, mas ao contrário do show de Santos, onde houve um contrato formal, assinado e com reconhecimento de firmas mediante a ação cartorial, desta feita o acordo fora verbal, mas na inversa proporção, a confiança que tivemos foi total, mesmo não sendo os organizadores do festival, conhecidos nossos, propriamente dito.
 
Fomos cedo para Botucatu-SP, no dia do próprio show, mediante carros particulares e a viagem transcorreu de uma forma tranquila e prazerosa.
Foto ilustrativa, não era esse exatamente o Dodge Dart que o Zé Luiz possuía naquela época, mas era nessa linha de pintura cor de vinho com capota de vinil, embora o dele fosse o modelo, "Charger RT" 

Em nossa comitiva, além dos quatro integrantes do nosso grupo, tivemos a presença da aspirante a produtora, Cristiane Macedo, que também foi conosco, além de Edgard "Pulgão" Puccinelli Filho, Eliane Daic (namorada do Zé Luiz desde o início de 1984, e que sempre ajudava-nos na produção, inclusive ao acionar explosões pirotécnicas), e o técnico de som, Nico, que conhecêramos no estúdio Vice-Versa, por ocasião da gravação do EP, recentemente.
 
A nossa primeira ideia seria levar o amigo Canrobert Marques, mas este estava compromissado com outro artista na mesma data (provavelmente "Os Inocentes", não recordo-me com certeza), e assim, levamos o Nico, que mostrava-se bem competente como técnico e foi uma companhia agradável durante a viagem. Chegamos na cidade e fomos diretamente à residência de um dos contratantes, e de lá, fomos guiados à chácara, que localizava-se na zona rural daquele município.
O evento, por sinal, chamara-se, "Rock in Chácara", uma alusão ao "Rock in Rio" e aliás, em 1985 isso tornou-se uma febre, com muitos festivais por todo o Brasil a copiar descaradamente tal título, no afã de tentar aproveitar-se do vácuo produzido pelo festival realizado no Rio, em janeiro do mesmo ano. 
 
A tal chácara pareceu-me muito simpática e a estrutura do festival mostrou-se simples, a conter um palco de sustentação de madeira, relativamente baixo para as apresentações e barracas com comidas e bebidas para servir ao público em geral. O PA e o sistema de iluminação disponibilizados foram dignos, sem muito luxo, mas suficiente para suprir a área onde o palco fora montado. 
 
Os organizadores esperavam entre mil e duas mil pessoas presentes, e nós seríamos a atração principal da noite, com duas bandas locais a fazerem os shows de abertura. A hospitalidade dos organizadores foi muito grande, e um almoço muito farto, tipicamente interiorano, foi servido-nos, e com direito a sobremesas maravilhosas, feitas com frutas colhidas no próprio pomar da referida chácara.
 
Contudo, como quase sempre acontece em localidades interioranas, a hospitalidade não ficaria apenas nesses aspectos comestíveis. Com todo o tipo de drinks a serem servidos a vontade, e em sua maioria à base de aguardente interiorana e de "boa fonte" (segundo os entendidos), com a minha exceção óbvia, que sou abstêmio, todo mundo pôs-se a beber com bastante sagacidade.
Alguns contiveram-se, mas outros, não resistiram à ação da pinguinha maledetta e assim, quando chegou a hora do soundcheck, o pior de todos entre nós, no estado etílico, infelizmente, foi o Nico, o técnico que leváramos para operar o nosso show. Já na passagem do som ele estava a apresentar sinais nítidos de tal transtorno etílico, e se não houvesse a compreensão do técnico local, e dono do PA que prontamente ficou ao lado para auxiliá-lo, infelizmente tudo arruinar-se-ia...
Porém, o desfecho previsível, concretizou-se, pois o sujeito sucumbiu depois do soundcheck e nós optamos por deixá-lo a dormir, pois ele não reuniria condições de recuperar-se da embriagues, a tempo de operar o som da banda na hora do show. Resultado: fizemos o show sem a presença dele na pilotagem dos botões. O técnico local não era nenhuma sumidade no quesito dos conhecimentos mais avalizados sobre a operação de áudio, mas trabalhou razoavelmente.
Nessas circunstâncias, demo-nos por felizes de ter um sujeito a coibir microfonias básicas, pois todo o nosso esforço para levar um técnico nosso, que conhecia as músicas e poderia dar-nos o luxo de uma pilotagem de volume pré-concebida, nos momentos estratégicos de solos & afins, houvera arruinado-se. Como poderíamos suspeitar que o sujeito não conter-se-ia e cairia na armadilha da fartura interiorana, e com direito ao típico jargão: -"experimente esta aguardente da região?
Enfim, nem ficamos bravos com o rapaz, mas claro que ficamos desapontados e na volta a São Paulo, ele mostrou-se bem chateado, ao pedir-nos mil desculpas etc. O show foi bom, ao considerar-se que aquele dito festival não atraíra um público interessado em bandas a praticar música autoral. A maioria ali presente, esperava por bandas cover, e o clima foi o de um "churrascão de fazenda", com todo mundo a desejar farrear, ao som de covers internacionais.
 
Mas eu não posso queixar-me, pois se o público foi um tanto quanto frio, toda a hospitalidade dos produtores foi ótima (até no mau sentido da pinga farta como uma armadilha), e o cachê acordado foi pago em dinheiro vivo, e regiamente, meia hora antes de subirmos ao palco.
Apesar do dia bom, com sol, calor e consequente noite de céu aberto e estrelado, o público esperado pelos organizadores foi aquém. Cerca de quinhentas pessoas estiveram presentes. Se fosse realizado em um teatro com porte médio, ou uma casa noturna, eu diria tratar-se de um número excelente, mas para um festival realizado em uma chácara ao ar livre, decepcionou-me. 
 
Aconteceu no dia 15 de novembro de 1985, uma sexta-feira, feriado nacional. Só para constar, houve eleição municipal nesse dia, e todos nós tivemos que votar bem cedo para poder viajar ao interior. Botucatu fica 245 Km distante de São Paulo, ou seja, um percurso razoável.
 
As pesquisas davam como certa a vitória de Fernando Henrique Cardoso à prefeitura de São Paulo, e assim, sob um ato tresloucado, ele deixou-se fotografar no gabinete de prefeito, sentado imponentemente, um dia antes da eleição.
Tal foto saiu na capa do jornal, Folha de São Paulo, no dia da eleição, e quando o resultado oficial apontou Jânio Quadros como o vencedor do pleito, a sua primeira atitude, muito deselegante por sinal, foi querer ser fotografado com um desinfetante spray à mão, a higienizar a poltrona de prefeito.
 
Um dos outros atos deselegantes que esse senhor perpetraria como prefeito a seguir, foi o de perseguir, até fechar implacavelmente, o Teatro Lira Paulistana. Preciso dizer mais o que achei dessa vitória dele?
Paralelamente às primeiras ações da banda com o seu novo vocalista, Beto Cruz, matérias e resenhas foram publicadas na mídia impressa, motivadas pelo lançamento do EP. Vou transcrever algumas delas, neste momento. 
 
Na coluna do crítico, Leopoldo Rey (na revista Som Três, chamada: "Dr. Rock"), foi só uma nota, mas gostávamos muito de sermos citado ali, pois o Leopoldo foi um dos mais respeitados jornalistas especializados dessa década, e manteve sempre uma postura íntegra, sem ater-se ao modismo em voga e a sua indefectível má vontade com tudo o que não rezasse pela cartilha do Punk' 1977, caso da maioria esmagadora de seus pares na ocasião, infelizmente.
Dr. Rock - Leopoldo Rey - Revista Som Três 

-"A Chave do Sol, segundo disco de 45 rpm (EP) desse grupo, que mistura Rock pesado com progressivo. 
 
A formação é: Zé Luiz (bateria), Rubens Gióia (Guitarra), Luiz "Tigueis" (Baixo) e Fran (vocal).

Apenas uma nota, como já havia salientado, mas a visibilidade da coluna do Leopoldo mostrava-se enorme, e nós comemoramos muito a sua publicação, certamente. Saiu na edição nº 82, de outubro de 1985, e a conter a capa do EP, como ilustração. Na revista "Metal", nº 13, uma nota anunciou o disco, com direito a foto promocional do quarteto. Na edição posterior, nº 14, aí sim, foi publicada a resenha do jornalista, Antonio Carlos Monteiro, outro grande nome do jornalismo especializado, e também detentor de uma conduta ilibada, bem diferente dos proclamadores de "hypes" indecentes, e adeptos do niilismo barato, manifestações típicas da mentalidade oitentista em voga.
 
Eis a nota:

"Chave em Disco

Quem acaba de lançar-se em disco é o grupo paulista Chave do Sol, que soltou um EP de 45 RPM pela Baratos Afins. 
 
O grupo foi formado em 1982 e conta com Rubens Gióia na guitarra, Fran nos vocais, Luiz Domingues no baixo e Zé Luiz na bateria. 
 
É mais uma banda de qualidade que a Baratos  joga no crescente mercado nacional".

Uma nota sucinta, mas bem objetiva, eu devo acrescentar.
 
E no mês posterior, aí sim, a Revista "Metal" lançaria uma ótima resenha.
Na Revista Metal, em seu nº 14, foi publicada a resenha oficial do EP. Assinada pelo jornalista, Antonio Carlos Monteiro, que aí sim, foi fundo na análise do trabalho. Eis a sua transcrição literal, abaixo:

"Depois de muita expectativa entre os roqueiros de Sampa, foi lançado, finalmente, o primeiro EP do grupo A Chave do Sol, através do selo Baratos Afins.
 
Mas apesar da demora, quem teve´paciência não se viu frustrado com o disco. O grupo, formado por Zé Luis (Bateria), Luiz Domingues (Baixo), Fran (Vocais) e Rubens Gióia (Guitarra), mescla o Heavy-Metal com o Hard-Rock e com o Jazz-Rock, e dentro desse estilo, obteve um excelente resultado em sua segunda experiência em estúdio - a primeira havia sido um compacto independente, lançado em 1984.
 
O EP é aberto com "Anjo Rebelde", um Hard-Rock que lembra, em algumas passagens, o início do Heavy-Metal (vide Purple e Zeppelin), e que se torna primoroso pela bela guitarra do Rubens e pelo vocal bem colocado de Fran. "Um Minuto Além", a faixa seguinte, trata-se de uma belíssima balada, bem construída e bem executada, e  que possui também uma letra interessante. 
 
Nota-se nessa música, toda a influência de Blues que envolve o trabalho de guitarra de Rubens. "Segredos" e "Ufos", dois poemas de Julio Revoredo musicados pela banda ("nós temos muitos amigos poetas que nos dão trabalhos para colocarmos músicas, explica Luiz Domingues), não apresentam grandes novidades. 
 
Já "Crisis (Maya)", número instrumental, é o ponto alto do disco. Nessa faixa é possível perceber nitidamente a tendência "jazz-Metal" da banda: o baixo de Luiz Domingues fazendo uma bela linha e o teclado de Daril Parisi (membro do Platina) dando o clima que a música exige. Nota dez.
 
E "Ímpeto", composição assinada por todos os membros da banda, é um hard'n' roll" vibrante que encerra o EP com chave de ouro. Vale esperar por esse disco. 
 
As eventuais falhas que possam existir acabam sendo passadas para segundo plano pela performance extremamente profissional de cada instrumentista e pelo bom gosto das composições. E a isso ainda some a qualidade das letras, que se destacam dentro da mesmice que invade o Rock nacional".

Antonio Carlos Monteiro

O grande jornalista, Tony Monteiro, em foto bem mais recente e devo observar... que bela camiseta, hein? Exilado na rua principal!

Uma excelente resenha do ótimo jornalista, Antonio Carlos Monteiro, que foi um dos poucos naquela década, que não esteve inebriado pela estética do pós-punk e escrevia sem o ranço niilista e odioso, baseado na infame cartilha ditada por Malcolm McLaren.
A sua isenção foi total e de fato, apesar dele ter sido um fã confesso da nossa banda, tinha certamente a total liberdade para tecer críticas negativas em aspectos que detectava, e assim o fez em algumas ressalvas, conforme está explícito no texto acima.
Uma exposição interessante nos foi proporcionada quando recebemos o inusitado convite para uma entrevista para uma revista de alcance popular. Estávamos habituados a sermos publicados em revistas especializadas de música e sobre o Rock, em específico, mas uma publicação fora desse mundo revelou-se uma novidade, e muito bem-vinda por sinal, pois tratara-se de uma oportunidade para expandir os nossos horizontes. Tratou-se da revista, "Amiga TV Tudo", especializada em assuntos de TV, fofocas sobre artistas desse mundo, novelas etc. Claro que não tratava-se do nosso habitat natural, mas o simples fato de termos sido abordados espontaneamente pela produção da revista, foi comemorado, pois denotou um crescimento de nossa visibilidade pública.
Se recebemos tal convite, realmente fora um indicativo de que estávamos a começar a nos desgarrarmos do mundo fechado do underground, ao chamar a atenção da mídia mainstream, ainda que nesse caso, o público alvo desse tipo de publicação, fora totalmente insólito para uma banda com a sonoridade e propósitos d'A Chave do Sol. 
 
Enfim, aceitamos fazer a entrevista que foi realizada na residência do Rubens, sob uma tarde de um dia útil e a matéria foi publicada no seu nº 816, com direito a uma foto promocional daquela sessão "equivocada" (que eu tanto já citei), também inadequada pelo fato da formação ainda a conter o ex-vocalista, Fran Alves.
 
E claro, mesmo a apreciar muito essa enxurrada de resenhas que só promoviam-nos ainda mais, houve a constatação de que a troca frenética de membros pela qual passamos, só prejudicava-nos. Já estávamos com novo vocalista e a preparar uma nova sonoridade, contudo, tais resenhas mostravam um outro vocalista, e falavam sobre um disco recém lançado e que no entanto, já não representava-nos condizentemente de acordo com as nossas então atuais pretensões...

Eis a transcrição da matéria:

"A Chave do Sol só nos Baratos (primeiro LP anima grupo)

Há três anos surgia em São Paulo  um grupo que se definia eclético, misturando Rock, Jazz e Heavy-Metal. 
 
Formado por Rubens (22 anos, guitarra), Luiz Domingues (25 anos, baixo), Zé Luiz (24 anos, bateria) e Fran (vocalista).
 
A Chave do Sol resolveu mostrar que é possível fazer uma música no estilo metaleiro com muita criatividade e qualidade. 
 
Dispostos a conquistar seu espaço, o grupo lança seu primeiro LP pela Gravadora Baratos Afins. A banda existe desde 82 e ano passado gravou um  compacto simples cuja faixa principal é a canção "18 Horas", que foi bastante executada pelas rádios paulistas, na maioria alternativas. 
 
Depois de algumas modificações, os rapazes do A Chave do Sol afirmam que o grupo agora está perfeito. Inspirados no Jazz e Rock dos anos 60, eles partem com uma proposta diferente: criar um som voltado e preocupado com a parte técnica e combinação de metais, ou seja, criatividade. 
 
Segundo Rubens, a intenção da banda é acabar com aquela ideia de que Heavy Metal é apenas uma música barulhenta".

Solange Guarino
 


Bem, a moça foi extremamente simpática conosco, mas cometeu deslizes na edição da conversa que tivemos, e de nada adiantou a gravação da entrevista mediante um gravador e suas anotações de apoio, pelo visto.
 
Bem, já começou errado pelo subtítulo da matéria. Dou o desconto que a história do EP gerou muita confusão na mídia, conforme já venho a relatar, mas afirmar logo de início que estávamos a lançar um "LP", já foi demais. 
 
Outra observação que eu faço, não é uma queixa, mas uma constatação: é incrível como nesse ramo de jornalismo especializado em TV, existe a tola preocupação de se definir a idade das pessoas como uma praxe da linha editorial. Qual a relevância de se determinar a idade de cada um de nós? E ao admitir que isso era uma determinação nesse tipo de mídia de TV, neste caso, esqueceram-se de definir a idade do Fran Alves.

Um outro ponto interessante, em dado instante, a repórter embaralhou a conversa, pois afirmou que usávamos "metais" nas nossas músicas, certamente ao confundir-se com toda aquela baboseira sobre o Heavy-Metal e "metaleiros". Enfim, a boa intenção dela foi ótima e a despeito dessas falhas, ficamos contentes por sermos retratados em uma revista popular e tendo assim a oportunidade para atingir um público diferente.

Na Revista Rock Stars nº 16, foi publicada a seguinte resenha:

"Firme no propósito pela conquista de um lugar ao sol, prossegue em sua batalha o grupo paulista A Chave do Sol, que está lançando agora seu primeiro LP, através do selo independente Baratos Afins. 

A banda existe desde setembro de 1982, e iniciou suas atividades como um trio, contando com Rubens Gióia (guitarra); Zé Luis (bateria) e Luiz Domingues (baixo). Recentemente, um quarto elemento se juntou a eles: foi o vocalista Fran, que já comparece no LP. 

É interessante perceber que tais grupos se esmeram no sentido de proporcionar à juventude brasileira algo melhor que os campeões de danceteria (Barão Vermelho, Titãs & Caterva), que se acomodaram em seu modelo pequeno-burguês, e se esqueceram que o Brasil está mais para favela do que para glitter. 

No LP da Chave, destaque para "Um Minuto Além" ("O mundo teria de ser um lugar onde todos pudessem viver/Com a certeza de um amanhã melhor/Com a certeza de um lugar ao sol/Eu só queria entender  por que tantas diferenças sociais?/Tantas discriminações? Somos todos iguais"...

Presente também no LP, a faixa instrumental "Crisis (Maya)", que conta com a participação do tecladista Daril Parisi (do Platina). 

Estamos torcendo para que a banda atinja seus objetivos, marcando assim, uma importante etapa da música jovem brasileira".
 

A resenha não está assinada, mas pelo estilo e vocabulário usado, está patente tratar-se da autoria do editor, Valdir Montanari, que realmente expressava-se com bastante formalidade, pois além de ser jornalista musical, foi também professor de física em um colégio tradicional da zona sul de São Paulo e nos seus textos, a formalidade, o bom uso do idioma e a ausência de gírias, foram marcas registradas. 

Infelizmente, ele citou tratar-se de um LP, o tempo todo, mas na verdade, fora um EP. Mais uma confusão gerada pela falta de ênfase na capa do disco, para deixar clara a rotação alternativa e adequada para ouvi-lo.

Bem, foi muito interessante ele ter pego o gancho da política, baseado na letra da canção "Um Minuto Além". A alfinetada no movimento "BR-Rock 80's" parece não ter sido no alvo correto, pois a despeito da fragilidade musical das duas bandas que ele citou, no quesito das letras propostas, estas não foram nem de longe as piores, e pelo contrário, muito provavelmente tiveram nesse específico quesito, o seu ponto forte. Aliás, justiça seja feita, no caso do Barão, o Cazuza escrevia boas letras, com conteúdo e poesia, e se havia restrições à sua banda, sem dúvida foram relacionadas à duvidosa performance dele como cantor, e a fragilidade da banda, na parte instrumental (deixo a ressalva, que a banda melhorou muito, anos depois). 

Mas o Valdir estava a enaltecer-nos e naturalmente que apreciamos essa colocação de sua parte, ainda que em termos comparativos inadequados, ao meu ver. Acho que ele gostou mesmo foi do teor sociopolítico da letra, e acabou por citar a canção, "Crisis (Maya)", por ser instrumental e com elementos nítidos oriundos do Jazz-Rock, ou seja, algo muito mais próximo da sonoridade setentista que ele apreciava.

A resenha saiu com uma foto da banda, oriunda daquela sessão toda equivocada cuja história eu já contei e foi lastimável que a fotógrafa tenha enquadrado-nos sob um fundo negro improvisado e todo torto, a revelar espaços em branco. Bem, posso dar a desculpa de que a sua intenção talvez tenha sido homenagear a arte expressa em cenários do cinema "expressionista alemão", inspirado em filmes dos diretores Fritz Lang e F.W. Murnau, para dourar a pílula, mas na realidade, fora mesmo um pano preto, muito mal fixado na parede branca, e que ficou torto de forma abominável, por conta da falta de fita adesiva suficiente para tal.

Na Revista Bizz, nós tínhamos ao menos um elemento não compactuado com aquele tipo de jornalismo comprometido com a estética niilista oitentista. Tratava-se de Leopoldo Rey, que parecia um oásis humano, naquela redação infestada por seres lobotomizados pelo Malcolm McLaren. E ele teve a audácia de publicar uma resenha sobre o EP, ainda que pequena, pois ali naquela revista sempre foi realmente inóspito pleitear espaço para algum artista que não fosse adepto da estética tão apreciada pela "intelligentsia" oitentista.

Eis a transcrição:

"No início de carreira, A Chave do Sol era um power-trio e depois do primeiro compacto, já na Baratos Afins, resolveu-se por um novo elemento na presença de Fran. 

Surgem agora nesse extended-play (45 rpm) com seis faixas de qualidade. Som e vocal bem equilibrados (note em "Um Minuto Além"). Algumas letras ficam devendo, mas Rubens come sua guitarra e Tigueis (Luiz Domingues) e Zé Luiz estão entrosadíssimos. Muita garra e energia".

Leopoldo Rey


Nada como ser um jornalista do ramo, e mesmo com pouco espaço que deram-lhe, dar o recado preciso. Só por afirmar ser um "Extended Play", o popular "EP", já acusou grande acerto, diante de tantos chutes no vácuo, desferidos da parte de outros jornalistas.

                     Leopoldo Rey, em foto bem mais atual

Ele reconheceu a qualidade da canção: "Um Minuto Além", ao enaltecer o Fran, e teceu elogios ao trio de instrumentistas da banda, além de dar um mega resumo da trajetória da banda. Achei vaga a referência negativa sobre as letras, mas claro que respeitei a posição dele por não ter gostado, de uma maneira geral. Essa resenha foi publicada na sua edição nº 4, de novembro de 1985.

Para aproveitar o gancho na narrativa, onde relato a repercussão do EP na mídia escrita, preciso relembrar dois eventos ocorridos em 1985, relacionados a publicações, mas que fugiram um pouco da abordagem tradicional dos órgãos de imprensa no âmbito da reportagem/resenha/nota & entrevista, quatro modalidades clássicas do jornalismo musical. Não sei precisar as datas em que ocorreram, mesmo por que, em ambas, motivou-se situações que desdobraram-se em muitos aspectos e demandaram muitas reuniões e fatos correlatos, gerados. Vamos lá, eis a primeira história:

O produtor Luiz Calanca comunicou-nos que um rapaz abordara-o com uma proposta interessante no campo do marketing. A ideia seria lançar um álbum com figurinhas, a conter todo o elenco de artistas da Baratos Afins, ao lado de artistas do Rock internacional. Claro que gostamos da ideia e aceitamos participar. Aliás, quem em sã consciência, não aceitaria? 

Bem, daí a ser efetivamente lançado nas bancas, o álbum teve um longo processo percorrido em termos de etapas burocráticas e técnicas a serem vencidas, e nesse quesito gráfico, inclusive, nós fomos prejudicados, infelizmente, pois houve uma pressão do editor para fechar o material (o que aliás foi natural e legítimo da parte dele), mas lastimavelmente, essa pressa fez com que perdêssemos a oportunidade de termos duas figurinhas d'A Chave do Sol no álbum, pois não houve tempo hábil para incluir a capa do EP. 

Nesses termos, ficamos representados somente com a figurinha da capa do compacto de 1984, mas não podemos reclamar, pois foi um apoio de divulgação e tanto, e motivo de orgulho para a banda, claro. 

Apesar desses aspectos positivos que arrolei, houve um de cunho negativo, também. E foi inevitável, pois estávamos em 1985! Isto é, claro que o álbum manteve um ranço Heavy-Metal acentuado, muito mais do que outras vertentes ali representadas. Se por um lado foi muito importante estar presente no álbum, por outro, estar inserido em meio à cena Heavy-Metal, não foi exatamente o ambiente em que desejávamos estar.

O álbum chamou-se: "Rock Stamp", com boa apresentação gráfica & ilustrações e as figurinhas contiveram boa impressão, com cores bem definidas e sem distorções na imagem. Lógico que eu comprei um álbum e retornei de certa forma à minha infância, ao visitar as bancas de jornais e revistas com frequência naqueles dias finais de 1985, para reviver assim, o prazer de comprar os famosos "pacotinhos" com figurinhas. 

Contudo, assim que eu consegui a figurinha da capa do compacto d'A Chave do Sol e a colei no álbum, parei de comprar mais, pois realmente não tive interesse em completar o álbum, com toda aquela carga de bandas de Heavy-Metal. 

Essa foi a primeira história. A seguir, falo sobre a segunda ocorrência, que consumiu-nos muitos dias de dedicação.

A outra história também passou pelo famoso balcão da loja Baratos Afins. O Luiz Calanca contatou-nos para comunicar-nos que fora abordado por um rapaz que desejava lançar diversos "Song Books" dos artistas do elenco da Baratos Afins. A ideia pareceu bastante interessante, e mesmo ao ponderamos ser um tipo de ação de marketing, e com viés deveras elitista, claro que aceitamos de pronto, pois o outro lado dessa suposta sofisticação, seria o fato de ser algo bem elegante para o portfólio da banda. 

Bem, o rapaz queria fazer o Song Book nos moldes dos que existem normalmente no primeiro mundo, com rica ilustração recheada por fotos, biografia da banda e acabamento de luxo, ao utilizar material gráfico de alta qualidade e capa dura. O único problema, foi que nenhum de nós quatro, sabíamos ler e escrever música para transcrever corretamente as nossas músicas e o editor queria a transcrição completa de todos os instrumentos e a melodia dos vocais.

                            O genial trombonista, Bocato

Sendo assim, o Luiz Calanca resolveu contratar um músico de grande capacidade teórica para fazer a transcrição e nós apreciamos muito quando tomamos ciência de que esse teórico seria o Bocato, um trombonista superb da música brasileira, com incontáveis trabalhos como side man para artistas da MPB, Rock, Pop, Música instrumental, Black Music, Música latino-americana & Caribenha, Jazz; música experimental entre outros tantos, fora os seus trabalhos próprios, discos solos e trilhas compostas para cinema, teatro, TV e publicidade. Daí em diante, foram muitas sessões de transcrição marcadas na residência do Rubens, onde ele gastou muitos cadernos de pentagrama, a transcrever nota por nota de cada instrumento.

Bocato foi muito camarada e teve uma paciência de santo. Lembro-me de passar tardes inteiras com ele, com o baixo em mãos e o apoio de um pick-up, com os dois discos da banda a postos, para audições ad nauseam de pequenos trechos e em momentos de dúvida, eu mostrava-lhe a frase executada, ali na hora. 

E assim foi com a bateria e a voz do Fran Alves, pois esses trabalhos ocorreram ainda com a presença dele na banda, como membro oficial. Na hora de transcrever a guitarra, o Bocato sofreu um pouco no quesito dos "efeitos, alavancadas & ruideiras" em geral. Claro que tais efeitos não entram na teoria musical oficial, representados no pentagrama, de forma tradicional. 

Mas por outro lado, sem a menção de tais efeitos, a transcrição não ficaria fidedigna, pois tais artifícios estavam explícitos na gravação de quase todas as músicas. Então, o Bocato deu um jeito de fazer menção de uma forma criativa e dessa forma, todas as músicas do EP, acrescidas por "Luz" e "18 Horas" (do compacto anterior, de 1984), foram fielmente transcritas, sob um trabalho magnífico de sua parte.

Infelizmente, por conta da desistência do editor, esse Song Book nunca foi publicado, e dessa forma o projeto foi engavetado. Ficou a frustração, pois realmente deu-nos um trabalho intenso, e teria ficado muito bonito o registro. Hoje, como peça de memorabilia, seria um luxo tê-lo no acervo. Essas foram as duas histórias extra resenhas/entrevistas, que eu tive a relatar neste instante.

A seguir com as principais matérias sobre o EP.

Na Revista Roll, nº 22, uma nota saiu dessa forma:

"Chave de Ouro
 

O grupo paulista A Chave do Sol ( Rubens Gióia, guitarra, Fran, vocais, Luiz Domingues, baixo e Zé Luiz, bateria), acaba de lançar um LP pela Baratos Afins. 

O som da banda é definido por eles mesmos como "Jazz-Metal-Rock" (de muita qualidade, aliás) e eles já possuem um fã-clube com mais de 200 sócios. Bola cheia".

Achei interessante o jornalista dar ênfase ao fato de que tínhamos um fã-clube organizado e em franca expansão. E por falar na Revista "Roll", preciso mencionar um fato extra, nada a ver com o disco que acabáramos de lançar. 

Uma enquete fora publicada e comemoramos muito o fato de termos sido mencionados. Foi publicada na edição de nº 19, quando notamos que estivemos mencionados em igualdade de condições (empatados na 24ª posição pelos votos de leitores), ao lado de nomes como: Elis Regina, Ivan Lins, "Ira!", "14-Bis", Marina Lima, "Roupa Nova", "Titãs", Eduardo Dusek, "Plebe Rude" e Ritchie. Ou seja, estivemos ao lado de nomes consagrados e inclusive, até em alguns casos, artistas oitentistas na crista da onda. 

E melhor ainda, na frente de muitos nomes que tiveram cotação bem menor do que a nossa, naquele meio de 1985, tais como: "Ratos de Porão", "RPM" e "Sempre Livre", entre outros tantos que supostamente continham muito maior visibilidade de mídia e investimento pesado de carreira com aportes milionários, inclusive, no caso de alguns citados. 

Sobre o "RPM" então, foi uma menção muito sintomática, pois essa pesquisa foi feita na metade de 1985 e não passou nem dois meses, eles explodiram em meio a uma super exposição midiática, que os alçou à condição do mega estrelato.

Moral da história: com esquema de empresários e gravadora major, tudo muito bem amarrado, além de super exposição na mídia, tudo mudava da água para o vinho naqueles tempos. 

Todavia, nós comemoramos a nossa pequena vitória, pois estarmos colocados em 24º lugar, em um ranking com mais de cem artistas, e em sua maioria, verdadeiras estrelas sedimentadas no mundo mainstream, e em nosso caso, sem ter esquema algum como retaguarda, portanto foi digno de nota e orgulho para nós.

A Folha de São Paulo, um dos maiores, senão o maior jornal do país, a partir do início dos anos oitenta, adotou uma linha editorial fechada no seu departamento cultural, e que a grosso modo perdura até os dias atuais, infelizmente. Nesses termos, artistas não coadunados com a "revolução" Punk de 1977, tendiam a serem desprezados, desdenhados e preteridos em favor de artistas com qualidade técnica muito duvidosa, para ser muito elegante de minha parte. 

No início de janeiro de 1986, eis que tal jornal soltou uma resenha coletiva, para resenhar quatro discos de Rock pesado lançados pela Baratos Afins, entre eles, o nosso EP, evidentemente. Eis a transcrição:

"A estreia de "A Chave do Sol", em álbum, tem seu momento alto em "Um Minuto Além", onde a voz gutural de Fran (o mais novo integrante do ex-trio) só quer entender porque tantas diferenças sociais. 

Por trás, a guitarra de Rubens Gióia costura e caseia um clima delicado, diferente do que faz em "Anjo Rebelde", "Segredos" e "Ufos", quando o que vale é o muro desabando sob os ouvidos dos ouvintes. 

Segunda constatação: a competência está a caminho. A mesma "Chave do Sol" peca por tentar unir um baterista (atenção Zé Luiz: ouça Max Webster) de influências jazzísticas e um baixo comandado por Luiz Domingues (também Língua de Trapo), resultando em problemas nas passagens da introdução ao tema central. A salada dá certo na instrumental "Crisis", mais para o Jazz-Rock".

Bem, ao considerar-se a praxe da Folha em vilipendiar quem não comungava pela infame cartilha de Malcolm McLaren, até que as críticas foram amenas.

Primeiro ponto: por que o jornalista sugeriu que o Zé Luiz ouvisse o trabalho da banda canadense, "Max Webster?" Nada contra a banda, e pelo contrário, trata-se de um trabalho ótimo desse grupo e do qual aprecio, construído por músicos com grande capacidade técnica, qualidade e ótimas influências. O que causou-me espanto, foi perder espaço na lauda para uma observação fora de contexto completamente, ao meu ver. O que ele quis dizer com isso, afinal de contas? Ele é que era fã do Max Webster e talvez gostaria que A Chave do Sol adotasse tal linha musical? Farejou similaridades entre as duas bandas?

De minha parte, eu deixo claro que acho muito bom o trabalho do grupo Max Webster, mas essa banda não é nem de longe, uma referência na minha vida, e nem o foi para A Chave do Sol, em momento algum de nossa carreira, e tampouco para o Zé Luiz, que eu tenho certeza que tinha outras preferências. 

Não me ofendi na época, e muito menos hoje em dia, mas quais seriam exatamente os "problemas" detectados pelo resenhista em relação à atuação da cozinha da banda? É realmente uma observação vaga, e a única explicação plausível para que ele houvesse reprovado a linha de baixo e bateria ao longo do trabalho inteiro, talvez residisse no simples fato de não a ter apreciado pessoalmente. Aceito isso sem ressentimentos, é claro, mas daí a publicar que fora um "problema", pareceu-me uma observação vazia, sem argumentação plausível. 

Além da contradição expressa no próprio parágrafo, pois se "a competência está a caminho", o que estaria errado, então? Eu poderia afirmar também que a resenha que esse rapaz assinou conteve "problemas", para deixar vaga a ideia do que realmente achei inadequado nela, e isso sinaliza o quanto ele foi infeliz na observação. Melhor teria sido falar de uma forma clara, que achara exagerados os arranjos, com excesso de convenções e isso seria mais aceitável como uma crítica realista. 

Foi boa, outrossim, a menção ao fato da letra de "Um Minuto Além" ter uma conotação sob crítica social, mas no contexto da resenha completa e refiro-me às observações sobre os outros discos, a intenção do jornalista foi clara ao estabelecer a ponte entre a infantilidade reinante das letras de bandas de Heavy-Metal, ao falar sobre demônios, inferno & afins ou sob outro clichê óbvio, o de sexo, drogas, & Rock'n' Roll, neste caso, saíra o Rock, e entrara o Metal.

Bem, como eu já disse, por tratar-se da Folha de São Paulo, e a se considerar a sua costumeira rejeição à tudo que não deriva da metástase punk de 1977, até que foi uma resenha positiva. E Max Webster é bom, mas... o que teve a ver?  Será que o jornalista desejara que eu ouvisse "Steely Dan", também? Pois poderia dormir tranquilo, pois eu ouvia mesmo, desde os anos setenta e sempre gostei muito!

Uma contrapartida interessante à resenha da Folha de São Paulo, deu-se com a resenha publicada em um jornal de bairro, de infinito menor alcance do que o poderoso jornal paulistano. Foi no "Jornal do Cambuci & Aclimação", que a resenha do EP saiu assim:

"A Chave do Sol vem com segundo lançamento do selo Baratos Afins, só que agora é um LP. Depois da entrada de Fran para os vocais, a proposta é de fazer um Heavy-Metal e não um Jazz Rock que a Chave propunha anteriormente. 

O disco é um petardo e mostra que os rapazes da Chave do Sol são bons mesmo. A canção "Um Minuto Além" é bem no estilo do grupo alemão 'Scorpions'. 

Um prato cheio para aqueles que curtem Rock de boa qualidade. O negócio é correr nas lojas, antes que os discos se tornem raridades".
 
Ricardo Dalan  

Foi tal negócio: um jornal de bairro, humilde, e uma resenha bem mais objetiva do que o tubarão do mainstream publicara.
De fato, o resenhista detectou que o Jazz-Rock que norteava o trabalho da banda anteriormente, ficara um pouco obscurecido pelo peso do Heavy-Metal, mas não saíra de cena totalmente (e talvez tenha sido esse o fator que o jornalista da Folha detectara em sua resenha e que provocara o seu desagrado, que laconicamente chamou como: "problema"). 

A menção ao "Scorpions" foi precisa, na medida que o sucesso radiofônico da canção, "Still Loving You", da parte dessa banda germânica, realmente inspirou a banda a procurar uma balada nos mesmos moldes, como peça autoral para o nosso novo disco. 

Acho, no entanto, que o resenhista exagerou um pouco na sua avaliação final, ao dimensionar que os discos venderiam dessa forma tão efusiva quanto preconizou, mas encaro como uma frase de efeito positiva, tão somente, como um desejo de sua parte. Não tenho certeza, mas acho que Ricardo Dalan é irmão do Dalam Júnior, baixista e colaborador do jornal, e um dos principais articuladores do evento "Praça do Rock". 

E considero a menção ao fato do disco ser um LP, como um ato falho. Realmente, mostrou-se como uma constante essa confusão, e mais uma vez fomos prejudicados por conta desse formato não usual, em torno da rotação 45 rpm...

De volta para falar sobre os shows e demais acontecimentos ao final de 1985, o próximo compromisso após o "Rock in Chácara" realizado na cidade de Botucatu-SP, seria mais próximo da capital. 

Tratou-se de uma casa noturna chamada, "Shock", localizada na cidade de Santo André, cidade localizada na região da Grande São Paulo. Realizou-se no dia 23 de novembro de 1985, com um público de setenta pessoas no local. Foi um show correto, mas o equipamento disponibilizado não foi bom e mais uma vez, fizemos o espetáculo mais na base da vontade, do que sob condições ideais.

Depois desse compromisso em Santo André-SP, tivemos um tempo enfim para dedicarmo-nos aos ensaios e pensarmos na reformulação do repertório, com a inclusão de muitas músicas novas e já coadunadas com a nova mentalidade da banda. Nessa época, já trabalhávamos em músicas como: "O Cometa", "O Que Será de Todas as Crianças?", "Solange", "Saudade", "Sun City", "Forças do Bem" etc. Tais canções surgiram nos ensaios, com exceção de "Solange", que o Beto trouxe pronta, pois esta fazia parte do repertório de sua ex-banda, "Zenith". 
 
Como eu já relatei, para que essas novas músicas nascessem nesses moldes, muita conversa existiu no ambiente interno da banda, pois elas representavam mais uma troca de paradigma na carreira d'A Chave do Sol. 
Foi a terceira mudança de sonoridade e estética para a banda e nós só tínhamos três anos de vida ativa como banda. De fato, demos um passo errado ao lançarmos músicas com tanto peso. Como agravante os arranjos cheios de firulas do Jazz-Rock, tornaram as músicas mais difíceis para serem digeridas por um público não especificamente simpatizante dessa tendência. 
 
E mesmo assim, convenhamos, tratava-se do nicho do nicho, eu diria, pois não estávamos por agradar o público "headbanger" radical tradicional e os nossos velhos fãs estavam um pouco desapontados com o peso imprimido, com raras exceções.

Bem, internamente, tínhamos a resistência do Zé Luiz no tocante à simplificação dos arranjos. Em sua concepção, a marca registrada da banda, sempre fora justamente a sofisticação via Jazz-Rock. 

Tirar o peso e o ranço Heavy-Metal, foi ótimo, mas passar a exercer arranjos simples, representara demais para ele. Lembro-me bem, em sua argumentação, ele costumava citar o "Rádio Táxi", como banda formada por músicos de alto nível, mas que deliberadamente faziam um som Pop simplista para atingir o público popular. Isso para ele, se mostrava como algo execrável. 

No meu caso, eu temia pelo teor das novas letras, já que gostava da linha que adotávamos desde o início, a falar sobre questões sociais, ecológicas, ou a partir mesmo para o hermetismo sofisticado, quando do aproveitamento dos poemas de nosso colaborador, Julio Revoredo. Mas o Beto insistia que a reformulação deveria ser total, se quiséssemos de fato pleitear um lugar no mainstream, e nesse caso, não bastava adequar a parte musical, mas seria importante também buscarmos letras mais populares. 

Ele teve razão nos dois aspectos, é claro, ao se pensar no que o mercado mainstream investe, ainda que fosse bastante doloroso para nós, pois ficara a sensação de que estávamos a nos vendermos para o sistema. Bem, o único fator que foi unânime entre nós, fora a tomada de consciência que erráramos na estratégia, ao imprimirmos peso ao trabalho, no início de 1985, motivado por falsos boatos de que as correntes oitentistas do Hard-Rock & Heavy-Metal teriam oportunidades no mainstream, e sendo assim, tirar esse ranço seria mais do que necessário, para 1986.

Após o show em Santo André, ao final de novembro, tivemos um tempo maior para dedicarmo-nos aos ensaios e acelerar assim o processo de composição e arranjos para muitas músicas novas, algumas aliás que já citei nominalmente no parágrafo anterior. 

Esteve delineada então a nova fase da banda, ao amenizar bastante o peso imprimido no EP. Tornara-se nítida a nova tendência de se privilegiar o Hard-Rock, como base das novas ações de nossa parte. 

Dessa forma, o peso se tornou bem mais amenizado, e além disso, as letras ficaram mais coloquiais, com o Beto a propor a sua visão mais direta, mais próxima do universo Pop. Se em algumas ainda falava-se sobre questões sociais (a questão do apartheid na África do Sul, em "Sun City", é o emblema dessa fase com o Beto, é óbvio), mas em: "O Que Será de Todas as Crianças?" e "Guerra Quente", o enfoque foi sobre aquela fase final da "Guerra Fria" entre Estados Unidos e União Soviética, ou seja, assuntos nem tão "Pop", assim ao se tocar ainda que superficialmente, no quesito da geopolítica.

Mas claro, em "Solange" e "Saudade", o Beto levou a banda explicitamente para o caminho do Rádio Táxi (para desespero do Zé Luiz), mas aprovado ou não o romantismo extremo dessas letras, estas passaram a representar a esperança por dias melhores para a banda, quiçá alojada enfim no mainstream, pois em 1986, conforme eu contarei na correta cronologia dos fatos, seriam importantes apostas feitas através das duas demos-tapes que gravaríamos e que mandaríamos às gravadoras majors. 

Em termos estéticos, a aproximação ao Hard-Rock oitentista teve um aspecto bastante interessante ao meu ver, pois se o Hard-Rock (então) moderno, oitentista, fora mais aceitável ao padrão Pop radiofônico e midiático em geral, houve similaridades visíveis com o Hard-Rock clássico setentista.

Muitas nuances das músicas novas, mais coadunavam-se com bandas setentistas clássicas como o "Led Zeppelin", "Humble Pie" e "Bad Company", do que exemplos oitentistas da moda, como: "Ratt", "Motley Crüe" e "Quiet Riot". E no meu caso, foi um alívio, evidentemente. 

Bem, em dezembro de 1985, ainda tivemos dois compromissos. Um deu-se fora da capital, quando tocamos como "headliner" de um festival em uma cidade do interior de São Paulo, e o outro, foi praticamente uma festa realizada em um bar de São Paulo.

Essa nova investida no interior mostrara-se mais um fruto que colhíamos graças aos esforços reunidos por três anos de trabalho. Nessa época, já não foram incomuns os convites espontâneos vindos de contratantes de outras cidades, a buscar contratar A Chave do Sol, como banda emergente que éramos. 

Ao relembrar esse fenômeno hoje em dia, não posso deixar de analisar que se por um lado constituíra-se de um "momentum" mágico, por outro, revelava-se desesperador não termos tido a oportunidade para contarmos com um empresário com real poder de cooptação e que interessasse-se por nós e vislumbrasse o nosso visível potencial de crescimento. 

Dentro dessa análise calculista, não posso também deixar de observar que se houve o potencial artístico, o nosso material esteve  mal direcionado. É claro que na hora decisiva para travar-se uma negociação, nem o compacto, e pior ainda o EP de 1985, seriam adequados para exibir uma amostragem do nosso áudio. Por isso, tornou-se premente a gravação de uma demo-tape, o mais rápido que pudéssemos, a conter o material novo que estávamos por criar. Não dá para deixar de notar que mais uma vez, lutamos contra o relógio...

Bem, de volta a mencionar sobre o show, o convite foi para participarmos de um festival de Rock, na cidade de Aguaí, no interior de São Paulo. Fora uma iniciativa da Secretaria de Cultura Municipal daquela cidade, ao tratar-se de um festival com cunho competitivo, mas pelo menos no formato de uma mostra, e não regulado por participações de uma música apenas, com a presença de bandas locais, além de cidades da região, também, e dois headliners "famosos" nos seus dois dias de duração. 

O "Ira!" faria o encerramento em uma noite e A Chave do Sol, no outro. Ficamos lisonjeados por sermos considerados banda com a "aura" de estarmos no mainstream, sem o sermos de fato, diferentemente do Ira, que gozava desse status, realmente. Foi mais um sinal claro da nossa condição como emergente ao final de 1985, e que ficaria ainda mais acentuado no ano seguinte, 1986, conforme relatarei na cronologia adequada. 

A aspirante a empresária, Cristiane Macedo, esteve conosco há pouco menos de dois meses, mas na prática, não havia  proporcionado-nos absolutamente nada de concreto, a não ser boatos sobre colocações que alegara estar a preparar, mas que nunca viabilizaram-se. Mas assim como em Botucatu-SP, e nos shows que fizemos nesse período por São Paulo e adjacências, acompanhar-nos-ia como membro da comitiva, para Aguaí-SP, na condição de produtora & empresária. 

Desta feita, além do Edgard Puccinelli, como roadie, levamos também o Canrobert Marques, para operar o PA e um amigo que conhecíamos há algum tempo, sob uma forma inusitada, o Rodolpho Tedeschi, o popular "Barba". 

Abro um parêntese para falar dele, Rodolpho, pois não obstante o fato de ser um rapaz bem gentil, a curiosa maneira com a qual o conhecemos, merece registro. O "Barba", foi morador do mesmo bairro onde o Rubens morava, e mostrava-se aquele tipo de vizinho do qual fica-se por anos a cumprimentar, mas sobre o qual nada se sabe, nem mesmo o seu nome. 

Segundo o Rubens, fazia tempo que conheciam-se "de vista", mas nunca haviam conversado ou estabelecido amizade de uma forma concreta. Um dia, surgiu a oportunidade, ao falarem sobre música, naturalmente com a conversa tendo surgido após o Rodolpho ver a movimentação do entra e sai de cabeludos e a portarem estojos de guitarra, baixo, peças de bateria etc. 

Enfim, daí, o Rodolpho "Barba" disse ser fotógrafo e logo mostrou alguns trabalhos seus, e nós apreciamos os seus clicks. Dessa forma, surgiu assim a ideia de levá-lo para fotografar alguns shows. Tínhamos sempre amigos a cumprir essa função, como o Carlos Muniz Ventura, por exemplo, mas nessa ocasião, convidamos o "Barba" para ir conosco e nos fotografar em Aguaí-SP, e ele aceitou. 

Tremenda figura do bem, foi um prazer contar com ele na viagem e da parte dele a recíproca também revelou-se verdadeira, por gostar da possibilidade de viajar conosco, estar em uma equipe, fotografar o espaço do show de Rock etc. 

E assim fomos para Aguaí, e logo que chegamos à localidade, vimos que havia sido publicada uma matéria no jornal local ao nosso respeito, com destaque, pois o Rubens concedera uma boa entrevista por telefone alguns dias antes para o jornal dessa cidade. Verificamos também que haviam cartazes, filipetas e faixas nas principais ruas e avenidas da cidade, ou seja, o trabalho de divulgação fora bem conduzido e os organizadores estavam motivados, a esperarmos então a presença de um bom público.

Na noite em que tocaríamos, estavam escaladas as bandas locais e algumas de cidades vizinhas, como já salientei, mas entre elas, sob uma coincidência interessante, houve a presença do "Zenith", banda em que o nosso vocalista, Beto Cruz, havia tido passagem recente. 

As bandas participantes do festival, foram: "Cabeças y Lustres", "Draco", "Calibre 12", "Sociedade Anônima", "BR", "Éden" e o "Zenith", já citado. Assim que chegamos no local onde realizar-se-ia o show, um enorme pátio, ficamos contentes ao verificarmos que o equipamento de PA contratado seria de bom nível e adequado à demanda de público que esperavam contar no local, além da iluminação, que se não era o equipamento do "Queen", mostrara-se razoável.

O festival chamava-se: "ERA" e tratava-se de sua primeira edição.
No soundcheck, foi tudo muito tranquilo e amistoso, conosco e com o suporte que o técnico Canrobert Marques teve para trabalhar e sempre tende a ser tensa a relação dos técnicos de equipamentos com o técnico da banda, fora a velada (as vezes, explícita), "disputa" para ver quem "entende mais" de sonorização & áudio, gerada por ciumeiras tolas, mas bem típicas desse meio. 
 
Um fato curioso deu-se quando notamos que a nossa "empresária", sumira de nossa vista. Ao sermos procurados pelos organizadores do festival para tratar de alguma questão burocrática de última hora, foi que demos falta da sua presença, que teoricamente deveria cuidar de tais atribuições. Bem, esse sumiço teria desdobramentos.

Eliane Daic, namorada do Zé Luiz à época, a descansar dentro do famoso, Dodge Charger RT, o "Dinolamóvel", que transportou-nos à Aguaí-SP. Click de Rodolpho Tedeschi

Encerrado o soundcheck, fomos conduzidos à Kombi da produção e levaram-nos para jantar em um bom restaurante da cidade. Procuramos pela nossa empresária, mas ela simplesmente sumira. Resolvemos ir jantar sem sua presença, nessa circunstância enigmática de sua falta. 
Beto Cruz a aguardar o soundcheck, na quente tarde interiorana de Aguaí-SP. Click de Rodolpho Tedeschi

Estávamos muito satisfeitos com o tratamento e atenção dos organizadores e pareceu que seria um show tranquilo e bem-sucedido. E o foi, a não ser por dois eventos que não foram causados por culpa deles, mas quase estragou a noite. 
 
O primeiro, ocorreu no restaurante, pois quando chegamos ao estabelecimento, nem lembrávamos que a nossa aparência Rocker ainda poderia causar reações em meio à pessoas desacostumadas a conviver com pessoas, digamos, "fora do padrão". Após tantos anos, foi inacreditável que essas coisas pudessem acontecer ainda, mas em uma cidade interiorana, na metade dos anos 1980, o fato foi que ainda acontecia.
Eu, Luiz Domingues e Edgard Puccinelli Filho a aguardarmos o soundcheck, e atrás de nós dois, o velho Dodge Dart do Dinola. Click de Rodolpho Tedeschi

Enfim, quando entramos no restaurante, a conversa parou em todas as mesas e a atenção recaiu em cima de nós, como se fôssemos alienígenas ao acabarmos de aterrissar em uma cidadezinha do meio-oeste norte-americano, conforme enredo de filme de Sci-Fi da década de cinquenta. Claro que foi constrangedor, mas relevamos, pois em uma questão de segundos já estávamos sentados na mesa e preocupados em analisar o cardápio e a formular pedidos aos garçons.
Canrobert Marques com o microfone à mão, a iniciar os seus primeiros testes de áudio. Atrás dele, Rubens Gióia e eu, Luiz Domingues, estou no nível do solo. 

Esse não foi o problema, contudo. O que ocorreu, foi que tal evento incomodou um membro da nossa comitiva e após a ingestão de bebida alcoólica, tal elemento mudou o seu comportamento pessoal e passou a realizar performances agressivas para chamar a atenção geral e assim, demonstrar o seu desagrado pela recepção quase hostil com a qual havíamos tido em nossa chegada. Ao tornar-se inconveniente, passou a exagerar ao ponto de alguns clientes reclamarem com o gerente do restaurante.
Outro registro histórico dessa passagem d'A Chave do Sol pela cidade de Aguaí-SP, no pequeno estádio de futebol local, em formação de time: Beto Cruz, Rubens Gióia e José Luiz Dinola em pé. Agachados: Edgard Puccinelli Filho, Luiz Domingues e Canrobert Marques. Click de Rodolpho Tedeschi

Aí inverteram-se os papéis, pois o semi-bullying pelo qual havíamos passado, passou a ser justificável, pois os "freaks" (e possivelmente "drogados", sabemos como é no imaginário popular...), estavam a incomodar, agora de fato.
 
Bem, tratou-se apenas de uma pessoa alterada em nossa mesa e internamente, nós lhe falamos para que ele parasse com aquele comportamento, pois estava a envergonhar-nos, entretanto, ficamos sob uma situação embaraçosa, pois quanto mais o advertíamos, mais ele irritava-se, justamente por estar fora de consciência, devido à bebida. 
 
Bem, alguns produtores do show intervieram, para tentar convencer o dono do restaurante de que fora uma manifestação isolada e não representava a banda, tampouco o festival, mas o clima já estava azedado e só restou-nos encerrar o jantar e sair dali. Não revelarei quem foi o protagonista dessa ação, mas isento a banda. Nenhum de nós quatro, músicos, foi tal pessoa. 
 
Na volta do restaurante para o local do show, um fato totalmente inesperado deixou-nos atordoados, e por pouco não tornou-se um tumulto generalizado a estragar não somente o nosso show, mas o próprio festival. Pois ocorreu que subitamente, ouvimos o nosso fotógrafo, o Rodolpho "Barba" Tedeschi, indignado, a berrar pela presença da polícia.
 
Quando fomos entender o que realmente houvera acontecido, no meio daquela confusão em meio à multidão e uma banda a tocar a todo vapor no palco e portanto com aquela zoeira no PA, finalmente o "Barba"  contou-nos que estava a caminhar tranquilamente, quando um grupo de rapazes perguntou-lhe agressivamente por que ele não cortava a sua barba e atônito com tal abordagem gratuita e despropositada, retrucou-lhes a perguntar-lhes se a barba os incomodava e aí, eis que arrancaram-lhe um chumaço dela, na mão, e uma troca de socos, se sucedeu.
Foi tão inusitado e tão rápido, que só percebemos quando ele berrava e os rapazes já haviam sumido em meio à multidão. Bem, fora uma provocação gratuita, com o intuito claro da provocação e a nossa reação de imediato foi ajudá-lo, talvez a localizar os vagabundos, mas naquela balbúrdia, foi impossível.
 
Tirante a indignação pessoal e o desconforto pela dor gerada, em ter um pedaço de barba arrancada de forma tão agressiva, ficou por isso mesmo, pois ele não quis ser socorrido e de fato, não seria o caso de procurar pronto-socorro, apesar do incômodo. Tampouco ele quis prestar queixa na polícia, pois sabia que os policiais desdenhariam da sua reclamação. Absolutamente inadmissível pela gratuidade em atacar alguém da nossa comitiva, certamente estragou a nossa noite, por que ficamos abalados por esse baixo astral ocorrido com um membro da nossa comitiva.
Mesmo chateados com essa ocorrência totalmente imprevisível e desagradável, tocamos com o foco habitual no sentido de oferecer o nosso melhor em termos de atuação.
 
A minha lembrança é a de ter sido um show energético, com um número interessante de fãs da banda ali presentes, que vieram inclusive das cidades vizinhas, e que acompanhavam-nos desde as nossas aparições n'A Fábrica do Som, entre 1983 e 1984.
Claro, nem todo mundo que esteve ali presente nos conhecia, pois ao contrário da expectativa criada por nós termos sido colocados como banda headliner, e assim a supostamente ostentar o mesmo status do "Ira!", foi óbvio que não tínhamos a mesma fama que dessa banda, que gozava das benesses de estar alojada no mainstream, via gravadora major.
Portanto, claro que a despeito de termos fãs ali, não foi todo mundo que conhecia-nos, e não vou mentir, claro que não houve uma "comoção" gigantesca pela nossa presença no festival.
Outro ponto, nessa apresentação nós tocamos duas músicas novas que já faziam parte da nova safra que estávamos a produzir e evidentemente coadunadas com os nossos esforços para levarmos a banda para o padrão Pop, dentro do possível e assim extrair com veemência o ranço Heavy-Metal, contido no EP. Mas as mudanças foram ainda mais profundas e posso afirmar, estávamos imbuídos de também coibir as firulas do Jazz-Rock e as letras mais rebuscadas. Enfim, nesse festival, tocamos: "O Que Será de Todas as Crianças?" e "Saudade".
No caso de "Saudade", aí sim, a aposta no Pop radiofônico foi emblemática, pois a música tinha uma estrutura muito simples e o arranjo fora elaborado para ser acintosamente simples, com uma linha de baixo e bateria inusitada para a história da banda até então, ou seja, permeada pela extrema parcimônia. Chegou a ser engraçado tocar grande parte da música em única nota, sem um desenho sequer, por mais simples que fosse. Aquilo para a minha concepção para o Zé Luiz foi quase um "haraquiri"...
Mas estávamos convictos da necessidade dessas mudanças, ao visarmos um bem maior e com resignação, incluímos a música no set list. Para ser sincero, não a achava ruim, e até hoje em dia, não a considero dessa forma, mas em comparação ao trabalho que fazíamos anteriormente, foi um baque para nós, ter algo tão simplório inserido em nosso repertório.
De volta ao show, uma outra lembrança boa também foi a do Beto a confraternizar-se com os membros de sua ex-banda, o "Zenith", nos bastidores do festival.
 
Encerrado o nosso show, ainda ninguém sabia do paradeiro da nossa empresária, desaparecida desde o momento em que chegamos no local do festival.
Então, alguém veio contar-nos que ela fora vista a evadir-se do local na companhia de alguém da produção local. A história não para por aí e eu adoraria contá-la por ser engraçada de certa forma, mas não vou comprometer ninguém e dessa forma, digamos que ela teve as suas razões para não acompanhar o processo todo do show e pelo que soubemos, fora bem aproveitada a sua estada em Aguaí-SP.
 
De volta a São Paulo, resolvemos por bem terminar a experiência dela como nossa "empresária" e tantos anos depois, nem cabe lamentos sobre a sua meteórica e pífia atuação na função. Tomara que tenha sido feliz dali em diante, nos empreendimentos em que envolveu-se, doravante.
Todas as fotos desse show de Aguaí-SP são do Rodolpho Tedeschi, o "Barba".
Esse show no Festival "1º ERA", na cidade de Aguaí-SP, ocorreu no dia 19 de dezembro de 1985 e cabe aqui, a transcrição da matéria que saiu publicada no "Jornal de Aguaí":

"Um Muro de Decibéis

'A ideia de um encontro de Rock como esse é excelente porque abre espaços, principalmente para o interior, que sempre foi muito criativo'. 
 
A opinião é de Rubinho, guitarrista do grupo Chave do Sol, que tocará no encerramento da primeira eliminatória do ERA, no dia 19 de dezembro. 
 
Formada em outubro de 1982, a banda apresenta uma interessante fusão, juntando alguma música de Jazz-Rock com um pesado som de Heavy-Metal. O público, por sinal, costuma referir-se com frequência ao "Jazz-Metal Rock da Chave do Sol" e exemplos claros dessa linha podem ser encontrados nas seis faixas do disco que gravaram pela produtora Baratos Afins.
 
Nesse disco estão presentes o tempo todo, os ritmos inusitados e as viradas do criativo baterista Zé Luiz, as frases e desenhos criados pelo baixista, Luiz Domingues, que não se limita à marcação de compassos e duela constantemente com os solos melodiosos de Rubinho na guitarra, que aliás, já tem condições de brigar por um espaço entre os melhores guitarristas do Rock brasileiro.

Os vocais que no disco eram de Fran, agora estão por conta de Roberto, um músico muito experiente, com passagens em várias bandas, e que está com a Chave, há cerca de três meses. Extremamente profissional, o grupo já fez mais de 100 shows pelo interior do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro e completou mais de 20 aparições na TV. 
 
Para a apresentação o 1º ERA, Rubinho promete o lançamento de duas músicas inéditas, compostas nos últimos 15 dias. Rubinho aproveita a oportunidade para 'louvar os organizadores do encontro pela iniciativa e desejar que ele se repita sempre com muito sucesso'. 
 
E emenda seu recado: "Com relação à Chave do Sol, os que comparecerem vão ter uma grande surpresa, tanto os que conhecem, como os que não conhecem nosso trabalho. Não vamos deixar pedra sobre pedra".

Bem, a jornalista, Célia Coltro usou frases de efeito colhidas durante sua entrevista telefônica, e mesclou-as à informações contidas no release da banda, isso é nítido. Positivo ter dado essa ênfase, sem contar a foto promocional publicada, já da mais recente sessão de fotos, com o Beto Cruz inserido na formação.
Passado esse show em Aguaí-SP, ficamos novamente sem um empresário, mas ao analisar friamente, e com todo o respeito à boa vontade da moça que ocupara o cargo anteriormente, estávamos na verdade, sem, mesmo com a sua atuação pífia.
 
O próximo compromisso seria o último de 1985, e tratou-se de um contato iniciado pelo Beto Cruz, que agregava mais essa qualidade à banda, ou seja, ele tinha iniciativa e contatos.
 
Seria um show a ser realizado em uma casa noturna e a novidade, foi que o dono do estabelecimento teve a iniciativa de contratar-nos, com o intuito em fazer uma experiência. Tratara-se de uma casa bem montada e localizada, mas acostumada até então, a abrir as suas portas para apresentações de bandas cover. Claro que tal intenção mostrava-se salutar e apreciamos fazer parte desse balão de ensaio, ao torcer para haver um bom público, e assim, o dono tornar uma rotina a apresentação de bandas autorais. 
Chamava-se "Café Brasil" tal estabelecimento e a sua localização se mostrara excelente, na Rua Santo Antonio, quase esquina com a Rua 13 de maio, o grande local de efervescência noturna no bairro do Bexiga, em São Paulo.
 
Contudo, nessa experiência, não estaríamos sozinhos, por que o Beto teve a ideia de transformar o nosso show em uma festa de fim de ano, com certeza já para alertar diversos colegas nossos para a oportunidade nova que a casa oferecia e ao mesmo tempo, a visar incrementar o interesse do público, com a presença de alguns convidados para lá de especiais. Nesses termos, fizemos o nosso show quase normal, pois cedemos um pouco do nosso espaço para mini shows do "Centúrias", "Harppia" e "Golpe de Estado", o que foi muito positivo!
O Golpe de Estado, aliás, fez um de seus primeiros shows como banda recém montada. Tinha poucas músicas compostas ainda e justiça seja feita, o Beto Cruz foi um elemento importante para que tal banda fosse formada, pois indicara o guitarrista, Hélcio Aguirra para Paulo Zinner e Nelson Brito, que há pouco tempo haviam retornado de Londres, onde haviam morado por alguns meses.
 
E essa dupla levou o Catalau para pilotar os vocais, pois conheciam-no desde o início dos anos oitenta, quando formavam o "Fickle Pickle", ou melhor, deram continuidade ao trabalho, pois essa banda existia desde os anos setenta. 
 
Enfim, dera super certo a junção de um guitarrista egresso do Heavy-Metal (Harppia), com forte influência de Black Sabbath, UFO e Judas Priest, com uma cozinha ultra antenada em Rolling Stones, Deep Purple e The Who e um vocalista super influenciado por Alice Cooper e Mick Jagger.

A noitada foi excelente no Café Brasil e o dono animou-se. Daí em diante, esse rapaz agendou shows com bandas autorais, ao menos uma vez por semana, para tornar a sua casa, um outro espaço forte para o Rock autoral na cidade de São Paulo. E A Chave do Sol voltaria nesse mesmo estabelecimento, no ano de 1986, por mais duas vezes, conforme comentarei no momento oportuno.
 
Essa primeira oportunidade no Café Brasil ocorreu no dia 22 de dezembro de 1985, e oitenta pessoas assistiram o nosso show e os mini shows das bandas citadas. Ano novo que chegava e novamente estávamos cheios de esperança para o ano de 1986, e sobretudo, com a certeza de que as mudanças que estávamos a promover, colocar-nos-iam em condições de pleitear enfim, dias melhores para a banda. 
Permito-me realizar um balanço com poder de análise, e embasada pelo distanciamento histórico:

Chegamos ao final de 1985 com mais uma mudança radical de planejamento. Exatamente um ano antes, estávamos a fechar 1984, na mesma situação, em um misto de euforia pelas perspectivas, com preocupação pelas mudanças que precisávamos empreender.
 
Tínhamos uma carência vocal para suprir e que considerávamos crucial para poder aspirar um lugar no mainstream, daí demos muita sorte em achar o Fran Alves, em um momento em que ele colocara-se em disponibilidade, e pouco tempo depois de termos perdido o vocalista gaúcho, Chico Dias.
Os boatos que cercavam a proximidade do Festival Rock in Rio, davam conta de que uma nova onda de Rock chegaria e nela, ao contrário da onda em voga e oriunda do Pós-Punk, nós teríamos uma chance. Não foi nada confortável para nós, mas seria menos invasivo e doloroso do que o Pós-Punk, esse sim, intragável para nós, por motivos óbvios.
 
Contudo, o Festival Rock In Rio passou, e nenhum indício muito claro surgiu para dar a entender que as gravadoras majors, abririam espaço para elencos formados por artistas orientados pelo Rock pesado, em seus quadros. Pelo contrário, continuaram a trabalhar em sua toada em prol do Pop, com a estética do Pós-Punk a ditar as regras.
 
Com isso, nosso esforço em mudar nosso trabalho, ao imprimirmos peso extra, fracassou e pior, trouxe-nos alguns prejuízos. Não agradamos os fãs nossos antigos, que apreciavam-nos com a vestimenta do Jazz-Rock setentista. E esse mal-estar explodiu com maior truculência nas mãos do novo vocalista, Fran Alves.
 
Este por sua vez, fora um tremendo vocalista e pagou o preço dessa incompreensão generalizada. Como saldo, ficou a necessidade de uma nova e radical mudança, e no bojo, perdemos Fran Alves, o que não fez parte inicialmente do plano para as novas mudanças.
 
E novamente trocamos de vocalista e roupagem estética, ao repetirmos o padrão da mesma época do ano, em 1984. Claro, assim como estávamos esperançosos ao final de 1984, com as providências que estávamos a adotar, chegáramos ao final de 1985, na mesma situação, o que foi sintomático.
Ao analisar hoje em dia (2016), está claro que faltou-nos um direcionamento orientado por alguém que realmente conhecesse o mercado. Empreender tantas trocas de membros e orientação artística da banda, só prejudicou-nos em todos os sentidos.
 
Como consolo, fico com a consciência tranquila de que fizemos exatamente o que achamos melhor na época. Faltou-nos apoio de algum consultor realmente com visão, e dessa forma, eu não posso penitenciar-me por isso. Ao analisar friamente, talvez jamais teríamos que buscar tanto um vocalista. Pois pense bem, leitor, que cantor do BR-Rock oitentista, foi realmente um grande vocalista? Nós sonhávamos com um frontman com nível internacional, baseado em nossas percepções sessenta/setentistas, mas duas perguntas ocorrem-me hoje em dia :

1) Para que?


2) Onde achá-los?
 

O "para que" é emblemático por si só, pois sendo práticos, o vocal do Rubens teria sido suficiente para suprir quaisquer necessidades com teor Pop do mercado. O próprio Zé Luiz também tinha potencial vocal e nós três fazíamos backing vocals (ainda que no meu caso, eu reconheça que só fui melhorar nesse quesito depois do trabalho com o Sidharta, em 1997 e aprimorar ao vivo com a Patrulha do Espaço, a partir de 1999). 
 
Isso é uma análise fria e calculista. Que fique bem claro que não estou a lamentar com dor de consciência. E jamais pense o leitor que lastimo a presença de Fran Alves na formação da banda, pois ele foi importante demais para a nossa história e onde deixou sua respectiva marca, de forma indelével.
 
Até a tentativa com Chico Dias foi válida em 1984 e no início da narrativa, deixei claro que lastimei muito que Verônica Luhr não tivesse prosseguido como vocalista de banda, pois o seu potencial era o de uma estrela, e em condições, com produção e apoio, ela teria suplantado em milhas, vocalistas femininas muito inferiores a ela, e que tornaram-se estrelas do BR-Rock oitentista mainstream.
 
Por conseguinte, a entrada de Beto Cruz também jamais poderá ser questionada, tanto pela tentativa em si, em prol da mudança de estratégia da banda, quanto pelas qualidades artísticas dele, pessoalmente e o quanto agregou como vocalista, frontman, guitarrista & compositor, e sobretudo pela força de trabalho que trouxe para a banda. 
 
Para encerrar, chama-me a atenção que sob um espaço de apenas um ano de distância, estivéssemos a repetir o mesmo padrão de expectativas e de providências. Assim encerrou-se 1985...
Continua...

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