Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol em 1982...
Entre
os Rockers, é comum a presença de pessoas que se apresentam como grandes
conhecedoras desse extenso universo, a manter uma visão enciclopédica
sobre o assunto. Houve época em que essa característica se provou
notória para dez a cada dez donos de lojas de discos especializadas e
haja vista que esse fator foi preponderante para a formação da dita:
"Galeria do Rock", em São Paulo, local que em seu auge chegou a conter
quase duzentas lojas a operarem no mesmo centro comercial, em plena
avenida São João, no centro velho da capital paulista.
Bem,
trata-se de uma capacidade de armazenamento de dados impressionante a
denotar o bom conhecimento de causa, memória prodigiosa e sobretudo,
amor ao Rock, portanto, qualidades admiráveis da parte desses Rockers.
Mas
nem todo "expert" no assunto, usa o seu conhecimento vasto com o bom
propósito para difundir o Rock, formar novas gerações de adeptos ou
trabalhar como um potencial arquivista a preservar a memória do gênero,
pois ao contrário, tais pessoas dotadas de intenções escusas, mais usam a
sua bagagem cultural avantajada para o exibicionismo e assim proceder
para alimentar a soberba, infelizmente.
Bem,
isso não acontece somente com Rockers, se é que possa servir como
consolo, pois, é um fenômeno generalizado em qualquer meio, aliás, não é
preciso nem divagar muito, basta ver o comportamento padrão de certas
categorias profissionais bastante corporativistas e que, por conseguinte,
se colocam como uma espécie de casta superior dentro da sociedade e
também no meio acadêmico onde o excesso de erudição de certos
"scholars", geram alguns transtornos bem visíveis.
Então,
o caso que eu cito nesta crônica, não caracterizou o primeiro e
tampouco foi o último com o qual eu tive contato direto. Isso sempre
ocorreu, acontece e arrisco dizer, se repetirá mais vezes no futuro,
pois eu não vejo perspectiva de que não se repita.
Eis
que bem no começo das atividades d'A Chave do Sol e exatamente no show
de estreia da nossa segunda vocalista, Verônica Luhr, nós tocamos como
atração musical convidada para entreter a plateia de um festival
estudantil, enquanto o corpo de jurados se reunia para deliberar as
notas das bandas que ali concorreram. Tal acontecimento deu-se no
auditório do Colégio Manuel de Paiva, situado no bairro do Campo Belo,
na zona sul de São Paulo.
Foto
d'A Chave do Sol de 1983, nas a exibir a formação d'A Chave do Sol que
vinha desde 1982, época em que esta crônica trata. Click de Seizi Ogawa
Bem,
nós fizemos o show com excelente desenvoltura e receptividade da parte
do público que ali compareceu e ficamos muito felizes pelo desempenho da
Verônica Luhr, que já em sua primeira atuação conosco, mostrou-se
exuberante. Tanto foi assim, que o assédio no camarim foi forte e muito
nos animou, visto que aquele fora apenas o nosso quinto show na carreira
iniciante de nossa banda.
Todavia,
alegria a parte, eis que um rapaz entrou no camarim para nos
cumprimentar, mas logo a seguir ele adotou uma posição desagradável, ao
nos questionar com bastante ironia, sobre uma questão que levantou, e
que na prática, se mostrara irrelevante dentro do contexto da nossa
apresentação.
O
fato, foi que nesse início de atividades da nossa banda, nós fomos a
compor o nosso material com a banda já a atuar ao vivo, portanto, nas
primeiras apresentações que fizemos, tivemos poucas músicas autorais
para executarmos e dessa forma, preenchíamos espaço com a inclusão de
releituras de clássicos do Rock internacional em predominância e alguns
nacionais, também.
Pois
foi nesse exato detalhe que o rapaz se apegou para nos afrontar com um
tipo de abordagem que não foi exatamente agressiva e desrespeitosa, mas
certamente se mostrou desagradável pela sua intenção velada.
Aconteceu
que nós havíamos tocado a música: "Cocaine" (também apelidada
informalmente como: "She Don't Lie", uma ironia que faz parte da letra
da canção), cuja autoria é do grande astro norte-americano do Folk-Rock,
J.J. Cale, mas no imaginário popular, tal canção seria do guitarrista,
Eric Clapton que a regravara.
Cabe
dizer que J.J. Cale a lançara em seu LP "Trombadour" de 1976, e Eric
Clapton a regravou em 1977, ou seja, logo a seguir, através do seu
disco, "Slowhand". Clapton a gravara por ser um grande fã do trabalho de
J.J. Cale, portanto não foi à toa, visto que em 1970, já havia gravado
uma outra canção do mesmo autor, "After Midnight", em seu primeiro LP
solo, homônimo.
Então,
com síndrome de "expert", esse rapaz ficou a ironizar-nos por termos
tocado a canção, "Cocaine", sem sabermos quem seria o seu real autor, ao
nos julgar incautos que pensavam ser a autoria de Eric Clapton.
Ora,
estávamos felizes naquele camarim, a atendermos as pessoas que
gentilmente ali nos procuraram para cumprimentar e elogiar a nossa
apresentação e esse rapaz ali ficara a insistir com brincadeiras sem
graça, a nos impor ironia gratuita e a contestar se teríamos ou não a
real noção sobre essa questão e pior ainda, a colocar em cheque a nossa
banda, pois segundo a sua lógica, se nós não soubéssemos desse pormenor,
ele insinuara que não teríamos condições de pleitear notoriedade na
carreira, ou seja, questionara o nosso valor como artistas, acaso
fôssemos ignorantes em tal quesito, como ele deduzira.

Ora,
para ter noção do campo cultural que estávamos a atuar e com pretensões
artísticas bem delineadas, realmente denotaria a necessidade de se
contar com uma noção geral sobre tal espectro, isso eu concordo, mas daí
a depender de se ter certeza sobre uma informação tão específica, como
se fosse uma pergunta capciosa contida em uma prova do vestibular a
decidir se entraríamos na Universidade do Rock para merecermos pleitear
um diploma de tal cátedra, realmente caracterizou um enorme exagero de
sua parte e pior, a revelar a sua real intenção de nos humilhar para se
impor como alguém que realmente conhecia mais do que nós sobre o ramo.
Todavia,
que bom que nenhum componente da nossa banda, incluso eu mesmo, se
deixou levar pela armadilha que o rapaz quis lançar sobre nós, portanto,
não houve um grande aborrecimento que estragasse a nossa noite, que
fora ótima.
Essa
história apenas marcou pelo fato extra de ter surgido mais um
"sabichão" a querer se exibir e pior, a querer nos diminuir por conta de
uma disputa de conhecimento forjada por ele próprio, com o claro
intuito de buscar se alimentar da sua própria empáfia.