Aconteceu no
tempo do Sidharta, em 1998
Queríamos evocar o sonho hippie na
concepção do Sidharta, não apenas como inspiração e fonte primordial para a
criação de nossas composições, mas também em múltiplos aspectos, alguns deles, bem
sutis, mas em nossa visão, seria algo importante para gerarmos a atmosfera adequada para
que esse trabalho fluísse a contento de nossos ideais.
Um exemplo desse esforço
obstinado para buscar tal ambientação que desejávamos, deu-se pelo fato de que
usávamos muitos incensos para perfumar as salas de ensaios que usávamos para
trabalhar. Ao longo da história dessa banda,
fizemos uso de quatro salas e uma delas, foi a que mais usamos, a caracterizar
uma temporada maior em suas dependências.
Por ter como seu proprietário um
músico que simpatizava com muitos valores parecidos com os nossos, tal sala
tinha uma certa aura freak sessentista, embora esse músico fosse um egresso de
uma banda que fora mega popular nos anos oitenta e apesar dele, pessoalmente, possuir
uma influência sessenta-setentista primordial em sua formação pessoal, a sua banda
fora regida pelos valores oitentistas antagônicos, versados pela cartilha do
movimento Pós-Punk.
Independente desse aspecto, o tal artista era uma
pessoa boa, sempre tratou-nos muito bem e além disso, o seu estúdio parecia uma
caverna hippie, o que foi acolhedor para o tipo de vibração que desejávamos ter
para trabalhar em nossa criação.
Dessa forma, fomos autorizados a
usar incensos a vontade em suas dependências e mais que isso, ele pedia-nos varetas
para acender em sua residência em anexo. Ora, que vibração boa, tocávamos com o
perfume sessentista no ar.
No entanto, essa prática que era um prazer aromático
e ao mesmo tempo uma autoafirmação de nossos propósitos enquanto artistas
comprometidos com as tradições contraculturais mais puras, tornou-se com o
decorrer do tempo, uma necessidade mais que premente.
Pois o rapaz em questão, em
princípio tinha três cães, mas logo tal número subiu, ao tornar-se uma
verdadeira matilha em sua residência e dessa forma, com onze cães da raça Sheep
Dog, a urinar e defecar constantemente pelos corredores e até dentro do próprio
estúdio que alugava-nos, o fato foi que o advento do incenso tornou-se a nossa
única forma para ensaiarmos com um mínimo de preservação de nossa dignidade, em
termos olfativos.
Entretanto,
tudo piorou quando um dia chegamos ao estúdio, munidos da nossa tradicional
caixa com incensos, e percebemos que mesmo ao caracterizar uma enorme
quantidade de varetas disponíveis que tínhamos, tal montante não daria conta,
simplesmente por um fato novo ali instaurado: um caminhão da Sabesp, a
companhia paulista de água e esgoto estava estacionada na porta da residência/estúdio desse nosso amigo e os seus funcionários trabalhavam a todo vapor, e que
o leitor entenda a palavra “vapor” pelo duplo sentido, visto que o odor horroroso
que ali instaurara-se, mostrou-se impressionante.
Mexiam tais trabalhadores, justamente
nos encanamentos do esgoto da calçada e com uma extensão quase até a porta do
estúdio, na edícula da residência.
Bem, diante de tal quadro insalubre,
gastamos todo o nosso arsenal de incensos e o melhor resultado que alcançamos
nesse sentido, foi apenas adocicar o odor exalado pelos encanamentos expostos a
céu aberto, que mostrara-se indescritível em seu caráter insalubre.
Todos nós
já havíamos ouvido falar sobre a podridão humana, em termos hipotéticos, mas
naquele instante, tal expressão ganhou uma conotação mais realista, digamos
assim.
Ainda bem que tínhamos entre as nossas composições, uma canção chamada:
“Tudo Vai Mudar”, pois eis que serviu-nos como um alento naquelas duas horas em
que nem se queimássemos
o dobro de incensos disponíveis, conseguiríamos amenizar aquela fétida situação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário