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sábado, 27 de junho de 2015

A Chave do Sol - Capítulo 14 - Um Voto de Confiança - Por Luiz Domingues

O ano de 1987 chegara e a julgar pelos últimos acontecimentos relatados anteriormente, fora por um triz que esse último Reveillon, não houvera sido o melhor da nossa trajetória até então. Pois o leitor há de recordar-se que vivemos os últimos oito a nove meses, de meados de março a dezembro de 1986, em clima de euforia progressiva, pela sensação de avalanche em termos de oportunidades que apresentaram-se diante de nós, ao sinalizar-nos claramente que a grande porta de acesso ao mundo mainstream estava a escancarar-se ante nós.
A nossa queda de energia interna teve mais a ver com a decepção pela falta de força do Studio V, do que outro fator, pois o ano virou e a avalanche na mídia continuara em pleno curso, caso dessa matéria acima, com direito a encarte especial e resenha da demo-tape que lançamos em outubro, a repercutir na edição publicada em janeiro de 1987, na Revista Metal 

No entanto, muito dessa euforia gerada, para não dizer quase toda, houvera arrefecido-se, quando na metade de novembro, fomos rejeitados pela gravadora Warner. Contávamos com isso, e não é necessário elencar as razões para tal confiança que tínhamos dada a minuciosa explicação e conteúdo de análise que publiquei nos capítulos anteriores.
Nota na Revista Mix nº 5 (dezembro de 1986), a exaltar a nossa contratação pelo Studio V

Cabe, no entanto, reforçar que tal reação de nossa parte conteve uma dose maciça de ingenuidade e certamente falta de noção à época, de como realmente funcionava a engrenagem mainstream.


1) O nosso som não era nem de longe compatível com a realidade do mundo mainstream. Nem mesmo se o simplificássemos ao máximo, ainda assim, mantínhamos uma diferença brutal de espectro artístico, com quem já estava a atuar no andar de cima.


2) O nosso visual pessoal era o de Rockers à moda antiga e no ambiente oitentista avesso a essa configuração, por vários fatores e entre eles o comprometimento com o conceito do niilismo agressivo inventado pelos punks em 1977 (e reafirmado com vigor por seus filhotes, os seguidores Post-Punkers), não aceitar-nos-iam nunca, naquela configuração. 


Havíamos questionado isso no início de 1983 e tínhamos chegado à conclusão de que não valia a pena fazer tal loucura e sacrifício nessa época, imagine então agora, que tínhamos discos, portfólio e fãs? Ou seja, estávamos estigmatizados e de uma forma irreversível.

O nosso fanzine fazia barulho... motivava até notas em revistas de porte, como a "Som Três"

Muita gente que aproveitou bem a onda do Br-Rock 80's, estava ali coadunada com tais preceitos, mas não era nenhum entusiasta de tal estética. Haviam muitos até, que tinham passado marcante no Rock brasileiro dos anos 1970, foram "cabeludos", usaram figurinos setentistas sensacionais e mudaram de posicionamento, a dançarem conforme a música.

Casos de Ritchie, Lobão, Arnaldo Brandão, Vinicius Cantuária, Lee Marcucci, Antonio Pedro de Medeiros (Fortuna), Lulu Santos, Wander Taffo, Gel Fernandes e muitos outros. Mas nenhum deles fechou com ideais niilistas, eu duvido. Na mentalidade de todos certamente deve ter havido a ideia de adequarem-se para não perderem a oportunidade e quem não percebeu isso, ficou no limbo do underground, casos do Made in Brazil e da Patrulha do Espaço (incluo o Tutti-Frutti e Guilherme Arantes nesse minúsculo rol de resistentes), praticamente as únicas bandas setentistas que ultrapassaram a virada da década de setenta para a de oitenta, a manterem os valores tradicionalistas do Rock e por conta desse apego aos seus ideais, pagaram o preço caríssimo de ficarem a margem de tudo. 

A própria Rita Lee, reinventou-se Pop e "modernosa", do ano de 1979, em diante, e para muita gente, quiçá a maioria, é a fase da carreira dela que mais gostam...

Foto no gabinete de Miguel Vaccaro Netto, no dia da assinatura do contrato, ainda em 1986. Da esquerda para a direita: eu (Luiz Domingues), Rubens Gióia, Sonia Carlos Magno, Miguel Vaccaro Netto, Beto Cruz e José Luiz Dinola. Click: Maurício Abões

Enfim, só surfou no sucesso mainstream, nos anos oitenta, quem rezou por essa cartilha e nesses termos, a nossa banda estava fora desde o início e não seria nesse novo instante, com uma carreira em andamento (e muito bem, por sinal, para os parâmetros do underground), que faríamos a loucura suprema de darmos uma guinada contundente na estratégia, para mudarmos tudo de novo e desta vez, para radicalizarmos completamente o som e o visual. Seria motivo de chacota geral, tanto no mundo avesso, e principalmente no nosso, onde os fãs jamais perdoar-nos-iam. Mas isto é uma mera conjectura, pois nem cogitamos empreender uma loucura dessas.


3) Sob o ponto de vista gerencial, faltou-nos apoio de bastidores.
Figuras sensacionais como Charles Gavin e Clemente Nascimento, tentaram, mas na época, eles ainda não tinham nem 10% da influência que possuem hoje em dia e eu sei que sua ajuda na época foi sincera e muito digna, mas esses dois amigos simplesmente não puderam puxar-nos para cima. 

Um outro aspecto nesse item, foi que a linha de estratégia das gravadoras estava fechada tão hermeticamente nesse conceito em favor da estética do Pós-Punk, que nada demovia-os de tal pensamento. Somente alguma força extraordinária, poderia fazer tal encaixe à fórceps. Algo parecido com o que ocorrera com bandas como "Barão Vermelho" e "Herva Doce", que nada tinham a ver com a estética Pós-Punk, fizeram sucesso mainstream e sem grandes concessões em seu som recheado com influência antigas e proibitivas para os anos 1980, no caso do Herva Doce, ainda mais gritantes. 

Nesse caso, um produtor com livre entrada nesse meio, que dominasse tantos contatos na mídia e na indústria fonográfica simultaneamente, seria a tal mão pesada a quebrar bloqueios estéticos e certamente a bancar-nos dentro da estrutura dessa máquina do show business, alheio a qualquer obstáculo. 

Tal "manager" com tal traquejo, seria o Miguel e ingenuamente acreditamos nessa possibilidade. Portanto, a perda de nossa confiança passou por essa decepção com a não tão grande influência que Miguel tinha, aliado ao fato de que na prática, o Studio V abusava das suas prerrogativas ao cobrar-nos uma taxa absurda sobre os cachês, mas nada havia feito de bom, em meses de compromisso conosco (para não ser injusto, produziram um único show, no TBC, e já relatado, e atraíram algumas entrevistas de mídia impressa e rádio, além de ter deixado que usássemos seu estúdio para gravar a demo-tape de outubro, mas nada maior do que nós conseguíamos por nossos próprio esforços). 

Somados esses dois fatores, falta de resultados de agenda + rejeição em gravadora, é claro que aquela sensação de vitória inevitável, esfarelou-se por entre os nossos dedos. Mesmo assim, ainda tínhamos energia para prosseguir. 

Portanto, quando 1987 entrou em vigência, nós ainda passamos um tempo a esperarmos que o escritório desse-nos mostras de uma revitalização, ao sinalizar novas investidas em gravadoras, e sobretudo, pela movimentação de agenda de shows. Por isso, ainda havia esperança de que revertessem o quadro de desapontamento que criaram para conosco.

Além da reunião convocada por Miguel logo no início de janeiro de 1987, para repercutir o show que fizéramos no TBC (já relatado em capítulo anterior), uma atividade informal aconteceu também nos primeiros dias desse mês. 

Conforme eu já mencionei antes, havíamos visitado o comediante, Agildo Ribeiro, em seu camarim, por ocasião dele ter estado em cartaz com o seu monólogo, ainda ao final de 1986. Como fora uma visita apenas, ele convidou-nos a assistir o espetáculo em outra ocasião, inteiro, desta feita. 

Então, em 9 de janeiro de 1987, eu e Zé Luiz fomos prestigiar o comediante, ao assistirmos o seu espetáculo de humor, que foi realizado no Teatro Paiol, no centro de São Paulo. 

Beto e Rubens não puderam comparecer e além de nós dois a representar a banda, uma micro comitiva de familiares do Zé Luiz também acompanhou-nos. A sua irmã, Beth Dinola, (a artista plástica, e responsável pela capa do nosso primeiro compacto, de 1984), sua mãe, Sraª Maria Catucci Dinola e Eliane Daic, a Lili, sua namorada e produtora d'A Chave do Sol.

Foi hilário. Em cerca de duas horas, Agildo levou o público à histeria de tantas risadas que provocou, ao contar casos, imitar pessoas famosas e debochar do governo. Enfim, foi uma performance sensacional e no meu caso não fora exatamente uma novidade, pois a despeito de eu nunca tê-lo visto ao vivo no teatro, até então, na verdade sabia de seu potencial como comediante e ator, desde os anos sessenta, por vê-lo a atuar na TV. 

Sonia estava eufórica nos bastidores com o sucesso do Agildo naquele instante e ali naquele camarim, tive a certeza de que a música não era o seu forte, e isso explicava muita coisa. Como produtora teatral, ela funcionava muito bem, convenhamos.

De volta aos nossos negócios, houve uma sinalização de show vendido a um contratante em uma pequena cidade do interior de São Paulo, que surgiu para o mês de janeiro de 1987. 

Enfim, foi algo que o Studio V, mostrou-nos como algo palpável, antes tarde do que nunca. Mas antes disso, um outro contato surgido por nossos próprios meios foi fechado, para um show no litoral do estado. Tratou-se de um contato surgido no balcão da loja /gravadora Baratos Afins e os amigos do "Platina" tocariam conosco. 

Seria um prazer é claro, pois além de termos muita amizade com os seus componentes, desde 1984, achávamos que o trabalho deles tinha muita qualidade técnica e semelhanças estéticas com o nosso. Por exemplo, os dois grupos praticavam um Hard-Rock com influências setentistas claras, e caprichavam nos arranjos.

Mesmo assim, no caso deles, creio que eles estavam mergulhados no Hard-Rock oitentista, sob apelo californiano, inclusive no visual, mas independente dessa opção da parte deles, na minha ótica, o Platina era milhas superior que qualquer banda norte-americana desse nicho do Hard Rock oitentista. 

Não havia comparação com o nível instrumental dos irmãos Busic e do excelente, Daril Parisi, com similares yankees, talvez com a honrosa exceção de Eddie Van Halen, ele pessoa/músico e não a banda, bem-entendido. 

Dessa maneira, fomos para Itanhaém, no litoral sul do estado de São Paulo, para apresentarmo-nos em um clube local. Claro, em pleno verão a tocar em uma cidade praiana, fazia um calor de rachar, mas a viagem foi extremamente prazerosa, com descontração. Alheio à nossa desconfiança manifestada nos últimos dias de dezembro, Toninho viajou conosco, sozinho, sem a presença de Sonia, e dizia-nos que muitos shows aconteceriam doravante fora de São Paulo, e que ele seria o "road manager" nessas viagens, a cuidar de toda a nossa logística.  

Muito bem, que fosse assim, amém... pensamos na época, mas nessa altura, já não empolgávamo-nos mais com os delírios "quixotescos" do rapaz e ali mesmo, nesse clube de Itanhaém-SP, tratara-se de mais um show cujo contato fora nosso, para cair gratuitamente nas mãos deles. Enfim, apesar disso, o clima esteve agradável e o voto de confiança no Studio V, ainda mantido, apesar dos pesares.

O clube em questão chamava-se: "Itanhaém Iate Clube". Com boas instalações, mas sem luxo, possuía um salão de festas amplo, onde seria realizado o show. Um equipamento digno foi providenciado para o espetáculo, e o soundcheck foi bem tranquilo.

No camarim, estávamos entre amigos. Dividir um show com o Platina foi um prazer para nós, por tudo o que já descrevi e também pelo fato dos rapazes serem bons amigos nossos. Muito brincalhões, e ao juntarem-se ao Beto, que também era um piadista nato, tornaram o camarim, uma câmara de risadas.

Lembro-me que o Daril Parisi já estava pronto para subir ao palco e ele mesmo não aguentou e soltou uma piada hilária sobre o figurino que usavam. Bastante carregado no visual de bandas norte-americanas da seara do Hard-Rock oitentista em voga, eles vestiam calças ao estilo "collant", com estampas exóticas e muitos panos coloridos e rasgados a esmo como ornamento nas pernas e braços. 

Ao falar diretamente comigo, que estava na porta, ele balbuciou algo como: -"estas roupas de trapezistas dão trabalho para serem vestidas"... para arrancar gargalhadas generalizadas. O show deles foi excelente, no seu padrão habitual de qualidade.

A seguir, fomos nós a entrarmos em cena e realizamos um show muitíssimo mais enxuto do que fizéramos alguns dias antes, no TBC, em São Paulo. Demos ênfase para músicas mais conhecidas e inserimos bem poucas canções novas, para assim privilegiarmos um show mais energético do que experimental. 

Só que houve um problema... a divulgação do evento fora fraca na cidade e inexistente nas cidades vizinhas. Portanto, o público foi diminuto e circunscrito apenas a pessoas que circulavam pelo clube a esmo, em uma noite de verão. Dessa forma, no salão onde cabiam seguramente, pelo menos mil pessoas, cerca de cento e cinquenta testemunharam a nossa passagem pela cidade. 

Foi um show frio da parte do público, mas nada hostil. Pelo contrário, bateram palmas educadas ao término de cada música, mas claro que isso não constituíra-se de um público alvo das duas bandas, portanto, não deve ter comovido-lhes de forma alguma. Foi um típico show que nada acrescentou artisticamente para nós, e cuja parte interessante que o justificou, fora apenas e tão somente pelo cachê. 

Uma pena mesmo, pois o palco estava bonito, o pessoal do clube foi muito gentil conosco, houve um equipamento razoável à nossa disposição a companhia do pessoal do Platina fora agradabilíssima pela amizade e pela qualidade do seu trabalho (e nesse caso, tocar com uma ótima banda em um show compartilhado, só agrega). 

A a cidade era (é) uma graça pelo seu bucolismo de pequena localidade praiana e o verão estava em pleno vapor, com muitos turistas presentes fora promissor etc. Foi assim o primeiro show de 1987. Com cento e cinquenta pessoas presentes, aproximadamente, no Iate Clube da cidade de Itanhaém, litoral sul do estado de São Paulo.

Antes de avançar pela cronologia, eu vou dissecar uma entrevista que concedi à revista Mix, que era especializada em instrumentos, equipamentos e técnica. Tal matéria era bem recente, tendo sido publicada no mês anterior, de dezembro de 1986. Saiu publicada no seu nº 5, com a entrevista conduzida por Tony Monteiro. 

Essa revista foi mais um desdobramento de teor musical da mesma editora que publicava as revistas: "Roll" e "Metal", as quais nós já havíamos sido enfocados inúmeras vezes, com notas, matérias, entrevistas, resenhas de shows e discos, além de citações en passant.

O primeiro fato interessante da entrevista, deu-se logo na apresentação, quando Tony Monteiro optou por fazer um adendo informal que explicava o meu então apelido. Pois eu acho que pela primeira vez, alguém da mídia levantou tal questão e ali, ficou claro que "Tigueis" seria uma corruptela de "português", ou seja, uma alusão à minha descendência lusitana.
Mas na prática, pouco ajudou-me a escapar das inúmeras confusões que tal alcunha causar-me-ia, até que em 1999, eu daria um basta nisso e firmaria propósito em ser chamado pelo meu nome. Mas isso é assunto paralelo abordado nos capítulos sobre a Patrulha do Espaço, em diante. Repercuto agora as perguntas e principalmente as respostas que eu forneci nessa época.

1) MIX - Há quanto tempo você toca?
Luiz - Há dez anos.
 

2) MIX - E sempre no baixo?
Luiz - Sempre, apesar da bateria ser realmente o instrumento que eu gostaria de aprender a tocar. Só que o baixo acabou pintando na minha vida, e eu acabei desenvolvendo.

3) MIX - Como foi seu aprendizado?
Luiz - Eu comecei estudando em conservatório aos 16 anos, naquele esquema bem rígido, sempre com o objetivo de seguir uma carreira profissional. Mas eu não terminei o curso e posso dizer que minha grande escola foram os discos que eu sempre escutei.

4) MIX - Você lê música?
Luiz - Eu cheguei a um ponto de ter uma base musical bastante razoável, mas como não dei continuidade, posso dizer que desaprendi a ler. Eu ainda tenho planos de voltar a estudar, só que mais para o futuro, uma vez que hoje estou envolvido em composição, ensaios, enfim, estou batalhando a minha carreira.

5) MIX - Que instrumento você usa?
Luiz - Um Fender Modelo Jazz Bass.

6) MIX - É o instrumento ideal para o seu estilo?
Luiz - É um dos. Pro futuro, pretendo ter outros para em casa ocasião poder trabalhar com um timbre diferente. É uma ambição que no momento não é possível por em prática.

7) MIX - Qual seu sistema de amplificação?
Luiz - Atualmente estou trabalhando com uma coisa improvisada, uma potência feita em casa com caixas também caseiras. A curto prazo, pretendo comprar um amplificador de nível, que seria um Marshall.

8) MIX - Quais as suas cordas preferidas?
Luiz - Rotosound é que mais agrada, apesar de achar a GHS interessante, também.

9) MIX - E as nacionais, não prestam?
Luiz - Não, de jeito nenhum! Aquilo é arame de pendurar roupa!

10) Mix - Por que você não usa palheta?
Luiz - Normalmente quando o menino começa a estudar, ele usa palheta, por ser um negócio mais fácil de pegar. No meu caso, foi a mesma coisa. Mas, com o passar do tempo, eu me toquei que usando os dedos, no sistema pizzicato, se obtém um som muito melhor. Tocando dessa forma, eu consigo mais potência de som, trabalho dinâmico e brilho. São manhas que você descobre com o tempo, ninguém aprende na escola.

11) MIX - Você usa dois ou três dedos da mão direita?
Luiz - Eu trabalho da maneira clássica, com dois dedos. Existe também aquela técnica que utiliza o polegar, muito comum no Funk, e que eu incorporo também. Acho plenamente válido.

12) MIX -  Então você compõe no baixo?
Luiz - Sim, muitos dos Riffs da Chave, foram compostos em cima de frases, que eu peguei no baixo.

13) MIX - O que você acha de baixos "envenenados", com alavancas ou pedais?
Luiz - Quanto à alavanca, estou louco para ter uma ! É fantástico, ela é utilíssima.Com relação aos pedais, eu particularmente não uso.Mas não é porque eu seja purista ou ortodoxo, acontece que usando esses pedais, nas condições que você encontra aqui no Brasil, o baixo perde muito em ganho. No momento em que eu tiver condições financeiras para pesquisar em cima de coisas profissionais como racks de efeito, aí sim, poderei usar.

14) MIX - Por que você usa o instrumento bem acima da linha de cintura, ao contrário da maioria dos baixistas?
Luiz - Pois é, isso esteticamente até choca um pouco porque foge da tradição dos baixistas de Heavy e de Hard. Agora, tem também o lado técnico. Usando o instrumento mais em cima, você tem um alcance maior nas notas graves e uma presença total nas agudas. É uma garantia de maior precisão.

15) MIX - Qual a sua preparação antes de um show?
Luiz - Primeiro eu faço um aquecimento físico. É uma espécie de ginástica que não só eu, como os outros músicos da Chave fazem. Depois, já com o visual de cena, eu começo o trabalho com o instrumento, fazendo escalas, a princípio, bem devagar e aumentando a velocidade aos poucos para aquecer os dedos.

16) MIX - O que você acha da qualidade dos técnicos de som em shows de Rock?
Luiz - Isso praticamente não existe. Existem técnicos que são contratados para fazer shows de Rock e que fazem com a maior má vontade, nos tratam como moleques, não nos dão atenção nenhuma, e, se bobear, ainda tentam te derrubar. Eu conheço apenas uns três ou quatro com condições de enfrentar um show de Rock.

17) MIX - Muita gente do meio musical - instrumentistas - fãs - críticos - consideram você o melhor baixista de Rock do Brasil, e eu sou um dos que concorda com eles. O que você acha dessa colocação? Concorda com ela?
Luiz - A princípio, eu agradeço, fico sensibilizado por ouvir um negócio desses. Só que eu vou discordar, eu não me sinto um músico desse nível, existem baixistas excepcionais no Brasil.

Antonio Carlos Monteiro


Bem, reproduzido o texto original, vou repercutir agora a minha opinião hoje em dia, sobre tudo o que eu falei, sem poupar-me de autocrítica, em alguns aspectos. E claro, só adulterei o meu nome na reprodução, ou seja, onde posso cortar o antigo apelido, o faço sem reservas!

1) Verdade absoluta. Em 1986, eu tinha completado dez anos de música.


2) Também correto. Não escondo de ninguém e nesta autobiografia já disse isso várias vezes, se pudesse voltar ao passado, investiria na bateria e não no baixo.

3) Verdade em termos. Comecei na verdade, como autodidata, ao contar com "dicas" muito preliminares da parte do guitarrista da minha primeira banda, Osvaldo Vicino (isso é contado em detalhes, nos capítulos sobre o Boca do Céu). Mas na realidade, eu tive pequenas passagens infrutíferas por escolas de música. 

Em 1977, estudei alguns meses no "Grupo Ama", uma escola bem popular entre Rockers, em São Paulo na década de setenta. Em 1978, tive uma passagem ainda mais curta por um conservatório chamado: Villa-Lobos, fato repetido em 1979, no conservatório, Bela Bartok. Em 1980, cursei dois semestres na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e parou aí a minha pequena experiência no aprendizado formal de música.

4) Uma verdade, mas edulcorada... de fato, desenvolvi um pouco, mas muito pouco mesmo da técnica do solfejo, porém logo desisti e assumi-me como analfabeto das pautas musicais.


5) Verdade. E está comigo até hoje.


6) Verdade, também. O fato de possuir somente um instrumento na época, foi apenas motivado pela mais reles das dificuldades: falta de recursos.


7) Verdade, eu possuía um amplificador caseiro, mas a caixa era uma velha "Palmer", dos anos setenta. Nem sei por que não mencionei isso e preferi dizer que a caixa era caseira, também. O meu "Duovox" só incorporou-se nesse "set up", em 1990, além da carreira d'A Chave do Sol, portanto. 


8) Verdade. Continuo a gostar da marca de cordas, Rotosound, dica do mestre, Chris Squire, que eu havia absorvido ainda nos anos setenta. GHS chega bem perto desse nível de qualidade, também. Atualmente, incluo nesse seleto rol de prediletas, a Elixir.


9) Quando eu ouvi essa pergunta, não tive dúvida de emitir uma resposta contundente, como forma de protesto. Lembro-me do Tony Monteiro a gargalhar enquanto escutava-me e a entrevista impressa repercutiu bastante, pois muitos músicos abordaram-me posteriormente para concordarem e rirem da minha piada, mas que possuía a força da verdade. Hoje em dia, acho que há cordas nacionais até razoáveis no mercado, mas naquela época, a produção brasileira era vergonhosa. Portanto, a alfinetada foi merecida.


10) Essa mesma pergunta houvera sido feita dois anos antes, quando o mesmo jornalista, Tony Monteiro, entrevistou-me para a Revista "Roll". Bem, fui sincero a época, mas hoje considero tais colocações completamente equivocadas. A ideia de que a técnica do Pizzicato é "superior", é uma falácia, para início de conversa. Pior ainda foi afirmar que dessa forma eu obtinha mais potência sonora, pasmem, pelo contrário, o contato da corda como dedo, enquanto ataque de mão direita, inibe o som, ao abafá-la. Com palheta, ao contrário, a emissão é muito maior. E não resisto: de fato, são artimanhas que aprende-se com o tempo, por isso voltei a ser "palheteiro" desde 1992, e não quero nunca mais usar os dedos.


11) Verdade. Usava dois dedos, para tocar na técnica tradicional de "pizzicato" como qualquer baixista que adota tal técnica. A questão dos três dedos que o Tony levantou, fora por que naquela década, o grande ícone do Heavy-Metal, o baixista do Iron Maiden, usava três dedos para potencializar o seu estilo baseado em um tipo de condução rítmica que recebe o apelido informal de "cavalgada" no jargão dos músicos. Havia a lenda urbana que eu espelhava-me em tal músico, mas isso não corresponde à verdade, simplesmente por que eu nunca fui fã de Heavy-Metal, tampouco dessa banda, e muito menos desse músico. Daí a motivação da pergunta, tenho certeza.


12) Verdade. Muitas músicas d'A Chave do Sol nasceram de riffs que eu criei no baixo.


13) Essa foi uma das respostas mais estapafúrdias que eu fornecei em todas as entrevistas que já concedi na vida! Para que serve uma alavanca em um baixo? Para usar o efeito durante o show inteiro? Em todas as músicas? O que eu quis dizer com isso, afinal de contas? Será que eu queria ser o Jimi Hendrix das quatro cordas? 

Pois nesse caso, eu não faria mais linhas de baixo acaso essa determinação fosse levada em conta, doravante, mas ficaria o show inteiro virado para a caixa do amplificador, a esperar o feedback para explorar as possibilidades harmônicas da "utilíssima" alavanca, isto é, que asneira.

Sobre a questão dos pedais, eu fui ainda pior. O que exatamente eu quis dizer com "condições do Brasil?" Só pode ter sido uma menção ao fato de que pedais nacionais detinham baixa qualidade.
Sobre pensar em usar "racks", eu quis ser contemporâneo e não desapontar os leitores que frustrar-se-iam ao saber que eu não importava-me com isso. Hoje em dia, não tenho mais essa preocupação de ser polido para com a expectativa de leitores ou quaisquer interlocutores de uma forma geral. Jamais gostei, e não acho que algum dia vou gostar de efeitos no baixo.


14) Bem, por tocar a usar a técnica pizzicato, acostumei-me a usar o baixo realmente ajustado mais alto, no corpo, acima da linha da cintura. Foi um estilo mais jazzístico de apresentar-se e realmente destoara da maioria dos colegas. Talvez fosse mais confortável, é verdade, mas estilisticamente era bem feio, eu admito. Quando voltei para a palheta em 1992, época em que comecei a tocar com o Pitbulls on Crack, também revi esse conceito e mexi na correia, ao ajustá-la para uma postura mais Rocker. E desde então não apresento-me de outra forma.


15) Reconheço que dei uma valorizada nessa resposta, para seguir o mesmo raciocínio de outras perguntas, onde no subconsciente, eu sabia que o leitor padrão de uma revista técnica, precisava ter mais elementos desse padrão para satisfazer a sua curiosidade mais detalhista sob os meandros musicais. 

Então, super valorizei a ideia da preparação, que em algum momento da carreira d'A Chave do Sol, isso de fato ocorreu, mas foi por pouco tempo, em alguns shows de 1985, na época do EP e do Fran. Falo sobre um aquecimento básico, parecido com o de atletas, mas aquecimento no instrumento, ocorria, todavia jamais com o foco espartano que dei a entender na resposta. E depois disso, já do Pitbulls on Crack em diante, relaxei de vez e não faço absolutamente nada. Pego no instrumento na hora de subir ao palco e pronto, sem "frescuras".

16) A outra alfinetada que eu aproveitei para dar e teve a sua razão de ser. Falei a verdade e muitos colegas que leram, concordaram comigo. Hoje em dia, evolui-se muito nesse sentido e existem escolas de áudio boas a formarem profissionais, portanto o nível melhorou muito. Naquela época, ter um técnico bom e exclusivo, foi algo raro e tivemos o Canrobert Marques muitas vezes, a garantir a qualidade dos nossos shows, mas requisitado que ele o era, não podia ser nosso profissional à disposição, exclusivamente, infelizmente.


17) Poxa, essa pergunta deixou-me muito encabulado na época, e ainda deixa-me. Normalmente tenho como característica não absorver muito os elogios, mesmo quando sei que são sinceros e aí, tenho que controlar-me para entender e aceitar isso, sem reservas para a pessoa que formulou-o não achar que estou a agir com um falso modesto ao recusar o elogio etc. e tal. 

Sobre a questão em si, é óbvio que eu não concordava em ser considerado o melhor, de forma alguma e continuo a não concordar com essa afirmativa, tanto para aquela cena congelada nas páginas dessa revista de 1986, quanto em qualquer outro contexto. Contudo, reitero exatamente o que disse a época, isto é, sou muito grato ao Tony, por sua colocação, na qual ele até assumiu ser a sua opinião pessoal, também. Sei da sinceridade dele, e de pessoas que ele ouvia dizerem o mesmo, e só posso ser grato por tamanha honraria!

Sonia e Toninho mantinham amizade com o colunista de TV e "celebridades" do jornal, "Popular da Tarde", o Arley Pereira. Ele de fato foi um jornalista famoso nesse mundo das subcelebridades do meio artístico popularesco e essa nota acima denotara que queriam "mostrarem serviço" para nós, mas na prática, foi só isso: uma nota que pouco acrescentou para nós. Porém, admito, gostei do criativo título que Arley criou para citar-nos

Após o show na cidade litorânea de Itanhaém, tivemos enfim um show vendido para um contratante, por intermédio do Studio V.
Não comemoramos o fato, no entanto, por que estávamos fartos da inoperância da parte deles e apesar de estarmos ainda a dar-lhes um voto de confiança, um show apenas não sinalizou exatamente uma mudança de comportamento da sua ação gerencial. 

E para agravar a impressão, o show vendido seria realizado em uma minúscula cidade no interior de São Paulo, que particularmente eu conhecia, e por conta disso, sabia que fora inacreditável vender um show de Rock, ali naquele município. Por que?

Bem, tratou-se de Águas de São Pedro-SP, um dos menores municípios do estado de São Paulo, e naquela época, não devia ter muito além de dois mil habitantes, segundo dados oficiais do IBGE. Era (é) uma cidade cuja economia era gerada pelas suas termas, exclusivamente. 

Na qualidade de uma estância hídrica/climática, vivia da economia gerada pelos turistas e pacientes, que procuravam-na para tratamentos reumáticos a base de banhos de imersão, com diversos tipos de águas sulfurosas e ricas em minerais, com propriedades terapêuticas.

Em resumo: Águas de São Pedro pelo seu tamanho minúsculo, só atraia visitantes idosos em sua maioria, e a população autóctone, também detinha idosos em maioria, pois os jovens ao atingirem a idade escolar do ensino médio, já buscavam oportunidades em cidades vizinhas de maior porte, caso por exemplo de Piracicaba, distante poucos kilometros e esta sim, com porte de cidade grande, a conter universidades e infraestrutura. 

Então, foi inacreditável que um contratante os tivesse procurado para contratar-nos. Fazer um show de Rock em uma cidade daquele porte, onde só haviam idosos, praticamente, foi uma loucura, sob uma primeira análise. Mas se o contato ocorreu, e o rapaz aceitou pagar o nosso cachê, que fôssemos lá, então, pensamos. 

No dia do show, na hora do almoço, o rapaz em questão apareceu no escritório do Studio V e levou-nos em sua clássica "Kombi", que transportou os nossos instrumentos e backline básico. Em outro carro, seguiram os demais membros da nossa comitiva, a acompanhar-nos. 

O rapaz era muito simples e dirigiu o tempo todo a brincar, rir, contar piadas e a se mostrar muito animado com a realização do show. Eu mantive muitas dúvidas sobre tal realização, mas longe de minha vontade ser desagradável ao ponto de desanimá-lo, portanto, não retruquei de forma alguma as suas colocações exageradamente otimistas sobre o eventual sucesso de público que teríamos. Bem, seria torcer para que a minha má impressão estivesse errada e o otimismo dele, prevalecesse.

Chegamos à cidade e instalamo-nos em um dos hotéis da única avenida daquele município minúsculo e que tem apenas isso, praticamente, hotéis em toda a sua extensão e para todos os tipos de bolsos, de pequenas pousadas baratas, até hotel de luxo. 

Além dos hotéis que mantém como atração máxima as instalações para os banhos de imersão, as fontes públicas para se beber diversos tipos de águas com propriedades minerais específicas, compõe também as poucas atrações principais da cidade. Fora disso, só a contar com fãs que viriam de Piracicaba ou outras cidades maiores na região, pois ali, só haviam idosos e crianças, em maioria esmagadora.

Bem, o rapaz era um funcionário do hotel onde hospedamo-nos e mesmo ao saber que certamente conseguira o seu apoio, ao minimizar as despesas dessa produção, tudo ainda mostrara-se nebuloso. 

Fomos ao soundcheck e o local em que apresentar-nos-íamos, era um salão um pouco afastado desse centro da cidade, mas entenda-se algo muito perto, dada a dimensão diminuta do município. Para ter-se uma ideia, acho que a rua onde moro atualmente (2016), com cerca de quinhentos metros de extensão, dada a quantidade de condomínios existentes, creio ter certamente o triplo de moradores. 

Era um salão de festas bem modesto e a única justificativa para o show não ser realizado no salão de festas de um hotel daquela avenida citada, certamente foi pelo fato deles observarem o caráter de verdadeiras casas de repouso, ou seja, para se hospedarem pessoas idosas e onde o barulho, mesmo que houvesse uma proteção acústica, incomodaria de uma forma absurda.

Segundo o rapaz, haveriam muitos fãs vindos de Piracicaba, principalmente. Assim esperávamos. 

Para mostrar serviço, Sonia e Toninho sinalizaram com uma entrevista em uma emissora de rádio de Piracicaba, onde tinham amizade com um comunicador popular, chamado: Paulinho Leoni.

Realizamos tal entrevista por telefone, diretamente do hotel onde estávamos e esta foi bastante caótica, por conta do retorno ruim, que a tornou praticamente um "samba do crioulo doido", dada a confusão gerada por perguntas e respostas desconectadas. 

Mesmo assim, o comunicador que foi bastante simpático, esforçou-se para não deixar constrangimentos no ar e levou no bom humor, alguns deslizes cometidos por ambas as partes por conta dessa audição prejudicada. Assim foi nossa confusa entrevista na Difusora FM de Piracicaba.

Voltamos ao hotel e após o jantar, fomos em definitivo para o local do show. Realmente, o público era bem pequeno quando chegamos e tornou-se difícil acreditar que aumentaria na hora específica em que começaríamos a tocar. O nome do salão era prosaico: "Pork's" e o público presente no balanço final da noite, contabilizou-se em sessenta pessoas presentes. 

Fizemos o show com a mesma desenvoltura de sempre, evidentemente. E o público respondeu muito bem, mesmo por que, foram poucos, mas animados e entre eles, houveram muitos fãs da nossa banda, vindos de Piracicaba principalmente, mas também de São Pedro, cidade vizinha e outras localidades próximas.

Não haviam, praticamente, habitantes de Águas de São Pedro, e várias pessoas disseram-me que ninguém na região acreditou quando surgiu o boato de que tocaríamos ali, pois tal município era considerado na região, uma cidade de e para idosos, apenas, que buscavam o alívio para as suas dores reumáticas, nos famosos banhos de imersão dos hotéis e nada mais. 

Bingo! Disso, até eu já sabia, desde criança. O rapaz que contratara-nos, ficou desolado. Deve ter amargado um prejuízo gigantesco por essa aventura impensada, mas como morador da cidade, não dimensionou a completa inaptidão dessa cidade para promover shows de Rock?

Fãs de Piracicaba que abordaram-nos, lamentaram profundamente o fato do show não ter sido realizado em sua cidade, pois o transporte público entre as cidades, apesar de serem muito próximas uma da outra (cerca de dez kilometros), era deficiente e por isso, inibira uma maior profusão. 

De fato, Piracicaba é uma cidade com grande estrutura e lá eu toquei três vezes na minha carreira: com o Língua de Trapo (no bonito Teatro Municipal), uma com o Pedra e outra com o "Nudes" de Ciro Pessoa, ambas na unidade do Sesc, sendo sempre agradável. 

Fiquei com pena do rapaz, pois pareceu ser um aventureiro incauto e sem recursos para aguentar adversidades dessa monta, portanto, o seu sonho de tornar-se um empresário cultural, acabara ali, na sua primeira tentativa.

E senti vergonha também, pois o Toninho, após o show, atazanou o rapaz, ao insistir para ele marcar um show extra. A sua argumentação foi a de que já estávamos na cidade e por ser uma sexta-feira, o boato desse show animaria os fãs de Piracicaba a comparecerem em massa, no dia seguinte. 

Para piorar, reservadamente, ele nos disse que estava quase a convencer o rapaz e que arrancaria mais dinheiro dele. Em sua ótica, ele devia achar que nós aprovávamos tal tipo de ação predatória, ao agir com agressividade em prol de nossos interesses, mas realmente, isso constrangeu-nos. 

Na madrugada, a conversarmos no hall social do hotel, lembro-me de termos estado, eu (Luiz), Beto, e Edgard, o nosso roadie, e ali nós refletirmos sobre a produção equivocada e ficarmos com pena do rapaz, por ele ter mergulhado nessa loucura, sem ninguém mais experiente que o orientasse com maior prudência.

Na manhã seguinte, ele cumpriu regiamente a sua palavra, ao pagar-nos o cachê acordado e levar-nos de volta a São Paulo, mas ao contrário da viagem de ida, dirigiu o trajeto inteiro em profundo silêncio, ao denotar que estava a absorver o revés. 

Foi a priori, o único show vendido pelo Studio V, em todo o período em que trabalhou conosco. E o show realizado em dezembro no TBC de São Paulo, foi a sua única produção própria. Portanto, no cômputo geral de meses de trabalho, somente duas iniciativas, o que mostrara-se ridículo como desempenho e ainda mais ao considerar-se a imensa bravata com a qual impressionaram-nos no início, quando falavam sobre um poderio que ostentavam e que na prática, não passara de algo ínfimo, a contrastar com as ogivas nucleares que diziam possuir. 

De volta a São Paulo, queríamos respostas mais rápidas e contundentes da parte deles, não apenas sobre a criação de uma agenda concreta e sustentável, mas pela ausência de sinalização do Miguel, que após a recusa da gravadora Warner, não demonstrou mais o ímpeto de estabelecer novas tentativas em outras gravadoras.

E assim foi o show em Águas de São Pedro-SP, em um salão modesto, chamado: "Pork's", perante sessenta pessoas e apesar dos pesares, foi animado. E deixo claro, tal cidade não é adequada para shows de Rock, mas certamente é um passeio que eu recomendo pela sua beleza bucólica, paz profunda, e rara em um mundo moderno cada dia mais estressado. 

De volta a São Paulo, soubemos que Miguel não encontrava-se no escritório e que talvez demorasse a voltar, por estar em viagem naquele momento. Isso aborreceu-nos, pois a estranha situação de silêncio após a recusa oficial da gravadora Warner, tornou-se incompreensível para nós. 

O discurso dele, até abordarmos tal companhia multinacional, fora de extremo otimismo e mais do que isso, a cravar pela certeza absoluta de que ingressaríamos, sem pestanejar, no elenco da referida gravadora, mas para ir além, outras companhias do mesmo porte também seriam portas que estariam abertas, e totalmente disponíveis para nós. 

Portanto, a postergação para estabelecer uma conversa franca, em que uma nova meta, um eventual "plano B", fosse-nos aventado, causara-nos estranheza absoluta e além do mais, o discurso sobre ser fácil entrar em uma gravadora, ao dar-nos ao luxo de nós mesmo termos o poder da escolha, revelara-se uma falácia. 

Concomitantemente, a atuação dos produtores Sonia & Toninho deixava muito a desejar e pequenas demonstrações de progressos, mediante alguma pequena conquista de espaço midiático, não seduzira-nos, na medida em que, com as nossas próprias forças, já havíamos conquistado espaços midiáticos muito maiores. 

Nesse imbróglio, pequenos sinais captados sinalizaram que o casal já não mantinha um relacionamento muito bom com o Miguel e isso explicara a ausência dele, nas últimas semanas. 

O cantor Pop português que contrataram em 1986, houvera revelado-se exatamente o que suspeitávamos que seria: um embuste. Só meses depois, eu vislumbrei um indício do que havia realmente acontecido nos bastidores secretos do Studio V, quando li a esmo uma nota em um jornal paulistano, a dar conta de que Sonia estava a ser processada, motivada por uma confusão gerada pelo cocktail do português, e do qual, eu já relatei anteriormente. 

Em síntese: a total falta de visão ao contratar um obscuríssimo cantor, sem eira, nem beira, estourara o orçamento do escritório e isso explicou a estranha forma como na inversa proporção de suas promessas faraônicas, estavam a ludibriar-nos.

Se a nossa insatisfação já fora grande no mês de dezembro do ano anterior, imagine nessa situação posterior, quando o baluarte maior do Studio V, pareceu estar a retirar-se da parceria e convenhamos, foi o homem que deteve toda a estrutura física do negócio, além de ter sido o único elemento realmente confiável em termos de possuir entrada no mundo do Show Business. 

Perdíamos um tempo precioso ao ficarmos atrelados a esse confuso escritório, que além de não estar a impulsionar-nos em quase nada, vivia uma crise interna, não inteiramente divulgada para nós e assim, a perspectiva de uma reversão no quadro, mostrara-se inexistente, eu diria.

Nessa altura dos acontecimentos, Sonia só cuidava acintosamente da carreira do comediante contratado e estava fortemente empenhada em garantir-lhe um contrato em uma nova rede de TV, e de fato, isso culminou em acontecer logo a seguir, com ele a ser contratado para assumir um programa de humor, próprio, na TV Bandeirantes, que decidira lançar uma grade baseada no humor popular ao contratar dinossauros do gênero, como Ronald Golias, o próprio, Agildo Ribeiro, já citado, e Carlos Alberto de Nóbrega entre outros.

Alheio ao baixo astral interno que vivíamos com tal grupo empresarial inoperante, o nosso público não sabia de nada disso. A mídia especializada que dava-nos geralmente muita abertura, e tratava-nos com enorme respeito e admiração, também não suspeitava dessa situação, e pelo contrário, muitas notas davam a notícia de que assináramos com um grupo forte de empresários, e que a perspectiva tornara-se muito alvissareira para nós. 

As oportunidades espontâneas ainda aconteciam e se por um lado ficávamos animados com isso, por outro, só lamentávamos que teríamos que dar 40% da nossa renda para essas pessoas, a troco de nada, praticamente.

Antes de avançar a descrever sobre os shows no Centro Cultural São Paulo, em fevereiro de 1987, abro parêntese para falar de mais uma edição do nosso fanzine, lançado em janeiro do mesmo ano.

Apesar das dificuldades, e agora sem a ilusão de que o Studio V proporcionar-nos-ia recursos para fazê-lo crescer, conseguimos colocá-lo à disposição dos sócios do fã-clube. 

Por ser trimestral, é claro que ficava defasado sempre e refletia na verdade um outro momento da banda, em suas novidades relatadas. Essa dicotomia em relação ao que anunciávamos e o que sentíamos, é hoje ao meu ver, até uma experiência rica para servir de análise a posteriori.

E ao refletir por um lado prático, a crise que sentíamos em relação à frustração gerada pela inoperância do Studio V, não podia transparecer aos fãs, de forma alguma. Nesse sentido, a nossa missão seria deixar o bom astral preservado e assim, não contaminar os fãs com preocupações que não concerniam-lhes e acima de tudo, independente de qualquer situação, ainda acreditávamos muito no nosso potencial e com ou sem Studio V, prosseguiríamos na nossa escalada, é lógico. Sobre o fanzine, eis os seus itens:

1) Rádio - Elencamos mais uma safra de programas que haviam executado a nossa música e de fato, fora a ação de rádios como a Fluminense FM do Rio, que executava-nos constantemente na sua programação, muitos programas sinalizavam com execuções sazonais, em diversas emissoras espalhadas por todo o Brasil. Desta feita, programas como Rock Festival, da Rádio Globo de São Paulo, e Rádio Corsário, da Imprensa FM, em que fizemos entrevista, foram destacados, além de citação da Fluminense, que tínhamos o prazer de exaltar, sempre, e nesse caso, tenho gratidão eterna com essa emissora e seu mentor, Luiz Antonio Mello.

2) Um box a repercutir a assinatura de nosso contrato com o Studio V, esteve na capa, com destaque, é claro. Com foto de Maurício Abões, um rapaz que estava a fotografar-nos desde o show do Palmeiras, em maio de 1986, tal ato foi registrado. E no texto, houve uma apresentação rápida do Studio V, a sua equipe e nas entrelinhas, está claro que se fosse publicado três meses antes, eu teria escrito com outras palavras, inebriado pelas bravatas proferidas por eles. O texto curto, e de certa forma seco, foi uma implícita forma de dizer que já não acreditávamos mais e ao mesmo tempo, não deixar transparecer isso aos fãs.


3) Revista - Eis mais uma geral sobre as muitas publicações em que fomos agraciados com publicações e não posso deixar de destacar um aspecto horrível que eu escrevi e só passível de ser desculpado, ao levar-se em consideração, o fato de que tecnicamente, não fui eu que escrevia, amparado pelo uso do nome de Eliane Daic, ao deixar-me oculto, como um "Ghost Writer". 

Bem, ao pensar no marketing e não na ética, tive que citar o fato de que na entrevista que concedera à revista MIX, nº 5, o jornalista, Tony Monteiro, havia declarado que "eu" seria o melhor baixista do Rock Brasileiro. Tal afirmação, com esse peso, precisava ser capitalizada em nosso favor, certamente. Portanto, fica essa ressalva, para o leitor desta autobiografia não interpretar-me mal. Mesmo por que, eu sempre discordei disso.

4) TV - Repercussão sobre a nossa aventura em termos "aberto" o indefectível "Menudo", na TV Record, com direito a considerações atribuídas para eu mesmo e citação dos programas jornalísticos que cobriram o nosso show no TBC.

5) Repertório - Falamos sobre mais músicas novas que não paravam de surgirem no repertório da banda. Algumas, curiosamente, pouco ou mesmo nada figuraram no set list de shows e jamais entraram na lista de cogitáveis para serem gravadas oficialmente. Casos de: "Cigano", "Flores Pessoas", "Ninho do Amor", Perfume de Almíscar" (essa era bem baseada no estilo do Hard-Rock' 1970, a la Deep Purple).

Citamos também duas que estavam na demo gravada em outubro último: "Trago Você em Meu Coração" e "Desilusões".

E a primeira citação de uma música que faria sucesso nos shows e entraria no LP The Key, que gravaríamos no final daquele ano: "A Chave é o Show". 

Não posso deixar de comentar que os comentários espirituosos que eu teci sobre o teor das letras são hilários, mas um elemento fora verdadeiro: o Beto estava a exagerar na criação de letras com teor de amor, relação homem/mulher etc. Até em Hard-Rock acelerado, sem chance de pedir letra Pop, ele estava a colocar o seu romantismo...

6) Chave Equipe - Anunciamos que estávamos com um novo roadie nos shows, chamado: Marquinhos, mas que na verdade, não durou muito na equipe.

7) Shows que rolaram - Os shows no Teatro Mambembe em setembro e o do Festival Setembro Rock de Teresina-PI, foram destacados. Na foto ilustrativa, o histórico momento no camarim do Teatro Mambembe, quando o produtor, Celso Barbieri, mostrara-nos um saco de batatas cheio de notas, fruto de uma bilheteria muito robusta que tivemos.


8) Fofoca - Aqui eu divertia-me em escrever como o Zeca Jagger (Ezequiel Neves), o faria. Registrei então, que Rubens havia enfrentado um jogador de bilhar profissional em uma noitada dessas. Fora um tal de Roberto Carlos, que supostamente era respeitado nesse mundo, e no caso, submundo, pois a partida fora disputada em um boteco daqueles bem desse espectro lastimável.

Uma visita rápida do comediante Agildo Ribeiro em nosso ensaio foi registrada, também. Outro fato verdadeiro, mas que eu coloquei um "veneno" extra para exagerar: Edgard, nosso roadie/vendedor de merchandising, encontrou-se com Roberta Close, a transformista mais famosa do Brasil naqueles anos de metade/fim de anos oitenta, em uma rua de Pinheiros, bairro da zona oeste de São Paulo. 

De fato, isso foi verdade, e eles conversaram, mas eu dei a entender que conheciam-se, quando na verdade foi totalmente fortuito, com o Edgard a forçar a abordagem e ela respondera ao brincar, mas sem dar muita abertura para ele. Pior mesmo, foi o comentário malicioso que eu deixei: "Te cuida, Edgard, você está dando bandeira, Santa". 

Claro que arrependi-me, mas ele, ao ler, levou na brincadeira e não ofendeu-se com a uma insinuação sobre o homossexualismo. Portanto, deixamos assim, quando o fanzine rodou na xerox. 

Uma Jam entre muitos amigos de bandas, com o Beto, no Black Jack Bar, ficou registrada. Curioso e lamentável que o nome do Paulo Zinner, baterista do Golpe de Estado, tenha saído grafado completamente errado e nós não percebemos isso!  Portanto, quem seria Paulo Sisino?

Presença de Charles Gavin, baterista d'Os Titãs, em nosso ensaio, novamente, também ficou registrada. E para finalizar, foi verdade, camelôs na Avenida Atlântica, no Rio, confundiram-nos com Rockers internacionais. Cabeludos, pele branca sem bronzeamento, e inteiramente vestidos, ali na Avenida beira-mar de Copacabana, só poderíamos sermos gringos & doidões...

9) Equipamento - Foram algumas considerações sobre instrumentos & equipamentos e de concreto, o fato do Zé Luiz ter trocado o seu Kit básico de pratos, ao passar a usar "Paiste" em lugar dos velhos "Zildjian" que usava anteriormente.

10) Um fato real, mas que eu aumentei bastante para capitalizar o ocorrido em nosso favor: alguns fãs apareceram na porta do TBC, alguns dias depois de ter acontecido o nosso show, tendo confundido a data do show. Nessa nota, eu disse que foram mais de cem fãs, mas é claro que não deve ter passado de dez e a Sonia disse-nos que isso reforçou o sentimento dos dirigentes do TBC de que houvera valido a pena a experiência de um show de Rock nas suas dependências e que mediante tal constatação, estariam dispostos a tornar isso uma constante. Não sei se a Sonia mentiu só para animarmo-nos, mas provavelmente sim, pois que eu saiba, o TBC nunca mais promoveu shows de Rock em suas salas.

11) Fã-Clubes - Sob uma nota interessante, eu enalteci o trabalho de um fanzine que lembrava muito o tipo de escrita da imprensa alternativa setentista, chamado: "Contracorrente", da cidade de Brusque-SC.

Tony Monteiro era colaborador desse fanzine que tinha uma impressão gráfica boa, no padrão de jornal, feito em gráfica e de fato, ao comentar com o Tony que eu admirei tal publicação por ser uma gota de revival sessenta-setentista em meio ao lodo oitentista, ele confirmou o que eu havia deduzido. Tratava-se de um jornal conduzido por um casal de hippies que haviam buscado uma vida alternativa em uma pequena cidade de Santa Catarina, e ainda vibravam nesse astral, incólumes ao baixo astral oitentista generalizado. Que positivo!

12) Fãs - Mais um fã que queria conhecer outros fãs e que fundara um fã clube da banda "Performance's", de Santo André-SP, e que nós conhecíamos. Os seus membros eram gentis e o seu vocalista, Robson Goulart, era nosso amigo, com tal banda a ter dividido palcos conosco em algumas ocasiões, nos anos anteriores. 

A encerrar, uma frase lapidar: "A Chave do Sol é a Chave da Vida!
Bem, tentávamos manter o astral em alta, apesar de nossas apreensões internas, naquele instante, final de janeiro de 1987.

Mas um alento surgira no horizonte: o telefone ainda tocava, apesar de tudo!

Um produtor ligou para a residência do Rubens e ofereceu-nos cinco dias para que realizássemos uma mini temporada no Centro Cultural São Paulo. Estava em cima da hora, pois fora um encaixe para cobrir a lacuna de um artista desistente (não recordo-me inteiramente, mas acho que foi a dupla Folk, Sá & Guarabyra que desistira das datas), e seria um "pegar ou largar, responda já"... claro que aceitamos...

Com a perspectiva de uma mini temporada, no Centro Cultural São Paulo, animamo-nos bastante e também preocupamo-nos, pois o tempo hábil para fazer uma divulgação convincente, seria mínimo.

Já estávamos a pensar seriamente em romper com o Studio V, pela inoperância do escritório e mais uma vez, tocaríamos em um palco nobre da cidade de São Paulo e sob convite espontâneo, sem a interferência deles, portanto, reforçara-se a ideia de que qualquer que fosse o resultado da bilheteria, termos que doar 40% do montante para eles, revelara-se caro demais sob qualquer argumentação plausível. 

A julgar pelo clima desolador que o escritório apresentava internamente, acreditávamos que a rescisão do contrato seria amigável, sem chance de cobrarem-nos multas, e convenhamos, só faltaria essa desfeita ser cogitada da parte deles.

Contudo, em conversa preliminar com o casal, eles deram a entender que estavam surpreendidos com a nossa insatisfação e sinalizaram que após a mini temporada no Centro Cultural São Paulo, conversaríamos e eles demover-nos-iam dessa resolução, pois tinham planos & perspectivas para nós etc. 

Conversa adiada pela circunstância, mergulhamos então na tarefa de promover uma divulgação rápida, o melhor que poderíamos fazer, pois queríamos aproveitar ao máximo o fato de termos uma mini temporada nesse palco, que era bem badalado nessa ocasião. 

Sonia e Toninho resolveram mostrar serviço e falaram-nos sobre a necessidade de capricharmos mais na divulgação e assim, gastarmos dinheiro. Mas isso foi na prática uma apenas uma ideia a ser bancada por nós mesmos, ou seja, mais uma vez sentimos que não precisávamos deles. 

A banda tinha uma pequena reserva de caixa, graças aos cachês garantidos através de dois shows que fizéramos fora de São Paulo em janeiro último, portanto, sob uma eventualidade negativa, poderíamos honrar compromissos. 

Então, ao arriscarmos, resolvemos colocar cartazes "lambe-lambe" nas ruas, bancar tijolos em jornais de grande circulação, além de colocar a mala postal do fã-clube para funcionar no correio, que fora desde 1984, a nossa mais eficaz fonte de divulgação. 

Também foi ventilada a necessidade de uma sessão de fotos atualizada. Estávamos a usarmos fotos promocionais produzidas em outubro de 1985, com produção pobre, feitas em um estúdio fotográfico de bairro, não acostumado a fazer trabalhos profissionais para artistas, a visar publicação na imprensa. 

Então, a Sonia sugeriu uma amiga sua que costumava fazer portfólio para atores & atrizes, e claro, tal despesa seria descontada da bilheteria da mini temporada. Já que havíamos aceitado arriscar, fomos lá, então. 

Foram fotos produzidas em um estúdio caseiro da fotógrafa, Tereza Pinheiro, no início de fevereiro de 1987. Com direito a algumas externas, na rua onde ela morava, no Jardim Lusitano, bairro da zona sul de São Paulo, que circunda o Parque do Ibirapuera.

Normalmente eu detesto fazer posar para fotos externas, mas essas eu gostei, pois ela soube manter-nos descontraídos e até acho que ficamos com aspecto de galãs nas diversas opções por ela clicadas. Bem, ela estava acostumada a fotografar atores de novelas, esteve explicado. 

E a assessoria de imprensa do Centro Cultural funcionou como nunca dessa vez. Atesto que tivemos muitas notas por conta desse apoio que recebemos, e claro, tudo normalmente soma em mutirões de divulgação. Na semana da mini temporada, fizemos também programas de rádio e TV, certamente mais reforços muito bem vindos ao esforço geral.

Fausto Silva e Osmar Santos, os pioneiros apresentadores do programa Balancê, da Rádio Excelsior/Globo, de São Paulo

Na rádio, visitamos novamente os estúdios da Rádio Excelsior de São Paulo, para participarmos do "Balancê", programa em que havíamos ido inúmeras vezes a apresentarmo-nos anteriormente e já estávamos muito habituados a fazê-lo. O formato do programa havia mudado, e não era mais realizado no palco de um teatro de bolso (Teatro Pimpão), com a presença de auditório e a exótica apresentação do artista a dublar no rádio para entreter quem assistia ao vivo no pequeno teatro. 

E agora, Fausto Silva já não fazia mais parte da apresentação, ao ser substituído por Oscar Ulisses (irmão de Osmar Santos), um locutor esportivo em começo de carreira na ocasião, muito competente e simpático, mas com um estilo mais comedido e sem a histriônica condução de Fausto Silva.

                              O locutor esportivo, Oscar Ulisses  

                        A dupla de humoristas, Tatá e Escova
 

Então, mesmo por ter sido ainda muito descontraído e com humor, pois a dupla de humoristas, Tatá e Escova, ainda pertencia à trupe e fazia as suas intervenções debochadas o tempo todo, o programa adotara uma postura mais tradicional, com todo mundo sentado em uma mesa oval e a falar em microfones. 

As "sonoras" sobre o cotidiano do futebol ainda intercalavam-se às atrações artísticas e o programa mantinha o seu caráter híbrido entre uma revista cultural e programa esportivo, leia-se futebol em predominância. 

Nesse dia em que fomos divulgar a mini temporada no Centro Cultural, houve a presença de artistas significativos e nós interagimos com eles, sob uma confraternização salutar. 

O cantor norte-americano de Soul Music, Billy Paul, esteve presente e a sua entrevista, com um tradutor ao lado, despertou uma imitação debochada dos humoristas, depois que ele partiu, pois houvera chamado a atenção o fato de que o artista norte-americano pareceu estar embriagado, ao falar com uma voz bastante estranha, o que sinalizara tal evidência. Portanto, foi um prato cheio para os imitadores. Não resisto à piada, também: Mr. Jones estaria "Drunk?"

Dona Ivone Lara, a sambista famosa, esteve lá, igualmente e foi muito simpática para conosco. Logo que viu-nos no corredor da emissora, ela foi logo a dizer-nos: -"bom dia Rockeiros, adoro Rock"...

Beto não se fez de rogado e respondeu de pronto a saudá-la, e assim, um clima muito amistoso foi instaurado.

Surpreendemo-nos quando esbarramos com Abelardo Barbosa, o popular "Chacrinha", que não participaria do programa, mas circulava pelos corredores da emissora. Foi engraçado vê-lo sério e trajado de uma forma casual, sem as tradicionais fantasias estrambóticas que usava na TV. 

Ele não deu abertura para nenhuma abordagem e nós mantivemo-nos discretos, certamente. A nossa entrevista foi boa, tocou-se a canção, "Sun City", de nosso repertório, na execução musical, e o recado da temporada foi dado.

Quando acabou, eu quis ser coloquial com o Oscar Ulisses, fora do ar e falei alguma coisa sobre um jogador que o Palmeiras estava a contratar, mas a reação do locutor foi muito surpreendente. 

Talvez ao julgar ser impossível que um Rocker cabeludo acompanhasse futebol, ficou a olhar-me com uma expressão facial de estupefação, por uma fração de segundos, e a seguir desconversou, ao despedir-se e agradecer-me pela minha presença... vá entender... 

Isso ocorreu no dia 10 de fevereiro de 1987, um dia antes de iniciarmos a mini temporada. E na TV, tivemos uma nova apresentação no programa, "Panorama", da TV Cultura de São Paulo. Ocorreu no dia 10, também, uma terça feira.

No estúdio daquela emissora, fizemos uma apresentação ao vivo e concedemos entrevista. O fato deles terem produzido o clip de "Sun City", em 1986, motivou exibição de um trecho do mesmo e uma mini entrevista para repercutir-se a questão do Apartheid na África do Sul. 

Claro que também falamos sobre a banda e a temporada no Centro Cultural, naturalmente. As músicas que tocamos ao vivo, foram: "Trago Você em Meu Coração" e "Saudade", com boa performance, apesar da reverberação sonora que foi monstruosa, ocorrida dentro do estúdio. Nem preciso dizer o quanto lamento não ter esse material de vídeo disponível hoje em dia, perdido que o foi.

No mesmo programa, a então muito jovem atriz, Mariana de Moraes, concederia entrevista, para falar de sua atuação no cinema. Na ocasião, ela estava a lançar o filme: "Fulaninha", que causara polêmica ao retratar o flerte entre uma adolescente e um homem maduro de meia-idade, por contracenar com atores tarimbados, como Cláudio Marzo, entre outros. 

Neta do poeta Vinícius de Moraes, ela chamava a atenção pela beleza, e por ser a ninfeta da vez na mídia, a rivalizar com Luciana Vendramini, certamente. Mais tarde, ela tornar-se-ia também, uma cantora.

Lembro-me dela a assistir a nossa performance sentada em um banco alto, com os seus pés suspensos no ar e a balançá-los ao ritmo das nossas músicas. 

Nessa época, o "Panorama" era apresentado por Luciano Ramos e Tereza Cristina. Lembrava-me do Luciano Ramos, plenamente, por ele ser um jornalista tarimbado e crítico de cinema que tinha larga experiência. Gostava muito de uma sessão de cinema que ele apresentava na mesma TV Cultura, nos anos setenta, onde um mesmo filme era exibido todo dia de segunda a sexta às 23 horas, e na sexta, antes da última exibição, um debate era conduzido por ele, com convidados, para dissecar a obra. E claro, só a conter clássicos, em sua predominância. 

Então, após ter a chance de ver o mesmo filme quatro vezes, eu ficava com mais vontade para assistir a quinta exibição, com o filme praticamente decorado e municiado pelas informações técnicas advindas dos especialistas convidados para o debate. Era uma visão de cinéfilo, totalmente anticomercial, portanto só cabível na TV Cultura mesmo, e sob uma época onde a preocupação com o Ibope, não foi tão avassaladora.

O jornalista/crítico de cinema, Luciano Ramos, em foto dos anos setenta

No caso da jornalista, Tereza Cristina, eu também a conhecia, pois essa jornalista entrevistara o Língua de Trapo, quando de minha segunda passagem pela banda, inúmeras vezes. Bem, com esse reforço de rádio e TV, estávamos mais confiantes de que conseguiríamos movimentar um bom público para o Centro Cultural São Paulo, para cinco apresentações, de quarta a domingo.

Chegamos ao primeiro dia da temporada, bastante confiantes de que esta seria boa, pois o local era nobre, com a sua localização privilegiada na cidade de São Paulo, acoplada a uma estação de Metrô, e muito perto de ruas e avenidas que dão acesso a várias vias que levam aos quatro cantos da cidade, caso da Avenida 23 de maio, por exemplo.
Sempre foi um prazer tocar ali, pela qualidade das suas instalações, equipamento de bom nível e a badalação que tinha a época, como um dos mais fortes palcos da cidade, com apresentações de artistas consagrados, oriundos de diversas vertentes da música brasileira.
O jornalista que redigiu essa mini matéria, só copiou o release que enviamos, mas criou um primeiro parágrafo seu, e assim, não resistiu à tentação de alfinetar-nos, ao destilar o seu veneno oitentista... tire a sua conclusão, amigo leitor... 
Fora isso, o prazer por estarmos em cartaz com cinco dias consecutivos, foi total. Na minha concepção, seria o ideal como músico e artista, estar em cartaz em teatro e sob temporada. Se dependesse de minha vontade, faria só isso, eternamente... sete shows por semana: quarta a domingo às 21 horas + "Sessão Maldita" no sábado, à meia-noite + Matinê no domingo, às 17 Horas.

O soundcheck ocorreu tranquilo, sem atropelos. Trabalhamos com os técnicos da casa e não tivemos problemas. No caso da iluminação, para não deixar passar incólume, acho que o iluminador foi um pouco preguiçoso, mas isso era (é) quase uma constante por tratarem-se de iluminadores que não conhecem o trabalho e portanto, estão sem mapa de luz definido em mãos para se guiarem. 

O ideal, na praxe profissional, é sempre contar com o iluminador próprio que sabe valorizar ao máximo o trabalho de uma banda, ao estabelecer os climas que casam-se com os momentos emocionantes do show, ao traduzir, portanto em cores, as notas musicais que tocamos. Foram cinco dias muito bons que tivemos ali no Centro Cultural São Paulo.

Pudemos dar-nos ao luxo de promovermos pequenas mudanças no set list de cada apresentação e dessa forma, quem pagou para ver um show apenas, teve um espetáculo único, diferente dos outros. E quem viu mais de um, foi presenteado com músicas diferentes, naturalmente.

Uma lembrança engraçada, foi quando Sonia e Toninho disseram-nos que o Agildo Ribeiro estava presente na plateia, no show da sexta-feira. Ao tomar conhecimento dessa informação, eu mesmo fiz uma saudação ao ator/comediante, mas na empolgação, exagerei e o meu discurso foi bem além da conta.

Eu exaltei as suas qualidades como comediante e o exagero deu-se quando mencionei que a Rede Globo o injustiçara, e sendo assim, hoje arrependo-me por haver exagerado, ao entrar nesse mérito, que certamente não convinha para aquele contexto.
No camarim, a Sonia agradeceu-me pela longa citação ao Agildo, mas contou-me que na hora em que pronunciei-me ao microfone, ele já havia retirado-se do ambiente.
Certamente não ele aguentara assistir um show de Rock e saiu para preservar os seus ouvidos, talvez ao preferir procurar pelo seu amigo, "Topo Gigio", para dizer-lhe boa noite... portanto, tremenda gafe que eu cometi duplamente, por meu momento prolixo e inconveniente ao microfone.
Fora isso, não recordo-me de nenhum acontecimento marcante para ser relatado, em específico a respeito desses cinco shows.
A minha lembrança dos shows é que eles foram muito bons, com o público a responder animadamente a nossa performance e também às solicitações de interatividade propostas pelo Beto, principalmente.
Por falar em Beto, ele tocou guitarra nos shows, claro, uma tendência que solidificara-se doravante.

A destacar-se, o visual do Rubens nesses cinco shows, pois graças à intervenção direta de sua namorada na ocasião, chamada, Claudia, esta orientou-lhe como "Personal Styler" e isso deu-lhe uma incrementada no seu visual, ao adequá-lo ao visual do Hard-Rock oitentista e norte-americano, sobretudo. 

Particularmente, achava exagerado e sob gosto duvidoso, mas admito que a tentativa foi válida, e aos olhos dos fãs, agradou, pois a imensa maioria que acompanhava-nos na ocasião, eram adeptos dessa estética em voga, no mundo do Rock pesado oitentista.

Devo destacar que nessa época, 1987, o Centro Cultural São Paulo havia providenciado a elevação do palco, mediante uma estrutura de ferro para dar-lhe tal sustentáculo. Tal medida logo foi descartada, no entanto, com o palco a voltar ao piso normal. As fotos acima, demonstram como ficou tal elevação. De fato, isso deixava-nos um pouco mais próximos de quem assistia no mezanino, mas prejudicava bastante a visão de quem pagava para assistir no pavimento de baixo, onde entre outras coisas, a acústica é melhor para assistir-se um show.
O público foi bom, mas creio que aquém do que esperávamos, pois o nosso padrão à época, pautava-se por casas lotadas. Dois fatores devem ter colaborado para tal resultado mais tímido:

1) A divulgação feita às pressas.


2) A diluição em muitos dias, ao motivar com que o público perdesse o foco, por dar-se ao luxo de escolher suas próprias conveniências, ao pensar individualmente, é claro. Eis os resultados dessa temporada:


Dia 11 de fevereiro de 1987 - Quarta-Feira - cento e cinquenta pessoas.
Dia 12 de fevereiro de 1987 - Quinta-Feira - cento e trinta e cinco pessoas.
Dia 13 de fevereiro de 1987 - Sexta-Feira - duzentas e oitenta pessoas.
Dia 14 de fevereiro de 1987 - Sábado - quatrocentas e vinte pessoas.
Dia 15 de fevereiro de 1987 - Domingo - quinhentas pessoas.


Portanto, quase mil e quinhentas pessoas, na soma dos cinco shows, foi significativo, sem dúvida.
Acima, um dos pontos de explosão, prontos para ser usado como pirotecnia do show. Como dá para notar na foto, Zé Luiz sofisticara-o...

E tais números refletir-se-iam na bilheteria, de forma contundente, ao reforçar o conceito de lamentarmos o contrato que tínhamos com o Studio V, por tudo o que eu já comentei amplamente em capítulos anteriores, e que agora só resta-me relembrar: 40 % desse montante, foi para a mão deles... definitivamente, não queríamos mais essa sangria desatada em nossa vida, e tal situação precisava ser solucionada e rapidamente.

Lembro-me que a bilheteria fora tão expressiva, que nós pagamos todas as despesas (e nesse show arriscáramos bastante com ações de divulgação, bem caras), demos os 40% do escritório, pagamos os roadies e o que sobrou de cachê para nós, foi um montante bastante significativo. 

Nunca esqueço-me, por conta da hiperinflação no Brasil, naquele período, entre 1986 e 1991, tudo o que eu ganhava, trocava em dólares, única forma de se preservar a liquidez monetária, razoavelmente. Na segunda-feira após o encerramento dessa temporada, fui à casa de câmbio que frequentava na época e o meu cachê tornou-se algo um pouco além dos U$ 400, ou seja, se não tivéssemos mais a âncora desses empresários a segurar-nos, teríamos ganho quase o dobro, com o mesmo desempenho, e a não depender da força de trabalho deles apara nada.

Todas as fotos desses shows, são de Maurício Abões, com exceção das duas acima, de Rhadas Camponato. No caso sobre as que estão em preto e branco, deixo a ressalva que foram "scanneadas" de um contato, daí a falta de qualidade mais acentuada

Portanto, romper seria preciso, mas não foi tão fácil livrarmo-nos deles, ao demandar um pouco mais de paciência e tempo. E assim foi a nossa mini temporada no Centro Cultural São Paulo, em fevereiro de 1987.

Passada a temporada no Centro Cultural São Paulo, nós passamos por uma fase com muitas mudanças no âmbito interno e por fatores externos, também. Desde algum tempo, já não estávamos a usar o estúdio da produtora, e aqui cabe uma explicação. 

Não só por estarmos a viver um momento de queixas contra a atuação de nossos empresários, mas houve uma ruptura interna entre eles, também. Por intermédio da Sonia, soubemos que ela e Toninho haviam rompido com Miguel, e portanto, a estrutura toda do escritório, já não era oferecida-nos, mas na prática, não estávamos mais a ensaiar lá, há bastante tempo. 

Os últimos ensaios haviam ocorrido no início de janeiro, mas a nossa insatisfação generalizada para com eles, deixara-nos sem ambiente para frequentar o casarão, diariamente e assim, afastamo-nos. E agora, sabedores que o Studio V, rachara-se em seus meandros, ficamos oficialmente sem um local de ensaio.

O nosso antigo QG e sala de ensaios, na residência da família Gióia, em foto de 1983, com Zé Luiz em evidência, e o Rubens, encoberto

Rubens ainda tentou readquirir o nosso velho quarto de ensaios, mas a sua família já o havia reformado e ele agora tinha outro uso para a residência dos Gióia. Além do mais, após quatro anos intensos que tiveram com uma banda de Rock a trabalhar ali, diariamente das 15:00 às 22:00 horas, e as vezes aos domingos e feriados, também, não teria sido nem justo que voltássemos a incomodá-los. 

A solução para darmos continuidade ao trabalho, foi caseira, também. O Beto ofereceu-nos a sua residência para ser o nosso novo QG. Ele morava sozinho em um sobrado amplo, com vários cômodos e poderia designar um deles, como a nossa nova sala de ensaio.

Em termos de condições técnicas, perderíamos a mordomia de um estúdio profissional, como tivemos por poucos meses no escritório do Studio V, mas não seria um drama, pois a nossa carreira inteira fora forjada em um quarto caseiro, na residência do Rubens, portanto, a falta de recursos de uma vedação acústica, só seria um problema para a vizinhança. 

Dias quentes de verão seriam combatidos com ventiladores, como sempre e o horário de ensaios, nunca desrespeitaria a Lei do silêncio, para dar trégua aos vizinhos, às dez da noite em ponto. 

Sobre equipamento, tínhamos o nosso humilde "P.A." que nos últimos meses descansara na residência Gióia, e reativá-lo, seria até romântico, de certa maneira. O único problema sobre a casa do Beto, foi a questão da distância. Morador do bairro, Jardim Bonfiglioli, na zona sudoeste de São Paulo, era bem longe para o meu caso, principalmente que morava no Tatuapé, zona leste e moderadamente para o Rubens, na Vila Nova Conceição. No caso do Zé Luiz, teoricamente por ser o mais próximo, como morador de Pinheiros, na zona oeste. Bem, tínhamos que adaptarmo-nos à nova realidade.

Sobre a nossa associação com o Studio V, queríamos romper, certamente. E agora que o escritório estava fora dos planos, nem precisávamos pedir para sairmos, mas havia um contrato registrado em cartório e queríamos sair dessa situação, sem pendências jurídicas posteriores. 

Uma reunião foi marcada na casa de Sonia, e o discurso do casal e também de Arnaldo Trindade, o marqueteiro, foi outro, na verdade, ao dizer-nos que desejavam prosseguir na associação conosco, mesmo sem o Miguel, e daí em algumas notas de imprensa sobre a temporada no Centro Cultural, ter sido omitido o nome do Studio V, e entrado o de "Carlos Magno e Ferraz Associados" em uma referência ao novo escritório que haviam fundado, e que representar-nos-ia, em tese.

Mas nós não queríamos mais trabalharmos com eles e dessa forma, essa continuidade que deu-se de fevereiro até meados de março, na verdade foi um período de transição onde aguardamos a rescisão do contrato formal que tínhamos com o Studio V.  

Nessa reunião na residência do casal, eles queriam convencer-nos a continuar e o discurso de maior humildade por eles adotado não demover-nos-ia, pois havíamos perdido a confiança. 

Chegaram a propor que o "Núcleo ZT" tomasse as rédeas da banda, e eles acatariam as nossas metas. Ora, isso foi engraçado, pois logo no começo da nossa associação com eles, em uma daquelas reuniões preliminares realizadas com o intuito de conhecer nossa organização interna, nós falamos ingenuamente sobre a iniciativa malograda do Núcleo ZT, em uma produção equivocada realizada na cidade de Bragança Paulista-SP, e o Toninho quase teve um ataque de tanto que riu e debochou disso. Agora a solução seria a volta do Núcleo ZT e ele a colocar-se como seu subordinado? 

Bem, podíamos ser completamente despreparados para lidar com produção, mas nunca contrataríamos, Michael Olivier para o nosso elenco, e certamente que não arrancaríamos 40% do cachê de nenhum artista e sem uma contrapartida na mesma proporção...
 

No passado, chegamos a fazer experiências com aspirantes a empresários sem nenhuma estrutura, e o resultado havia sido desastroso. Portanto, tudo o que ambicionávamos naquele instante, foi voltar à condição em que estávamos antes de envolvermo-nos com o Studio V, e acima de tudo, recuperarmos o embalo sensacional que havíamos conquistado, com nossas próprias forças. 

O telefone ainda estava a tocar espontaneamente, mas já não com aquela profusão de meses atrás, portanto, urgiu que retomássemos a nossa independência e readquiríssemos o fôlego que perdêramos, através da ilusão depositada no Studio V. 

O marqueteiro, Arnaldo Trindade, detinha uma fala mansa, recheada de bom senso, e argumentou que apesar dos pesares, seria um retrocesso não termos uma representação profissional, doravante. Tecnicamente a falar, ele teve razão, é lógico. Mas na prática, era preferível a estarmos associados a Sonia e Toninho que não tinham meios para levar-nos a lugar algum, pelo seu rol de influências, isso sem mencionar o fato de que não eram confiáveis sob vários outros aspectos.

A qualquer momento, eles começariam a trabalhar com outro artista, para deixar os nossos interesses de lado e usar novamente o pífio argumento de que graças à sua expansão, teriam meios para trabalhar melhor conosco. Uma desculpa pronta e inócua, é claro. 

Além do mais, eles podiam ter noção no meio teatral, mas na música, eram desastrosos e a qualquer momento apareceriam com um novo Michael Olivier, a perder tempo e dinheiro.

Arnaldo era um sujeito do bem. Nessa reunião ele levou consigo discos e fitas VHS's para assistirmos no videocassete, ao tirar a carga de uma reunião tensa. Ele gostava de som vintage, tínhamos essa conexão positiva. 

Lembro-me dele ao colocar o LP "Survival", do "Grand Funk", na vitrola, e nós termos conversado sobre a vibração boa perdida no Rock. Assistimos também uma fita VHS de um show do David Bowie, nessa tarde, e o teor da conversa foi a mesmo. Ele entendia-nos muito melhor, sem dúvida alguma, mas era um publicitário, portanto sem traquejo e nem mesmo vontade para aventurar-se como empresário, não reunia condições para ajudar-nos de fato. 

A sua contribuição seria somente no âmbito das ideias de marketing, mas a derrocada do Studio V, não deu-lhe tempo para mostrar nenhum serviço relevante. O que faria com Sonia e Toninho, doravante, seria uma incógnita pela linha de atuação do casal, mas convenhamos, não foi mais uma preocupação da nossa parte. 

Pressionamos por uma rescisão do contrato e sem ônus, naturalmente, pois não queríamos problemas, doravante. E assim deu-se, ao encerrarmos a nossa associação com o Studio V.

Nunca conversamos formalmente com o Miguel para esclarecermos a situação. Após o show no TBC, em dezembro, uma única reunião fora feita, e convocada por ele, para analisar o show. 

Depois disso, novas reuniões que seriam super necessárias para estabelecermos novas metas, principalmente no que tangia à busca de outras gravadoras, nunca realizaram-se. Fora um final muito esquisito, portanto, ao contrastar com todas as promessas feitas, e sobretudo pela ideia alardeada por eles, de que entrar em uma gravadora seria "fácil", mediante a sua condução e prestígio. Se havia aborrecido-se com a recusa da Warner, e detectado falhas em nosso repertório, material, visual, posturas ou fosse lá o motivo, seria passível de conversas claras para correções de objetivos e ação, da parte dele, para batermos rapidamente em outras portas. Mas de forma inexplicável, isso não teve continuidade.

No tocante aos shows, aconteceu a mesma situação. Em seis meses de trabalho, eles só haviam produzido um espetáculo e vendido outro para um contratante, portanto, foi muitíssimo pouco. 

O grande mérito dessa associação houvera sido a oportunidade para gravarmos uma nova demo-tape, mas a despeito disso ter sido uma ação concreta e positiva, na prática, o trabalho não ficara melhor do que a demo que graváramos em abril, com os nossos parcos recursos. 

Se foi por conta disso que a Warner recusara-nos, talvez fosse o caso de voltarmos ao estúdio e fazermos uma outra demo-tape, desta feita com a mão de ferro do produtor e material não faltava-nos, pois tínhamos muitas músicas novas para escolher a vontade, ao observar-se o padrão Pop a ser perseguido.

Mas o silêncio de Miguel, nesse sentido denotou a sua desistência de nós e ao levar-se em conta de que estávamos também insatisfeitos com a condução de nossos interesses, não chocou-nos tanto quanto deveria. 

Fiquei anos sem ter notícia alguma do Miguel. Somente ao final dos anos noventa, já na Era da TV a cabo a todo vapor, o descobri com um programa em uma modestíssima TV Comunitária, que era exibido às sextas, 23:00 horas, e mostrava um Miguel bem mais envelhecido, a conduzir um Talk-Show, com produção muito simples, onde entrevistava artistas, geralmente obscuros e egressos da Jovem Guarda, ou da música Pop brega, em geral.

Apesar de geriátrico e melancólico de certa forma, eu gostava de assistir, pois reconhecia os modos aristocráticos que ele ainda mantinha, e de fato, nunca nutri desavença pessoal em relação a ele, por conta dessa associação infrutífera que tivemos. 

Nessa situação vivida no futuro, em relação a esta cronologia que descrevo, em março de 2001, eu estava a atuar com a Patrulha do Espaço. O Rolando Castello Junior foi convidado a participar de um debate nesse Talk-Show do Miguel, e eu levei-o ao estúdio onde era gravado. 

Lá, ele participaria junto aos jornalistas Régis Tadeu e Toninho Spessoto, além de Sérgio Dias, ex-Mutantes, e o guitarrista de uma banda alternativa, chamada: "La Carne". Fiquei estupefato, mas nessa passagem o Miguel cumprimentou-me, porém simplesmente não reconheceu-me! Fiquei em silêncio, pois julguei inconveniente levantar tal reminiscência.

Eu e Rolando Castello Junior, ao atuarmos com a Patrulha do Espaço, ao vivo em janeiro de 2001

Alguns dias depois, um outro convite de sua produção surgira, e agora, eu em pessoa, e Rodrigo Hid, iríamos sermos entrevistados por ele em seu programa. Desta vez, não seria possível que não reconhecesse-me, pensei, e comentei com o Rodrigo, certamente. Mas aconteceu novamente... tal história está relatada com detalhes no capítulo sobre a Patrulha do Espaço, mais conveniente para retratar fatos ocorridos em 2001, naturalmente. 

Para encerrar, depois disso, o assisti mais algum tempo nesse programa que levava o seu nome, e há pelo menos uns dez anos, não o achei mais na TV e perdi a noção de seu paradeiro.

Sonia e Toninho ainda tentaram continuar a representar-nos, mas após o rompimento do contrato, formalmente, separamo-nos. 

Só fui vê-la novamente, em julho de 1987, aproximadamente, quando ela entregou-me enfim algumas fotos promocionais que ainda estavam em sua posse, e que já publiquei em capítulos anteriores. Esse encontro foi marcado em uma boite, localizada em Copacabana, no Rio, onde ela estava a trabalhar. Foi um encontro educado, mas frio e bem rápido. 

Nunca mais tive notícias dela, posteriormente, e só ao empreender pesquisa de internet, com o objetivo de arregimentar possíveis fotos para ilustrar a autobiografia, vi que ela possui um perfil na Rede Social, Facebook, atualmente (2016). Está bem idosa, e se eu achava que estava na faixa dos cinquenta anos de idade, naquela época, deve ser ou estar próxima de ser octogenária, agora. 

O artista "quixotesco", Toninho Ferraz, sumiu do mapa. Não achei absolutamente nada sobre ele na Internet. Sobre Arnaldo Trindade, nunca mais tive notícias. Espero que tenha sido e ainda seja feliz. Ele é um sujeito do bem.

Clóvis Roberto da Silva, em foto bem mais atual e que usa no seu perfil da Rede Social LinkedIn

Clóvis, o técnico de som, também nunca mais eu vi depois que rompemos com o Studio V. Pela pesquisa de Internet, descobri que está bem, por ser dono de um equipamento de PA, a sonorizar shows e eventos em geral, por aí. Rapaz legal, fiquei contente por saber que firmou-se como operador de áudio e está bem de vida.

Sobre Maria Amélia e seus filhos, a faxineira e o segurança, nunca mais tive notícias. Nem lembro-me dos nomes dos últimos dois que citei, mas recordo-me que o segurança do estacionamento era uma figura exótica e não escondia de ninguém que achava a namorada do Rubens, bonita. Ele a apelidou como: "Nikita", por conta de achá-la parecida com a garota no clip da música de Elton John, com esse mesmo nome, e que fazia sucesso em 1986. 

O rapaz teve razão, a Claudia continha traços fisionômicos semelhantes com a atriz que interpretava "Nikita", no caso, uma linda garota russa. Rubens era esquentado e não gostava dessa liberdade, mas o rapaz nunca extrapolou, portanto, ele suportou essa admiração respeitosa, digamos assim.

Alguns anos depois, o casarão da Avenida Eusébio Matoso foi demolido. Ali, junto aos escombros, o nosso sonho de chegarmos a um lugar ao sol, também ficou nas ruínas.

Machucados pelo desgaste e sem nem a metade da animação que tínhamos antes dessa aventura de jogarmos nossos sonhos nas mãos erradas, tivemos só uma saída agora: retomarmos o passo no ponto de onde estávamos. 

E assim o buscamos, mas perigosamente com a nossa energia combalida e abaixo da metade, eu diria, pois as perdas pelos fatores emocionais, envolvidos, foram grandes. E assim prosseguimos!

No Centro Cultural São Paulo, em fevereiro de 1987, Dinola e mais uma de suas criações: os óculos iluminados por leds verdes...

Continua...

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