Entramos enfim no segundo semestre de 1986, com o pé no acelerador, em pleno embalo ganho pelos acontecimentos positivos e somados, principalmente nos últimos três meses.
Logo que abriu as suas portas para o Rock, em tal teatro os projetos multiplicaram-se em suas dependências e ali os shows ocorreram geralmente às segundas e terças, nas brechas das peças de teatro, que ali encenavam-se. E nesse contexto, é claro que A Chave do Sol também foi convidada a apresentar-se e a data de 28 de julho de 1986, surgiu para nós.
Estávamos sob intensa atividade e o leitor atento há de recordar-se que são muitos parágrafos a falar sobre esse período entre março e julho de 1986, como um dos mais intensos para a história da banda, quando muitos fatores positivos aconteceram e de forma simultânea.
Neste caso, tratou-se de um projeto do produtor de shows, Antonio Celso Barbieri, denominado: "São Power", e que teria a companhia do "Excalibur", cujos membros eram nossos amigos e aliás, tal banda já havia dividido o palco conosco em ocasiões anteriores.
Nesse show nós tentamos uma experiência ousada, ao fecharmos um set list inteiramente montado com músicas novas! Foi uma insanidade, mas a surpresa maior veio com a reação do público, ao absorver completamente a ideia de uma maneira efusiva. Tempo bom em que um teatro lotava para um show de Rock autoral e a nossa banda sentia-se segura para realizar um espetáculo inteiramente montado com músicas inéditas, sem medo de desagradar o seu público, e este, sedento pelas músicas consagradas, portanto, muito familiares aos seus ouvidos, mas também com vontade de ouvir o material novo.
Foi um excelente show, ao coroar a ótima fase pela qual a banda encontrava-se. Estávamos afiados, com um novo som que agradava ao público e o telefone não parava de tocar com novas oportunidades.
É sobre isso que falarei a seguir, com mais três oportunidades que apareceram nesse período: uma sob cunho empresarial, a outra relativa a uma grande oportunidade para aparecermos em um programa de TV (este, inclusive, mega popular na época), e a terceira, a tratar-se de uma reportagem com direito ao espaço de uma página inteira em uma nova revista que estava a entrar no mercado, com contundência, por ter a chancela de um grupo editorial fortíssimo no jornalismo brasileiro.
Sim, apresentar-nos-íamos em um programa de TV, gravado ao vivo no Palácio das Convenções do Anhembi, de São Paulo, a ter o indefectível "Menudo", como atração principal, perante um público esperado com três mil garotas ensandecidas para verem os seus ídolos chicanos.
Tratou-se da versão "pesada" da Revista "Bizz", que entraria em breve no mercado, sob o nome de: "Bizz Heavy". A ideia seria no sentido de concorrer com a revista "Metal", publicação do mesmo grupo editorial responsável pela revista "Roll", do Rio de Janeiro, e este, por sua vez, um permissionário da editora "Pelo", da Argentina.
O jornalista, Leopoldo Rey, em foto bem mais atual
Contudo, naturalmente a contragosto, a sua cúpula editorial deve ter sentido que precisavam marcar presença no nicho do Rock pesado, e assim abocanhar a fatia que a revista da editora concorrente ("Metal"), estava a roubar-lhes.
Como eu comecei a narrar há alguns parágrafos atrás, havíamos sido abordados por um grupo de empresários, interessados em contratar uma banda de Rock, para fazer parte de seu elenco. Na primeira conversação, eles alegaram terem chegado até nós, motivados pelo resultado auferido em uma suposta pesquisa de mercado que realizaram e pela qual convenceram-se que nós éramos a "banda mais promissora a ser trabalhada", portanto, queriam a nossa contratação, imediata.
Que pesquisa? Quais critérios foram usados? Que outras bandas entraram em um comparativo conosco? O que realmente dimensionavam alcançar em uma eventual ascensão ao mercado mainstream?
Ao ir além, a nossa dúvida foi imensa em torno do real poder de trabalho da parte deles. Quais seriam de fato os seus reais contatos?
Radialista bem famoso nas décadas de sessenta e setenta, Miguel possuía um histórico de contribuição à radiodifusão da música Pop em geral, incluso o Rock, propriamente dito, através de seu programa em que promovia não só a execução das canções, mas também a realizar entrevistas com artistas emergentes e a promover algumas brincadeiras com ouvintes e os próprios artistas convidados, como por exemplo, o jogo de palavras que ele popularizou, chamado: "Não Diga, Não", onde mediante um cronômetro, o participante era convidado a conversar com ele, Miguel, em um tipo de diálogo sob improviso, proposto pelo radialista, e baseado na regra proposta que era não pronunciar sob hipótese alguma, as palavras: "Não" e "Não é".
De fato, Miguel Vaccaro Netto levou muita gente boa ao seu programa, por anos a fio e muitos artistas então desconhecidos, que posteriormente ficaram mega famosos, caso dos "Mutantes", por exemplo.
Sendo assim, o "V" foi de Vaccaro, e não o número "5" (cinco), em algarismo romano, como muitas pessoas interpretaram, erroneamente, mas dá-se o desconto de que não seria possível discernir a diferença, sem tal explicação por parte do escritório, convenhamos.
http://siteold.terceiro tempo.com.br/quefimlevou/qfl/sobre/miguel-vaccaro-netto-3363.html
1) Haviam feito uma "pesquisa" para contratar uma banda de Rock promissora, para trabalhar.
2) Possuíam outros artistas contratados, mas oriundos de outros segmentos da música.
3) Ostentavam um estúdio próprio, com 16 canais, para ensaiarmos e gravarmos demos-tapes.
Portanto, só por falar-nos da existência de um estúdio próprio, claro que ficamos entusiasmados e a informação posterior de que a marca, "Studio V", representava uma alusão ao "V" de "Vaccaro" e também uma menção ao seu antigo programa radiofônico, só reforçou a credibilidade, ao ponto de estimular-nos a aceitar uma reunião.
Marcamos, portanto, essa reunião para um dia de agosto de 1986, do qual não recordo-me exatamente em que data aconteceu, mas um fato alheio a tal assunto, ocorreu-me, bem nesse dia marcado para a reunião. E isso gerou-me uma situação dramática, pessoalmente e sobre a qual eu comentarei logo mais nesta narrativa.
Marcada data e horário, programamo-nos para chegarmos pontualmente às 17 horas, no escritório/estúdio, que ficava localizado na Avenida Eusébio Matoso, bem próximo do Shopping Eldorado, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Beto e Zé Luiz combinaram de chegar lá, diretamente, e eu, por não possuir automóvel na ocasião (e nem sabia dirigir, nessa época), combinei com o Rubens, para irmos juntos.
Não tenho vergonha de dizer que apesar de todo o "momentum" promissor que a banda atravessava, a minha condição financeira pessoal à época, era de uma simplicidade "franciscana".
De volta ao foco da narrativa, o que aconteceu naquela madrugada que antecedeu o importante compromisso que teríamos, foi que os motoristas & cobradores de ônibus de São Paulo, deflagraram uma greve.
Eis na foto acima, a presença de um típico trólebus paulistano
Apesar de sobrecarregado pela greve dos ônibus, o trajeto do metrô foi tranquilo. Cheguei no tempo normal em que estava acostumado a gastar entre as estações Tatuapé, onde eu embarcava e Santa Cruz, o meu destino rotineiro. Geralmente eu gastava entre trinta e trinta e cinco minutos, aproximadamente somente a contar o percurso do metrô e a pequena caminhada da minha residência até a estação.
Já no percurso a pé, que eu fiz da minha residência, até a estação Tatuapé (e tratavam-se de apenas quatro quarteirões), liguei para a residência do Rubens, mas não pude falar com ele, ao deixar apenas, um recado com uma das empregadas domésticas que trabalhavam para a família Gióia, chamada, Maria.
O percurso entre a estação Santa Cruz e a residência da família Gióia, na ocasião, localizada no Itaim-Bibi, bairro nobre da zona sul de São Paulo, não era um absurdo, a se constituir em algo impossível para ser realizado a pé.
Mais tranquilo internamente, por estar ali, e a minimizar, portanto uma angústia pessoal que havia nutrido desde a hora do almoço, quando pelos motivos expostos nos parágrafos anteriores, temi por causar uma péssima impressão aos empresários que poderiam gerar uma grande mudança na minha vida, eis que eu tentei recompor-me ao máximo, a mudar o meu semblante, para poder enfim, entrar na sala de reuniões, com confiança.
Comunicativos e bem articulados, fizeram o discurso padrão que espera-se em uma primeira abordagem, a enaltecer as qualidades do "Studio V", e sobretudo, a alimentar a ideia de que estavam aptos para gerenciar a nossa carreira com tranquilidade, rumo ao universo mainstream, graças aos contatos que alegavam possuírem no mundo empresarial do Show Business e sobretudo no mundo fonográfico, além de muita abertura na mídia.
Existiam outras dependências que impressionou-nos, igualmente. Por exemplo, uma imensa discoteca, onde estava alojado o acervo de LP's e compactos de vinil da coleção pessoal de Miguel Vaccaro Netto. Em uma saleta equipada com uma bela aparelhagem Hi-Fi com muita qualidade, haviam centenas de discos, e dessa forma, em ocasiões futuras, já na condição como contratados da empresa, pudemos usufruir dessa mordomia.
Foto meramente ilustrativa, mas que retrata uma boa semelhança com a sala de reuniões que eu descrevi acima.
Havia ainda à disposição do escritório, um estacionamento exclusivo, com manobrista, serviço de cozinha, recepção, o gabinete de Sonia & Toninho, o estúdio, a discoteca, além de um grande gabinete master, ocupado pelo presidente da empresa, que não conhecemos pessoalmente nesse primeiro dia, mas em breve, isso ocorreria, e com uma certa pompa, eu diria.
Simultaneamente a essa negociação, o telefone não parava de tocar e o nosso "momentum", fruto de quatro anos sob trabalho árduo, mostrou-se ótimo. Portanto, assinar com o escritório poderia ser o fator catalisador de nossa ascensão definitiva ao patamar mainstream, pois acreditávamos que o escritório saberia perfeitamente aproveitar as oportunidades que gerávamos espontaneamente, porém, o seu poder de fogo somar-se-ia a isso, para acelerar o processo.
O que não poderíamos imaginar, foi que esse seria o começo do fim da nossa banda, em um caso extraordinário de reversão completa da energia gerada, como se os polos tivessem sido brutalmente modificados, tal como uma inversão de spins.
A sensação que tivemos, foi nítida por estarmos muito próximos de um voo alto. E o fato do "Studio V", ter procurado-nos e não o contrário, deu-nos a impressão inequívoca de que as portas abrir-se-iam, enfim. Esse combustível de euforia que foi gerada, representou também, ironicamente o que minar-nos-ia internamente, meses depois. Ainda tenho muito a relatar para chegar nesse ponto, no entanto.
Um exemplo sobre os ventos positivos que sopravam graças aos nossos esforços pessoais, foi o próximo compromisso que tínhamos ainda para agosto de 1986. Sem grande esforço de nossa parte, a contar apenas com a divulgação dos associados do fã-clube, praticamente, lotamos o Centro Cultural São Paulo, com mil pessoas (isso mesmo, não estou a exagerar, ainda que sob a ressalva de que tratou-se de um espetáculo sem a cobrança de ingressos), na plateia, e quem conhece o Centro Cultural, sabe bem que já faz anos que a média de público tornou-se fraquíssima ali e qualquer artista que apresenta-se nos dias atuais, alguns que são consagrados, inclusive, comemora quando consegue reunir duzentas pessoas em um show.
Foi a primeira vez que A Chave do Sol apresentou-se no auditório Adoniran Barbosa, mas eu particularmente já havia apresentado-me ali com o Língua de Trapo, em 1984. Aliás, foram os meus últimos três shows com essa banda, a encerrar definitivamente a minha participação, através de minha segunda passagem por ela. Ainda pelo Língua de Trapo, eu havia feito um outro show no Centro Cultural São Paulo, mas em outro auditório, no ano de 1983.
Portanto, tinha (tem) público a assistir por todos os lados e também por cima, pois existe um patamar superior, um mezanino, e muitas pessoas assistem o artista por cima, como um espaço "foyer", de teatros antigos.
Nesse show, pelo fato do palco ter sido grande, O Beto tocou guitarra em algumas músicas (como já o fizera no show do Teatro Mambembe, em julho), e a sua disposição ocorreria doravante com certa regularidade. Ele tocava bem, e sempre que atuava, encorpava o som da banda.
Todavia, a ideia não seria que isso tornasse-se uma constante. Ele queria ter a mobilidade de um frontman e tocar guitarra seria para ser apenas em algumas canções, mais para conferir um diferencial, e não forjar a ideia de que doravante seríamos uma banda com duas guitarras na formação.
O casal de empresários que contratava-nos, Sonia & Toninho, esteve presente, e no camarim, a euforia deles por verem uma performance vitoriosa de nossa parte, mas sobretudo amparada por uma casa lotada, a apresentar um público muito receptivo, foi indisfarçável. O assédio que recebemos de fãs no camarim e as vendas obtidas na lojinha ambulante de merchandising, fez com que eles, nessa somatória toda, não escondessem a sua euforia pela banda e nessa prerrogativa, projetassem a nossa subida ao mainstream da música, a somar-se com esse nosso "momentum" natural, gerado por nossos próprios esforços, aos movimentos pontuais que supostamente eles fariam por nós, graças aos contatos que eles afirmavam ter consigo.
Dessa forma, a partir daí, a euforia norteou a nossa concentração. Sentíamos que estávamos a poucos passos de um salto maior na carreira, e aí, mesmo com a experiência acumulada (e já não éramos tão jovens assim), foi difícil não embarcar nessa euforia generalizada.
O show do CCSP ocorreu no dia 29 de agosto de 1986, com mil pessoas na plateia, a berrarem e vibrarem com a nossa banda, que voou naquele palco, literalmente, tanto por estar muito afiada, em uma forma musical espetacular, mas também a imprimir uma presença de palco esfuziante, fruto de anos a fio de trabalho e experiência acumulada, mas também pela euforia que a reverberação da plateia ofertava-nos como energia extra.
O tal festival em que participaríamos, chamou-se: "Baila Bala na Baleia", e foi realizado em uma espécie de chácara/sítio, fora do perímetro urbano de Cotia-SP, cidade que fica na região metropolitana de São Paulo e faz divisa com alguns bairros do extremo oeste da capital paulista. O contato chegou para nós, através da Baratos Afins, onde conforme já relatei, muitas consultas a visar shows, ocorriam diariamente para os artistas do elenco ligado ao produtor, Luiz Calanca, e muitas vezes para artistas que não faziam parte dos seus contratados, também.
Seria um festival híbrido, que pretendia ter uma aura diversificada, como o Rock in Rio o fora em 1985, obviamente com uma estrutura mais simples, mas nem tanto assim, pela multidão que pretendiam atrair, e pela quantidade de bandas escaladas para o evento.
Sonia e Toninho estavam maravilhados com o tamanho do festival e acharam tudo lindo, sem demonstrar muita noção prática do show business. De fato, eram do meio teatral onde as demandas são diferentes.
A Justificativa para o exótico nome do evento, "Baila Bala na Baleia", foi que a motivação seria chamar a atenção do público para a causa ambientalista a posicionar-se contra a matança das baleias e supostamente, parte da renda seria destinada para tal organização em defesa dos animais.
Tínhamos outros compromissos agendados, mas antes disso, foi o momento para mais uma importante reunião, desta feita para finalmente conhecermos o diretor geral do "Studio V", e essa história tem particularidades a serem descritas.
Extremamente simpático e generoso, mas também formal, ele primava o seu modus operandi por regras rígidas de educação, sob padrão europeu, até a exagerar em certos maneirismos, inclusive no seu linguajar habitual, quase acima do padrão coloquial. Nesses termos, a reunião com ele foi bastante respeitosa, mas simpática, não opressiva sob certo ponto de vista, visto que em princípio, sentimo-nos tensos pelo excesso de recato formal.
Contudo, o seu jeito natural de ser, pareceu-me o de um Lord inglês vitoriano. Particularmente, eu admirava essa educação diferenciada e o formalismo, pois tenho uma personalidade semelhante.
O Rubens também tinha tal apreço por esse tipo de comportamento social. Ele mesmo, Rubens, gostava de portar-se assim em muitas circunstâncias, ao chamar a atenção por usar um linguajar e maneiras que já mostravam-se bem antiquadas nos anos oitenta, como por exemplo, ao usar palavras como "cavalheiro", "senhorita" e cumprimentar mulheres a desferir-lhes beijos em suas mãos, mas exatamente por ser não usual, eu achava que isso conferia-lhe um diferencial interessante a quebrar o paradigma do Rocker que só expressa-se a usar gírias da moda, e/ou palavrões em seu linguajar cotidiano, ou seja, aquela ideia ridícula de se associar o Rock aos brucutus.
Muito pausadamente e a demonstrar usar técnicas de avaliação baseadas em preceitos da psicologia, como metodologia, portanto, ele deu-nos a palavra enfim, a exigir um pequeno monólogo da parte de cada um, para conhecer-nos melhor. Foi assim mesmo, na base do: "quem é você nas suas próprias palavras", que um por um, teve que falar sobre si mesmo, a mostrar a sua bagagem pessoal, expectativas, sonhos etc.
Ele deu a palavra para cada um paulatinamente, e ajeitara-se na sua poltrona imensa, de maneira a colocar-se inteiramente no campo de visão de seu respectivo interlocutor, e assim, pareceu estar a fazer um raio-x de cada um de nós. Claro que apesar de amistoso, esse tom excessivamente formal deixou-nos um pouco nervosos.
Estivemos perfilados em cadeiras que pareciam do mobiliário dos cavaleiros da távola redonda, em frente a ele. Sonia e Toninho estavam na sala, atrás de nós, sentados em um sofá. Em profundo silêncio, ambos não fizeram nenhuma intervenção, mas assistiram a entrevista.
Essa argumentação dela sobre a facilidade com a qual o escritório teria para colocar-nos no topo do mainstream da música, pareceu explicitar que seriam favas contadas tal empreitada, e que da parte deles, queriam super valorizar a alta quantia pedida, por que tinham a certeza de que levar-nos-iam para tal patamar máximo da música profissional.
Tal valor representava o dobro da praxe de mercado na relação empresário/artista! Então, a pergunta crucial foi: valeria a pena?
Um método de persuasão que usaram e nós, mesmo a percebermos tal artifício sutil sob a forma de uma barganha, não declinamos, deu-se no fato de que mesmo ainda sem assinar o contrato, já estávamos a usufruir da estrutura do escritório.
Zé Luiz Dinola em momento de aquecimento na sua bateria, com Rubens Gióia visto somente por detalhes e de costas, no enquadramento da foto. A nossa querida sala de ensaios, na residência da família Gióia, em foto de 1983. Click: Seiji Ogawa
Diante dessa perspectiva, ficamos muito seduzidos pelo uso do estúdio, também, embora tivéssemos assegurada a nossa histórica sala de ensaios na residência da família Gióia, Não seria nem pela questão do espaço em si, mas pelo salto de qualidade, por que apesar de ser o nosso QG e um verdadeiro Lar (que abriga-nos a gerar inúmeras histórias ali geradas sob a forma de lembranças maravilhosas, desde os nossos primórdios, em 1982), o fato é que ficamos inebriados pelo estúdio montado dentro da sede do Studio V, com equipamento de primeira linha, inteiramente à nossa disposição para trabalharmos sem nenhuma preocupação com o relógio.
Estar a usufruir de uma estrutura dessas, mesmo sem ainda termos assinado com uma gravadora major, denotou que tal negociação seria uma questão de tempo, tão somente, não apenas pelo status adquirido, mas pelos contatos que eles diziam ter, e no caso do Miguel, soara-nos como mais do que uma que certeza que realmente os possuía.
Mesmo assim, recebê-los dessa forma, mostraria a ambos os jornalistas, que estávamos a empreender um salto, e certamente que eles gostariam da novidade, como amigos e formalmente, nas respectivas entrevistas, isso ficaria expresso nas entrelinhas, quando da publicação das entrevistas realizadas.
Primeiro, aconteceu com o Tony Monteiro. Super amigo da banda, desde 1984, o Tony era um admirador confesso da nossa banda, e sempre que podia, além de enaltecer-nos em resenhas de shows e discos, alfinetava as gravadoras, as quais acusava de serem: "cegas, surdas & Mudas" ("Tommy, Can You Hear Me?"), por ignorarem-nos retumbantemente. Para ele, apesar da tendência da indústria fonográfica ser a dirigida pela monolítica aposta no Pós-Punk, A Chave do Sol continha qualidade e potencial Pop para impor-se no mainstream, claro, se cedesse em suas convicções e estabelecesse assim, algumas concessões inevitáveis.
1) A Bizz era uma publicação acintosamente fechada com a estética do Pós-Punk, e dentro dessa diretriz, não escondia de ninguém que rezava pela cartilha niilista de 1977. Muito, mas muito mesmo a contragosto, as raras menções à artistas das décadas de 1960 e 1970, objeto do ódio desses xiitas, foram feitas com o apoio de poucos jornalistas não comprometidos com essa mentalidade e que muito suavam para convencer a cúpula de sua redação a ceder poucas linhas sazonais para tais intervenções. Um desses raros abnegados fora, Leopoldo Rey.
2) O mundo oitentista apresentava três vertentes básicas:
A) Pós-Punk e seus muitos derivados.
B) Pop, geralmente comprometido com a estética Pós-Punk, também.,
C) Hard-Rock/Heavy Metal.
Portanto, mesmo ao se desprezar a opção "C", por uma questão de mercado, estavam a perder dinheiro por ignorarem tal vertente que não coadunava-se com seus princípios, e nesse quesito, a sua concorrente mais direta, a Revista "Roll", abria um razoável espaço para tais manifestações, e não obstante tal fato, ainda em 1984, lançara uma revista derivada e especializada no mundo pesado, chamada: "Metal".
Ao considerar-se que a revista "Rock Brigade" (que privilegiava a cena do Hard-Rock/Heavy Metal oitentista), havia crescido muito, mas para o mundo editorial mainstream ainda era considerada um fanzine, a revista "Som Três" era híbrida e parecia não importar-se em continuar a proceder assim, e revistas como "Rock Star", "Rock Passion" e "Rock Show" (essas três eram da editora Imprima), tinham alcance muito inferior no mercado, eis que finalmente convenceu-se a redação da "Bizz", que a revista "Metal" estava a roubar-lhes uma fatia do mercado, e dessa forma, gostar ou não daquela estética, não vinha ao caso, quando o assunto fosse dinheiro.
Dessa forma, a sua editora tratou de lançar a "Bizz Heavy", a evitar propositalmente a palavra "Metal", para não dar armas à concorrente e ainda bem para os marqueteiros de plantão, que tal vertente do dito Rock pesado continha esse nome duplo.
Entretanto, algo ocorreu no meio do caminho, especificamente a falar sobre essa entrevista. Não por culpa do Leopoldo, que sempre foi um profissional íntegro ao extremo, mas por algum problema relacionado à pauta, a nossa entrevista foi adiada para a segunda edição, e não para a primeira, como fora ventilado inicialmente.
No trato pessoal com o Leopoldo, assim como houvera ocorrido com o Tony Monteiro, não mudaria nada para nós, pois isso não haveria de deslumbrar-nos, e ele fora sempre cordial conosco, desde 1984, em situações bem mais modestas, portanto, não haveria chance dele achar que estivéssemos diferentes, a nutrir uma indevida e ridícula soberba, pelo simples fato de estarmos a insinuar uma ascensão e sendo claro, nem mesmo que tais presságios fossem mesmo confirmados.
Então, recebemos o Leopoldo e fizemos uma longa entrevista, acompanhada pela Sonia, que não escondia a sua euforia, pois foi na prática, a segunda entrevista que concedíamos para uma outra revista importante no setor e fora absolutamente espontânea, sem que o escritório houvesse movido uma palha para arrumar-nos tal chance.
Claro, sem problemas, pensamos. Estávamos em um momento tão bom, que poderia ser até melhor para a nossa projeção, sermos publicados no número três, quiçá com o Studio V já a levar-nos a algum degrau ainda mais alto e assim, que tal matéria saísse com um sabor a mais, fora o fato de que ela em si, estaria mais sedimentada no mercado, igualmente. Só que o número dois saiu com o tal Sepultura, e logo a seguir, a Bizz cancelou a sua versão pesada, ao não concluir uma terceira edição e portanto, nossa entrevista foi para o limbo, nunca sendo publicada.
A despeito da família Gióia, ter merecido reaver a sua paz, após longos quatro anos a exercermos em seu Lar, uma autêntica invasão de privacidade (além de muito barulho, naturalmente), ali fora o nosso QG, e continuaria a sê-lo, se não tivéssemos encontrado o Studio V, em nossa vida.
Sair de lá naquele momento pareceu-nos ter sido o chamado, o passo a mais que ambicionávamos desde o começo e simbolicamente a falar, sinalizara a hora para alçarmos voo, a sairmos do ninho.
Contudo, inebriados pela perspectiva de usarmos o estúdio próprio do escritório, preparamo-nos com qualidade sonora superior e ao realizarmos a pré-produção para a gravação da Demo-Tape que eles queriam bancar, empolgamo-nos e passamos a ensaiar ali, ao estabelecermos a nossa rotina diária, doravante, nesse novo endereço.
Faltou-nos a percepção de que deveríamos ter um pouco mais de cautela e ao invés de mergulharmos de cabeça nos braços do escritório, deveríamos avaliar o que eles fariam, mediante uma experiência prática e não acreditarmos cegamente somente na conversa em tom de exagero e tipicamente empresarial.
Reflexo de nosso "momentum" espetacular, o Jornal informativo do nosso próprio fã-clube, em sua edição de número 5, datado de julho de 1986, mostrou-se recheado por boas notícias. Muitas das quais eu já comentei anteriormente, aliás.
No box seguinte, em uma espécie de coluna social da banda, uma menção ao fato positivo de que algumas bandas haviam lançado LP's, recentemente e incluído agradecimentos à Chave do Sol em seus respectivos encartes.
Outra fanfarronice que eu adorava, foi falar sobre as atividades extra-musicais dos membros da banda, ao dar-lhes uma aura de importância mesclada ao glamour. Isso fora uma herança de minha admiração confessa pelo estilo de redação do jornalista, Ezequiel Neves, quando este crítico musical fora colunista da revista: "Rock, a História e a Glória", nos anos setenta, e que muito influenciou-me como Rocker e também como escritor diletante que eu sempre fui, mas só a partir de 2011, de uma forma mais incisiva e sob caráter público, assumi ser.
Uma brincadeira com o Edgard Puccinelli Filho, também ficou registrada neste box, sempre a insistir na ideia divertida de que ele fora de fato, um extraterrestre, brincadeira essa que ele apreciava e os fãs, nos shows, idem, ao abordar-nos com bom humor nesse sentido.
Aproveitei e alfinetei a "intelligentsia" (ou falta de inteligência, como queiram), que execrava o Língua de Trapo indevidamente e demonstrei o meu orgulho por ter sido membro da banda etc. Claro, eu expus meus motivos por ter preferido ficar na formação d'A Chave do Sol, por conta de minha fé no Rock, decisivamente, o que foi verdade.
Sobre revistas, falamos do poster lançado pela editora Três, um acontecimento importante para nós a promover-nos nas bancas de jornais. Além de citarmos matérias em revistas como "Roll", "Metal" e "Rock Passion".
O fato de naquele instante o material novo ser enorme em quantidade foi alardeado e eu até brinquei com a perspectiva de que caminhávamos para um álbum duplo. De fato, se tivéssemos possibilidade, teríamos mesmo lançado um disco duplo, tranquilamente, pois não só tínhamos um material vasto, mas com qualidade para tal, todavia estávamos a mil por hora e no decorrer do segundo semestre inteiro, não paramos de criar novas canções, principalmente por termos fechado contrato com o Studio V e com a facilidade do estúdio próprio do escritório, animamo-nos ainda mais em gerar novidades e termos muitas opções, visto que dávamos como certo o fato de que assinaríamos com uma gravadora major.
Prosaico, mas válido, o box seguinte foi criado para ser um espaço para fãs que queriam conhecer outros fãs. Quase vinte anos antes das pessoas começarem a usar as redes sociais na internet, a forma mais rudimentar nessa ocasião para estabelecer intercâmbio, era mandar uma carta para o fã-clube a solicitar-nos a publicação do seu endereço, para em seguida, esperar que um dia o carteiro trouxesse a missiva de alguém que lera seu anúncio, e dispor-se-ia a compartilhar o seu interesse em comum pela banda, como maneira a forjar uma amizade.
O Box seguinte, falou sobre o apoio de outros fã-clubes ao nosso. A "Sociedade Brasileira dos Apreciadores do Deep Purple", por exemplo, foi um fã-clube muito bem organizado e autorizado para atuar no Brasil, pela fã-clube de mesmo nome, sediado na Inglaterra.
O box seguinte, falou sobre os últimos shows realizados. Os shows do Palmeiras, Praça do Rock e no Caverna II, do Rio de Janeiro, foram destaque, naturalmente. E por fim, a fechar a edição, destacamos a agenda futura, ao darmos ênfase para o show que realizaríamos no Centro Cultural São Paulo, ao final de agosto e cuja passagem eu já descrevi anteriormente. Na próxima edição, que lançaríamos em outubro, já encontrávamos a todo vapor dentro do Studio V, mas ainda não tínhamos a foto oficial da assinatura do contrato, que seria publicada na verdade, na edição número 7, em janeiro de 1987. Na hora certa, comentarei, portanto.
O bom técnico de áudio, Clóvis Roberto da Silva, em foto bem mais atual
Entrosamo-nos muito bem com o técnico, Clóvis Roberto da Silva. Ele fora extremamente simpático no trato pessoal e competente como técnico, por isso, em poucos dias já havia tornado-se "um de nós", a participar das brincadeiras, rir e afeiçoar-se ao nosso som, quase como um torcedor do nosso êxito na carreira e isso foi muito positivo ali naquele momento, pois o seu empenho na gravação para dar o seu melhor, como técnico, foi importante para nós, ao encaminhar-se além do trabalho profissional, simplesmente, que ali exercia, como contratado fixo do escritório.
Uma questão surgiu logo nas primeiras reuniões, assim que fechamos com eles: tínhamos uma estrutura pequena, mas funcional em relação à equipe que servia-nos em shows e nas atribuições do fã-clube/merchandising.
Eliane Daic, produtora da banda e namorada do Zé Luiz, em foto de 1985, clicada por Rodolpho Tedeschi
Portanto, propusemos à Sonia, que ela contratasse tal equipe que auxiliava-nos e que já existia informalmente. Queríamos que Eliane Daic, então namorada do Zé Luiz e que já trabalhava como produtora da banda, desde meados de 1985, continuasse na função. Eduardo Russomano, que era nosso roadie e estava a ajudar-nos no fã-clube e Edgard Puccinelli Filho, também roadie, igualmente e com este último a acumular a função de vendedor de merchandising nos shows (aliás, com bastante sucesso, pois a sua figura exótica e extrovertida, tinha um carisma forte a atrair as pessoas), também fossem contratados.
Eliane Daic a usar jaqueta vermelha, a a repor a carga de pólvora durante um show d'A Chave do Sol, em 1986, no decorrer do nosso espetáculo.
A Sonia adorou a Eliane Daic ("Lili", entre nós), e acenou com a aceitação de nossa proposta para que ela continuasse a ser a nossa produtora executiva. E rapidamente acertou o seu salário e a designou como a sua subordinada direta, a cumprir expediente diariamente no escritório e já a sair para a rua para realizar tarefas passadas pela Sonia.
Adorou também o Edgard, pelo exotismo de sua persona e forma de comportar-se, e assim aceitou a ideia de que ele fizesse parte da equipe, mas vetou pagar-lhe um salário fixo, até segunda ordem, pois disse-nos que só poderia garantir isso quando a banda entrasse em uma rotina de shows, com agenda sustentável.
A primeira reunião realizada com Sonia e o seu consorte, Toninho, foi hilária. Ela fez todo um mise-en-scène, no uso de um preâmbulo dramático, a exaltar a necessidade em não escondermos nenhuma informação dela e que deveríamos lidar com ela, como se fosse a "nossa mãe" etc. e tal. Entreolhávamo-nos com vontade de rir, mas esteve a acontecer, foi inevitável!
Foi bastante constrangedor, no entanto, pois a conversa enveredou para o item da bebida alcoólica, e aí os ânimos acirraram-se um pouco, pois entrou-se no mérito da moralidade sobre as drogas serem socialmente condenáveis e as bebidas, tão nocivas quanto, liberadas e incentivadas e a Sonia percebeu que aquele não fora o objetivo que queria atingir, e deu um basta na conversa.
Mais uma questão curiosa e absolutamente ridícula colocada por ela, deu-se em torno de um conceito que é típico no meio televisivo, mas não faz sentido algum entre nós, Rockers. Para atores e principalmente atrizes da TV, a questão da idade é primordial. A ordem é tentar manter a aparência jovial, ao máximo que puder, e não é à toa que tais artistas submetam-se a tantas cirurgias plásticas e tratamentos mil para driblar a ação do tempo.
Nesse sentido, Rockers herdaram a tradição dos velhos Bluesman, que tem enorme longevidade e muitas vezes levam a carreira além do humanamente suportável, por subirem ao palco carregados por enfermeiros ou mesmo a apresentarem-se sentados em cadeiras de roda, ninguém tem má impressão por isso, e pelo contrário, tais velhos Bluesman são ovacionados por essa tenacidade que extrapola a decrepitude física.
Achávamos isso ridículo, constrangedor e infrutífero para nós, mas nesse caso, ela colocou-se de uma forma irredutível, por que acreditava nesse conceito tolo.
Reinávamos naquele casarão e já a partir de setembro, a ensaiar a todo vapor, a conceder entrevistas (já falei sobre duas delas, e que foram frutos obtidos pelos nossos esforços, e não do escritório, é bom frisar), a aproveitarmos as benesses da sua estrutura, incluso a discoteca. Nesse aspecto, o fato do Miguel ter sido um radialista de sucesso, além de executivo de gravadora e dono da empresa "Clube do Disco", tudo isso pesou na construção de sua bela discoteca e éramos incentivados por ele mesmo a usufruir do acervo gigantesco, sob uma sala de audição com um equipamento Hi-Fi de primeira linha etc.
Dava para ter-se uma noção disso ao observarmos a sua filha adolescente, uma menina na faixa de treze ou quatorze anos de idade e que era belíssima por ser bastante parecida com a sua mãe.
O Beto sempre foi extrovertido ao extremo e brincalhão. Ele era assim ao tratar com qualquer pessoa, era o seu jeito normal de ser e agir. Pois então, foi logo a inventar apelidos para todas as pessoas daquele escritório e a Dona Maria Amélia, tornou-se dessa forma em sua brincadeira habitual, "Mamé", uma intimidade que a assustava, mas com a qual ela teve que acostumar-se.
Miguel era um gentleman. A sua postura era a de um Lord inglês, com modos refinados, linguajar sofisticado, e até um certo exagero no portar-se, mas particularmente eu admirava a sua educação, milhas acima do brasileiro médio.
A estrutura física e os grandes contatos midiáticos e da indústria fonográfica eram do Miguel, com Sonia & Toninho a fazer o trabalho mais braçal da produção. Eles seriam produtores diretos do cotidiano, praticamente a função de um "road manager", além de cuidar do gerenciamento da carreira e eventualmente a agregar os seus propalados contatos de Teatro e TV.
Ele disse-nos que só criava "Quixotes", ou seja, todas as suas obras seriam motivadas, por um único mote: a figura do personagem criado por Miguel de Cervantes, Dom Quixote. De fato, ele mostrou-nos alguns esboços de pinturas, desenhos e várias pequenas esculturas a conter tal inspiração, apesar de acharmos aquilo muito estranho, pois era (é) no mínimo esquisito que um artista declarasse-se fechado sob uma ideia fixa.
Eles prometiam-nos conquistas mirabolantes e respaldados pela estrutura toda que ostentavam e somada aos contatos que diziam ter, representava para eles, praticamente favas contadas que fariam-nos "estourar" no mainstream, em questão de pouco tempo.
Finalmente, a despeito de tudo o que observei anteriormente, o Studio V sinalizou serviço, ao agendar uma entrevista em um programa de rádio, diferente de nosso mundo habitual. Abertos a sempre a mirar a expansão, claro que aceitamos e fomos participar de um programa de uma então jovem jornalista, na Rádio Tupi AM, que não era muito famosa na época, mas hoje em dia o é, bastante: Sonia Abrão.
Sonia Abraão, em foto bem mais atual
Contato da "nossa" Sonia, foi o típico programa centrado em fofocas sobre atores e atrizes de novelas da TV, mas também, artistas musicais do mesmo espectro popularesco. Não posso queixar-me, no entanto, pois Sonia Abrão foi muito simpática conosco, executou a canção "Sun City", proveniente da Demo-Tape que graváramos em abril daquele ano, e deu-nos abertura para falarmos sobre a nossa agenda imediata, planos etc.
Bem, o local chamava-se: "Ácido Plástico", e ficava localizado a duas quadras da penitenciária do Carandiru, na zona norte de São Paulo. Até aí, sem problemas, mas o exótico nisso, foi o fato do local ter sido uma ex-igreja evangélica, ou seja, foi muito surreal que uma uma igreja tivesse deixado as suas instalações, para que um novo dono a usasse sem modificações arquitetônicas básicas, para atividades seculares, ainda mais shows de Rock, quando geralmente vemos o contrário, com ex-salas de cinema e teatros a serem transformados em templos.
Portanto, o palco mostrava-se com estrutura de púlpito, ao torná-lo aquilo muito exótico. Na hora em que entrei no local, pensei naquela cena do filme, "Tommy", com o The Who e Eric Clapton, a interagirem juntos (Arthur Brown também faz parte dessa cena a interpretar um cadeirante a busca de um milagre), e onde a Divindade a ser cultuada, tratava-se de uma estátua enorme da sensual atriz norte-americana, Marilyn Monroe.
Eu estava em pé, a observar os preparativos do "Destroyer" a fim de iniciar o processo de seu soundcheck, quando eu resolvi sentar-me em um canto do salão. O som dos rapazes era peso-pesado e como de costume entre bandas desse gênero musical, não faziam nenhuma dinâmica, a tocar de forma "reta", como diz-se no jargão musical.
Foi quando sob uma fração de segundos eu senti um punhado de farelos brancos a caírem sobre a minha cabeça, e nem deu tempo para raciocinar, pois eu senti um forte impacto em meu crânio, seguido por gritos e a banda a parar de tocar no palco.
A minha sorte foi que o impacto causado pela tela protetora, mostrou-se bem mais leve do que o sólido aparelho em si. Este também caiu, mas nessa altura, naquela fração de segundos, atingido pela tela, o meu reflexo de autodefesa funcionou, e eu dei um salto da cadeira, pois a carcaça mais pesada cairia a seguir, a espatifar-se no chão, sob forte estrondo e a assustar a todos.
Nada pior ocorreu, portanto, entretanto, foi uma sorte incrível não ter ocorrido algo muito grave. Se tivesse atingido-me em cheio, receio que poderia ter ferido-me gravemente, quiçá, letalmente e assim, não estaria aqui, anos depois, a escrever essa história.
A seguir, refeito do susto, firmei posição em prosseguir com a programação, sem modificações, apesar dos apelos dos amigos para que eu fosse a um Pronto-Socorro hospitalar, buscar uma avaliação médica mais apurada. Foi incrível, mas a noite proporcionar-nos-ia uma outra surpresa, tão desagradável quanto!
Bem, o Destroyer fez o seu show habitual, e a casa estava com um bom público, mas cabe uma ressalva: haviam cerca de duzentas pessoas presentes no local, mas para os padrões daquele tempo, nós consideramos um público pequeno, ou seja, imagine, leitor, do jeito que a cena independente ficou dos anos 1990 em diante, quando duzentas pessoas, seria considerado um triunfo a ser comemorado.
Fizemos um show um pouco além do padrão de choque, por ter sido mais estendido, eu diria, e foi muito bom, embora o nosso som fosse infinitamente mais leve e o público presente fosse predominantemente headbanger, na contrapartida.
Entretanto, tínhamos algo a mais para enfrentar naquela noite. Um problema extra-musical estava do lado de fora das dependências do "Ácido Plástico". Informados por nosso amigo, China Lee, vocalista do, "Salário Mínimo", ficamos apreensivos por sabermos que uma gangue enorme, formada por punks, estava do lado de fora do estabelecimento, a esperar o momento estratégico para invadir e promover um tumulto generalizado.
O vocalista do Salário Mínimo, China Lee, em foto bem mais atual
Diante da iminência de uma batalha campal ali a ser deflagrada, com grande chance para transformar-se em tragédia, os responsáveis pela casa chamaram a polícia, que veio em peso para dispersar a trupe de brigões e assim, o público presente pode sair em segurança, a deslocar-se à estação Carandiru do Metrô, ou por outros meios, e nós músicos, pudemos também efetuarmos a nossa retirada em segurança, ao deslocarmo-nos mediante nossos instrumentos e equipamentos. Aconteceu no dia 14 de setembro de 1986, um sábado, no "Ácido Plástico", com cerca de duzentas presentes.
Resenha desse show descrito acima, que foi publicada na revista "Metal", em sua edição de número 27
No dia 21 de setembro, visitamos os estúdios da 97 FM, de Santo André-SP e participamos dessa forma, do programa "Riff Raff", em que o seu apresentador, Richard, repercutiu a festa realizada dias antes no exótico programa "Ácido Plástico".
Fora uma outra ação do dinâmico produtor Antonio Celso Barbieri, mas nessa altura, a trabalhar com o Studio V, e a faltar poucos detalhes para assinar e registrar um contrato oficial no cartório, tínhamos que pagar o Barbieri e depois, do nosso líquido, descontar um filão muito robusto para o Studio V. Como as bilheterias do Teatro Mambembe eram sempre excelentes, não sentimos muito o golpe, mas a pensar hoje em dia... que sangria sem sentido, visto que tratava-se de mais um show marcado sem nenhuma interferência da parte deles, para ter concretizado-se.
E como sempre, foi uma noitada sensacional, com casa lotada e muita energia. Lembro-me da presença de Sonia e Toninho nos bastidores e o quanto pareciam eufóricos com aquele sucesso todo que geramos.
No entanto, imprudência a parte, foi sensacional para nós, termos estabelecido tal recorde e tal marca só foi ser suplantada ao final de 1987, pelo "Sepultura", que estava a estourar internacionalmente, e dessa forma, superou-nos com mais de novecentas pessoas presentes ao teatro, inclusive com mais de quinhentas na rua, sem condições para entrarem e ao forçarem a barra para ingressar, gerou tumulto, que teve de ser contido pela ação da Polícia Militar.
Assim como tudo o que estava a acontecer-nos pelas vias naturais, o convite para irmos fazer um show no nordeste do Brasil, também fora espontâneo, fruto de nossos esforços reunidos ao longo de muitos anos de labuta. O Studio V regozijava-se com tais oportunidades, mas a grande verdade, foi que tais conquistas, foram obtidas graças aos nossos próprios méritos e nada que viera de imediato a parte deles. Da parte deles só tínhamos promessas megalomaníacas, proferidas durante as reuniões que promoviam conosco.
Fomos a atração principal do festival, o que honrou-nos, certamente e aos olhos do público piauiense, estávamos ali na condição de uma banda consagrada, como se estivéssemos no mainstream, e claro que isso não correspondia à nossa realidade cotidiana, mas por outro lado, foi para nós, um bom sinal, aliás, mais um, de que estávamos a chegar nesse patamar.
A viagem de ida foi bastante tranquila. Ao viajarmos em duas companhias aéreas que eram ainda bem populares nos anos oitenta, mas que simplesmente não existem mais, fomos na primeira fase da viagem, de São Paulo até Brasília, via Vasp, onde fomos bem tratados, apesar da típica estranheza generalizada à nossa volta, pelo nosso visual que chamava a atenção em um ambiente social avesso ao mundo do Rock, naturalmente.
Claro, o Beto e o Rubens, ambos com gênio mais forte, não engoliram a grosseria como eu, mais monástico que sou, e passaram a viagem toda a fazerem pedidos para as aeromoças, ao enfatizar a questão de se referirem a elas, como "garçonetes", em voz alta, sob uma forma pejorativa para aborrecê-las.
Curiosamente, ela estaria conosco na viagem de volta, no dia seguinte, além de outro artista popular da MPB, de então.
Rapidamente, uma produtora do festival, recebeu-nos no saguão do desembarque do aeroporto, e mediante carriers (ajudantes para carregarem volumes), auxiliou-nos a transportar a nossa bagagem e instrumentos para a velha perua Kombi, a van mais usada no Brasil, até então, e de lá, com muita simpatia, conduziu-nos ao hotel, onde hospedamo-nos.
Nessa altura, já tínhamos em mãos, algumas matérias provenientes de jornais locais, com direito a fotos nossas em destaque, referentes à nossa participação no festival, fora o fato de termos visto muitos cartazes, placas de rua (outdoors) e faixas publicitárias a anunciarem o evento em vários pontos da capital piauiense. Tal produção estava a ser uma das melhores onde "A Chave do Sol" esteve presente. Tudo correu às mil maravilhas no que tangia à organização, isso sem contar o tratamento "vip" com o qual estávamos a sermos agraciados da parte dos produtores do evento.
O hotel onde hospedamo-nos, ostentava quatro estrelas, os restaurantes onde levaram-nos, foram escolhidos a dedo, a apresentar muita qualidade e ao notar que não estávamos acostumados com a alta temperatura local, estabeleceram várias paradas estratégicas em casas de sucos e sorveterias, onde garantiram que hidratássemo-nos adequadamente.
Isso gerou uma euforia fora de propósito e nesse ponto ela passou por nós a fulminar-nos com os seus olhos, ao demonstrar estar bastante contrariada com as brincadeiras do sambista, e a repercussão gerada entre os demais passageiros, que riam às gargalhadas.
Estávamos muito felizes por termos feito o nosso primeiro show fora do Eixo Rio-São Paulo, a expandir fronteiras. Mais que isso, a somatória de boas novidades que tínhamos, pareceu-nos uma verdadeira avalanche, e sem dúvida, isso contaminou a equipe do Studio V, que tratava-nos como uma joia rara, prestes a ser exibida no mercado.
Logicamente, essa euforia toda gerada, teve o poder da retroalimentação e quando reverberava em nós, a voltar com o efeito "boomerang", não havia como também não ficarmos muito excitados com a situação de momento, mas sobretudo, pelas perspectivas ainda melhores que teríamos, muito possivelmente.
Claro, a BMG-Ariola também tinha o seu elenco Rock, assim como a EMI-Odeon (A CBS já possuía o "Inox", uma banda pesada, e isso mostrara-se como um alento para nós), e outras em menor cotação, todavia, a Warner fora o nosso sonho de consumo ilusório, por parecer-nos ser a mais incisiva, desde que o BR-Rock 80's estourara na mídia mainstream, ainda em meados de 1982, para consagrar-nos nos anos posteriores.
O discurso do Miguel era proferido com extrema confiança, a dar a entender, ou melhor, afirmar categoricamente, que o seu contato seria com todas as companhias fonográficas, de onde conhecia todos os seus executivos, diretores de repertório & contratações, além dos próprios presidentes de cada gravadora.
Rita Lee & André Midani, em foto de 1972. Será que essa dupla de amigos do Miguel, e entre si, conspiraria em nosso favor?
Então, a mostrar inteiro controle da situação, por demonstrar ter conhecimento dos meandros das gravadoras majors, ele determinou que a sua secretária, Maria Amélia, anotasse na agenda, a tarefa de ligar para André Midani, o presidente da Warner no Brasil, e que segundo ele, era seu amigo desde o início dos anos sessenta.
Ao alegar conhecer a Rita desde o tempo em que os Mutantes ainda não haviam ficado famosos, ele também mandou que a Maria Amélia anotasse como a sua segunda tarefa na condição de nosso empresário, ligar para a famosa cantora para formular tal pedido, pessoalmente.
Ou seja, como não contaminar-se com a euforia gerada por tal perspectiva auspiciosa? Ao analisar hoje, com a experiência adquirida, mediante três décadas de distanciamento histórico, cabe uma reflexão, no entanto: apesar do Miguel realmente conhecer, e ter intimidade com tais executivos e mandatários de gravadoras, não estaria ele defasado em relação à cena oitentista?
Tudo bem conhecer o André Midani e tomar vinho com ele, mas será que o Miguel sabia sobre quem dava as cartas no mercado e nesse caso, a tratar-se da estética do Pós-Punk, e que produtores como Liminha e Peninha rezavam por tal cartilha, com as bênçãos de Midani?
Acho que ele confiou em demasia em seu prestígio pessoal, que era realmente forte, mas nesse mercado da música, as tendências mudavam muito rapidamente. Sendo volátil ao extremo, se um produtor não acompanha tais mudanças bruscas, fica defasado instantaneamente, e claro que o Miguel perdera o "bonde da história", e raciocinava a sua estratégia baseada no mundo fonográfico e midiático em que tanto lidara, nas décadas de sessenta e setenta e sob o prisma da música Pop (com estreita ligação com o aspecto popularesco, observe-se isso com atenção), ou seja, algo bastante distante do Rock.
Lógico, havia a experiência toda acumulada, com diversas abordagens feitas à gravadoras majors, conselhos de amigos que já habitavam esse patamar, os erros e acertos da Demo-Tape anterior, gravada em abril e também esperávamos pelos conselhos de Miguel, com a sua experiência como radialista e executivo da indústria fonográfica.
Aceito o convite, sabíamos que seria uma oportunidade para alcançarmos uma mega exposição televisiva, portanto algo muito bom para nós, mas não houve nenhuma euforia de nossa parte por conta disso, mesmo por que, teríamos a inglória missão de sermos a "abertura" de uma atração internacional com péssima qualidade artística, e pior ainda, sob uma suprema humilhação, pois a proposta foi para que apresentássemo-nos a dublar.
Ouvimos várias provocações por conta da nossa aparência, principalmente pelas longas cabeleiras setentistas que usávamos e que causavam espécie no ambiente oitentista. Algumas mais abusadas, debocharam de nós a gritar frases, tais como: -"Beatles acabou", -"Led Zeppelin já era", -"John Lennon morreu", e outras colocações de mau gosto, com o intuito de ofender-nos, para estigmatizar-nos como representantes obsoletos de aspectos culturais ultrapassados, a pegar carona em clichês que seguidores da cartilha niilista de 1977, soltaram no mundo, mas no caso dessas menininhas, é evidente que nem sabiam exatamente o que falavam, mas apenas servia-lhes como frases prontas que ouviram ou leram em algum lugar e creio ser desnecessário especular onde e como.
A história tratou de varrer para o ralo uma manifestação sem valor artístico desse porte, e hoje em dia, aquelas meninas vociferantes e imbecilizadas por uma ação viral de superestimação absurda de um artista pré-fabricado, como foi o Menudo, são senhoras de meia-idade e dada a aceleração do processo de perpetuação da espécie que observamos nos dias atuais, não duvido que algumas já sejam vovós.
Evidentemente, resignamo-nos com as provocações, mas o Beto Cruz desconcentrou-se por um momento, quando estávamos quase no fim desse autêntico "corredor polonês" permeado por provocações. Ele parou e a fitar uma adolescente histérica que berrava algo como: -"o sonho já acabou", falou-lhe a seguir de uma forma enfática: -"eu gosto mesmo dos Beatles, por que eles compunham, tocavam e cantavam as suas músicas, muito ao contrário desses chicanos de brinquedo, que vocês gostam"...
Ou seja, brincadeiras a parte, os garotos estavam na deles, e ninguém poderia criticá-los por fazer parte disso, pelo menos até a "página 2" do manual de ética e moral digamos assim.
E por outro aspecto, nada como o tempo para restabelecer a justiça! Vinte e nove anos depois (escrevi este trecho em 2014, mas publico-o "agora", em 2015), e o Led Zeppelin continua lá no panteão dos grandes artistas do século XX, assim como os Beatles, mas... e o Menudo, o que representa na história da música, exatamente?
Superada essa barreira idiotizada, formada por adolescentes abduzidas por marqueteiros/formadores de opinião, entramos enfim no recinto. Produtores do programa conduziram-nos ao camarim, e ali tivemos a constatação de que o tratamento mostrava-se completamente diferenciado entre os artistas hispânicos e as bandas reais.
O Hanoi-Hanoi, em foto promocional dos anos oitenta
Tratava-se da banda do Arnaldo Brandão, ex-baixista da "Bolha", grande banda do Rock brasileiro setentista, além de ter sido também baixista da banda de apoio de Caetano Veloso (e dos "Doces Bárbaros", incluso), ao final dos anos setenta.
O rapaz era o então desconhecido Humberto Gessinger, que devo admitir, era comunicativo e humilde, apesar de que na época, não haveria mesmo nenhum motivo para alguma demonstração de soberba da parte dele, pois a sua banda era apenas emergente na ocasião.
A Chave do Sol no camarim do Teatro Mambembe, em julho de 1986. Da esquerda para a direita: Rubens Gióia (de costas), Beto Cruz, Eliane Daic (nossa produtora executiva na ocasião), eu (Luiz Domingues), o produtor musical, Antonio Celso Barbieri (encoberto), e um rapaz não identificado (de costas). Foto: Maurício Abões
Um embuste daqueles, a fazer aquele sucesso massivo, foi uma prova cabal disso tudo que eu salientei no parágrafo anterior, mas muito pior, foi gerar a opinião errônea de que o sucesso popular seria um sinal de qualidade.
Enfim, constatações a parte, sobre como funciona o mundo obscuro do show business, a realidade mostrava-se essa ali nos bastidores: um camarim simples para nós, com apenas água disponível e para os grandes astros hispânicos, todos os outros camarins reservados, pleno de mordomias.
Ao contrário do Hanoi-Hanoi que detinha um visual modernoso e compatível aos anos oitenta, e do Engenheiros do Hawaí que apresentara-se de uma forma despojada e ainda não eram famosos no mainstream, a nossa banda tinha visual setentista, e odiado naquela década, marcada pelas ideias niilistas.
A julgar pela reação hostil que tivéramos na entrada do Anhembi, e relatada nos parágrafos anteriores, esperávamos uma reação muito pior, com uma vaia mastodôntica, seguida de insultos, impropérios e quiçá, arremesso de objetos contra o palco. Então, a produção veio solicitar a nossa presença no palco.
Voltamos ao camarim, despedimo-nos da produção e partimos, não sem antes verificarmos, en passant, todo o embalo que estava a ocorrer no camarim dos hispânicos, com a farra a toda intensidade, a julgar pelos berros ouvidos vindos dali, com forte sotaque castellaño. Claro que partimos a seguir, sem nenhuma intenção de assistir a "apresentação" dos grandes astros.
Gravamos a nossa aparição em uma humilde fita VHS, no dia de sua veiculação, no sábado posterior, mas essa fita desapareceu, lamentavelmente, para entrar na triste contabilidade que aponta termos perdido mais da metade do material de TV que fizemos nos anos todos de existência da nossa banda.
Contudo, atormentava-nos a perspectiva a dar conta de que estar em um show de Punk-Rock, na casa de shows, "Madame Satã", ali na metade dos anos 1980, seria um exercício de extremo perigo para Hippies defasados, cabeludos em geral e pior, possivelmente confundidos como "headbangers", ou "metaleiros", como rezava o estigma tupiniquim da época.
A fachada da casa de espetáculos, Madame Satã, localizada no bairro do Bexiga, em São Paulo e um templo das manifestações Pós-Punk, nos anos oitenta.
Para estacionar o carro nas imediações e caminharmos até o estabelecimento, já seria uma situação bastante perigosa. Entrar na casa, também não seria recomendável, personas non gratas que éramos naquele ambiente oitentista hostil ao extremo. Ponderamos, no entanto, que não poderíamos perder a ocasião, não só pela estratégia em sermos vistos, pelos formadores de opinião, mas também por uma questão de educação e gentileza aos "Inocentes", que foram de fato, muito simpáticos para conosco.
Fomos então. Vestimo-nos condizentemente para um cocktail badalado e sob motivação Rocker, mas sem exagerar no figurino. Não usar nada anacrônico que estigmatizasse-nos com as décadas de 1960 e 1970, sem dúvida alguma, e muito menos deixar margem à interpretação errônea de que éramos "metaleiros".
Fomos hostilizados, mas bem "suavemente", eu diria, pois foram apenas alguns esbarrões "sem querer/propositais", cochichos, gente a apontar para nós, alguns a debochar e rir... mas nada que indignou-nos fortemente.
Para aproveitar a deixa dessa lembrança, conto mais uma ação da banda nesse mesmo sentido em interagir com forças antagônicas aos nossos ideais: um outro amigo que tínhamos no patamar de cima da música, Charles Gavin, convidou-nos a assistir um show dos "Titãs" quando supostamente poderíamos sermos vistos" nos lugares certos, nas horas certas...
Fomos então em uma noite de quinta-feira (não tenho tal certeza, mas creio que foi nesse dia da semana, mesmo), assistir o show dos Titãs no salão de festas do Clube Tietê, um clube que era muito tradicional na cidade de São Paulo e de fato, localizado às margens do Rio Tietê, na altura da Ponte das Bandeiras, no Bom Retiro, bairro central de São Paulo.
Infelizmente, não pudemos comparecer aos bastidores como o Charles desejara, pois algo desagradável aconteceu. Mas claro que valorizávamos muito o fato dele estar imbuído de toda a boa vontade em ofertar-nos a sua sincera ajuda, e tentar assim, puxar-nos para o patamar de cima do Rock mainstream.
Não houve um ataque direto, mas assim que o show começou, postaram-se a envolver-nos sutilmente, com a deliberada intenção em jogar-nos dentro da infame "roda de pogo" e ali, a usar da desfaçatez por ser supostamente um jogo bruto, porém lúdico do universo da cultura Punk, contudo, o real objetivo seria mesmo agredir-nos. Colocamo-nos a observar a aproximação gradual dessa horda, quando chegou-se em um ponto, onde tornara-se insustentável permanecer no salão.
Lembro-me bem em ter sido empurrado bruscamente pelo Beto, em um determinado instante, por que um sujeito passou muito perto de minha presença, naquele movimento que lembrava uma incorporação mediúnica, mas na verdade, o energúmeno teve a intenção de aplicar-me um "cruzado de esquerda" típico do pugilismo, mas sem a devida nobreza do espírito esportivo, digamos assim.
Ainda a falar sobre ocasiões sociais em que inserimo-nos, finalmente o Studio V colocou-nos em uma situação desse nível, mas produzida por eles. Antes de falar sobre isso, é preciso no entanto, retroagir um pouco na cronologia. Quando fomos abordados pela primeira vez e disseram-nos que haviam outros artistas de outras correntes musicais, contratados pelo estúdio, na verdade, não havia ninguém.
Nós estávamos esperançosos que o Studio V proporcionasse-nos uma abertura grande, mas não seria por conta disso, a não ser que tivessem contratado um astro de real grandeza da música pop. Neste caso, quem seria? Rod Stewart? Elton John? Tom Jones?
Então, eis que surge a figura de um cantor português chamado, Michael Olivier (peço perdão ao leitor, mas não há uma linha sequer sobre esse artista na Internet, portanto, fico a dever fotos ou maiores esclarecimentos sobre a sua carreira).
Figura espalhafatosa e engraçada pelos trejeitos e maneirismos histriônicos, este senhor chegou ao casarão com bastante soberba, a falar de sua carreira internacional, shows realizados em cassinos europeus famosos, casas noturnas badaladas do Jet Set daquele continente etc.
A julgar pela produção de áudio, estética e nível artístico dos compactos simples que mostrou-nos entre os lançamentos de sua discografia, foi mesmo muito difícil acreditar que esse artista beneficiar-nos-ia em algum aspecto.
O tal Oliver, era também engraçado, não posso negar. A sua arrogância patética, aliada ao sotaque lusitano castiço, bem carregado, e sob trejeitos efeminados, provocou uma série de situações muito engraçadas nos bastidores do casarão do Studio V.
Certa vez, ele entrou no estúdio com uma revista "Playboy", em mãos e ao exibir-nos o poster da garota do mês, executou a seguir uma performance "sensual", a dançar de forma lasciva e feminina, para provar-nos que ele seria "muito melhor" que ela, a peladona da revista e saiu aos gritos, a afirmar categoricamente que ele era mesmo, melhor. Foi difícil voltar a ensaiar depois disso, dada a epidemia de gargalhadas que tal ato patético, gerou.
Ele tinha duas filhas, que eram jovens e muito bonitas. Faziam Backing Vocals nas apresentações do pai, mas nitidamente as belas raparigas portuguesinhas sentiam vergonha de seus excessos. Então, feito esse aparte retroativo, volto ao início dessa etapa da narrativa, quando mencionei um acontecimento social perpetrado pelo Studio V, onde fomos inseridos a participar.
Sonia produziu um cocktail para anunciar publicamente o cantor lusitano, como o novo contratado da produtora, e lá fomos nós ao Caesar Palace Hotel, um estabelecimento de luxo, localizado na Rua Augusta, próximo ao cruzamento com a Avenida Paulista, para participarmos do evento.
Contudo, a apresentação do cantor, acompanhado por suas filhas, foi bastante constrangedora. Primeiro por que foi na base do "playback". O segundo ponto negativo, pela ausência de um palco propriamente dito, mas na verdade ao constituir-se de um praticável minúsculo, talvez conveniente para um discurso de um palestrante, apenas, mas ridículo para uma apresentação musical, mesmo informal, e sob tais condições em termos de playback.
O grande, Agildo Ribeiro: ator/comediante/redator de humor e apresentador de TV
Pouco tempo depois, contratariam um outro artista, este não da área musical, mas pelo menos muito mais categorizado e famoso, com seus muitos méritos. Desta feita, porém, ficou claro que este ator/comediante seria tratado como a estrela da companhia.
Sobre a gravação da Demo, ela foi feita sob um clima de muita tranquilidade e descontração. Primeiro, por que a ideia em termos tempo livre, foi algo sensacional e inédito, pois os dois discos anteriores, e as três demos que fizemos (as de 1983 e 1984, absolutamente caseiras, portanto tivemos tempo, mas trabalhamos sob condições precárias, sem a estrutura de um estúdio profissional), foram com os olhos atentos aos ponteiros do relógio, que insistiam em voar.
A metodologia de gravação foi diferente, portanto. Com mais tempo para trabalhar, gravamos no método tradicional do "um-por-vez". Particularmente, gosto mais dessa estratégia, pois evita climas psicológicos decorrentes da pressão de se gravar mais de um instrumento ao mesmo tempo e portanto, uma possível irritabilidade ser gerada com os erros, uns dos outros, a postergar o trabalho e obrigar a banda a realizar muitas tomadas.
Abaixo, "Sun City", nessa versão de outubro de 1986.
https://www.youtube.com/watch?v=8wAxNoyMEf8
Sobre "O Que Será de Todas as Crianças?" o andamento foi executado um pouco mais para trás, entretanto, ainda muito rápido no meu entendimento. Na época, achava-o empolgante, mas hoje eu penso que foi o fator que inviabilizou a canção, comercialmente a falar. Mais lenta, ficaria sem o ranço "Heavy-Metal" do Riff inicial, muito acelerado, e resultaria em mais balanço maior nas partes A e B, mas sobretudo no refrão, a dita parte C da canção.
https://www.youtube.com/watch?v=STAy5CnJKqQ
Em "Saudade", o Rubens acrescentou um belo contra-solo inicial em dueto, a enriquecer muito a canção, sem dúvida, além dos Backing Vocals que acho que ficaram mais caprichados. Há um excesso de Flanger geral na bateria, após o solo. Eu teria deixado nos pratos apenas, e em poucos trechos, não o tempo todo, a pensar hoje em dia.
http://www.youtube.com/watch?v=ahPbnBv4Tds
Sobre "Solange", o arranjo seguiu, ipsis litteris, baseado na versão de abril. E mais uma vez, o solo foi feito pelo Beto, a usar uma guitarra, Gibson Les Paul. Acho que tem uma falha terrível, no entanto, no "fade out" do solo, a cair muito bruscamente e assim ter motivado a perda do último harmônico, da nota executada.
Abaixo, o link para ouvir "Solange", nessa versão de outubro de 1986.
https://www.youtube.com/watch?v=41mO3FoDAQ
Cáspite! Os quatro componentes da banda, mais o técnico... milhares de audições em cada fase do processo, a mixagem inteira, e isso não foi notado? Inacreditável!
No caso de "Desilusões", a aposta no Pop, via "Rádio Táxi", foi visível. Mas mesmo assim, um maneirismo não detectado na época, causa-nos uma contradição. Se em "Saudade", simplificamos muito a cozinha, ao tocar de forma reta, nesta canção, há um excesso de quebradeiras, um resquício de nossas influências do Jazz-Rock.
http://www.youtube.com/watch?v=fbRr8Wey21Q
Ainda sobre "Desilusões", essa canção, a despeito desse título que a denunciava como clara tentativa para buscar-se a via "romântica", ela possui uma melodia agradável mediante o seu potencial Pop, por conseguinte. Gosto de algumas passagens desdobradas, onde há uma inserção que lembra vagamente a psicodelia sessentista, que é muito interessante. Mas claro que foi apenas uma coincidência, pois a despeito de eu amar a psicodelia sessentista, nem eu cogitaria buscar tal opção de caminho, ali no meio dos anos oitenta, quando esse tipo de manifestação seria passível da fogueira, sob condenação certa por parte da "inquisição" nillista dos Post-Punkers...
http://www.youtube.com/watch?v=Y1Ds3TxzvX4
Abaixo, o link para escutar a Demo Tape gravada em outubro de 1986, na íntegra.
http://www.youtube.com/watch?v=fMC3K4z9I-s
Em
"Trago Você em Meu Coração", enveredamos pelo estilo do Hard-Rock
oitentista. Parece bastante com o trabalho do "Whitesnake", quando essa
banda britânica também buscou tal caminho de modernização de seu som, na
mesma época, e esta fora uma espécie de farol internacional a ser
seguido, naturalmente, pois a nossa similaridade com tal banda, residira
no histórico semelhante, isto é, éramos também uma banda nascida sob
padrões setentistas, mas a procurar uma adequação ao mercado, e assim,
tentávamos mudanças, como eles também haviam passado pelo mesmo
processo, ao tentar sobreviver em meio ao ambiente oitentista hostil.
Sobre o teor das letras, todas as canções, com exceção de "Sun City" e "O Que Será de Todas as Crianças?" foram músicas que usaram motivação romântica a explorar os meandros clássicos da relação Homem-Mulher, portanto, a aproximação que estabelecemos com bandas como o Rádio Táxi, por exemplo, que usava e abusava de tal expediente, poderia ser muito perigoso para a nossa imagem.
Recentemente, ao ler comentários da parte de usuários do canal YouTube, na postagem da música, "Solange", um rapaz desconhecido declarou que conhecera a banda há pouco tempo, e estava a gostar por conhecer o nosso trabalho, mas achava as letras muito próximas do "sertanejo" em voga, dos anos 2000.
De fato, ele foi bastante complacente, mas espelhou a verdade, pois realmente, tais canções dessa fase da nossa banda, safra de 1986/1987, de nossa produção, são exageradamente populares e melosas. Se ao menos tivéssemos alcançado o sucesso retumbante no patamar mainstream, justificar-se-iam, mas é curioso ouvi-las sob tal perspectiva de que a banda não atingiu o que aspirara naquela época e sob tal parâmetro do que havíamos produzido anteriormente, de certa forma maculam a imagem da nossa obra pregressa, principalmente dos primórdios da banda em 1982/1983.
A respeito do áudio, acho que a condição melhor do estúdio mais
novo e dotado por um equipamento superior ao anterior, que usamos para
gravar a Demo-Tape de abril, não ajudou-nos decisivamente a termos um
produto mais bem acabado, em mãos.
Nem mesmo a atenção do técnico, Clóvis, sempre solícito para conosco, além do advento de contarmos com um tempo hábil absolutamente livre, infinitamente mais elástico do que tivéramos em relação à gravação da Demo-Tape anterior, a motivar que caprichássemos mais, evitou erros que havíamos cometido na oportunidade anterior.
A grosso modo, a mixagem geral das quatro músicas, ficou muito estridente, com excesso absurdo de agudos. Mediante vozes e guitarras muito altas, perdeu-se a definição do baixo, e consequentemente, o apoio dos graves em geral, incluso o bumbo da bateria.
Em alguns momentos, chega a irritar os solos altos em demasia, somados aos agudos estridentes e o mesmo em relação à voz. Faltou peso no bumbo da bateria, com pratos e chimbau a prevalecerem.
Também acho que a concepção das linhas melódicas (que são boas, pois o Beto foi bastante criativo ao concebê-las), prejudicou-se com o registro muito alto para a sua voz. Ao começar a parte "A", já bem alto no alcance vocal da oitava, quando chegava-se ao ápice do refrão, ele subiu ainda mais, e assim a extrair muito do potencial que as músicas teriam, se cantadas em um tom mais baixo.
Outro erro, ao meu ver, foi a pouca
utilização de Backing Vocals. É bem verdade, que nesse quesito, o Beto
exortava-nos muito a empreendermos mais participações vocais e assim
encorparmos a vocalização da banda, como consequência. Ele tinha razão,
certamente, pois teria ficado muito melhor se tivéssemos participado
mais desse detalhe, no arranjo.
De minha parte, a minha relutância em cantar, foi por dois motivos:
1) Achava (ainda acho) que minha voz tinha timbre feio.
2) Não
queria ficar preso em um pedestal de microfone para ter que cantar durante o
show inteiro, pois eu privilegiava (e valorizava) a movimentação frenética, no mise-en-scène de palco.
Só a
partir do projeto, "Sidharta", em 1997, forcei-me a cantar com
regularidade, e depois já com a "Patrulha do Espaço", de 1999 em diante, foi que eu tomei o
gosto por fazer Backing Vocals com regularidade e de fato, melhorei
muito nesse sentido.
Mas calma, leitor, estou a descrever sobre os aspectos negativos dessa Demo-Tape, para ser muito sincero e dessa forma, a minha autobiografia ter senso crítico, assegurado. No entanto, é claro que também existem os aspectos positivos dessa gravação.
Pequenos erros a parte, as canções contém os seus méritos musicais e no quesito das letras, duas pelo menos, também são apresentáveis, embora questionáveis em alguns aspectos ("Sun City", por exemplo, "se auto carimbou", ao se datar).
São melodias e riffs com bom nível e solos, sem concessões, a deixar a marca Rocker sob um contraponto com o Pop. A cozinha bem tocada e mesmo nos momentos comedidos, saliente etc.
Lamento mesmo o excesso de agudo, na mixagem final e a voz exageradamente alta, que incomoda-me, em alguns momentos. A ideia do técnico, Clóvis, e nossa também, pelo objetivo que almejávamos com esse trabalho, foi nutrida pela concepção de se alcançar o clássico padrão da MPB tradicional, onde a voz do cantor principal é colocada absurdamente alta, a privilegiar a cultura tupiniquim de se valorizar a melodia e a interpretação de cantores, e tratar todo o arranjo instrumental como algo secundário, ou para usar a palavra usada popularmente, como um mero "acompanhamento". Ou seja, o detalhe para dar suporte para cantores.
Tudo bem, como eu já disse, tal prerrogativa fora uma tática para buscarmos uma vaga no patamar mainstream da música, porém, no caso dessa Demo-Tape em específico, acho que exageramos na dose.
Claro que esta minha análise, feita tantos anos
depois, tem o peso da experiência adquirida e o distanciamento
histórico o suficiente para enxergar com maior clareza os fatos. Mas no
momento em que ficou pronta essa fita, nada disso ocorreu-nos, e
achávamos que tínhamos um produto bom em mãos, e por conseguinte, pronto
para servir-nos como cartão de visitas do nosso trabalho, graças aos
esforços do Studio V, para colocar-nos dentro do elenco de uma gravadora
major e fim de conversa... e não diga, não!
Outra proposta para um show, surgira, oriunda de um contato proveniente do nosso mundo Rocker, do underground. Tínhamos um novo compromisso a cumprir, mesmo com as nossas atenções voltadas à produção da Demo-Tape em estúdio.
Desta feita, seria uma nova
participação em mais um festival, nos moldes mais ou menos do que
fizéramos em agosto, por conta do evento batizado como: "Baila Bala na
Baleia". Esse, chamou-se: "Outubro Music Festival" e teve também a
proposta de ser híbrido, a misturar bandas da cena Pós-Punk, com bandas
Hard-Rock.
Nesse contexto, tocaríamos com o "Golpe de Estado", como exemplo de banda mais pesada e ligada ao tradicionalismo pré-1977, e do lado dos Post-Punkers, bandas como: "Vultos", "Ghetto" e "Prysma".
É verdade, no entanto, que muito da animosidade da estética Pós-Punk, estava a arrefecer-se no caminhar da segunda metade da década de oitenta. A agressividade arrogante das bandas que fizeram tal estética prevalecer no início da década de oitenta, estava a diluir-se através de uma nova safra, que ainda era oriunda dessa tendência, mas apresentava mais docilidade e preocupação em ater-se à parte musical, com um pouco mais de afinco, para deixar de lado a tosquice punk e a sua inerente ruindade musical indecente, que norteara os seus inspiradores mais remotos, ou seja, os punks de 1977.
Bandas como as que tocariam nesse festival, e
posso acrescentar nesse bojo, o "Muzak", "Nau" e até o "Violeta de
Outono" (que na verdade era uma banda psicodélica sessentista, até a sua
medula, mas nessa época, camuflava-se como uma banda Pós-Punk moderna,
para sobreviver nesse meio), são exemplos de como tal cena também estava
em processo de mudança, mesmo que ainda fosse algo sutil, quase
imperceptível.
Fez um frio considerável naquela noite, apesar de já estarmos na primavera e embora não tenha tido a mesma organização e as atrações extra musicais do outro festival em que participáramos ("Baila Bala na Baleia", em agosto), este atraiu um público razoável em suas dependências bucólicas, e geladas pelas circunstâncias daquela noite.
A nossa performance foi excelente. Estávamos muito afiados, empolgados com as perspectivas etc.
Sonia e Toninho também estiveram presentes nessa noitada e mais uma vez impressionaram-se com a nossa energia, e a reação do público, que foi ótima, apesar de ter sido híbrido em essência, como já observei, e por isso, ao existir ali, gente não exatamente simpática para com o som de bandas tradicionalistas, como nós e o Golpe de Estado.
Não teríamos mais shows em outubro e o mês de novembro também não previa mais nenhum compromisso agendado, mas por outro lado, seria um mês muito intenso para a nossa banda, com muitos acontecimentos a histórias a serem geradas. Então, para fechar o mês de outubro, ainda tenho um fato a narrar.
Como última ocorrência a relatar sobre o mês de outubro de 1986, cito o lançamento de mais uma edição do fanzine do nosso Fã Clube, desta vez, em sua edição de número seis. Nesta altura, já tínhamos a estrutura do Studio V, e nosso roadie, Eduardo Russomano, a trabalhar conosco, também nos afazeres do fã-clube. Portanto, ele colaborou bastante na elaboração deste número, mas a despeito disso, nada avançamos em relação ao lay-out do jornal.
Esperávamos uma avanço nesse sentido, com o Studio V a auxiliar-nos para que usássemos um serviço de copy-desk profissional, quiçá para ser rodado em gráfica, com a qualidade a ser oferecida aos nossos associados, infinitamente superior, mas a Sonia alegou que não seria o momento para dar-se esse salto, mas que no futuro, certamente que realizar-se-ia como uma necessidade premente aos planos de expansão da banda... claro, claro... portanto, o jornal saiu nos mesmos moldes caseiros e bem simples, com o qual estávamos habituados a prepará-lo para distribuir aos nossos fã/associados
Talvez a única novidade, tenha sido a inclusão do logotipo do Studio V na capa do jornal, como uma marca de nossa ligação profissional com tal produtora, mas quase três décadas depois (escrevi este trecho em 2015, portanto, vinte e nove anos distante do fato que narro), chega a ser irônico constatar que o escritório prometia-nos "mundos & fundos", entretanto, na prática, nós é que o promovíamos, com nossos parcos recursos.
Sobre o jornal em si, logo no primeiro box, anunciamos
justamente a nossa união com tal produtora.
1) Chave
Empresário - Em tom solene, alardeamos que trabalharíamos com
empresários sob um "alto gabarito", ao citá-los nominalmente, inclusive, com o acréscimo de um
elemento que não fora muito presente nesses primeiros meses em que
ficamos associados ao escritório, mas que a partir de dezembro, tornar-se-ia
mais próximo, o publicitário, Arnaldo Trindade.
2) TV -
Falamos sobre o comercial da "Mesbla Alternativa", que Rubens, Beto e Zé
Luiz haviam feito meses atrás, e a aparição em um programa jornalístico da
TV Pioneira (afiliada da TV Bandeirantes), em Teresina, Piauí.
3) Rádio -
Comentamos sobre a sétima vez em que participamos do programa, "Balancê", da
Rádio Globo/Excelsior de São Paulo. E nessa altura, este já não contava com a
apresentação de Fausto Silva, mas de Oscar Ulysses, locutor esportivo
que despontava na época - hoje é bem famoso em São Paulo- e irmão do
também famoso, Osmar Santos).
Citamos o fato de que a música veiculada
na entrevista, fora "Saudade", a demonstrar que as canções novas da
demo-tape norteavam os nossos esforços para empreender a massificação naquele instante. No
programa de Sonia Abrão, na Rádio Tupi, tocamos "Sun City". No Riff
Raff, programa pesado da 97 FM, demo-nos ao luxo de executar três
músicas extraídas de uma fita K7, de um show ao vivo: "Pesadelos",
"Ufos" e "Que Falta me Faz Baby", ao denotar uma intenção em soar mais
pesado aos ouvintes mais fechados em um nicho específico. E a entrevista
na emissora, Poty FM de Teresina, a dar ênfase à nossa primeira visita ao
Nordeste do Brasil.
5) Repertório - Falávamos sobre o fechamento de novas músicas, a destacar-se, "Pesadelos", uma música pesada que não constou da nova demo e não figurou muito do set list dos shows ao vivo, posteriormente, além de "Desilusões", que fez parte da nova demo e a considerávamos "com balanço", e "Lírio de um Pantanal", que acabou por tornar-se uma das mais queridas do público, e justificou-se tal sucesso quando foi incluída no LP "The Key", que gravaríamos no ano de 1987.
6) Fofoca - Mais demonstrações de bravatas ao estilo, "Zeca Jagger", a enfocar os componentes da banda em situações extra-musicais, principalmente: Beto andara em uma limusine quando de sua viagem à Nova York, no primeiro semestre, Rubens estava para anunciar a aquisição de mais uma guitarra e eu, Luiz, frequentava shows de Rock de outras bandas. Zé Luiz, bem mais modesto nesta sessão glamorosa, arrebentava em sua nova atividade paralela como professor de bateria, e os quatro, juntos, foram juntos à exposição de Salvador Dali, no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo). Foi tudo verdade, ainda que eu glamorizasse, a aumentar certas nuances...
7) Shows que rolaram - Uma geral sobre os shows que fizéramos de julho até ali, e já relatados aqui.
8) Fãs - Mais fãs que enviavam-nos solicitações de amizade com outros fãs, e seus respectivos endereços residenciais para receber correspondência.
9)
Perfil de Chave - A sessão criada para trazer mais particularidades de
cada membro da banda, apresentou desta vez, o Beto Cruz, como enfocado
da edição. Falamos sobre sua viagem à Nova York, e os shows que lá
assistira, ao lado dos músicos da banda brasileira, "Cérbero", que lá
estavam a tentar a sorte, bravamente, no mercado musical norte-americano.
Sobre os shows, Beto de fato foi acompanhado desses rapazes do Cérbero,
quando comparecem juntos aos shows de bandas norte-americanas pesadas
como "Raven" e "Anvil". Falamos também sobre equipamentos que ele trouxe
da América do Norte.
10)
Fã-Clubes - Tradicional seção onde destacávamos a colaboração de alguns
fã- clubes e fanzines que apoiavam-nos, e ao divulgarmos os seus
respectivos endereços postais, retribuíamos a gentileza. Predominavam
fã-clubes de Heavy-Metal, como a "Associação Demolition", que mediante
tal denominação, poderia ser confundida com uma empresa de demolições
prediais
E
assim, ficou o conteúdo desse fanzine número seis, lançado em outubro
de 1986. Ainda bem modesto em seu lay-out, mas escrito e produzido sob
intensa euforia, de nossa parte. Eu escrevi todo o texto, e Zé Luiz mais
uma vez cuidou do lay-out geral, mas com a providencial ajuda do
Eduardo Russomano, nosso funcionário a auxiliar-nos bastante.
Um toque
subliminar, salta-me aos olhos, por explicar fatos desagradáveis que
aconteceriam muitos meses depois, na metade de 1987: o fato do Zé Luiz,
mesmo a estar empolgadíssimo como todos nós estávamos, ter anunciado
estar a ministrar aulas particulares, demonstrou que houvera uma pressão
familiar, que pesara-lhe nos ombros. A necessidade de ganhar dinheiro,
mais rapidamente do que achávamos que iríamos ganhar com um "quase
certo" estouro na carreira, obrigou-lhe a tomar tal providência. Não
havia nada de errado nisso, a priori, mas pareceu um prenúncio de que a
nossa euforia quebrar-se-ia, a seguir...
Quando novembro chegou, a nossa primavera não poderia estar mais florida. Com a nova demo-tape finalizada, assim como o material gráfico e fotográfico, agora estava nas mãos do Miguel, tomar as providências cabíveis para que nós mudássemos de vida, ou para dizer melhor, começássemos a mudar, de fato. Ele certamente tomou as suas providências, e assim, os tais telefonemas estratégicos que havia arrolado em sua agenda, foram efetuados.
A primeira investida dele foi com Rita Lee, conforme concordamos em comum acordo. Entretanto, não foi na primeira tentativa que ele conseguiu lograr êxito, ao ter que suportar uma sucessiva postergação da parte da "Rainha do Rock", para atendê-lo.
Foram diversos telefonemas realizados, e sempre a esbarrar no filtro de uma assessora/produtora, e nunca a falar diretamente com a ruiva.
Até que enfim, ele conseguiu que Rita retornasse-lhe em pessoa, mas a resposta que ela lhe forneceu, o frustrou e logicamente à todos nós, por conseguinte. Ao alegar estar em um momento difícil, com a recente perda de sua mãe, disse estar sem ânimo para fazer nada, e que sua carreira estava em estado de suspensão, até segunda ordem, por motivo de luto. Bem, tal justificativa para não auxiliar-nos naquele instante dos anos oitenta, foi justo, logicamente.
Visto
pelo lado prático, lamentamos, pois ela mantinha um prestígio midiático e
popular, enorme. Portanto, a sua intervenção, como
boa vendedora de discos que era naquele ponto, teria sido um reforço e
tanto para as nossas pretensões.
Sem Rita como madrinha, partiríamos para o "plano B", de pronto, no entanto, Miguel mudou a sua estratégia, e assim decidiu abordar, André Midani, diretamente ao temer que pudéssemos perder ainda mais tempo, se Erasmo Carlos também demorasse a pronunciar-se, para definir se aceitaria ou não, apadrinhar-nos.
Então, ao ligar para o mandatário
máximo da Warner no Brasil, ele agendou encontro da banda com ele, quando o
material seria analisado, enfim. Empolgadíssimos ficamos, é claro...
Após diversas tentativas que fizéramos, desde 1984, e ao errarmos na abordagem, é bem verdade, finalmente chegaríamos com um material em condições, e agora, com uma mão pesada a introduzir-nos, na figura de um empresário com entrada nos bastidores da mídia e indústria fonográfica.
Mais que isso, Miguel era amigo pessoal de Midani, e certamente que tal fator seria um agente facilitador nesse processo em prol de nossa admissão, enfim, em uma gravadora multinacional de grande porte. Estaríamos com grande possibilidade para adentrarmos uma gravadora multinacional, finalmente?
Foi o que nós dimensionamos e logicamente, tal perspectiva contagiou-nos de uma forma contundente, eu diria. Como não acreditar que nossa hora chegara, ante tantas evidências alvissareiras?
Então, Miguel deu ordens para Sonia e Toninho preparar
toda a logística de nossa ida ao Rio de Janeiro. A ideia seria Sonia e
Toninho acompanhar-nos nessa missão, e dessa forma, a viagem foi
planejada.
A viagem ocorreu logo após o feriado de finados, e nessa comitiva, além dos componentes da banda, seguiram juntos, Sonia & Toninho. O fato de nós irmos juntos aos nossos representantes, decorria da possibilidade da primeira abordagem gerar uma "queima de etapas", dada a amizade entre Miguel e André, portanto, seria muito possível que convocassem-nos para uma abordagem direta, e nós estaríamos a postos, in loco, no Rio de Janeiro.
Seguimos em dois carros (o do Rubens, e o do Beto),
divididos em dois trios. O casal de produtores seguiu com o Rubens e no
carro do Beto, seguimos juntos, eu e Zé Luiz.
O nosso primeiro erro nessa comitiva, foi marcado pela imprudência. De forma infantil, não consideramos que poderíamos nos perdermos um do outro durante o trajeto, no comboio que pretendíamos estabelecer.
Um reles pedaço de papel teria evitado um imbróglio, mas ninguém pensou nessa medida de segurança, e o pior aconteceu. Bem, quando saímos em comboio do escritório do Studio V, somente a Sonia possuía o endereço e o telefone do Apart-Hotel onde hospedar-nos-íamos.
Na ingênua ilusão de que os passageiros de um carro não perderiam os outros de vista, durante o percurso São Paulo/Rio de Janeiro, ninguém teve a ideia prudente de copiar tais dados em um reles pedaço de papel de rascunho, ou seja, uma medida básica de segurança que qualquer criança que participa de uma excursão escolar, adota.
Em 1986, claro que ninguém sonhava com telefones celulares, portanto, em algum ponto da estrada, o Gol GT do Rubens, sumiu de nossa visão, que estávamos a bordo do Opala azul do Beto. Parar em algum posto de gasolina e ligar para o escritório do Studio V, em São Paulo, pareceu-nos ser a única providência cabível naquele momento.
A esperança seria que alguém de lá informasse-nos o endereço da nossa hospedagem, ou mesmo que a Sonia tivesse ligado também, com o mesmo intuito. Ocorreu que realmente nós tentamos tal expediente, mas nesse horário mais avançado, obviamente que não havia mais ninguém no escritório.
Saíramos de São Paulo, após o horário do
"rush" e quando percebemos que havíamos perdido o carro do Rubens de
nosso alcance visual, já apresentava-se um horário inconveniente para
abordagens. A nossa última esperança seria a de que o carro do Rubens
estivesse parado em algum posto rodoviário, por motivo de segurança, ao
esperar que passássemos. Continuamos a rodar em direção ao Rio, com essa
esperança ínfima e o nosso único apoio concreto, foi uma pálida
lembrança de que Sonia dissera-nos que ficaríamos em um Apart-Hotel,
localizado na Avenida Sernambetiba, no bairro da Barra da Tijuca.
Vista
da Avenida Sernambetiba, na Barra da Tijuca, zona sul do Rio de
Janeiro. Seria como procurar uma agulha no palheiro, sem o correto
número do estabelecimento, que buscávamos...
Com
essa pálida pista que dispúnhamos, seguimos para o Rio.
É lógico, mesmo naquela época, já existiam muitos estabelecimentos dessa ordem em tal avenida beira-mar, daquele bairro carioca da zona sul. Seria uma loucura procurar um por um, na alta madrugada, e diante desse cansaço iminente, rendemo-nos às evidências e resolvemos dormir no carro, com a determinação de que na manhã seguinte, teríamos a informação do paradeiro dos demais membros de nossa comitiva.
Sabíamos de antemão que a
reunião com Midani na sede da gravadora Warner, estava marcada para o período da tarde,
às 14 horas. Portanto, certamente que encontrar-nos-íamos com eles,
muito antes desse horário determinado.
E assim foi quando finalmente ao ligarmos para São Paulo, soubemos que Sonia ligara e ao demonstrar grande preocupação, deixara a incumbência para Maria Amélia, a secretária do Studio V, passar-nos as coordenadas e também ser avisada imediatamente sobre o nosso paradeiro.
Susto dizimado da parte de todos (pois claro que também cogitamos acidentes, violência urbana ou problemas mecânicos do automóvel para eles, também), finalmente soubemos que os três esperavam-nos em um restaurante do bairro do Leblon, o La Mole.
Fácil de achar-se, fomos para lá e finalmente todo o temor e aborrecimento decorrente dessa confusão encerrou-se, com direito a muitas piadas sobre o ocorrido, além de acusações contra o Rubens, que gostava de pressionar o seu pé contra o acelerador, e daí, possivelmente ter causado o imbróglio todo. Mas não fora verdade, totalmente, pois a falta de um mísero papel de anotação com o endereço do apart-hotel, teria poupado-nos disso. Fora o fato de que ficamos sem dormir decentemente e tomarmos banho. Se chamassem-nos para uma reunião de súbito, somente o Rubens estaria apresentável, portanto.
Angústias e
brincadeiras a parte, estávamos muito contentes com a perspectiva da
reunião marcada para as 14:00 horas e quando reunimo-nos com Rubens e
nossos representantes do Studio V, essa foi a tônica entre todos,
durante o almoço. Dali seguimos para a sede da Warner, no Jardim Botânico, bairro próximo.
Geralmente a alegar tempo escasso, o normal teria sido uma conversa muito superficial sobre os atributos do artista oferecido em questão e a entrega do material para ser analisado a posteriori. O fato disso ser feito em uma reunião agendada, poderia ter sido considerado um grande avanço nesse meio, pois o grosso dos artistas aspirantes, nem chega nesse passo e ao deixarem os seus materiais na portaria de tais instituições, depositavam nessa incerta predisposição, todos os seus sonhos, e nesse caso, a realidade seria a de que a chance de tal material chegar à mesa de um avaliador, fosse tão ou mais difícil que a análise combinatória de um jogo de loteria em relação ao bilhete sorteado.
Portanto, essa fora de longe, a mais concreta chance que tivemos, ao comparar-se com as vãs tentativas que efetuáramos anteriormente. Quando Sonia e Toninho deixaram a sede da gravadora e encontrou-nos na rua, aproximaram-se a sorrir e assim a demonstrar grande entusiasmo para relatar-nos como fora a conversa com Midani.
Bem, segundo Sonia, o Midani, fora muito receptivo, e além de ouvir atentamente a argumentação dela e Toninho, perdeu um bom tempo a olhar o portfólio e o álbum com as fotos da banda
O som da Demo-Tape, ecoou na sala, mas com volume baixo, sem que ele prestasse a devida atenção. Aliás, nem seria a sua atribuição, nesse caso. O normal, seria um diretor de repertório realizar tal análise, e nesse caso, provavelmente seria o Liminha.
A sua atenção, portanto, esteve
mais centrada sobre nós, em termos de fotogenia e dados pessoais, pois
muitas perguntas foram feitas por ele, sobre nós. Por exemplo, ele quis
saber sobre a nossa condição sócio financeira, se tínhamos instrumentos e
equipamentos com qualidade, quis saber também sobre o nosso figurino
para shows e eventual guarda-roupa do cotidiano etc.
E sobre a aparência dos componentes, destacou que achara-nos bem-apessoados, todavia, ressaltou que o Rubens chamava a atenção como o mais bonito, e certamente com "presença de "galã".
Com essas informações, ficamos com a certeza de que Midani mais preocupava-se mais com o gerenciamento geral de carreira, sem ater-se à parte musical, que certamente era cuidada pelo Liminha.
Por suas colocações, pareceu-nos que havia nos aprovado, e mais que isso, não demonstrara ter nenhum comprometimento pessoal com a estética do Pós-Punk, e para sermos até otimistas, eu diria que isso não importava-lhe de forma alguma.
Nesse caso, as nossas
longas cabeleiras setentistas e o visual mais próximo dessa mesma
prerrogativa do que com a estética em voga, pareceu não incomodá-lo em
nenhum aspecto.
A sua primeira preocupação demonstrada pela conversa, mas sobretudo pelas perguntas, foi de outra ordem. Seu interesse seria saber se tínhamos uma "boa aparência", como raciocinam executivos de TV, quando pensam em contratar atores, e notadamente, atrizes.
E sob uma segunda instância,
se reuníamos condições técnicas boas para enfrentar uma série de shows,
decorrentes de um eventual impulso que a gravadora poderia proporcionar.
De nada adiantava sermos bons, se na hora de apresentarmo-nos ao vivo,
não reuníssemos condições mínimas de trabalho, a causar vexames
inadmissíveis, ao adequarmo-nos ao padrão de um artista mainstream.
Bem, não nadávamos em dinheiro, tampouco tínhamos uma coleção de instrumentos e um backline (equipamento de palco), digno de uma banda internacional. Todavia, não havia nenhuma dúvida entre nós quatro componentes, que tirante situações prementes de cada um, individualmente, claro que ao entrarmos em uma situação mais avantajada, municiada por uma agenda decorrente da exposição massiva, correríamos para uma boa loja de equipamentos e reforçaríamos o nosso arsenal.
No cômputo geral, Sonia e Toninho estavam muito otimistas, a dizer-nos que Midani gostara da banda. E nós, também ficamos muito certos de que tínhamos uma chance, apesar de todas as adversidades estéticas que tanto elenquei, mediante longa explanação feita ao longo de vários capítulos.
A resposta, no entanto, demoraria alguns dias a ser fornecida, oficialmente, pois a decisão final não cabia à ele, Midani, tão somente. Ficaríamos mais um dia no Rio de Janeiro, pois a Sonia agendara uma visita à redação do Jornal do Brasil, onde possuía contatos.
E também
uma reunião informal com uma amiga pessoal dela, que dizia ser uma
colaboradora de longa data, e "formadora de opinião". Então, no período
da noite, fomos à residência dessa senhora, onde seríamos recebidos por
um cocktail de queijo & vinho. No meu caso, claro que eu preferi ir com
Coca-Cola...
O ponto vermelho nesse mapa da cidade do Rio de Janeiro, mostra onde localiza-se o bairro de Lins de Vasconcelos
Nessa
reunião com a amiga da Sonia e o seu marido, fomos muito bem recebidos,
não posso negar, e a noitada foi agradabilíssima, pois o casal anfitrião
revelara-se Rocker da "velha guarda", portanto, o som com qualidade
permeou tal visita, com discos de vinil a ecoar clássicos das décadas de
sessenta e setenta, no apartamento em Lins de Vasconcelos, na zona
norte do Rio. Vários tipos de queijos saborosos, pão italiano, muitos
antepastos e bom vinho importado (em meu caso, interessou-me a
Coca-Cola, naturalmente), propiciou o bem-estar geral.
Mas
cabe uma análise crítica, a despeito da excelente hospitalidade desse
casal: a Sonia vendera-nos a ideia de que tal recepção seria uma missão
a mais em nossa estadia carioca, com sua amiga a representar uma
importante "colaboradora e formadora de opinião". Até que poderia ser o
caso, mas ficou claro, no entanto, que na verdade, foi uma armação dela
para visitar uma velha amiga, e assim poder usufruir da oportunidade de
estar no Rio, com despesas pagas pelo escritório.
Visitamos a redação do Jornal do Brasil, localizada na zona portuária do Rio, próximo à Praça Mauá.
Quando chegamos nessa enorme instalação, tivemos um contratempo, pois na informalidade que norteia os costumes cariocas e ainda mais ao justificar a alta temperatura costumeira, não poderíamos supor que cobrassem-nos formalidades no vestuário. Não seria o caso de nós três (refiro-me ao Rubens, Beto e eu mesmo), mas o Zé Luiz foi trajado de uma forma mais despojada, ao usar uma camiseta ao estilo "regata" e foi barrado na recepção, sob a alegação de que tal traje não seria permitido nas dependências daquela instituição.
O Zé Luiz tentou
alegar que fazia calor normalmente no Rio, portanto a informalidade
seria histórica como cultura local, mas a recepcionista
contra-argumentou que não haveria nenhuma possibilidade dele entrar
trajado dessa forma, e que na semana anterior, um outro artista também
fora barrado nas mesmas circunstâncias, no caso, um rapaz mineiro,
chamado, Milton Nascimento...
A solução foi que ele improvisasse um arranjo de última hora, ao usar uma peça de roupa por cima da camiseta, emprestada de um de nós, e que por acaso, estava disponível no carro. Não lembro-me ao certo a quem pertencia, e nem mesmo o que era, mas arrisco-me a dizer que tratou-se de um colete, que abotoado, disfarçou a ausência de ombros da camiseta regata.
Uma vez lá dentro, Sonia apresentou-nos ao seu contato, o jornalista, Luiz Carlos Mansur, famoso crítico musical do jornalismo brasileiro de então. Na conversa, falamos-lhe que havíamos abordado a gravadora Warner, e ele já sentou-se à máquina de escrever para preparar uma nota, quando explicamos-lhe que seria ainda um contato preliminar, portanto, não havia nada além de uma abordagem inicial.
Claro, demos-lhe uma cópia para a sua avaliação e na minha lembrança, foi um contato muito prazeroso, com o jornalista em questão, ao tratar-nos muito bem. Não haveria nada mais agendado para cumprirmos no Rio, pois a resposta oficial da Warner demoraria alguns dias para ocorrer.
Almoçamos em um restaurante de Copacabana, cujo dono era amigo dela, Sonia, e tratou-se de um rapaz bastante hospitaleiro, que serviu-nos um excelente almoço, apesar de insistir em contar-nos piadas sem graça ("a política em São Paulo, vai de norte a sul, de leste a Orestes" ao fazer uma alusão ao então candidato a governador, Orestes Quércia), bem não dava para ser perfeito o tempo todo.
Voltamos
para São Paulo, então, muito mais
esperançosos de que havíamos alcançado o nosso objetivo, pois o contato
com a Warner, via André Midani, pareceu-nos auspicioso. Para encerrar
esse relato da viagem ao Rio, não posso deixar de registrar que o
bem-estar decorrente dessa sensação foi marcante por ocasião de nossa
estada
no Apart-Hotel da Barra da Tijuca. Inebriados por essa atmosfera de
sucesso, em que nossa empreitada carioca pareceu-nos conduzir, a
propiciar uma ótima sensação permeada pela euforia, e não refiro-me à
minha percepção pessoal única, mas certamente entre os quatro
componentes da banda.
Ali, tudo misturou-se... tal sensação subliminar, associada à mordomia de um bonito hotel, com paisagens inacreditáveis e paradisíacas, proporcionou-nos a gostosa, porém imprudente sensação da vitória antecipada.
Ouso dizer, que a despeito de outras coisas boas que ainda aconteceriam nos próximos meses, esse pequeno momento de uma quase epifania, vivida na sacada do hotel, sob um visual cinematográfico da praia à nossa vista, foi a última percepção de sucesso mainstream a vista, palpável, para a nossa banda.
Digo isso a deixar muito claro, que
hoje em dia encaro a carreira da banda como amplamente vitoriosa,
artisticamente, e até mesmo em termos de projeção, embora circunscrita
ao métier do Rock underground.
Todavia, a nossa não chegada ao mainstream, passou por essa noite a olhar para o mar, em um andar alto de um prédio de luxo da Barra da Tijuca, sem dúvida, na medida em que ali, fora a nossa última sensação real em estarmos quase a chegar... é triste falar isso, pelo lado da análise técnica dos fatos históricos, mas também é poético, eu diria.
Tal
momento chegara a ser mágico de tão bonito que foi, mas não passou
disso, isto é, um insight, uma epifania, para nós naquele instante, e
para a maioria dos pleiteantes, que sonharam e não chegaram a obter,
como nós...
De volta a São Paulo, Miguel informou-nos que mesmo antes de ter a resposta da Warner, voltaria a insistir em uma estratégia paralela, em relação à busca de um padrinho para famoso para nós. Uma coisa não desabonaria a outra, independente se entrássemos ou não naquela companhia fonográfica, embora ele desse como certa tal prerrogativa, mas ele enfatizara que seria muito importante para nós, termos um padrinho famoso, para todo tipo de situação e não só para ajudar-nos a ingressar em uma gravadora multinacional.
Tudo bem, aprovamos certamente tal
determinação da parte dele, e daí, telefonemas foram disparados para o
Rio de Janeiro, ao buscar-se o contato com Erasmo Carlos.
Mais uma cartada de esperança para nós: Midani e Erasmo eram amigos, e ambos, amigos do Miguel...
Gostávamos
dele, sem dúvida e eu, em particular, gosto muito de sua obra e dele
como artista, e mesmo ao não conhecê-lo pessoalmente, tenho ótimas
referências dele como pessoa, passadas por amigos meus que o conhecem e
atestam ser de fato, um tremendo (ão) sujeito de boa índole, sem
afetações, estrelismos e afins.
Estava, portanto, aprovadíssima tal escolha e seria um prazer ter o Erasmo a ofertar-nos as suas bênçãos artísticas. Para ir além na minha análise pessoal, apesar dele ter seu ganha pão na seara do Pop romântico, através de suas parcerias com Roberto Carlos, a sua carreira solo é sensacional ao meu ver, e seu lado Rocker, muito intenso.
No meu conceito, em meio a muitos artistas bastante duvidosos surgidos dentro da "Jovem Guarda", Erasmo foi um dos um dos poucos Rockers genuínos ali inseridos, ao lado de Eduardo Araújo, Os Incríveis, Leno, Ronnie Von e outros poucos.
Todavia, demos azar também com o "Tremendão". Após muitas tentativas de estabelecer um contato telefônico, finalmente o Erasmo falou com o Miguel e declinou do convite, ao alegar estar a passar por uma fase difícil, com problemas particulares. Bem, artista também é humano e passa por intempéries na vida, como todo mundo.
Uma investida em um eventual terceiro nome da
lista, não foi cogitada, logo a seguir. Talvez Miguel tenha esperado
sair o resultado da gravadora, se aceitavam-nos ou não, e adiou essa
busca paralela, momentaneamente. Contudo, isso nunca mais ocorreu de
fato, e tal conversa sobre "apadrinhamento", não foi mais mencionada
dentro do casarão.
Entrevista
que concedemos ao jornalista, Antonio Carlos Monteiro, para a revista
"Roll", já realizada nas dependências do casarão do Studio V, e
publicada em setembro de 1986
Enquanto
esperávamos a resposta da Warner, claro que estávamos ansiosos e foi um
raro momento naqueles meses permeados pela euforia total, que
pensamentos nem tão positivos acometeram-nos.
Por alguns dias, sem perspectivas de shows em vista, e sem a resposta da gravadora, relaxamos um pouco na nossa rotina de ensaios.
Com a Demo-Tape gravada, e sem
shows marcados em um curto prazo, a nossa ansiedade contaminou-nos um
pouco, a tirar-nos ligeiramente da nossa clássica obstinação para ensaiarmos.
Outro ponto, foi que o repertório estava gigantesco. Dessa forma,
chegamos a conclusão que deveríamos estabelecer um verdadeiro "controle
de natalidade", pois já tínhamos material suficiente para um álbum
triplo, caso fôssemos contratados para gravar um disco oficial. Não
havia, portanto, a necessidade de compor-se mais músicas naquele
instante.
Não obstante tal constatação, o Beto ainda sinalizava estar em grande fase criativa e continuava a dizer-nos que tinha prontos, mais riffs, ideias para melodias e letras para apresentar-nos. Ainda em novembro, e antes da Warner manifestar-se a Sonia anunciou-nos duas entrevistas. Eu diria que toda oportunidade para aparecer na mídia é importante para qualquer artista, independente do órgão ser da grande imprensa ou pequeno.
E
muitas vezes, independente do seu tamanho, é preciso considerar se ele
mostra-se adequado ao tipo de exposição que o artista necessita para
expandir-se. Por exemplo: eu nunca recusei solicitação de entrevista
para ninguém, mas questionaria, internamente a falar, a eficácia de se
aparecer em uma publicação com pouca ou nenhuma identificação cultural,
mínima que fosse. Feitas tais considerações, agora fica mais fácil para o
leitor entender aonde eu quero chegar.
Ocorreu que a Sonia agendou-nos uma entrevista em um jornal esportivo, chamado: "A Gazeta Esportiva". Não era um órgão pequeno, pelo contrário, tratava-se de um dos maiores jornais esportivos do país e com larga tradição no mercado editorial brasileiro.
Não era, no entanto, um total disparate ser entrevistado ali, pois a despeito de ser uma publicação dedicada ao esporte em geral, e com ênfase quase total ao futebol, havia uma pequena seção cultural, onde artes, espetáculos & cultura em geral, eram tratados.
Fomos à redação da Gazeta Esportiva, que ao
contrário do que poder-se-ia imaginar, não ficava no histórico prédio da
Fundação Cásper Líbero, na Avenida Paulista, mas nessa época, usava uma
ala da redação da Folha de São Paulo, no bairro Campos Elísios, bairro
central da capital paulista.
E por estar instalado ali, gerou uma fantástica história, que tenho o orgulho em contar.
Naquela época, a Folha de São Paulo, tinha a sua gráfica instalada no mesmo espaço, na Alameda Barão de Limeira. Só anos mais tarde, nos anos noventa, inauguraria um parque gráfico gigantesco e moderno, em um bairro afastado da periferia da cidade.
Portanto, a
Gazeta Esportiva também era produzida ali na antiga gráfica da Folha.
Chegamos à redação, um pouco adiantados em relação ao horário marcado
para encontrar o jornalista que entrevistar-nos-ia. Enquanto esperávamos
para sermos introduzidos à sala de entrevista, um rapaz da gráfica,
chamou-me.
Com seu uniforme sujo de graxa, pois estava a trabalhar a todo vapor, perguntou-me se eu e meus companheiros aceitaríamos conhecer o seu ambiente de trabalho.
Era um rapaz simples, mas a sua educação e simpatia
cativou-nos, e liberados pela Sonia, que sabia que ainda teríamos alguns
minutos livres, fomos com ele, ao andar da gráfica. Ao chegarmos lá,
fomos surpreendidos, pois o rapaz apresentou-nos aos seus colegas, ao
dizer em voz alta: -"amigos, estes rapazes são componentes da melhor banda de Rock
do Brasil... A Chave do Sol!" Pois o rapaz era um fã da nossa banda, e
não havia acreditado que estávamos a circular pelos corredores das
instalações da Folha de São Paulo
Foi surpreendente e comoveu-nos muito, não só pela iniciativa que ele teve em fazer tal reverência para nós, mas também pelo fato de que os nossos esforços ao longo de quatro anos de trabalho, haviam proporcionado-nos perder a noção real do alcance de nossa popularidade.
Tínhamos fãs espalhados em muitos lugares e aquele rapaz fez com que entendêssemos essa questão com maior profundidade, ao produzir o sentimento de orgulho, por todo o nosso esforço empreendido até então.
E ele também esteve de parabéns, por que teve uma bela atitude, ao presentear-nos daquela forma, com uma carga de emoção e humanidade, muito tocantes. Despedimo-nos dele e seus colegas, e voltamos à sala de entrevistas para conversar com o repórter.
Essa foi, que eu lembro-me, a única
entrevista que concedemos, a levar em consideração aquela ridícula
determinação imposta pela Sonia, para que mentíssemos sobre as nossas
respectivas idades cronológicas.
Não tivemos escapatória nesse caso, pois a Sonia acompanhou a entrevista de perto, sentada em uma poltrona próxima de nós e o repórter, setorista de cultura do jornal, já vinha com esse cacoete editorial, provavelmente instruído por seu editor e certamente amparado pelo fato de ser um setorista acostumado a entrevistar atores e atrizes de TV, onde tal dado, era (é) considerado importante.
Absolutamente ridículo, na época, eu tinha vinte e seis anos completos, e disse ao repórter ter vinte e quatro. Senti-me realmente constrangido em mentir, e pior, para sustentar uma bobagem sem tamanho, pois que diferença faria ao leitor, que eu tivesse dois a anos a menos que a minha realidade cronológica?
Que diferença faz para a imagem de um artista de vinte e seis anos de idade, fazer com que o público acredite que ele possua, vinte e quatro?
Bem, claro que nenhuma, e ainda bem, paramos de obedecer a Sonia, nesse quesito, ao libertarmo-nos desse paradigma idiota. Fora essa bobagem, a entrevista foi bem trivial, como seria para esperar-se em um órgão não especializado em música.
Para
aproveitar o assunto, escrevi isso em junho de 2015, ao faltar um mês
para eu completar cinquenta e cinco anos de idade, deixo claro, aqui. E minha idade
mental está congelada nos quinze anos...
A resposta da Warner ainda não havia saído, quando a Sonia veio contar-nos de uma maneira eufórica, que reencontrara um velho amigo seu, ator e comediante famoso, que estava a desligar-se da Rede Globo, após ter cumprido um longo período de contrato com aquela emissora, e sem agente no momento, acertara sua ligação com o Studio V. Eu já havia ventilado superficialmente tal assunto, alguns parágrafos atrás.
Antes que pronunciássemo-nos, já advertiu-nos que não deveríamos nutrir ciúmes desse artista, pois a entrada nele no elenco da produtora, não diminuiria os seus esforços para promover-nos e que pelo contrário, com um artista tão famoso na mesma produtora, a tendência seria que mais portas abrir-se-iam, e nós seríamos beneficiados, também.
Não estávamos
preocupados com isso, e de fato, ao contrário do obscuro cantor
português que realmente não acrescentava nada e talvez até subtraísse,
por conta da sua ruindade artística e arrogância diametralmente oposta,
expressa em seus modos mal-educados, talvez ela tivesse razão de certa
forma e tal comediante pudesse de fato agregar algo ao Studio V e isso
culminar em benefício, mesmo que em pequena escala, para nós.
Tratou-se de Agildo Ribeiro, realmente um comediante e ator que tinha gabarito, e um currículo significativo, disso não havia dúvida.
E assim que tal
artista agregou-se ao nosso mesmo escritório, Sonia, na contramão do que
exortava-nos a não nutrir ciúmes, deu-nos margem para tal, pois dali em
diante, passou a acompanhar o comediante, vinte e quatro horas por dia, e passou a
deixar-nos de lado. Cabe no entanto, uma reflexão mais apurada, agora,
com a distância histórica, aliada à experiência adquirida.
Como o leitor mais atencioso já deve ter concluído, nesses meses em que nos associamos ao escritório, o nosso embalo próprio, construído pelos nossos esforços empreendidos em quatro anos de trabalho, resultaram em uma avalanche de oportunidades, portanto, antes mesmo do escritório esboçar mexer um dedo para fazer algo ao nosso favor, uma série de chances, já estavam a acontecer, sem a sua interferência.
O pouco que fizeram em nosso favor, fora insignificante em termos de mídia. O melhor que proporcionaram-nos, havia sido o uso do estúdio para produzirmos uma nova Demo-Tape. Não vou relativizar isso, pois fora uma ajuda e tanto, reconheço, é claro.
Todavia, Sonia e Toninho não tinham nada a ver com
esse fato, diretamente. O estúdio e toda a sua estrutura física, incluso
o salário do técnico, Clóvis, contas da eletricidade, gás, água, IPTU
do imóvel e demais despesas operacionais de sua manutenção, incluso
outros funcionários, como a secretária, Maria Amélia, a faxineira e o
rapaz da segurança/estacionamento, era bancado pelo Miguel.
No que tangia aos esforços da dupla, Sonia & Toninho, salvo pequenas entrevistas agendadas em órgãos menores e nossa inserção no constrangedor cocktail do cantor lusitano, nada de significativo houvera sido efeito, até aquele momento.
Talvez o contato com Midani no Rio (mas aí fica a ressalva que tudo fora armado e bancado pelo Miguel, e eles só agiram como funcionários a cumprir missões com trabalho de campo), e o contato com Luiz Carlos Mansur na redação do Jornal do Brasil, que rendeu uma pequena nota nesse jornal, tenham sido as suas melhores ações em nosso favor.
Sendo assim, o fato de que esfriaram os seus esforços em
nosso benefício, a privilegiar os interesses do Agildo, não mudaria
muito a nossa vida, ao pensarmos nesses termos.
Por outro lado, todas as conversas preliminares, a dar conta de que possuíam muitos contatos na mídia e que "estourar-nos-iam", sem fazer muito esforço (ao denotar nesse instante, uma bravata, somente).
Ao reforçar tal pensamento, as inúmeras entrevistas, oportunidades no rádio e TV, shows com público recorde em teatros pela cidade, além de shows fora do estado, foram nossos frutos colhidos, que colocávamos gratuitamente sob seus colos.
Para piorar, a taxa absurda que ganhavam nesse contrato, não justificava tão poucas oportunidades oferecidas, e pelo contrário, moralmente estavam em débito, pois tal montante que cobravam-nos de sua comissão, significava o dobro da praxe do mercado, portanto, tinham mais é que trazer-nos o dobro do que nós tínhamos por conta própria, e com muito maior repercussão midiática.
Mas na prática, estávamos em novembro, e nenhum show sequer, havia sido vendido por eles, tampouco produzido. Portanto, não tratava-se de ciúmes do comediante contratado, mas começamos a aborrecer-nos com as bravatas e a conversa infrutífera que contrastava com a inércia do casal, principalmente, embora na prática, o empresário que de fato levar-nos-ia ao topo das oportunidades, seria o Miguel, nessa equação.
Começamos a cobrar-lhes, portanto, nesse sentido, e aí, desculpas clássicas começaram a aparecer, tais como: -"melhor esperarmos a definição em relação às gravadoras" ou -"o final do ano aproxima-se, e agora é um período péssimo para vender-se shows".
Independente dessas desculpas,
começamos a pressioná-los para mostrar mais serviço e fruto dessa
pressão, uma sinalização apareceu ao final do ano, para os últimos dias
de dezembro. Antes disso, porém, mais uma entrevista para jornal,
surgiu e mais uma vez, por um contato nosso e não da parte deles.
A nova solicitação de entrevista que recebemos não fora de um órgão de grande porte, mas pelo contrário, um jornal de bairro. Claro que aceitamos de bom grado, e assim, concedemos entrevista à Gazeta de Moema, simpático jornal desse bairro da zona sul de São Paulo, pelo qual eu mesmo tinha carinho, pois morei ali naquele bairro entre 1973 e 1975 e o frequentava regularmente desde 1963, por conta de ali morarem os meus padrinhos/tios.
Isso sem contar que também havia morado na Vila Olímpia, bairro vizinho, onde habitara entre 1967 e 1971, portanto, nessa somatória, conhecia aqueles quarteirões entre os dois bairros com desenvoltura, estudara no mesmo colégio, nas duas passagens que tive entre os dois bairros e muito da minha formação musical e identidade Rocker, fora forjada naquelas ruas, por onde tanto caminhei.
O primeiro exemplar da
revista: "Rock, a História e a Glória", que comprei, foi na banca de
jornais e revistas, da esquina da Avenida Pavão, com a Avenida Santo
Amaro, por exemplo, no lado de Moema, em 1975
Mas por ironia do destino, justo nessa entrevista para tal jornal, que representava um bairro em que eu possuía um carinho e muitas memórias pessoais, não houve uma entrevista conduzida pessoalmente na redação do referido órgão.
Portanto, ninguém esteve in loco e a condução da mesma
ocorreu via telefone, apenas com o Rubens, como o nosso porta-voz, mas sem
prejuízo algum à banda, naturalmente, pois o Rubens expressava-se muito
bem.
E teve um mote nessa escolha pelo Rubens: como morador de outro bairro vizinho e também às margens da Avenida Santo Amaro, a Vila Nova Conceição, ele foi considerado um morador de Moema pelos responsáveis pelo jornal.
Por ser um veículo de bairro, deu-nos um espaço generoso, com uma página inteira, apesar da pequena tiragem e penetração circunscrita a um bairro apenas da cidade e mesmo que consideremos que bairros paulistanos tem porte de cidade, pelo tamanho e infraestrutura própria, claro que uma entrevista em jornal de bairro, não poderia ter a mesma repercussão como a de um grande periódico com circulação nacional, ostentaria.
Por outro lado, como eu já disse várias vezes neste
capítulo sobre A Chave do Sol, e também em outros desta autobiografia, eu aprecio
bastante a ação dos jornais do bairro.
A matéria/entrevista, foi bastante simpática e a outra grande vantagem dos dois jornais pequenos, foi que não estavam fechados em linha editorial rígida e muito menos comprometidos com estéticas artísticas, A; B ou C, portanto, atuavam com maior liberdade e assim, davam espaço para os entrevistados, sem deturpações, juízo de valor e perguntas capciosas para derrubar o entrevistado.
Também não tiravam
frases bombásticas do contexto geral da entrevista para compor manchetes
(e subtítulos) sensacionalistas, que mudavam completamente o rumo da
entrevista, a comprometer o entrevistado. E foi o caso desta publicação
da Gazeta de Moema, que foi bastante simpática para com a banda.
Foi conduzida por um (então) jovem jornalista chamado, Paulo Mahylovski, e publicada no dia 1º de novembro de 1986. Perguntas clássicas somaram-se a outras, até surpreendentes, quando por exemplo, enveredou por aspectos políticos, sociais e sobre o papel da mídia em relação ao Rock, naquele panorama de final de 1986.
Mais ou menos na metade de novembro, finalmente uma secretaria de André Midani ligou ao nosso escritório e deu o veredicto: estávamos rejeitados pela Warner.
Uma resposta padrão, amena, deu conta de que Midani "adorara o material", mas o som que fazíamos, não era o que estavam a procurar naquele momento.
Um ano
depois, o Ultraje a Rigor mudou completamente a sua orientação estética e
sonora, quando passou a posar como banda Hard-Rock oitentista, inclusive
no visual, com seus componentes a ostentarem enormes cabeleiras, e no uso
de figurinos iguais à de bandas como o "Ratt", "Motley Crüe","Van Halen", "Poison" etc...
Cáspite, nas outras oportunidades em que fomos desprezados por essa gravadora, não sentíramos tanto o impacto, e não foi para menos. Nas outras ocasiões, foi muito previsível que não nos aprovassem por uma somatória de questões e que inclusive, já foram amplamente descritas e analisadas nesta minha autobiografia.
Mas desta vez, em nossa avaliação, havíamos
pensado em detalhes que iam além da parte musical, apenas. Contudo,
novas falhas saíram de nosso controle
Tínhamos muita esperança no poder de persuasão do Miguel, mas no momento decisivo, percebemos que ele não o usara o suficiente. Talvez por excesso de confiança de sua parte, ainda a basear-se nos seus anos de sucesso, nessa indústria, e por não considerar que agora estaria possivelmente defasado no mercado.
Outros fatores pesaram, e claro que o principal,
por mais que tivéssemos simplificado o nosso som, principalmente no
quesito das letras.
O apelo Pop que achávamos evidente, muito provavelmente estava fora do padrão para eles. Por mais que a cozinha d'A Chave do Sol tivesse simplificado as suas criações, ainda assim, apresentava-se "complicada" demais para o padrão deles, que ainda reagia sob os parâmetros musicais paupérrimos do Pós-Punk.
O excesso de solos de guitarra, em moldes
tradicionalistas, certamente incomodara-os, também. Por outro lado,
músicas como "Solange", "Saudade", "Desilusões" e "Trago Você em Meu
Coração", não despertara-lhes o sentimento de soar Pop, suficientemente
e sob um contraponto, nós pensávamos que havíamos adotado um padrão
nesse sentido, tal qual uma banda como o "Rádio Táxi", que povoava as
emissoras de ondas AM e FM, com canções semelhantes. Não teriam as
quatro canções citadas, potencial para fazer parte de trilhas sonoras
para as novelas Globais?
Outro fator: naturalmente que na hora em que as regravássemos oficialmente, tais canções sofreriam muitas modificações por parte dos produtores e nesse caso, nem assim vislumbraram que ao cortar os excessos que julgassem indevidos, poderiam moldá-las, ao "pasteurizá-las?"
Até mudanças de andamento e tonalidade, poderiam ser feitas, e certamente que insistiriam com o Beto, para ele cantar em tons mais baixos. Seria apenas deixar de raciocinar como o Robert Plant e adotar a postura de vocalistas do BR-Rock 80's, que em sua maioria esmagadora, cantavam para baixo.
Não é preciso estabelecer um grande esforço mental para citar
alguns exemplos: Renato Russo; Bruno Gouveia, do Biquini Cavadão, Herbert
Vianna, e até mesmo o Cazuza. Enfim, ficamos chocados em termos sido
rejeitados mais uma vez, por esses fatores que citei e outros, também.
Vida que seguiu, pensamos que uma rejeição não inviabilizaria novas tentativas em outras companhias. O discurso do escritório fora claro no início: -"temos contato e amizades em todas, escolham uma"... portanto, se a primeira tentativa não lograra êxito, iríamos com tudo para o plano B, certo? Mas não foi o que aconteceu.
Na época, não ficou nada claro, no entanto. Ninguém mencionou conosco que haveria mudança de planos na estratégia e convenhamos, haviam prometido-nos o céu como limite, mas não haviam proporcionado-nos nada maior ou melhor do que nós já tínhamos conquistado, com o nosso suor, e pior que isso, asseguravam para si, 40% do cachê de shows que nós mesmo fechávamos.
Portanto, essa equação não estava por apresentar uma lógica plausível e agora, para piorar as coisas, pareceu-nos que logo na primeira tentativa esmoreceram ante a primeira porta cerrada. Onde estavam os contatos, as propagadas favas contadas?
A nossa maior comunicação sempre fora com Sonia e Toninho, mas agora, estavam a trabalhar quase em regime de exclusividade com o comediante já citado e o Miguel não deixava-se pressionar, ao impor uma distância regulamentar que permitia-lhe só falar conosco em reuniões formais e convocadas por ele, isto é, só quando ele desejava, em suma.
Foi nesse ínterim que um outro elemento começou a interagir mais conosco. Esse rapaz chamava-se, Arnaldo Trindade, e sua formação era como publicitário. Havia sido contratado pelo Studio V, para orientar a estratégia de marketing da empresa. Ao contrário da histriônica, Sonia e do aristocrático, Miguel, Arnaldo era um sujeito com postura "zen", a mostrar-se ponderado, sensato, e talvez fosse a pessoa ideal para começar a lidar mais conosco, naquele momento em que sinais ainda subliminares, indicavam uma queda na avalanche gerada pelas boas novas que tínhamos graças aos nossos esforços, em contraponto com os resultados pífios apresentados pelos esforços do escritório, e isso sem contar o baque que havíamos tido com a recusa da gravadora, Warner, onde a desilusão que tivemos com a real força do escritório e principalmente em termos do prestígio do Miguel, ficara abalado em nossa percepção.
Nessas conversas preliminares, que tivemos, falou-nos bastante sobre estratégias de marketing e tratou de acalmar os nossos ânimos que começaram a exaltar-se com a falta de empenho do escritório em mostrar mais serviço, principalmente no quesito da marcação de shows, visto que a rejeição da gravadora, Warner, para conosco, não poderia ser creditada a eles, como culpa, segundo ponderava-nos.
Ao analisar hoje em dia (escrevi este trecho em 2015), eu questiono muito a abordagem feita pelo casal, Sonia e Toninho ao André Midani. Talvez eles tivessem boa desenvoltura para vender atores para a formação de elenco de novelas, ao atuar como agentes desse tipo de artistas, ao abordar diretores de TV, mas será que foi acertado que eles representassem-nos e ao Miguel, em uma reunião com o Midani? O mundo da música era completamente diferente e a falta de traquejo de ambos para lidar com tal situação, deve ter sido total!
Especificamente a falar sobre Rock, então, ainda piorava mais o
abismo cultural entre as partes, para uma discussão em alto nível, ao
usar a mesma linguagem.
Portanto, o ideal, ao meu ver, teria sido o Miguel em pessoa ter ido ao Rio. O dinheiro que o escritório gastou para bancar seis pessoas hospedadas em um Apart-Hotel de luxo, mais restaurantes caros da zona sul do Rio, muito provavelmente teria sobrado pela metade, com o Miguel a promover uma viagem sozinho e ele mesmo a encontrar-se com o Midani.
Mesmo defasado do mercado, ainda assim, Miguel conhecia os meandros da indústria musical, mil vezes mais que o casal, somado, e poderia tirar vantagem disso, ao usar uma argumentação mais plausível, que teria influenciado o Midani de uma outra forma.
E quem sabe, com essa afeição que tinham um
pelo outro, pela longa amizade estabelecida, Midani não tivesse bancado a
nossa contratação, mesmo que os produtores rezassem por outra cartilha
estética, e antagônica? Em minha visão de hoje em dia (2015), isso
teria sido muito plausível. Enfim, foram mais erros cometidos da parte de
todos, incluso o Miguel, o mais experiente dessa equipe toda, em tese.
Nesse novo panorama, onde as bravatas não soavam mais pelos corredores do escritório, começamos a substituir a nossa euforia pelas apreensões. Sonia e Toninho só pensavam no comediante famoso, Miguel evitava-nos e somente Arnaldo Trindade, dava-nos atenção e conselhos ponderados.
Arnaldo era um sujeito muito agradável no trato social, não nego, mas dentro daquela hierarquia, não tinha o poder de comando, e na realidade, agia mais como um psicólogo, quiçá padre, ao ouvir as nossas queixas e tratar de apaziguar os nossos ânimos, portanto mais preocupado em coibir possíveis tumultos, ou mesmo motins que pudéssemos gerar ali dentro.
Contra o comediante, não tínhamos absolutamente nada contra ele. Particularmente, eu era seu fã, pelos seus personagens engraçados, encenados em programas humorísticos da TV, que eu assistira desde a tenra infância. E quanto ao cantor português e afetado, nessa altura dos acontecimentos, ele mal frequentava mais as dependências do casarão.
Lembro-me que chegaram a
vender um show desse cantor em Curitiba, onde a Eliane Daic viajou
junto, em tal comitiva, quando trabalhou como produtora executiva nessa
ocasião e claro, segundo apuramos, tratou-se de uma apresentação pífia,
sob a vergonhosa ação do Playback, em uma casa noturna, da capital
paranaense. Enfim, que o gajo tivesse boa sorte em sua carreira.
Dessa forma, queríamos que mostrassem mais serviço, visto que estávamos cansados dever a falta de resultados significativos, a não ser pequenas entrevistas agendadas em órgãos pequenos na imprensa ou do mundo popularesco, e tais pequenas ações, já não poderiam contentar-nos.
Dessa forma,
enfim sinalizaram com algo concreto, que pareceu-nos ser uma boa
oportunidade para testar a sua capacidade de produzirem um espetáculo e
não ficarem sentados a esperar os nossos contatos próprios que
cedíamos-lhes desde que entráramos naquele escritório. Queríamos que
eles gerassem-nos uma agenda e talvez isso enfim ocorresse, ante a
perspectiva que sinalizaram-nos.
A sinalização veio da Sonia, que disse-nos que o lendário TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), estaria disposto a ceder-nos uma de suas cinco salas de espetáculos, para nós produzirmos um show.
Histórico templo do
teatro paulista e brasileiro, tinha (tem), uma trajetória espetacular
nesse campo, mas pouca tradição em shows musicais, a não ser
eventualmente peças de teatro com teor musical. Mas show musical,
propriamente dito, não.
Certo, animamo-nos, pois seria muito elegante e sob um palco histórico a serviço da cultura nacional, onde uma série incrível de montagens teatrais e atores famosos atuaram com grande brilho.
Finalmente, uma ação concreta do Studio V, em termos de show, e da Sonia, que tanto alardeara ter muita experiência no meio teatral, mas que na prática, só havia arrumado-nos pequenas entrevistas e notas na mídia impressa e uma entrevista de rádio, até então.
Hora boa também, para testar o poder de
fogo do Studio V, no que eles supostamente possuíam como ponto mais
forte: a influência de Miguel como grande radialista que fora, outrora,
portanto, ao usar de seu prestígio para alavancar uma divulgação
exemplar, na base da amizade & conhecimento com custo, praticamente
zero.
E hora também da Sonia somar, com os seus conhecimentos de outro tipo de mídia, baseada em sua experiência no meio teatral, mundo da TV etc.
Dessa forma, reanimamo-nos, para apaziguar um pouco a queda de euforia que sofrêramos por conta da rejeição não digerida por parte da Warner, rejeição de Rita Lee & Erasmo Carlos em apadrinhar-nos, desconfianças sobre o desempenho do Studio V etc.
Nesse ínterim, fomos
conhecer finalmente o Agildo Ribeiro, em seu camarim, logo após o
encerramento de um monólogo seu (hoje em dia, gostam mais em referir-se a
esse tipo de espetáculo de humor, sob a sua alcunha norte-americana:
Stand Up Comedy).
Ele estava em cartaz em uma das salas do próprio TBC, e claro que isso explicou o porquê da Sonia aventar uma data para nós, nesse histórico teatro.
Agildo foi extremamente simpático para conosco. Claro, foi um momento breve, pois tínhamos o discernimento, por sermos artistas, também, de sabermos que no pós-show, era (é) de bom tom não abusar de uma visita ao camarim, quando o artista está esgotado após a performance e precisa recompor-se.
Fato, seja lá qual for a área, o palco esgota,
mesmo que a performance seja comedida, caso de músicos eruditos que
tocam sentados a lerem partituras. O simples fato de existir público, já
gera uma energia permeada pela expectativa, e que repercute e muito no
emocional e no físico de qualquer artista.
1) A capacidade do Studio V em produzir o espetáculo.
2) A viabilidade do TBC transformar-se em um novo ponto de shows de Rock, na cidade.
3) Se conseguiríamos demonstrar reação ao baque sofrido pela rejeição em relação a uma gravadora major.
Seria um alento para continuarmos a confiar no Studio V e isso amenizara a sombria desconfiança de que eles também houvessem possivelmente desanimado com o resultado da Warner e não tentariam abordar outras companhias.
Montamos o show que faríamos no TBC com a perspectiva de termos tempo livre. Sem ter que dividir o espaço com outras bandas, em situações de festivais, tampouco existir uma banda de abertura para gastar um pouco de tempo, resolvemos tocar bastante.
Seria uma oportunidade para
experimentarmos uma série de músicas novas, a mesclarem-se às músicas da
Demo-Tape, recém lançada, a as tradicionais do repertório, incluso
algumas que não executávamos ao vivo, há um certo tempo, casos de "Um
Minuto Além" e "Crisis (Maya)".
E assim, chegamos às vésperas do show com ensaios mais animados, ao verificarmos algumas notas que foram publicadas na imprensa. Não foram, no entanto, espetaculares, a não ser um tijolo de pequeno porte, pago pelo escritório e publicado no jornal, Folha de São Paulo.
Certo, jornal mainstream, não deve ter custado exatamente barato, mas também a julgar pelo seu porte tímido, não fora nenhuma exorbitância, certamente. No dia do show, talvez os melhores resultados apresentados em termos de divulgação, ao lado do já mencionado "tijolo pago", na Folha de São Paulo, deu-se em termos televisivos.
A primeira manifestação nesse sentido, aconteceu na maior emissora do país, portanto, ponto para o Studio V. No dia do show, o programa jornalístico, "SPTV 3ª Edição", da Rede Globo de TV, exibiu reportagem do nosso show.
Claro que foi uma matéria rápida e no noticiário de menor audiência dessa emissora, veiculado tarde da noite, mas foi na Globo, e por isso, lógico que teve repercussão, apesar de nada agregar para divulgar o espetáculo em si, pois os telespectadores viram a reportagem com ele já encerrado. Portanto, valeu por ajudar-nos na divulgação em caráter geral, para espalhar ainda mais o nosso nome e trabalho.
E também no mesmo dia do show, mais um trunfo que o Studio V apresentou nesse setor de divulgação, com a presença in loco de outra equipe de reportagem de TV, que apareceu para cobrir a posteriori, para ser exibida no dia seguinte, e assim, como no caso do jornalismo da Globo, a agregar como divulgação generalizada, mas com nada a contribuir para atrair público ao show, propriamente dito.
Então, nesse caso, não agregou como agente de
divulgação do show em si, mas certamente que ficamos contentes com a sua
presença, e a matéria auxiliou-nos como exposição extra, ao difundir a
banda em outros termos, é claro. Tal equipe jornalística, adotou uma
linha de reportagem em que cobriu não só o trabalho da banda, com direito a
imagens do show ao vivo, mas também com entrevistas de fãs na porta do
teatro, no afã de colher opiniões e medir a expectativa gerada pela
apresentação de nossa banda.
O guitarrista, Yves Passarell, em foto mais recente, a atuar com o "Capital Inicial"
Sob
uma coincidência incrível, o rapaz que escolheram para entrevistar, já
era relativamente famoso como artista, na época, mas dentro do mundo
underground, onde habitávamos, também. Por isso, ficou despercebido para
a produção dessa equipe de jornalismo, tal informação e ele foi
tratado e caracterizado na edição final, apenas como um fã, quando na
verdade, tratava-se de Yves Passarell, guitarrista do "Viper", na
ocasião, e hoje em dia, muito mais famoso, por ser o guitarrista do
"Capital Inicial", banda oitentista que perdura-se em atividade até os
dias atuais.
Tal reportagem ignorou a já adquirida notoriedade de Yves na ocasião,
deu-se no programa jornalístico, "Cidade 4", exibido pelo TVS, hoje em
dia, SBT.
Sobre o show em si, foi mais um caso onde a sinergia não foi estabelecida, mas desta vez, houve um motivo plausível e não algo formulado por conjecturas subjetivas.
Exageramos na metragem do show, com o excesso de
músicas, que o tornou longo. Não dimensionamos um mapa com altos e
baixos emocionais, como qualquer artista monta seus espetáculos,
normalmente. Fazíamos isso, naturalmente, mas nesse dia em específico,
não preocupamo-nos em causar emoções nas pessoas, mais preocupados em
tocar muitas músicas novas, para testá-las.
Erramos feio, portanto. Mesmo ao considerar-se que o público era teoricamente nosso, formado por nossos fãs habituais que acompanhavam-nos em qualquer espaço que usávamos.
A ideia de tocarmos muitas músicas novas, tornou o show longo e mais que isso gerou o anticlímax da novidade não reconhecida e absorvida pelo subconsciente dos ouvintes. Ninguém faz isso normalmente, pois aborrece o público ao gerar apatia, portanto, a quebrar a sinergia com o artista.
Artistas consagrados de porte mundial, não fazem isso. Em uma nova turnê, os Rolling Stones montam o set list do show com no máximo três músicas do novo disco, e pelo menos vinte clássicos do repertório antigo. E pode observar, amigo leitor, por melhores que sejam tais canções novas, estas causam momentos de apatia no público, a quebrar a euforia que as músicas consagradas geram, normalmente. Portanto, não é aconselhável tocar muitas músicas novas em um show, sob o risco de estragá-lo.
E nós
cometemos tal erro, talvez no afã de mostrar logo tantas novas criações
ao público, mas também para testá-las ao vivo. Não foi necessário, e
causou-nos um prejuízo, certamente. Outro elemento, a data desse show foi bem difícil para trabalhar-se: 29 de dezembro...
É sempre muito salutar para o artista, tocar em qualquer data, mas sob o ponto de vista do marketing e da produção musical, tratou-se de uma data muito difícil para ser trabalhada. Todos conhecem a cultura brasileira, quando já a partir do final de novembro, a energia geral tende a diminuir em todos os setores da sociedade.
Quando se chega na semana que antecede o
natal, tudo para a não ser o comércio que lida com a festa em si, em
vários aspectos. Do natal ao Reveillon, ocorre uma espécie de ressaca e
novos preparativos para mais uma festa pantagruélica e que não deixa
ninguém pensar em outra coisa.
Eis o Link para assistir no YouTube:
Sabíamos de tudo isso, mas queríamos muito ter essa tour de force com o Studio V, portanto, não esmorecemos e demos o nosso melhor, para ser um sucesso. Todavia, apenas duzentas pessoas compareceram ao TBC, no bairro do Bexiga, zona central de São Paulo.
E houve também esse fator subliminar, isto é, por não existir tradição em promover shows musicais em São Paulo, o TBC era (é), um reduto muito tradicional para seguidores de teatro, mas desconhecido por frequentadores de shows musicais em geral, notadamente shows de Rock.
O equipamento de PA contratado pelo nosso
escritório, foi bom, e adequado às necessidades acústicas do teatro. O
nosso técnico do Studio V, Clóvis, operou o som, e conhecia bem o nosso
show, pois operara todos os ensaios, além da gravação de Demo-Tape que
produzimos em outubro.
Ainda eco de uma boa fase com exposição midiática da qual usufruíamos, em dezembro de 1986, foi publicada uma entrevista que eu havia concedido à revista, "Mix", Tratou-se de uma publicação do mesmo grupo editorial que fora responsável pelas revistas "Roll" e "Metal".
Conduzida pelo jornalista,
Antonio Carlos Monteiro, a sua abordagem girou em torno de aspectos
técnicos do meu instrumento e equipamento. Falarei mais detalhadamente
sobre essa entrevista, no próximo capítulo.
O
iluminador do teatro, fez um trabalho digno, apesar de não
conhecer-nos e nem ter recebido em mãos, um mapa de luz profissional do
nosso espetáculo. Tecnicamente a falar, o show foi bom, portanto.
Mas faltou sinergia, com o público mais estático, sem vibrar como normalmente acontecia em nossos shows, em outros espaços e situações.
Miguel assistiu e dias depois, em reunião convocada por ele, fez críticas ao excesso de músicas novas, que entediou o público, criticou também a longa duração do espetáculo e obviamente isso fora decorrência da primeira queixa que formulou.
Mas foi além e criticou a estridência
das guitarras (Beto tocou bastante, principalmente nas músicas novas), o
excesso de peso no som, e até o tamanho de nossas cabeleiras,
"exageradas", em seu entender.
Bem, fora cabelos longos em demasia, todos os outros itens que ele relacionou como daninhos, tiveram fundamento.
Questionável em termos,
contudo, foi falar sobre o peso e estridência das guitarras, por ser uma questão
técnica, embora para o padrão Pop, fazia-se mister que aparássemos ainda
mais certas peculiaridades típicas do Hard-Rock (se bem que naquele
exato momento, o "Sepultura" estava estourado ao fazer um som na linha
do Heavy-Metal extremo e radical, com cem mil vezes mais peso do que
jamais faríamos, portanto, fora um conceito muito relativo da parte
dele).
Mas acho que estava 100% certo em ter detectado um excesso de músicas novas, que realmente alongou indevidamente o show e pior, tornou-o entediante, até para os mais fanáticos fãs de nossa banda.
Fato lamentável, não tenho nenhuma foto, a não ser um "still", oriundo do único vídeo que surgiu, ao menos por enquanto. Ele foi amplamente fotografado, mas eu nunca tive acesso aos negativos, infelizmente. Uma pena, pois o palco era histórico, e estava bonito.
Assim foi a nossa apresentação no TBC, que nunca mais abriu as suas portas para shows de Rock, que eu saiba. Aconteceu em 29 de dezembro de 1986, uma segunda-feira (outro fator de dificuldade, certamente) e com cerca de duzentas pessoas na plateia.
E também caracterizou a única experiência
de produção de um show da nossa banda, pela chancela do estúdio V. Em janeiro de
1987, ainda haveria um outro show, oriundo dos esforços pífios da parte
deles, mas não como produção própria, mas vendido a um contratante.
Encerramos o ano de 1986, e cabe uma análise geral, a seguir.
O ano de 1986, começou na verdade para nós, em outubro de 1985. Com a saída do ex-vocalista, Fran Alves, não perdemos apenas um ótimo vocalista, mas também uma identidade forjada em torno de uma estratégia errônea, que precisava ser mudada rapidamente
Claro que o Fran não teve culpa disso, absolutamente, não! Mas a sua voz potente e rouca, ficara estigmatizada no trabalho da banda, justamente em um momento em que fizéramos uma aposta que em poucos meses revelou-se equivocada.
Com a sua saída, já tínhamos em mente que não só
precisávamos encontrar um substituto para a sua vaga, mas empreender uma
terceira e de certa forma dramática, nova mudança em toda a estrutura
sonora da banda.
Nesse contexto, tivemos a sorte de encontrarmos rapidamente o Beto Cruz, que trazia com exatidão em sua mente, a mesma ideia a ser adotada.
Portanto, com a sua chegada à Chave do Sol, nós mergulhamos fundo na tarefa de renovar inteiramente o repertório, e nesse caso, ele teve participação decisiva e criativa, pois por ser também guitarrista e compositor, tornou-se o dínamo da banda, nessa remodelação.
Os primeiros meses de 1986, foram marcados por um curioso hiato de shows, no entanto. Fato raro na história da banda, pois desde os seus primórdios, havíamos estabelecido uma agenda boa com apresentações e logicamente que desde 1984, para frente, ainda mais, por conta do crescimento da banda, motivado cada vez mais pela sua proeminência na mídia.
No entanto, a
partir da metade de março em diante, uma verdadeira avalanche com
oportunidades começou a surgir e nesse momento promissor, aproveitamos
cada gota que pingara sobre nós.
Shows, muitas entrevistas na mídia escrita, convite para filmar dois vídeo-clips, aparições na TV, entrevistas em emissoras de rádio, as nossas respectivas faces estampadas em um poster nas bancas de revistas, gravar uma Demo-Tape, com seis músicas inéditas, a concretização de um dos clips, enfim, tocar no Rio de Janeiro e desmaiar no palco, abordar e ser elogiado por Rita Lee... e ao sugerir-se ser o ápice dessa fase boa em que entramos, o convite para sermos contratados por um escritório de empresários, com supostamente, muito poder de fogo em mãos.
Mais uma avalanche de convites para entrevistas, ser ajudado por Charles Gavin e Os Inocentes, ser convidado para tocar no Nordeste, tocar em teatros superlotados e bater recordes de público; abrir apresentação do infame, Menudo, no Anhembi de São Paulo.
Gravar mais uma demo-tape com mais duas músicas inéditas, abordar uma gravadora major com chance real de ingresso.
Portanto, a análise final de 1986, mostra que a banda
atingira o seu pico de popularidade, e aliado a isso, havia considerado
estar enfim, com um plano de carreira em vias de fazer com que
subíssemos ao degrau da primeira divisão da música.
A presença de tal escritório, no qual depositamos concretas esperanças de que promoveriam tal gerenciamento seguro, fora baseada não somente em sua suposta competência profissional no meio e nem mesmo sobre seus contatos nos bastidores, mas também pelo nosso momento próprio, que demonstrava ser excepcional, fruto de quatro anos com trabalho duro de nossa parte, ao abrirmos caminhos em meio a selva do mundo musical, com nossas próprias mãos, ao criarmos trilhas até surpreendentes, em meio a mata fechada, ao considerar-se estarmos sozinhos, sem ajuda alguma (refiro-me a empresários ou investidores financeiros, pois claro que tínhamos apoio de muita gente boa, incluso, o abnegado, Luiz Calanca).
Portanto, a nossa percepção fora de absoluta euforia, baseada na quase certeza de que nessa seguinte somatória: entre o nosso pico de popularidade + o novo trabalho melhor coadunado com os parâmetros Pop + a ação desse escritório de empresários e seus atributos, seria uma alavanca natural para o sucesso em larga escala.
E assim, o segundo
semestre seguiu-se, com um crescente de euforia, expectativa e
epifanias
Todavia, quase no final do segundo semestre, um golpe provocou-nos um revés, a diminuir a nossa euforia. Não seria o caso para se arrefecer tão violentamente o nosso ânimo, pois uma porta fechada não significaria necessariamente o fim das tentativas e pelo contrário, a luta haveria por continuar, quando todos os sinais positivos ainda existiam com força.
Mas algo inexplicável minou-nos de certa forma, pois a confiança no tal escritório começou a gerar questionamentos sobre a sua real eficácia e pior que isso, um pensamento subliminar de que sob um vacilo, nós estaríamos a arriscar perder o nosso grande "momentum" natural, pelo simples fato do escritório não ter tido a capacidade em segurá-lo devidamente.
Nesse caso, quantas vezes uma porta abre-se para um artista? Momento de muitas dúvidas a parte, não estávamos a encerrar 1986, do jeito que poucos dias antes, acreditávamos piamente que ocorreria. Portanto, a luta haveria de continuar, mas no virar para 1987, um pouco da energia gerada houvera sido desperdiçada, por conta de uma derrapagem que obrigara-nos a perder algumas posições na corrida.
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