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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Crônicas da Autobiografia - O Camarim Esvaziou. Aonde Está o Meu Instrumento? - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo do Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, em 2012

Fomos participar de um festival produzido pelo Sesc, através da sua unidade da cidade de São Carlos-SP, mas não em suas ótimas dependências. Entretanto não lamentamos tal locação proposta, visto que o evento fora concebido para realizar-se na plataforma de uma antiga e charmosa estação ferroviária em pleno uso, ou seja, com enormes composições a passar o tempo todo e completamente abarrotadas por produtos agrícolas, minérios & afins, a riqueza das commodities vindas do interior de São Paulo e estados do centro-oeste, sobretudo, rumo ao porto de Santos. 
 
Sobre os pormenores desse show, eu já narrei no capítulo adequado sobre essa banda, em meu livro autobiográfico, mas ainda restou alguns detalhes para narrar. 
 
Como por exemplo, o fato de que após o show, fomos convidados a deslocarmo-nos do camarim improvisado para um outro ambiente desse bastidor montado em meio aos trilhos, para atender a solicitação de uma equipe de TV local, afiliada da Rede Globo na região, que manifestou o desejo em entrevistar-nos. 
 
Sobre tal ocorrência, não há muito o que descrever, pois foi algo bem ligeiro e trivial, sem nenhum fato diferenciado que mereça ser mencionado. Entretanto, a motivação que tirou-nos do nosso camarim, tão devassado, provocou-me um lapso imperdoável.

Ocorreu que no exato momento em que fomos chamados, havia um razoável contingente de pessoas ligadas à produção do evento, a ocupar o mesmo espaço. 
 
Dessa forma, inspirado na falsa impressão sobre a suposta segurança que isso transpareceu ali naquele instante, todos nós, sem nem cogitar algum receio, saímos do camarim sem levarmos os nossos pertences conosco e nesse aspecto, inclua-se instrumentos e acessórios. 
 
Algo muito imprudente e certamente inadmissível em meu particular caso, pois exatamente dez anos antes dessa data, em 2002, eu mesmo houvera sido vítima de uma ação de furto no camarim do Sesc, nessa mesma cidade, quando atuava com a Patrulha do Espaço. Portanto, entre todos da nossa banda e comitiva, eu deveria ter sido o mais atento a tal tipo de procedimento. 
Ocorre que a entrevista foi relativamente curta, mas no meio do caminho houve bastante distração, com membros de diversas bandas que haviam tocado anteriormente a abordar-nos; além de amigos de São Carlos que surgiram para um cumprimento etc. e tal. Nessa circunstância, o tempo que todos perdemos para voltarmos ao camarim, foi maior que o esperado inicialmente. Pois quando eu cheguei ao camarim, ele estava completamente vazio. 
 
Fui então até a Van que serviu-nos nessa produção e verifiquei que os companheiros já estavam todos ali, mas quando perguntei-lhes sobre o meu instrumento, ninguém soube responder-me sobre o seu paradeiro. 
 
Pedi ao motorista para abrir o bagageiro e ele não estava ali. O coração acelerou, acrescido pelos inevitáveis calafrios e imediato desconforto estomacal certamente motivado pela secreção de ácidos gástricos disparados pela sensação do medo ante a concretização de uma má notícia. 
Como uma última medida desesperada, corri novamente ao camarim e mesmo a saber que eu o vira minutos antes, completamente vazio, não tive outra opção a não ser estabelecer uma nova vistoria desesperada. Foi quando ao adentrá-lo e já haviam apagado as luminárias improvisadas que proviam a luz, eis que resolvi agachar-me e olhar embaixo de uma mesa ali colocada e ... ufa, apalpei o seu estojo (case), cuja textura do seu revestimento, eu conhecia muito bem. 
 
Alívio parcial, no entanto, pois o verdadeiro teste de fogo viria a seguir. Eu precisava abri-lo e verificar a presença do instrumento em questão, em seu interior. Segundos tensos enquanto abria as suas dobradiças, sobrevieram. E então, quando a caixa abriu-se, o alívio chegou, para fazer-me respirar fundo. Lá estava o meu velho amigo, Rickenbacker.

Bem, não posso queixar-me dos colegas, pois o mesmo sentimento dispersivo que ocorrera-me, também sucedeu-se com os demais. Ninguém ali, sequer cogitou que o meu instrumento ficara para trás na hora de carregar o nosso material para a Van. Cada um pegou os seus pertences e naturalmente consideraram que todos haviam feito o mesmo, sem exceção. E vou além, quando saímos do camarim para a tal entrevista, o meu estojo do instrumento estava visível, junto à guitarra e pedaleira do Kim Kehl e peças de bateria do Paulo Pires. 
Sendo assim, o fato dele ter sido colocado debaixo da mesa, a posteriori, só pode ter sido perpetrado por alguém que o viu ali, visível e ao preocupar-se, tratou por camufla-lo até que o seu proprietário, no caso, eu mesmo, pudesse vir resgatá-lo. 
 
A despeito desse fato, tudo foi muito bom nesse show e posso acrescentar, até esse susto em seu desfecho, para alertar-me mais uma vez sob as normas de segurança a ser observadas, mesmo eu que eu já tivesse cinquenta e dois anos de idade naquela ocasião, com trinta e seis de carreira, ou seja, a denotar experiência e com a agravante em ter passado por uma situação desagradável de furto no camarim, naquela mesma cidade e sob a produção da mesma instituição, dez anos antes.

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