Aconteceu no começo do Boca do Céu, em 1976...
No segundo semestre de 1976, eu
encontrava-me enlouquecido com a perspectiva em estar enfim a fazer parte de
uma banda de Rock verdadeira, com pelo menos um músico que sabia tocar o básico
com desenvoltura (Osvaldo Vicino), um talento nato e bruto com sinais de
genialidade inequívocos (Laert “Sarrumor” Julio), e os demais (eu mesmo, Luiz
Domingues), e o caçula da banda, Fran Sérpico, como absolutos iniciantes no
estudo musical, mas a esforçar-nos para vencer a barreira inicial do
aprendizado.
No meu caso em específico, a empolgação ia além, visto que a minha
própria percepção de avanço, tanto no instrumento em específico, quanto nos
rudimentos da teoria musical, aliara-se a euforia de estar inserido na banda e
também por toda a ambientação em torno dos ideais aquarianos, quando finalmente
passei a sentir-me não apenas como um fervoroso entusiasta da movimentação
contracultural como um todo, mas sim, como um personagem atuante dentro do
movimento e nesse caso, pouco importava-me a minha então parca condição como
reles principiante e tampouco o modestíssimo estágio pelo qual a nossa banda
encontrava-se.
Então, inebriado por tal “momentum”
auspicioso, o choque com as imposições sociais, tanto no âmbito familiar,
quanto no aspecto da vida escolar em curso, ganhou contornos interessantes, em
termos de conflitos e seu inerente choque, ao gerar a oportunidade para
acelerar o processo de amadurecimento.
Dá para escrever várias crônicas
específicas a citar tais situações, separadamente com certeza, e creio que será
um caminho a ser percorrido em um futuro bem próximo.
Neste caso, falo sobre um evento que tornou-se
inevitável para testar essa ambivalente situação em estar a forjar-me como um
Rocker idealista e pleiteante à vida artística profissional; simultaneamente a
viver o curso de meus dezesseis anos de idade e por conseguinte, ter momentânea
mentalidade juvenil sob muitos aspectos; obviamente estar sob o controle dos
meus pais e com obrigações escolares a cumprir.
Nesses termos, em 1976, eu
estava a concluir a 8ª série, ou o equivalente ao 4º ano ginasial, portanto,
naquela época representava o fim do ensino fundamental, com direito a formatura
do curso e imprescindível diploma para poder seguir adiante, através do início
do estudo secundário.
Bem, eu e meus amigos de classe e alguns de outras salas,
éramos os Hippies/Freaks/Rockers do colégio e na média, todos
compartilhavam dos ideais, ainda que em graus de diferente entusiasmo e
comprometimento pessoal com a causa. Eu e Osvaldo Vicino éramos companheiros de
banda e também fazíamos parte dessa turma.
No entanto, foi quando a professora de desenho
geométrico, passou a falar incisivamente para a nossa turma de cabeludos,
durante as suas aulas, sobre a “festa de formatura”, a dar conta de que já
estávamos bastante atrasados para engajarmo-nos em tal celebração, visto que os
demais colegas já haviam aderido oficialmente desde o começo do ano, a pagar
prestações em um carnê organizado para arrecadar os fundos e que todos estavam
animados, menos nós, que éramos “hippies outsiders” e apesar de que tal afirmação
pelo nosso viés fora um elogio, porém, pela conotação que ela quis enfatizar,
no sentido em denegrir a nossa imagem, ao estigmatizar-nos como “párias da
sociedade”, em sua visão explícita, mas que devia considerar velada (ou não). Com a nossa negativa sistemática,
adotou a tática em alfinetar-nos abertamente.
Em uma determinada aula, esqueceu-se do conteúdo da
sua geometria e passou os seus cinquenta minutos de aula a atacar os Beatles,
como agentes da decadência do Império Britânico e mediante o uso de uma
argumentação pífia, carregada por preconceitos descabidos e certamente que
baseada na opinião de seus avós desinformados.
Um de nossos colegas, um rapaz
que chamava-se: “Toninho” (que era grande fã do King Crimson e ótimo atacante
do nosso time de futebol), chegou a pedir a palavra para um contra-argumento
pontual, quando afirmou que não entendia o discurso da professora, visto que
até a realeza sabia o valor da banda citada e por ela vilipendiada, visto ter
condecorado os rapazes de Liverpool, com comendas honrosas em reconhecimento
pelos benefícios que a sua fama, sob alcance mundial, trouxera ao Reino Unido e
foi além ao citar que houve época em que os Beatles representavam mais de 20%
do Pib do Reino Unido, um dado irrefutável.
Sem argumentos plausíveis, mas
enfurecida com a sua linha de raciocínio a atacar-nos, respondeu que isso não
importava a desmascarar o seu ódio desmedido, pois ao arvorar-se em ser
“conservadora”, e consequentemente uma entusiasta da Revolução Industrial que
alavancou a glória do Império Britânico, caíra em contradição, pois ela podia
odiar os Rockers cabeludos, mas tal montante que os Beatles movimentaram para
os cofres do Reino Unido, alegrou e muito a Sua Majestade, a Rainha Elizabeth
II. Bem, o que ela quis mesmo, foi desestabilizar-nos.
Visto que a sua tentativa em
ridicularizar-nos falhara, passou a adotar outra estratégia, ao apelar para um
discurso piegas, em torno de provocar-nos o sentimento do remorso.
Naquela
linha folhetinesca, misturada com valores do catecismo católico, exortou-nos a
não decepcionar os nossos pais, e sobretudo os avós, que “sonhavam” com tal
festa, desde que “nascêramos”.
Ora, o seu discurso só piorou, no sentido que a
nossa reação foi imediata ao questionarmos se a festa era para nós, ou uma
encenação para atender as expectativas familiares?
Alardear tal valor, justo
com aquele bando do Rockers que estavam inebriados pela possibilidade concreta
em quebrar paradigmas condicionadores da velha sociedade (a qual chamávamos
como: “careta” para fazer uso de uma gíria bem dessa época e na contrapartida
em que vivíamos ou queríamos viver o mergulho no “desbunde”, outra gíria a
denotar a completa libertação do sistema opressor), fora o seu tiro pela
culatra ou no pé, como queira.
Na sua última tentativa, a Dona
Jandira, que aliás, nem era idosa e pelo contrário, era bem jovem, na casa dos
trinta anos de idade, veio com um ultimato em tom de provocar-nos o medo ante a
possibilidade do arrependimento.
Com mais um discurso melodramático,
exortou-nos que aquela seria a nossa última chance para não cometermos um erro
pelo qual arrepender-nos-íamos pelo resto das nossas respectivas vidas. Disse,
como se fosse uma personagem de novela da TV Tupi: -“essa lembrança será
eternizada em um álbum de fotos e vocês não estarão nele”...
Diante de tal cena, a nossa reação
espontânea em rirmos, não causou-lhe uma explosão nervosa por sentir-se
ironizada, ainda bem, e a seguir, apenas resmungou alguma coisa sobre termos
feito a nossa equivocada escolha.
Ao pensar hoje em dia, mantenho a mesma
postura que tive em 1976 e de fato, ao não ter comparecido em tal festa, isso
não mudou em nada a minha vida para pior como a professora preconizara, amparada
pelos seus valores. Claro que respeito a opção dos demais colegas da minha sala
e de outras de terem participado, mas continuo a considerar que não perdi
absolutamente nada.
As boas lembranças que guardo dos colegas, não só os
Rockers, mas de todos com os quais convivi, estão indelevelmente armazenadas na
minha memória. Isso vale para os professores, incluso a Dona Jandira que odiava
os Hippies e o Rock de uma maneira geral, aos demais professores; aos jogos de
futebol do campeonato interno do colégio, e que foram muito prazerosos para
participar.
E também por lembrar-me que foi na
sala de aula que frequentávamos naquela escola, que o meu amigo e colega,
Osvaldo Vicino, convidou-me para formar a minha primeira banda, o Boca do Céu,
em uma tarde de abril desse ano de 1976.
Foi também em sua companhia e naquela
quadra esportiva, ali presente, que além dos campeonatos que disputamos,
tornou-se igualmente um cenário importante para a nossa iniciante banda, quando
em um dia do final de agosto desse mesmo ano, recebemos a visita de um jovem
aspirante a cantor que interessara-se em conhecer a nossa banda, para talvez
trabalhar conosco, motivado pelo anúncio que havíamos publicado em uma
importante revista musical da época, a seminal publicação: “Rock, a História e
a Glória”. Foi ali que conhecemos o jovem, Laert Julio, ainda não conhecido
como “Sarrumor”, nessa ocasião.
Sendo assim, a dona Jandira pode ficar descansada, pois da festa de
formatura que eu não compareci, não guardo nenhum remorso por tal ausência, mas
lembranças ótimas da escola, tanto pelo lado pessoal, mas principalmente pela
formação da minha carreira, eu tenho sim, bem armazenadas na memória.
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