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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Crônicas da Autobiografia - A Minha Ausência no Baile de Formatura - Por Luiz Domingues


                     Aconteceu no começo do Boca do Céu, em 1976...

No segundo semestre de 1976, eu encontrava-me enlouquecido com a perspectiva em estar enfim a fazer parte de uma banda de Rock verdadeira, com pelo menos um músico que sabia tocar o básico com desenvoltura (Osvaldo Vicino), um talento nato e bruto com sinais de genialidade inequívocos (Laert “Sarrumor” Julio), e os demais (eu mesmo, Luiz Domingues), e o caçula da banda, Fran Sérpico, como absolutos iniciantes no estudo musical, mas a esforçar-nos para vencer a barreira inicial do aprendizado. 
 
No meu caso em específico, a empolgação ia além, visto que a minha própria percepção de avanço, tanto no instrumento em específico, quanto nos rudimentos da teoria musical, aliara-se a euforia de estar inserido na banda e também por toda a ambientação em torno dos ideais aquarianos, quando finalmente passei a sentir-me não apenas como um fervoroso entusiasta da movimentação contracultural como um todo, mas sim, como um personagem atuante dentro do movimento e nesse caso, pouco importava-me a minha então parca condição como reles principiante e tampouco o modestíssimo estágio pelo qual a nossa banda encontrava-se.

Então, inebriado por tal “momentum” auspicioso, o choque com as imposições sociais, tanto no âmbito familiar, quanto no aspecto da vida escolar em curso, ganhou contornos interessantes, em termos de conflitos e seu inerente choque, ao gerar a oportunidade para acelerar o processo de amadurecimento. 
 
Dá para escrever várias crônicas específicas a citar tais situações, separadamente com certeza, e creio que será um caminho a ser percorrido em um futuro bem próximo. 
Neste caso, falo sobre um evento que tornou-se inevitável para testar essa ambivalente situação em estar a forjar-me como um Rocker idealista e pleiteante à vida artística profissional; simultaneamente a viver o curso de meus dezesseis anos de idade e por conseguinte, ter momentânea mentalidade juvenil sob muitos aspectos; obviamente estar sob o controle dos meus pais e com obrigações escolares a cumprir. 
 
Nesses termos, em 1976, eu estava a concluir a 8ª série, ou o equivalente ao 4º ano ginasial, portanto, naquela época representava o fim do ensino fundamental, com direito a formatura do curso e imprescindível diploma para poder seguir adiante, através do início do estudo secundário. 
 
Bem, eu e meus amigos de classe e alguns de outras salas, éramos os Hippies/Freaks/Rockers do colégio e na média, todos compartilhavam dos ideais, ainda que em graus de diferente entusiasmo e comprometimento pessoal com a causa. Eu e Osvaldo Vicino éramos companheiros de banda e também fazíamos parte dessa turma. 
No entanto, foi quando a professora de desenho geométrico, passou a falar incisivamente para a nossa turma de cabeludos, durante as suas aulas, sobre a “festa de formatura”, a dar conta de que já estávamos bastante atrasados para engajarmo-nos em tal celebração, visto que os demais colegas já haviam aderido oficialmente desde o começo do ano, a pagar prestações em um carnê organizado para arrecadar os fundos e que todos estavam animados, menos nós, que éramos “hippies outsiders” e apesar de que tal afirmação pelo nosso viés fora um elogio, porém, pela conotação que ela quis enfatizar, no sentido em denegrir a nossa imagem, ao estigmatizar-nos como “párias da sociedade”, em sua visão explícita, mas que devia considerar velada (ou não). Com a nossa negativa sistemática, adotou a tática em alfinetar-nos abertamente. 
Em uma determinada aula, esqueceu-se do conteúdo da sua geometria e passou os seus cinquenta minutos de aula a atacar os Beatles, como agentes da decadência do Império Britânico e mediante o uso de uma argumentação pífia, carregada por preconceitos descabidos e certamente que baseada na opinião de seus avós desinformados. 
 
Um de nossos colegas, um rapaz que chamava-se: “Toninho” (que era grande fã do King Crimson e ótimo atacante do nosso time de futebol), chegou a pedir a palavra para um contra-argumento pontual, quando afirmou que não entendia o discurso da professora, visto que até a realeza sabia o valor da banda citada e por ela vilipendiada, visto ter condecorado os rapazes de Liverpool, com comendas honrosas em reconhecimento pelos benefícios que a sua fama, sob alcance mundial, trouxera ao Reino Unido e foi além ao citar que houve época em que os Beatles representavam mais de 20% do Pib do Reino Unido, um dado irrefutável. 
 
Sem argumentos plausíveis, mas enfurecida com a sua linha de raciocínio a atacar-nos, respondeu que isso não importava a desmascarar o seu ódio desmedido, pois ao arvorar-se em ser “conservadora”, e consequentemente uma entusiasta da Revolução Industrial que alavancou a glória do Império Britânico, caíra em contradição, pois ela podia odiar os Rockers cabeludos, mas tal montante que os Beatles movimentaram para os cofres do Reino Unido, alegrou e muito a Sua Majestade, a Rainha Elizabeth II. Bem, o que ela quis mesmo, foi desestabilizar-nos.
Visto que a sua tentativa em ridicularizar-nos falhara, passou a adotar outra estratégia, ao apelar para um discurso piegas, em torno de provocar-nos o sentimento do remorso. 
 
Naquela linha folhetinesca, misturada com valores do catecismo católico, exortou-nos a não decepcionar os nossos pais, e sobretudo os avós, que “sonhavam” com tal festa, desde que “nascêramos”. 
 
Ora, o seu discurso só piorou, no sentido que a nossa reação foi imediata ao questionarmos se a festa era para nós, ou uma encenação para atender as expectativas familiares? 
 
Alardear tal valor, justo com aquele bando do Rockers que estavam inebriados pela possibilidade concreta em quebrar paradigmas condicionadores da velha sociedade (a qual chamávamos como: “careta” para fazer uso de uma gíria bem dessa época e na contrapartida em que vivíamos ou queríamos viver o mergulho no “desbunde”, outra gíria a denotar a completa libertação do sistema opressor), fora o seu tiro pela culatra ou no pé, como queira.
Na sua última tentativa, a Dona Jandira, que aliás, nem era idosa e pelo contrário, era bem jovem, na casa dos trinta anos de idade, veio com um ultimato em tom de provocar-nos o medo ante a possibilidade do arrependimento. 
 
Com mais um discurso melodramático, exortou-nos que aquela seria a nossa última chance para não cometermos um erro pelo qual arrepender-nos-íamos pelo resto das nossas respectivas vidas. Disse, como se fosse uma personagem de novela da TV Tupi: -“essa lembrança será eternizada em um álbum de fotos e vocês não estarão nele”...
 
Diante de tal cena, a nossa reação espontânea em rirmos, não causou-lhe uma explosão nervosa por sentir-se ironizada, ainda bem, e a seguir, apenas resmungou alguma coisa sobre termos feito a nossa equivocada escolha. 
 
Ao pensar hoje em dia, mantenho a mesma postura que tive em 1976 e de fato, ao não ter comparecido em tal festa, isso não mudou em nada a minha vida para pior como a professora preconizara, amparada pelos seus valores. Claro que respeito a opção dos demais colegas da minha sala e de outras de terem participado, mas continuo a considerar que não perdi absolutamente nada. 
 
As boas lembranças que guardo dos colegas, não só os Rockers, mas de todos com os quais convivi, estão indelevelmente armazenadas na minha memória. Isso vale para os professores, incluso a Dona Jandira que odiava os Hippies e o Rock de uma maneira geral, aos demais professores; aos jogos de futebol do campeonato interno do colégio, e que foram muito prazerosos para participar. 
E também por lembrar-me que foi na sala de aula que frequentávamos naquela escola, que o meu amigo e colega, Osvaldo Vicino, convidou-me para formar a minha primeira banda, o Boca do Céu, em uma tarde de abril desse ano de 1976. 
 
Foi também em sua companhia e naquela quadra esportiva, ali presente, que além dos campeonatos que disputamos, tornou-se igualmente um cenário importante para a nossa iniciante banda, quando em um dia do final de agosto desse mesmo ano, recebemos a visita de um jovem aspirante a cantor que interessara-se em conhecer a nossa banda, para talvez trabalhar conosco, motivado pelo anúncio que havíamos publicado em uma importante revista musical da época, a seminal publicação: “Rock, a História e a Glória”. Foi ali que conhecemos o jovem, Laert Julio, ainda não conhecido como “Sarrumor”, nessa ocasião. 
Sendo assim, a dona Jandira pode ficar descansada, pois da festa de formatura que eu não compareci, não guardo nenhum remorso por tal ausência, mas lembranças ótimas da escola, tanto pelo lado pessoal, mas principalmente pela formação da minha carreira, eu tenho sim, bem armazenadas na memória.

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