Aconteceu no
tempo d’A Chave do Sol, em 1986
Apesar da
nossa banda jamais ter chegado perto de um espectro popular, isso não significou que
não tenhamos tentado atingir uma mídia mais abrangente, popular em essência e
até popularesca, pois nunca nutrimos preconceito contra nenhum meio difusor de
cultura.
É lógico que sabíamos que a nossa estética não permitiria que um dia alcançássemos
uma popularidade gigantesca, pois é óbvio que sabíamos que não seria o caso. E
nem desejávamos tal sucesso nesses termos, porém, por outro lado, sempre
achamos válido participar de programas de rádio e TV não necessariamente
fechados no espectro do Rock e igualmente termos reportagens ao nosso respeito,
publicadas em jornais e revistas populares.
Aliás, isso
de fato ocorreu e eu diria com uma profusão até surpreendente, pois a nossa
banda foi habitue de um programa radiofônico bastante popular da Rádio
Excelsior/Globo, no caso do “Balancê”, apresentado por Fausto Silva, também em programas da Rádio
Jovem Pan, aparecemos em muitos programas femininos na TV aberta e até em
programa com a participação do famigerado “Menudo” já havíamos participado, além de termos sido citados em publicações
em jornais e revistas populares, como: “Amiga TV Tudo”, Revista “Homem” e o Jornal
“Notícias Populares”, o famoso “espreme sangue”, um jornal centrado no
jornalismo policialesco e notadamente sensacionalista a abordar crimes hediondos,
daí a pecha de verter as suas páginas em sangue.
"Saudade" (Rubens Gióia / Beto Cruz), proveniente da demo-tape que a nossa banda gravou em abril de 1986
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=nKeUh16MY_I
Então, sem
preconceitos, resolvemos em 1986, assim que lançamos uma demo-tape com material
inédito, abordar alguns programas populares de algumas emissoras de rádio e TV,
onde o pai do Rubens Gióia, o saudoso e muito bondoso para com a nossa banda,
Dr. Rafael Gióia Junior, mantinha boas relações de amizade.
Isso se dava pelo
fato do Dr. Rafael ter tido em paralelo à sua carreira política (ele foi
vereador na cidade de São Paulo, deputado estadual e deputado federal por
vários mandatos), uma atividade como poeta, com livros lançados, além de ter sido um radialista que trabalhou em grandes emissoras.
Como radialista, ele teve programa por muitos anos e daí, conhecia muitas pessoas
no meio radiofônico e também no televisivo. Mesmo afastado de tal atividade
naquele momento dos anos oitenta, ele ainda conhecia muita gente que estava na
ativa nesse meio e ao ter em vista que a nossa banda crescera por nossos próprios
esforços, em uma batalha árdua que travávamos desde 1982, de livre e espontânea
vontade, sinalizou que gostaria de auxiliar-nos, visto que nós também deixamos
claro que estávamos abertos a explorar programas fora do mundo do Rock, onde
justamente ele detinha os seus contatos.
Eis que ele preparou então uma bela carta de apresentação, personalizada para cada contato que detinha e foram muitos. Mediante material da banda e as cartas do Dr. Rafael, visitamos escritórios de produção radiofônica, televisivas e redações de jornais e revistas populares.
Na prática, o resultado obtido em nosso favor
foi nulo, pois certamente que o nosso som fugira do espectro habitual desses órgãos
difusores, e nem ficamos inteiramente frustrados com tal resultado pífio, em
face da realidade de sermos artistas de um outro mundo estético, sem dúvida.
Entretanto,
em um caso em específico, algo muito desagradável ocorreu. Tratou-se de um
programa popular de TV, tradicional e que na época era exibido pelo TV Record
de São Paulo. O seu apresentador era um sujeito com longa trajetória já
ostentada naquela época, famoso por inventar bordões e maneirismos popularescos.
Para muitas pessoas, ele era um exemplo de bom mocismo, por forjar a imagem de
que ajudava artistas iniciantes a galgar degraus na carreira etc. e tal. E ao
contrário de outras pessoas que foram recomendadas pelo Dr. Rafael, mais a atuar
nos bastidores, neste caso, o seu contato direto foi com esse comunicador.
Eu, mesmo em
pessoa, Luiz Domingues, fui o designado para estabelecer a abordagem com o tal
apresentador e senti-me seguro para estabelecer tal contato, pois além de estar
acostumado a visitar emissoras e redações (esta é na prática, uma das minhas
únicas boas lembranças dos anos oitenta, visto que eu tenho saudade do tempo em
que não havia nenhuma dificuldade para um artista independente em pessoa fazer
tal tipo de abordagem, algo impossível nos dias atuais), havia comigo a carta do Dr.
Rafael em mãos, como uma espécie de salvo-conduto valioso.
Todavia, nessa
altura, já com alguma experiência acumulada, é evidente que eu não fui confiante
de que daria tudo certo sem reservas, visto que nesse mundo, mesmo com tais
bons indícios dos quais eu dispunha, na verdade eu já havia acumulado frustrações nos
anos anteriores e tornara-me mais cauteloso para lidar com os órgãos de
comunicação. Ainda bem que eu fui com tal reserva pessoal, aliás, pois uma
surpresa desagradável ocorreu-me.
Cheguei às
dependências da TV Record, que ainda mantinha os seus estúdios nas instalações
da Avenida Miruna, no bairro de Moema, na zona sul de São Paulo e enquanto
aguardava pela chegada do tal astro da TV. Tive um momento de recordação pessoal
muito boa ao mirar aqueles painéis antigos que ostentavam fotos de momentos
gloriosos que essa emissora tivera nos anos cinquenta e sessenta, sobretudo.
Foi quando um funcionário avisou-me que o figurão chegara e que atender-me-ia
em poucos minutos. Todavia,
assim que eu vi a persona do tal astro popular, já notei que o seu passo apressado
em minha direção, a somar-se ao seu semblante fechado a denotar extrema
contrariedade, não fora um bom indício.
Em uma questão de segundos, ele mal
respondeu a minha saudação de “boa tarde” e com muita rispidez, falou em um tom
duro: -“o que você quer?”
Bem, ao notar que ele estava pouco receptivo, fui o
mais sucinto que eu pude em minha explicação e nem mesmo quando citei o nome do
Dr. Rafael, ele sensibilizou-se e deu-me um mínimo de atenção. Profundamente
contrariado, falou-me que não estava a entender o que eu desejava, como se
fosso possível não haver compreendido a minha explicação muito objetiva.
Irritado, ele ignorou o material de minha banda, para sair a resmungar que
estava muito ocupado e que simplesmente não tinha tempo para ouvir alguém a
perturbá-lo, mas logicamente a usar um outro palavreado a insinuar que uma
determinada parte da anatomia masculina tendia a inflar-se quando um homem era
sujeito a aborrecimentos em geral.
O
saudoso, Dr. Rafael Gióia Junior, pai do nosso guitarrista, Rubens
Gióia. Poeta sensível, ele soube valorizar com galhardia o trabalho da nossa
banda, A Chave do Sol, e foi um incentivador da nossa luta. Como diz
uma canção do nosso próprio repertório, "saudade" desse gentleman!
Bem, diante de tal grosseria, não ficamos chateados com a falta de perspectiva de não participarmos de seu programa, e nem mesmo eu em particular fiquei ofendido com o desdém descabido. Somente poupamos o Dr. Rafael desse acontecimento, e que certamente o desapontaria, dada a consideração que ele sentia por esse pulha.
Para todos os efeitos, o material fora entregue, com a sua carta de recomendação
e a nossa não escalação para o programa se ateu-se apenas por uma contingência da agenda
do programa, portanto algo normal no meio televisivo.
Para o Dr. Rafael, fica
aqui mais uma vez o meu agradecimento pelo fato cabal de que não apenas por tal
episódio, mas a pensar na conjuntura completa, ele foi um grande incentivador da
nossa banda.
E para essa figura que destratou-me e por extensão, a minha/nossa banda, e que construiu a sua imagem popular como um especialista em “ajudar” artistas em início de carreira, não chego a dizer que desapontou-me, pois eu sabia que a falsidade exibida na TV, sempre foi grande, mas evidentemente que lastimo a sua atitude grosseira.
E claro, para ele que viveu de audiência a sua vida
inteira, não vou citar o seu nome, justamente para não dar-lhe a notoriedade indevida.
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