Neste meu Blog 3, dedico todo o espaço para cuidar da minha carreira musical. Além de publicar os textos na íntegra, dos meus livros autobiográficos, apresento também material em geral de todas as bandas pelas quais atuei e atuo, sob permanente construção.
Das quatro
salas de ensaio que o Sidharta utilizou em sua trajetória, certamente que o
estúdio do Paulo “PA” Antonio, ex-baterista do “RPM”, localizado
no bairro da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, foi o que mais gostamos de
usar, por conter o despojamento e o astral muito próximo do que nós queríamos
resgatar em termos de elos com a contracultura sessentista.
Entretanto, apesar
de apreciarmos todos esses fatores, chegou o dia em que um novo estúdio recém
inaugurado e localizado no bairro vizinho, a Aclimação, fez uma oferta melhor e
nós resolvemos migrar para esse novo espaço.
Bem, a despeito do bom preço acertado e o fato de que por ser novo, o
estúdio tinha condições estruturais bem melhores, incluso no quesito mais
importante, que foi o equipamento disponível, a ambientação em termos mais
subjetivos, não foi nem de longe compatível com a nossa expectativa.
Extremamente
insosso, mais parecia uma clínica odontológica, pela sua frieza asséptica, com
ares medicinais e impessoais. Até aí tudo bem, se no estúdio do “PA” nós
tínhamos a sensação de estarmos a ensaiar em uma caverna hippie, ali nesse novo
estúdio, tudo revelou-se frio em demasia, porém, visto pelo lado prático, não tratava-se
da nossa casa e apenas um lugar alugado, portanto, apesar de não ser inspirador,
haveria por servir ao propósito primordial, ou seja, simplesmente ensaiarmos.
Nesse
estúdio havia dois sócios, um que era muito simpático e portanto mais a ver conosco, por
ser um guitarrista de blues, em essência, portanto, com um certo apreço pela
sonoridade vintage que buscávamos no trabalho de nossa banda.
E o outro, um rapaz
taciturno, sempre mal-humorado e declaradamente fã de Heavy-Metal extremo. Esse
rapaz não era mal educado, tampouco impertinente, pois nunca destratou-nos ou
teceu comentários desagradáveis em relação a nós, pessoalmente ou à nossa banda, mas a
sua antipatia em relação ao nosso trabalho e sobretudo sobre todos os signos
que professávamos, revelou-se patente.
Sempre com semblante duro, como se
vivesse vinte e quatro horas por dia, contrariado, mal disfarçava o seu incômodo ao ver-nos
a entrar e trajados com uma indumentária inteiramente contrária aos seus ideais,
visto que usávamos batas indianas coloridas ou camisetas ao estilo “Tye-Dye” e
calças “boca-de-sino”, em geral, em contraponto às suas bermudas e camisetas
pretas a exibir estampas mediante capas de discos ultrajantes da parte de artistas do mundo
do Heavy-Metal extremo que ele certamente devia apreciar.
Tal choque
de opiniões tão díspares entre si, não chegou ao ponto de incomodar-nos e
creio, que a recíproca foi verdadeira em princípio, mas em um determinado dia,
acho que o rapaz não suportou aguentar calado o seu incômodo e teve um ato falho
por conta disso.
Ocorreu que surgira uma conversa em torno de gravarmos uma
Demo-Tape e como justamente o entusiasta do Heavy-Metal era o responsável pela
operação do equipamento de gravação, como um "tape operator", foi ele a demonstrar
as potencialidades do estúdio e claro, o seu portfólio para demonstração aos
clientes foi composto logicamente por trabalhos realizados por bandas de Heavy-Metal que
ali haviam gravado.
Pois foi nessa demonstração, que ele iniciou a falar sobre a
parte técnica do estúdio, logicamente. No entanto, em dado instante,
empolgou-se e assim, esqueceu-se inteiramente do seu propósito técnico e passou
a tecer considerações estéticas sobre as bandas que ouvíamos.
Ao lançar
diversas odes ao Heavy-Metal extremo, nitidamente adotou uma postura de
desabafo pessoal, ainda que velado. Falou-nos com entusiasmo desmedido e despropositado
sobre as maravilhas em torno daquela estética tão contrária aos nossos ideais e
nós o respeitamos, obviamente, sem retrucar em momento algum, mesmo por que, não
tínhamos nenhum interesse em convencê-lo que as estéticas que apreciávamos seriam
supostamente melhores.
Nunca, em momento algum, esbarrou-se em um
confronto tenso e declarado, mas ao final, quando ele percebeu que nós não estávamos
de forma alguma interessados no som daquelas bandas, ele fez uma pergunta onde
escancarou enfim, todo o seu inconformismo com os nossos propósitos: -“vocês
realmente gostam dessas coisas do passado?”
Aconteceu no tempo de Kim Kehl & Os Kurandeiros, em 2012
Já havíamos tocado muitas vezes
nessa casa, chamada, Magnólia Villa Bar
e antes mesmo de eu ter ingressado na banda, em agosto de 2011, Os Kurandeiros
já possuíam uma tradição em ali apresentar-se com regularidade.
Pois foi certa vez, no início do ano de 2012,
que um fato curioso ocorreu e não foi ali no calor da apresentação, mas sim,
graças a exibição de um vídeo dessa referida ocasião, assim que ele foi postado
devidamente no portal da Internet, YouTube.
Ocorreu
que especificamente
nesse show, eu havia mexido no estojo do meu instrumento que usaria,
durante a
tarde e quando cheguei ao estabelecimento e fui preparar o meu set,
verifiquei
que havia esquecido-me da minha correia e para piorar a situação, nem
mesmo a
correia sobressalente que sempre levo, e que também fora suprimida
indevidamente durante a arrumação vespertina que eu promovi,
portanto a caracterizar o lapso que cometi ao mexer no estojo e não
repor todos
os acessórios necessários, mediante uma checagem básica.
Fiquei muito
chateado
na hora, pois um deslize desses é imperdoável para qualquer profissional
que se preze, mas de nada adiantava lamentar. Pedi desculpas aos
companheiros e logo
solicitei ao Kim a gentileza em emprestar-me uma correia de suas
guitarras, mas ele
também não tinha uma sobressalente, pois apenas contava com a sua usual,
para poder trabalhar.
Enfim, como resultado, não tive outra alternativa a não ser tocar
sentado, nessa
apresentação. Deselegante em face que a nossa postura não era igual a de
músicos eruditos ou mesmo de jazzistas tradicionais, que tocam
normalmente sentados, sem nenhum
problema, mas com a postura Rocker, em tocar em pé.
Bem, diante da
impossibilidade e com a solidária compreensão dos colegas, lá fui eu tocar a
noite inteira sentado em uma cadeira, um tanto quanto constrangido,
internamente, mas a tocar tranquilo pelo respaldo dos colegas, sobretudo e
também das pessoas da audiência que não demonstraram nenhum incômodo.
E pelo
contrário, tal situação motivou piadas amenas, como por exemplo quando o Kim ao apresentar-me,
ter falado alguma coisa sobre eu ser preguiçoso, mas em tom de brincadeira super
respeitosa, que eu e todo mundo entendeu perfeitamente em tratar-se de algo bem
leve.
Todavia, alguns vídeos
dessa noite foram postados no You Tube, e assim, eis que no dia seguinte, um
rapaz que dizia-se músico e um estudioso do Blues, oriundo de alguma cidade de
um estado da região Centro-Oeste, Mato Grosso ou Goiás, não recordo-me, postou
um comentário com uma certa dose de agressividade, que chamou-nos a atenção. Iniciou
com uma boa dose de soberba a falar sobre si mesmo e o quanto “entendia” de
Blues, para depois passar a analisar a nossa performance como se fosse um
crítico renomado de algum órgão importante da imprensa.
Até aí, tudo bem, as
pessoas são livres para externar as suas impressões. Mas o rapaz, nitidamente,
mais pareceu estar preocupado em exibir-se como um “expert” no assunto e muito pelo contrário, o
seu suposto conhecimento mostrou-se bem limitado pelas colocações que emitiu em termos
de explanações sobre teoria musical, produção de áudio e musicologia.
E o auge
de seu comentário veio diretamente relacionado ao meu esquecimento daquela
noite, pois finalizou da seguinte maneira: -“a banda é boazinha, até que
interpretou bem o Blues em questão, mas avisa esse baixista aí, que ele precisa
largar mão de tocar sentado e aprender que o Blues merece o respeito em ser
tocado em pé”.
Um
vídeo dessa noite em que comentei, a mostrar a performance da banda a
executar "Sweet Home Chicago", com Renata "Tata" Martinelli no comando
da voz e participações especiais do tecladista, Alexandre Rioli e do
hoje saudoso guitarrista, Claudio "Urso" Camargo. Kim Kehl & Os
Kurandeiros no Magnólia Villa Bar de São Paulo, em 15 de fevereiro de
2012.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=0iHvrpQLtpg
Ora, ora, eu respeito o
Blues, fiquei chateado por haver tocado sentado naquela noite e tudo fora fruto de
um acidente motivado por uma distração fortuita ao preparar o meu instrumento previamente
em minha residência.
Mas o rapaz não quis saber e fez o seu julgamento impiedoso e com
direito a advertir-me sem saber da situação que motivara-me a tocar dessa forma
e muito menos saber da minha trajetória na música e o zelo que sempre tive/tenho e terei para apresentar-me da melhor forma possível.
Foi o tal negócio, como
era/é fácil tecer críticas gratuitas... e que prazer mórbido a maioria das pessoas que prestam-se
a tomar tal tipo de atitude nociva em redes sociais, parece obter com isso.
Sei bem o quanto era e é
ainda (talvez nos tempos atuais, sob outros aspectos, é bem verdade), gravar um
disco e enfrentar a dura batalha pela sua divulgação. Mil vezes mais difícil, se
for um esforço empreendido por um artista independente, sob uma condição
praticamente crônica de falta de apoio, generalizada.
Portanto, ao pensar em
meu caso, aliás, independente de qual banda eu estivesse a atuar na ocasião, eu
sabia que a labuta sempre fora árdua, mesmo que eu estivesse em uma banda com
uma melhor condição e esse foi o caso do Pitbulls on Crack, que nunca atingiu o
mega estrelato do patamar mainstream, mas em seus discos teve apoio de duas gravadoras
consideradas sob porte médio, a ostentar uma infraestrutura muito acima da penúria total com
o qual um artista sem apoio algum enfrentaria normalmente essa tarefa. Então, por saber bem
das dificuldades, a minha postura nunca mudou, pois eu sabia o que representa trabalhar com
parcos recursos e muito pior, sob ausência completa de uma estrutura mínima.
Foi em meados de 1994, quando
empreendíamos esforços para divulgar as duas músicas que graváramos dentro da
coletânea “A Vez do Brasil”, da gravadora Eldorado, que eu e os meus colegas do
Pitbulls on Crack presenciamos uma cena que seria até engraçada, se não fosse,
ao contrário, muito humilhante e posso até dizer, inadmissível.
Ocorreu que
fomos conceder uma entrevista a uma emissora de rádio, aliás com bastante
relevância no Dial das FM’s de São Paulo. Então, eis que alguns minutos antes da
nossa entrevista, uma banda da cena pesada, consagrada, inclusive, em seu nicho
de atuação, estava a ocupar a sala da diretoria.
Os componentes dessa banda
eram amigos, todos muito gentis e eu, particularmente os conhecia bem, desde os
anos oitenta. Estavam ali a divulgar o
seu recém lançado novo LP e pleiteavam com o programador da emissora, a sua execução.
Em princípio, já haviam quebrado uma regra velada do meio artístico, é preciso
observar, visto que não é de bom tom, o próprio artista tratar de assuntos
dessa natureza.
O mais adequado é tal tipo de negociação ser empreendida por um
empresário; agente; produtor ou melhor
ainda, o assessor de imprensa da banda ou da gravadora a tratar tal assunto.
Há
inclusive no meio midiático, uma tendência a considerar tal ato perpetrado diretamente
pelo próprio artista, como um sinal de amadorismo e isso causa uma má
impressão, que muitas vezes pode estigmatizar o artista de uma forma
irreversível.
Por
saber de sua luta, há
anos, claro que eu entendi o propósito dos rapazes e mais do que isso,
compreendi completamente que se tivessem um grande apoio empresarial,
não
estariam ali pessoalmente, pois eles tinham consciência de como
funcionava os bastidores da
relação entre artistas e órgão da mídia, mas se ali estavam em pessoa,
denotava
que não tiveram outra alternativa a não ser eles mesmo a travar tal
contato.
Todavia, a paciência solidária que tiveram de minha parte, como um
colega de
profissão, eles dificilmente teriam daquelas pessoas da emissora,
viciadas em
usufruir das benesses escusas da famosa e execrável prática do dito
“jabaculê”
ou “Jabá”, na forma mais popular, ou seja, aquela famigerada forma de
”ágio”,
para expressar tal procedimento de uma forma mais amena.
Dessa forma,
assim que
os rapazes da tal banda pesada saíram da sala e cumprimentou-nos,
falaram
animadamente sobre a conversa ter sido muito frutífera com o pessoal da
rádio e assim, o disco ter garantido o seu lançamento com um
testemunhal de
locutor; uma possível entrevista com a banda a ser agendada e que uma
canção de
“trabalho”, entraria na programação. Estavam bem animados e a priori, se
contaram-nos tais novidades alvissareiras, certamente que não haveria
por
duvidar-se da palavra dos dirigentes da emissora que prometeu-lhes tais
ações
de divulgação de seu trabalho.
Porém, não era assim que
funcionava uma negociação dentro de uma emissora de rádio, definitivamente, pois assim que despediram-se de nós e partiram, um
dos programadores da emissora passou por nós e ao ironizar com bastante
sarcasmo, vociferou : -“eles vieram aqui para lançar o seu disco. Pois vejam só,
vou lançá-lo, agora... bem no alto”... foi quando abriu a janela e arremessou o
álbum, com capa e tudo, fechou a janela e ainda arrematou : -“está lançado a porcaria
do disco deles”...
Ao considerar-se que estávamos em um andar muito alto de um edifício,
tal ato pode ser considerado engraçado por alguns ali, mas nós que também éramos
artistas e sobretudo pelo fato de sermos amigos dos componentes daquela banda,
ficamos bastante chateados com tal ato em tom de profundo desrespeito.
E por
outro lado, não causou-nos uma grande surpresa, infelizmente, pois nessa altura
dos acontecimentos, já tínhamos uma bagagem bastante considerável,
na música. Entretanto, foi óbvio que tal escárnio arrogante da parte de
quem deveria difundir arte livremente, mas agia dessa forma aviltante, revelou-se
intolerável.
Aconteceu no tempo de Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, em 2011
Eu estava empolgado por
participar da banda de apoio ao compositor, cantor e poeta, Ciro Pessoa,
justamente após ter travado bons diálogos com ele, nesse período em que
precedeu a realização dos primeiros ensaios a visar os primeiros shows e por conseguinte,
ter desfeito a falsa impressão de que o Ciro, por ter sido um egresso da cena
oitentista em torno da estética Pós-Punk (por ter feito parte de bandas desse setor, tais como os
Titãs e o Cabine C), fosse naturalmente um adepto dos preceitos ordinários
daquela estética.
Mas como isso não correspondia à verdade e muito pelo
contrário, Ciro mostrou-se tão entusiasmado por estéticas sessenta-setentistas, quanto eu, tal fator não só trouxe-me a sensação de alívio em não
ter que enfrentar nenhum antagonismo, mas na verdade, a empolgação do que ali
entre nós, haveria por predominar o conceito: "o futuro é Pink Floyd", como ele mesmo gostava em alardear como
uma profecia para aludir ao resgate psicodélico.
Não foi no primeiro,
tampouco no segundo, mas exatamente no terceiro ensaio, que sentimo-nos mais
seguros, individualmente com a execução das canções, e o entrosamento começou a
surgir na parte coletiva da banda.
E foi ali que o Ciro Pessoa impressionou-me com uma
performance intensa. Na verdade, já nos dois ensaios iniciais, por ser o autor
das músicas e com a responsabilidade apenas para cantar e não ater-se a
manipular instrumentos, ele já mostrou-nos a sua força interpretativa ao portar-se como
se já fosse o show e eu gostara dessa postura, pois além do profissionalismo,
ele demonstrou uma capacidade para mergulhar na emoção.
Entretanto, foi no terceiro
ensaio, com a banda a tocar mais naturalmente, sem inseguranças típicas de um
conglomerado formado por músicos que ainda não conhecem-se com a fluidez musical
o suficiente para tocar sem olhar-se mutuamente para sinalizar mudanças
harmônicas e ou rítmicas, que ele mergulhou ainda mais na sua interpretação e
aquela loucura cênica toda de sua parte, estava a empolgar-me, exatamente por
ser versada na mais pura representação da psicodelia sessentista, uma de minhas
predileções em termos de escolas dentro do Rock.
Pois foi bem na parte final
da canção denominada : “Planos” (que aliás era uma das minhas prediletas,
exatamente por ser muito parecida com aquele estilo “Space Rock” do Pink Floyd,
bem naquela transição do trabalho dessa banda, da psicodelia pura para o Rock
Progressivo setentista), que ele costumava declamar um monólogo improvisado,
enquanto a banda executava um “looping” harmônico com quatro acordes e sob uma
levada ultra divagante, quase sob o poder de um mantra.
E assim, sob tais condições, o monólogo
mantinha uma mola mestra, mas a cada execução, ele mudava a ordem e até algumas
citações inteiras, sob o poder do improviso. De fato, ele cometeu tal
procedimento em diversos shows que fizemos doravante, contudo, foi naquele
terceiro ensaio, que a sua inspiração chegou ao clímax, pois nunca mais ele reproduziu
aquela fala com tamanha intensidade.
Ocorreu portanto, que foi entre várias
frases proferidas em tom de ode à psicodelia e ao surrealismo, que ele passou a enumerar
fatos e pessoas relevantes dentro desse universo, a citar de Syd Barrett a
Salvador Dali, de Magritte a Manoel de Barros, Jimi Hendrix a André Breton,
Luiz Buñuel e outros tantos, onde até o Marquês de Sade que não fora nada
surrealista; tampouco psicodélico, entrou na lista.
Mas ao se empolgar, foi
além e se a cada nome ele intensificava o seu gestual e ênfase vocal, foi
quando gritou: -“Viva a Loucura”, que atingiu o ápice e aquilo impressionou-me
sobremaneira.
Pois eu entendi
perfeitamente a sintonia incrível em que entráramos, ao criarmos aquela
atmosfera carregada de plena loucura, sim, mas não falo da loucura enquanto
distúrbio mental e com a devida carga negativa a denotar uma anomalia em forma
de doença, no entanto, a loucura pelo viés da absoluta genialidade de quem
quebrara o paradigma da normalidade e nesse aspecto, a loucura como uma
superação e talvez mais do que isso, uma elevação da percepção humana tão
limitada.
Perfeito, por muitos anos,
eu persegui a oportunidade em estar inserido em um trabalho versado pela psicodelia pura
e onde o elogio à loucura não fosse uma mera referência da filosofia de Erasmo
de Rotterdam, mas sim uma reverência ao poder daquela energia especial que permeou
os anos sessenta, enquanto vislumbre da contracultura. Portanto, foi ali naquele
ensaio que eu tive a confirmação de que talvez houvesse alcançado tal
oportunidade, enfim.
Tempos
depois, o trabalho não avançou como que eu esperava, e assim, na
prática, isso não ocorreu com grande volume e tampouco a performance
do Ciro nessa canção, jamais foi tão intensa quanto naquela noite de uma
terça-feira
de novembro de 2011, em uma sala de ensaio localizada no bairro de
Pinheiros,
na cidade de São Paulo. Pois ali, atingimos o píncaro da loucura,
certamente.
Queríamos evocar o sonho hippie na
concepção do Sidharta, não apenas como inspiração e fonte primordial para a
criação de nossas composições, mas também em múltiplos aspectos, alguns deles, bem
sutis, mas em nossa visão, seria algo importante para gerarmos a atmosfera adequada para
que esse trabalho fluísse a contento de nossos ideais.
Um exemplo desse esforço
obstinado para buscar tal ambientação que desejávamos, deu-se pelo fato de que
usávamos muitos incensos para perfumar as salas de ensaios que usávamos para
trabalhar.Ao longo da história dessa banda,
fizemos uso de quatro salas e uma delas, foi a que mais usamos, a caracterizar
uma temporada maior em suas dependências.
Por ter como seu proprietário um
músico que simpatizava com muitos valores parecidos com os nossos, tal sala
tinha uma certa aura freak sessentista, embora esse músico fosse um egresso de
uma banda que fora mega popular nos anos oitenta e apesar dele, pessoalmente, possuir
uma influência sessenta-setentista primordial em sua formação pessoal, a sua banda
fora regida pelos valores oitentistas antagônicos, versados pela cartilha do
movimento Pós-Punk.
Independente desse aspecto, o tal artista era uma
pessoa boa, sempre tratou-nos muito bem e além disso, o seu estúdio parecia uma
caverna hippie, o que foi acolhedor para o tipo de vibração que desejávamos ter
para trabalhar em nossa criação.
Dessa forma, fomos autorizados a
usar incensos a vontade em suas dependências e mais que isso, ele pedia-nos varetas
para acender em sua residência em anexo. Ora, que vibração boa, tocávamos com o
perfume sessentista no ar.
No entanto, essa prática que era um prazer aromático
e ao mesmo tempo uma autoafirmação de nossos propósitos enquanto artistas
comprometidos com as tradições contraculturais mais puras, tornou-se com o
decorrer do tempo, uma necessidade mais que premente.
Pois o rapaz em questão, em
princípio tinha três cães, mas logo tal número subiu, ao tornar-se uma
verdadeira matilha em sua residência e dessa forma, com onze cães da raça Sheep
Dog, a urinar e defecar constantemente pelos corredores e até dentro do próprio
estúdio que alugava-nos, o fato foi que o advento do incenso tornou-se a nossa
única forma para ensaiarmos com um mínimo de preservação de nossa dignidade, em
termos olfativos.
Entretanto,
tudo piorou quando um dia chegamos ao estúdio, munidos da nossa tradicional
caixa com incensos, e percebemos que mesmo ao caracterizar uma enorme
quantidade de varetas disponíveis que tínhamos, tal montante não daria conta,
simplesmente por um fato novo ali instaurado: um caminhão da Sabesp, a
companhia paulista de água e esgoto estava estacionada na porta da residência/estúdio desse nosso amigo e os seus funcionários trabalhavam a todo vapor, e que
o leitor entenda a palavra “vapor” pelo duplo sentido, visto que o odor horroroso
que ali instaurara-se, mostrou-se impressionante.
Mexiam tais trabalhadores, justamente
nos encanamentos do esgoto da calçada e com uma extensão quase até a porta do
estúdio, na edícula da residência.
Bem, diante de tal quadro insalubre,
gastamos todo o nosso arsenal de incensos e o melhor resultado que alcançamos
nesse sentido, foi apenas adocicar o odor exalado pelos encanamentos expostos a
céu aberto, que mostrara-se indescritível em seu caráter insalubre.
Todos nós
já havíamos ouvido falar sobre a podridão humana, em termos hipotéticos, mas
naquele instante, tal expressão ganhou uma conotação mais realista, digamos
assim.
Ainda bem que tínhamos entre as nossas composições, uma canção chamada:
“Tudo Vai Mudar”, pois eis que serviu-nos como um alento naquelas duas horas em
que nem sequeimássemos
o dobro de incensos disponíveis, conseguiríamos amenizar aquela fétida situação.
Aconteceu no
tempo da Magnólia Blues Band, em 2014
As
atividades da Magnólia Blues Band foram intensas enquanto tal banda existiu,
mas houve uma curiosidade sui generis ao seu respeito. Por ter sido criada para
ser uma banda fixa da casa de espetáculos, Magnólia Villa Bar, a banda nunca
apresentou-se em outro lugar. Todos os cento e poucos shows que a banda cumpriu
em sua trajetória, foram realizados no palco dessa citada casa noturna, localizada
no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo.
A casa ficava
localizada em um ponto nobre do bairro, exatamente na esquina das Ruas Aurélia
e Marco Aurélio e para quem conhece bem aquele quadrante do simpático bairro da
Lapa, sabe bem que havia poucas casas noturnas e mesmo comerciais diurnas ali,
pois trata-se de uma área completamente residencial.
Então, era costumeiro
tocarmos a olhar o movimento da rua e se dentro do estabelecimento, o clima era
quente com a presença de um animado público e com o Blues e o Rock a contaminar
o ambiente com energia, nas ruas, o panorama era semelhante a um deserto, com
os moradores recolhidos em suas residências.
Era comum ver senhores idosos a
sair na calçada para depositar o lixo, trajados com pijamas, o que chegava a
ser engraçado.
Mas o
movimento do bar atraia muitas pessoas à cata de estacionamento nas redondezas
e assim, as ruas ficavam desertas em termos de pessoas, mas lotadas com carros estacionados naquele
entorno. Infelizmente, tal profusão de automóveis chamara a atenção de
malfeitores e houve relatos de ações de furtos nos carros, com o roubo de
objetos do seu interior e algumas vezes, até de pneus.
Pois
foi em
uma dessas noites de quarta em que apresentávamo-nos que eu presenciei
uma cena
bizarra. Estava a tocar e olhar vez por outra o movimento da rua, pelas
muitas
janelas que a casa possuía, quando avistei quatro jovens aparentemente
embriagados
a caminhar pelo meio da rua.
Logo que avistei-os, não suspeitei de nada,
pois
os três rapazes e um moça, não tiveram nenhuma atitude suspeita em
princípio, a não
ser o sinal de embriaguez em comum para todos. Talvez fossem jovens
universitários a voltar para a casa, pois tinham boa aparência, no uso
de vestimentas em ordem, e nada que chamasse a atenção em demasia.
Foi
quando percebi
que pararam bem perto de meu carro. No início, não preocupei-me
exatamente, mas
logo vi que passaram a olhar para todos os lados e a confabular entre
si.
Tal
atitude pareceu-me suspeita e tudo confirmou-se negativamente, quando vi
que um
dos rapazes forçou a maçaneta da porta do motorista, enquanto outro
correu para
forçar as maçanetas do lado oposto. A moça parecia vigiar, ao olhar
freneticamente para todos os lados e o outro rapaz foi tentar arrombar o
porta-malas.
Foi ainda mais surreal tal cena, pois a banda
tocava a todo vapor e eu não parei e abandonei o palco para esboçar alguma
razão, pois naquela fração de segundos, percebi que o porteiro da casa já havia
flagrado a situação e sinalizara ao segurança do posto de gasolina do outro lado da calçada, que não
funcionava no período noturno, mas ele costumava ficar ali atento, durante a noite
inteira.
Eles mantinham um combinado entre si, para vigiar a esquina e assim, rapidamente
marcaram presença e o quarteto do mal saiu a correr. Provavelmente não eram
bandidos propriamente ditos e nem armados deviam estar.
Talvez fossem apenas
usuários de drogas e vislumbraram um furto tranquilo para obter algum objeto de
valor, tanto que não possuíam ferramentas para arrombar o carro e apenas testaram
as portas no intuito em ter a sorte para descobrir alguma porta destrancada.
Seria possível até que quebrassem um vidro com um tijolo, se não houvessem sido
surpreendidos, o que prova que tratava-se mesmo de ladrões de ocasião, pois bastaria
andar mais um quarteirão para achar muitos outros carros estacionados e aí
estariam completamente fora do campo de visão de quem estava dentro da casa
noturna em que tocávamos.
Enfim, o importante foi que o meu carro não foi
molestado naquela noite e eu pude tocar os meus Rocks e Blues e no caso dos
Blues, apenas a ficar nos lamentos poéticos que tal escola musical traz em sua
raiz primordial e não a lamentar um prejuízo desagradável.
Viajamos muito com a Patrulha do Espaço. Foram turnês longas a ser
cumpridas, o que naturalmente representa em tese, a meta de qualquer artista
que sonha em possuir uma agenda lotada. Tanto foi assim, que motivou que nós comprássemos
um ônibus próprio para o nosso conforto e minimização de custos, algo incomum
para uma banda de Rock, a atuar sem nenhum esquema de produção mais avantajado,
a bordo das mordomias inerentes de quem frequentava o mainstream da música e portanto,
a contar com empresário, gravadora, algum mecenas a bancar a produção ou tudo isso
ao mesmo tempo, sorte adquirida por alguns poucos artistas.
Entretanto, mesmo os artistas mais celebrados, com alcance mundial,
sofrem em turnês exaustivas, sendo assim, sob condições muito mais modestas, é
claro que cansávamo-nos e tínhamos que enfrentar dificuldades no cotidiano
vivido na estrada.
Na contrapartida, além da obviedade em ficarmos gratificados
com os resultados artísticos obtidos e o carinho dos fãs em cada cidade (isso
parece discurso piegas, geralmente proferido por atores de novelas da TV, mas é
um fato, tal suporte popular e espontâneo traz prazer e ânimo para qualquer
artista), também colecionamos muitas histórias agradáveis e outras tantas,
engraçadas.
Por
exemplo, sempre algo pitoresco acontecia quando entrávamos ou
saíamos de alguma cidade e nesta crônica eu vou contar sobre algo
inusitado que
ocorreu e que nos dias atuais poderia ser classificado como algo
“politicamente
incorreto”, por insinuar ser objeto de uma piada de mau gosto.
Particularmente, eu
tendo a não gostar de humor sarcástico que possa ofender; humilhar ou
suscitar
o desdém como modus operandi, todavia, neste caso, sei que o autor da
colocação,
não o cometeu com má intenção deliberada em debochar de ninguém, mas
simplesmente
deu vazão ao que pensou sem nenhum freio moral naquele instante e a sua
fala tão
espontânea resultou em uma gargalhada coletiva que custou a cessar
dentro do
nosso ônibus. Isso ocorreu em novembro de 2002, na cidade de Ribeirão
Preto-SP.
Entramos no perímetro urbano e ao seguirmos as placas, chegamos
rapidamente ao
centro da cidade. Estávamos a procurar um endereço em específico, onde
ficava localizado
o hotel onde hospedar-nos-íamos. Sem GPS e com os poucos telefones
celulares disponíveis
entre nós, ainda com tecnologia arcaica, sem acessar a internet, a
solução foi
recorrer a transeuntes pelas ruas ou parar em estabelecimentos
comerciais, para
efetuar perguntas sobre como chegaríamos à rua que procurávamos.
Após
duas ou três consultas infrutíferas, eis que o clima passou a
ficar tenso dentro do nosso carro, com alguns membros da nossa comitiva a
não
demonstrar levar na brincadeira a falta de perspectiva imediata para
chegarmos
ao nosso destino.
Foi quando uma voz levantou-se e ao dirigir-se diretamente ao
nosso motorista, afirmou, categoricamente a apontar para um rapaz com aparência
simplória, que caminhava pela calçada : -“pergunta para esse sujeito aí. Ele tem
cara de idiota, pois assim deve saber”...
A reação imediata serviu não apenas para apontar uma possível
solução para o nosso problema premente, mas como acréscimo, provocou a
substancial descontração do ambiente, visto que a gargalhada gerada foi total. Mesmo
em meio àquela balburdia, o nosso motorista acatou a sugestão, parou, abriu a
porta e abordou o rapaz para fazer-lhe a pergunta.
Porém, teve que esforçar-se
para não rir, também, enquanto formulava o questionamento. Nunca esqueço-me da
feição do sujeito, atônito ao deparar-se com aquele ônibus repleto por cabeludos
a gargalhar e ele ali no arroubo de seu bom mocismo a explicar o caminho
mediante uma gesticulação manual concomitante.
Bem, não sei se o rapaz era de fato um incauto, contudo, talvez o
membro da nossa comitiva que indicou-lhe, teve razão em um aspecto: ele
sinalizou-nos o caminho, absolutamente correto...