Um novo compromisso surgiria apenas em maio de 1987. Um circo montado em plena Avenida Ana Costa, na cidade de Santos-SP, estava a promover shows de Rock com constância e assim, o convite da parte de tais produtores, logo surgiu para nós. Dividiríamos a noite com o grupo, Excalibur.
Chegamos à cidade praiana com tranquilidade e rapidamente locomovemo-nos ao Circo Marinho.
O soundcheck foi um pouco tenso, entretanto, pois o técnico local foi grosso conosco, ao alegar que estávamos a postergar demais o trabalho, mediante a observação de exigências em demasiado. Entretanto, na minha lembrança, estávamos apenas a reivindicar uma monitoração melhor, portanto, não houve nada demais de nossa parte e neste caso, ele que estressou-se à toa.
O show foi
apenas razoável, pois a nossa preocupação no soundcheck procedera, visto que a
busca por uma equalização mais caprichada teve mesmo a sua razão de ser,
por que na hora do show, sofremos com monitores municiados por alto-falantes rachados, a prejudicar muito a
nossa performance.
Aconteceu no dia 17 de maio de 1987 e houve a presença de cerca de cento e oitenta pessoas na plateia, mas nós achamos pouco, por que seguramente o espaço comportava no mínimo, o triplo dessa capacidade.
O clima
entre nós, membros da banda estava pesado devido aos acontecimentos ocorridos nos últimos meses, com tanto
revés para a nós, mas não justificaria a ruptura total do trabalho naquele instante.
Ao que tudo indicou, a luta prosseguiria e apesar das intempéries que vivíamos, não haveria motivo para nos preocuparmos, ao pensar-se no pior. Contudo, não foi bem assim que as coisas estavam a encaminharem-se e logo, começaríamos a enveredar para um caminho sem volta.
Com
ensaios dispersos, e sem grandes perspectivas de momento, tivemos apenas
convites para entrevistas e algumas notas que ainda estavam a serem publicadas na
imprensa escrita. Sobre algum programa de TV, só voltaríamos a participar em setembro.
Então, entre junho e julho, só restara-nos ensaiar. Em outras épocas, isso seria a nossa mais absoluta rotina, com a banda a labutar diariamente, mediante ensaios rigorosos, das 15 às 22 horas, mas nesse ponto, com o clima pesado, isso já não foi uma certeza.
Portanto, com o Rubens cada vez mais contrariado, Zé Luiz com problemas pessoais e eu a começar a preocupar-me com tais sinais de desunião, nós passamos por momentos muito difíceis.
Já o Beto, por
outro lado, não havia desistido da ideia de inventar um fato novo para
dar um novo alento à banda e nesses termos, ele sugeriu mais um guitarrista
para conversarmos sobre uma possível expansão da formação da nossa banda.
Já havíamos feito isso com Daril Parisi e o Rubens não gostara nem um pouco de tal ideia. De fato, se a meta seria mexer na sonoridade da banda, o próprio Beto era guitarrista, também, e principalmente após a entrada do ano de 1987, cada vez mais ele usava tal recurso nos shows.
E desde o segundo semestre de 1986, havia tornado-se o mais prolífico compositor da banda, justamente por ser guitarrista, igualmente e assim fornecer muitas ideias de riffs para trabalharmos.
Visto por esse ângulo, um quinto membro, na figura de um novo guitarrista, realmente pareceu uma má estratégia, pois o Rubens era o nosso guitarrista de ofício e o Beto poderia cumprir ao vivo um apoio com bases e eventuais solos.
Dessa forma, talvez a presença de um tecladista fosse mais produtiva, musicalmente a falar. Mas eu entendo bem a real intenção do Beto. Ele quis mesmo foi dar uma sacudida na banda, para mexer com os nossos brios e criar assim um fato novo que pudesse espantar o baixo astral em que vivemos os últimos meses, com tantos dissabores que tivéramos.
Então, na prática, não tratou-se de uma necessidade musical, por que o quarteto resolvia-se com desenvoltura e modéstia à parte, desde a fase de trio, nós tínhamos no fator técnico, o nosso principal atributo.
Tal guitarrista que o Beto chamou, foi: Acácio Vaz, que eu não conhecia, mas pelo que apurei, tratava-se de um representante de uma típica vertente de final de década de oitenta, dentro do Hard-Rock/Heavy-Metal, que era caracterizada pelo extremo virtuosismo, uma semente do que viria a ser em breve a corrente do "Heavy-Metal melódico", ou seja, uma mistura de Heavy-Metal com canto lírico/Ópera, e perpetrada por guitarristas ultra virtuoses, a suprirem as vezes dos violinistas "spalla", típicos da estrutura orquestral tradicional da música erudita.
Rubens não estava por comparecer aos ensaios com regularidade e em uma tarde dessas, eu (Luiz), Beto, e Zé Luiz tocamos com Acácio, com o Beto a testá-lo, para quem sabe, vir a tornar-se o quinto membro da banda, mas o Rubens, quando soube depois sobre tal audição, ficou muito contrariado, pois interpretou como um motim de nossa parte, com a intenção de se testar um possível substituto para ele.
Mas isso não correspondeu à verdade, de forma alguma! Eu e Zé Luiz jamais faríamos isso, em hipótese nenhuma e nem fora a real intenção do Beto. Tanto que Acácio, na verdade, queria aproximar-se de nós com uma outra intenção sua, pessoal.
Ele, Acácio, tinha um trabalho de composição pronto para gravar, em
dupla com um vocalista chamado, Cyrilo. Tratava-se de um som totalmente calcado
nesse virtuosismo de viés "malmsteeniano".
A
contracapa do LP do "Clavion", banda de Acácio e Cyrilo, e com o meu aluno,
Jameson Trezena, na formação, ao assumir o baixo, por minha indicação
Acácio
queria recrutar uma "cozinha" para gravar e tal oportunidade de conhecer-nos, teve em tese, tal intenção real de sua parte. De fato, ele sugeriu que nós gravássemos o disco da sua banda na qualidade de convidados, mas o Zé Luiz não aceitou, de
pronto.
Eu relutei, pois não queria piorar ainda mais o clima interno n'A Chave do Sol, que já estava por demais pesado, porém, ao ponderar, pensei que somente gravar o álbum dessa banda, como convidado, não seria um fator tão nocivo assim.
Em setembro, após várias tentativas do Acácio e de seu vocalista, Cyrilo, eu aceitei realizar um ensaio na residência dos irmãos Busic, com o grande baterista, Ivan a participar também, como convidado desse disco que seria gravado, por tal banda.
No entanto, não logrou êxito, pois eu percebi que por mais que dissessem que eu participaria apenas como um convidado, a intenção real de ambos, Acacio e Cyrilo, seria que eu ingressasse nessa banda, definitivamente, por perceberem o momento de turbulência pelo qual passava A Chave do Sol e pelo contrário, tudo o que eu desejara, foi salvar a minha banda, portanto, eu desisti de ajudá-los a gravar o disco e indiquei um aluno meu, que gravou em meu lugar e efetivou-se na banda, a seguir.
Tal banda chamou-se: "Clavion", e o meu aluno, foi o Jameson Trezena, um dos primeiros que eu tive, quando comecei a ministrar aulas de baixo, a partir de julho de 1987. Acácio Vaz era (é) um guitarrista bastante técnico, condizente, portanto, com a vertente que desejava professar em sua banda, além de ser uma pessoa muito boa, sem dúvida.
Mas realmente não teve nada a ver a cogitação do Beto em recrutá-lo como segundo guitarrista da nossa banda, e pior que isso, tal insistência dele para buscar um novo membro, revelou-se uma estratégia ainda pior, se a intenção fora a de "salvar" a nossa banda.
Isso por que o Rubens, que estava a afastar-se de nós, gradualmente, interpretou da pior maneira possível tal ensaio com Acácio e o clima só azedou ainda mais, daí em diante.
Para piorar a situação, o Zé Luiz estava profundamente atormentado por um dilema pessoal e por esses dias, revelou-nos que estava decidido a dar uma guinada radical em sua vida e tal escolha da parte dele, seria algo terrível para A Chave do Sol.
Dias muito mais difíceis viriam, a partir do final de julho de 1987.
E
fatídicamente, o show que realizáramos em maio, na cidade de Santos-SP,
revelou-se o último da história d'A Chave do Sol, com sua formação
clássica.
A banda tentaria sobreviver doravante, mas aos trancos e barrancos e a sofrer muitas derrotas, sobretudo, no seu âmago.
Foi quando Zé Luiz comunicou-nos a sua decisão pessoal de deixar a banda. Não ficamos exatamente chocados, pois ele já vinha a emitir sinais há tempos, de sua insatisfação com o nosso rumo na carreira.
Creio que de todos os membros, ele fora o
que mais sentira a frustração pela inoperância do Studio V, enquanto representação empresarial, para levar-nos
para um patamar acima e se isso mostrara-se crucial para todos, para ele em específico teve
um significado ainda maior, por que estava a viver uma fase com cobrança
pessoal e familiar.
Já com vinte e seis anos de idade completos, ele estava profundamente preocupado com a sua estabilidade sócio/financeira, e por frustrar-se completamente com o fracasso de nossa associação com aquele triunvirato de empresários, deixou de alimentar esperança em uma nova chance que a banda poderia ter, doravante.
Até os
shows realizados na cidade de Caraguatatuba-SP, e consequente esperança por uma nova investida em
gravadoras majors, ele suportou, mas depois da
negativa da BMG-Ariola em nosso favor,
as suas esperanças esvaíram-se por vez.
Pressionado a tomar um rumo acadêmico tradicional na vida, ele teve a proposta de seu pai, o Dr. João Batista Dinola, em doar-lhe o seu consultório dentário inteiramente montado e modernizado, caso dedicasse-se à faculdade de odontologia.
Não seria nem de longe a sua vocação, é claro. Fora o músico incrível que ele é, José Luiz Dinola sempre teve um talento incrível para múltiplas tarefas, ao consertar e criar artefatos, seja no campo da eletrônica, seja em trabalhos que envolviam marcenaria, carpintaria etc.
Portanto,
a sua capacidade inventiva e incrível habilidade manual, sempre foram qualidades
natas dele, mas a odontologia, de maneira alguma poderia representar algo em que ele pudesse ser hábil, como profissional.
Contudo, Dinola estava fechado nessa questão e ao comunicar-nos a sua saída, na verdade ele já havia matriculado-se em um curso pré-vestibular e imbuído pela determinação de estudar com afinco, e não mais fazer parte da nossa banda.
Mais que isso, Zé Luiz estava a radicalizar naquele instante e o seu discurso inicial, seria o de abandonar a música. Ainda bem, para ele e para o Rock brasileiro, tal radicalização total jamais acontecera, mas em termos de A Chave do Sol, sim, foi o fim de sua participação com a nossa banda.
Depois de um comunicado desses, claro que o baque foi enorme.
Não estávamos a perder apenas um baterista com nível técnico incomparável, mas um companheiro dotado de irrepreensíveis qualidades humanas e acima de tudo, um remador fortíssimo dentro de nosso humilde bote, em meio ao mar revolto.
Irredutível,
Zé Luiz não acatou os nossos apelos para tentar demovê-lo de sua decisão, e assim,
a banda colocou-se irremediavelmente a caminhar para o seu final, embora
eu (Luiz), Rubens e Beto ainda empreendêssemos esforços para salvá-la e nessa
luta, um novo disco surgiria em questão de pouco tempo.
Independente de nosso drama pessoal, havíamos construído uma credibilidade pública com o trabalho, e mais que isso, arregimentáramos um séquito de fãs, portanto, seria imperioso que os sobreviventes não desanimassem, sob a pena de jogar fora todas essas conquistas duramente alcançadas ao longo de cinco anos de trabalho.
E nem vou citar os inevitáveis fatores emocionais que também
fizeram parte dessa equação.
Com a
falta do Dinola, não pensamos em procurar um novo baterista de
imediato, embora soubéssemos que isso fazer-se-ia necessário, com urgência.
Podia parecer paradoxal, e eu acho que o foi mesmo, mas devido a fatores alheios à nossa vontade, fez com que tomássemos essa decisão para não sairmos à busca de um substituto, com desespero.
Isso por que após o show em Santos-SP, realizado em maio de 1987, não tínhamos mais nenhuma perspectiva de apresentação, em um estranho hiato, mas que veio a calhar, pela nossa situação periclitante naquele instante, com a baixa do Dinola, em nossas fileiras.
Todavia, por
outro lado, ainda surgiam oportunidades na mídia, que na prática nem desconfiava
que vivíamos uma crise interna e de fato, não deveria mesmo ter conhecimento disso, naquele instante.
Uma dessas chances que surgiram, foi a de uma entrevista para uma revista masculina, com circulação nacional. Ainda a vivermos uma fase sob exposição midiática boa, fomos convidados a concedermos entrevista à revista: "Homem".
Fomos à redação da referida publicação e esta em nada diferia de nenhuma redação de revista de música e cultura, com exceção das várias capas de suas edições anteriores, penduradas pelas suas paredes, e nesse caso, inevitavelmente ao assemelhar-se ao tipo de decoração de oficinas mecânicas e/ou bares de quinta categoria, tamanha a profusão de fotos de mulheres nuas pela paredes.
Bem, ao seguir os passos de suas concorrentes, a revista "Homem" também disfarçava a sua real intenção, ao manter um departamento cultural, com entrevistas e notas sobre artes, espetáculos e lançamentos em geral, e sem que haja um julgamento moral de minha parte, de forma alguma, se tal publicação esboçou o desejo de falar sobre a nossa banda e de seu trabalho musical, eu não enxergava (e continuo a não ver), mal algum em estar ali enfocado.
Foi uma
entrevista boa, não posso queixar-me e mesmo que não fosse uma publicação
especializada e mantivesse esse estigma de não possuir seriedade, por mais atender as
expectativas de adolescentes e solitários onanistas em geral, creio que foi
válido.
Foi então que o Beto antecipou-se e ao não esperar a crise corroer-nos em lamúrias, saiu à rua e achou uma solução inacreditável. Ao falar com o dono do estúdio Guidon, estabelecimento em que várias bandas independentes haviam gravado (e nesse rol, destaca-se o primeiro disco da Patrulha do Espaço, sem a presença de Arnaldo Baptista, em 1980), eis que ele conseguiu combinar um pacote com horas, sob um preço bastante razoável e com a possibilidade de parcelamento.
Muito bem, pareceu-nos ser uma ótima oportunidade, mas como entrar no estúdio sem o Zé Luiz, e também sem dinheiro? E depois, mesmo se entrássemos no estúdio e gravássemos um novo álbum, como pagaríamos as demais despesas contraídas como a gráfica para se elaborar a capa, a prensagem dos discos, as despesas burocráticas, sessão de fotos, e outras tantas inerentes?
E a distribuição e divulgação? Como colocar os discos nas lojas e como divulgá-lo de forma conveniente?
Claro que procuramos o Calanca, mas ele não mostrou-se interessado. E convenhamos, ele teve os seus motivos, pois ficara aborrecido conosco, quando da situação em que nem houvera lançado direito o EP de 1985, e nós anunciamos uma mudança radical na banda, com a perda do vocalista, Fran Alves, e ao ir além, a promovermos uma mudança no repertório da banda, praticamente ao suprimirmos as músicas de um disco recém-lançado.
Sei que justifiquei isso amplamente em capítulos anteriores, mas na visão dele, Calanca, houve um bom motivo para chatear-se, eu admito. Sem esse apoio, buscamos um outro caminho e neste caso por indicação de nosso ex-funcionário do fã clube e roadie da banda, Eduardo Russomano, além da dica e intervenção de um renomado lojista e concorrente do próprio Calanca, chamado, Walcir Chalas (dono da loja Woodstock, muito famosa principalmente entre os adeptos do Heavy-Metal e seus derivados), eis que uma uma luz surgiu.
Segundo
Russomano e Walcyr, nós deveríamos pedir apoio ao pessoal da revista,
"Rock Brigade", que estava a contar com um selo oficialmente aberto e poderia interessar-se em lançar o nosso novo álbum.
Antonio D. Pirani e Eduardo de Souza Bonadia, diretores da "Rock Brigade", na ocasião
Fomos
conversar e apesar de seu diretor (Antonio D. Pirani), ser um rapaz
extremamente educado e ponderado, não tínhamos muita afinidade com
aquela revista e com a sua equipe.
Não por haver alguma animosidade, mas
simplesmente por não sermos componentes daquele mundo, propriamente dito. Tanto que
sentimos uma certa mágoa da parte deles, por nunca os termos procurado,
em toda a existência da banda, e por conta dessa aproximação tardia, nos últimos estertores de 1987, só aí a revista tenha publicado algo ao nosso respeito, depois
desse contato oficial.
Mas também ao entender o ponto de vista deles, a dinâmica que esperavam, na via inversa, possivelmente teve a ver com as suas próprias origens como um fanzine. Portanto, dentro dessa prerrogativa, mesmo quando cresceram e tornaram-se uma equipe profissional a gerir uma publicação oficial, vendida em bancas, mantiveram essa maneira de agir, ou seja, ao esperar serem abordados por artistas, e por não importarem-se se estes já estivessem no circuito e com alguma notoriedade pública enquanto projeção profissional.
Desfeito
esse mal-estar, iniciamos uma relação de amizade, e de fato eu afeiçoei-me
pessoalmente ao Toninho Pirani, que reputo ser um gentleman, que admiro e
tenho bom relacionamento até hoje, e também ao Eduardo Bonadia, que é
um batalhador e pessoa gentil ao extremo, mas apesar desse cavalheirismo mútuo, nunca sentimo-nos inteiramente integrados ao
"universo Rock Brigade", e por um motivo muito simples: tratava-se de
uma egrégora fechada no âmbito do Heavy-Metal, apesar da revista declarar-se
teoricamente aberta ao Rock clássico, também.
Na prática, o Rock mantinha ínfima parcela de abordagem nessa publicação, e o gênero Heavy-Metal dominava 90 % ou mais de suas páginas. Nessa ambientação, a grande proeminência daquele momento para eles, residira em duas bandas: Viper e Sepultura.
Além da extrema simpatia do Toninho Pirani e também de Eduardo de Souza Bonadia, este um outro dirigente da revista, e que apesar de ser um entusiasta do Heavy-Metal, gostava e respeitava muito a nossa banda, tínhamos mais um apoio de peso dentro daquela redação, que dava-se pela presença de nosso roadie, e ex-funcionário do fã-clube, Eduardo Russomano.
Com Russomano a trabalhar ali naquela redação, e ele era muito querido por todos da revista, claro que um apoio para A Chave do Sol foi mais fácil para ser alinhavado.
Interesse
em bancar a nossa gravação eles não demonstraram, por que o seu foco naquele momento
fora investir no Viper, aliás a se tratar de uma banda formada por amigos nossos, de longa data.
Com o
Sepultura, não havia vínculo profissional algum, mas como a banda dos
irmãos Cavalera estava a estourar naquele justo instante, a Rock Brigade deu-lhes uma cobertura intensiva na ocasião e praticamente em todas as suas edições
doravante dessa época, se tal banda não estava na capa anunciada como matéria principal, ao
menos alguma nota ou resenha de show não faltava a cada edição.
Então, sob um dia de setembro, o Toninho Pirani fechou com A Chave do Sol um acordo de cooperação e mediante uma cota de álbuns a ser cedida para eles, fornecer-nos-iam o seu selo para cuidar da parte burocrática, porém, nada mais além disso.
Não foi uma grande oferta, mas revelou-se melhor que nada, portanto, nós fechamos. Tudo correria por nossa conta, e a única atribuição da Rock Brigade, seria a parte burocrática do disco.
Sobre a capa, o Beto havia guardado uma prova que fora sugerida-nos por um artista gráfico, em uma intervenção do Studio V, ainda ao final de 1986. Fora na verdade uma sugestão do marqueteiro, Arnaldo Trindade, que indicara um amigo seu, que produziu tal esboço, já com arranjo avançado, quase um lay-out definitivo.
Mas como dera tudo errado posteriormente em nossa relação com o Studio V, tal arte ficara engavetada. Contudo, o Beto lembrou-se desse fato e havia guardado o cartão do rapaz que possuía um atelier, localizado na Rua Augusta. Sem perder tempo, ele ligou e constatou que o rapaz ainda havia guardado o esboço e aceitara preparar a arte-final, por um preço que não foi exatamente barato, mas que também não mostrara-se nenhuma exorbitância.
Portanto,
para resumir, tivemos um estúdio em vista, um selo pronto a assumir a papelada
burocrática, e uma possível arte-final para a capa, em mãos. Vamos gravar um novo disco, então?
Por outro lado, antes um pouco de deixar a banda, Zé Luiz e eu trabalhamos mais uma vez em uma nova edição do fanzine do Fã Clube. Lançado em julho de 1987, este número "nove" deu vários indícios subliminares de que as coisas não andavam bem para a banda, e certamente, que mesmo ao disfarçar e tentar enaltecer pequenas vitórias obtidas nesse período, foi difícil escrever e lançar esse número.
Seria o último que lançaríamos, ao obrigar-me a fazer uma ginástica para ressarcir alguns fãs que ainda teriam direito a receber mais números pela data de aniversário de suas respectivas mensalidades, nos meses futuros, mas depois que o Dinola anunciou a sua saída da banda em agosto, eu sabia que não poderia contar com Rubens e tampouco o Beto para elaborar a tarefa da diagramação e lay-out, e como a minha inabilidade sempre foi total para tais tarefas, eu preferi encerrar a publicação do fanzine e manter apenas outros serviços básicos, como a distribuição de filipetas e comunicados, doravante.
Antes de
falar sobre tal edição final do fanzine, no entanto, devo registrar um
acontecimento desagradável, ocorrido no recebimento de cartas da parte dos fãs. Não ocorreu exatamente nessa fase, mas antes que eu esqueça-me, registro que certa vez, recebemos uma carta da parte da mãe de uma fã.
Muito emocionada, essa senhora pediu-nos que parássemos de enviar comunicados à sua filha, pois ela falecera. Ficamos chocados, claro, e embora nem a conhecêssemos pessoalmente, enviamos uma carta com condolências e eliminamos o seu nome da nossa mala postal.
Fora um acidente terrível, com a garota que era bem nova, na faixa de quinze ou dezesseis anos de idade, aproximadamente, por ela ter caído da janela de seu quarto, em uma altura bastante alta de um edifício. E de fato, lembro-me da ocorrência através do noticiário de TV, na época, mas não associei o nome dessa moça ao fã-clube, no entanto, lembrei-me quando li a carta triste de sua mãe. Que descanse em paz, a jovem Gisele.
Bem, vamos ao fanzine número nove:
1) Rádio - Falamos sobre a transmissão ao vivo que a emissora Oceânica FM de Caraguatatuba-SP, fizera de nossos shows naquela cidade praiana, em abril de 1987.
Fora isso, quatro programas de rádio emitiram testemunhais sobre a nossa decisão pública de ministrarmos aulas, eu (Luiz), Zé Luiz e Beto. De fato, tivemos tal apoio da parte da "Rádio Matraca" (USP FM), do meu eterno amigo, Laert Sarrumor.
"Reynação" (97 FM), do jornalista, Leopoldo
Rey, "Riff Raff" (97 FM), do Richard Nacif, e "Sinergia" (Alpha FM), do
jornalista, Valdir Montanari. Eis aí um sinal de que quatro programas a mencionar sobre aulas ministradas por nós, e não de shows ou lançamentos
de nossa banda, não foi nada animador...
2)
Demo-Tape - Anunciávamos a venda das duas demos-tapes que graváramos em
1986, em formato K7, para o público em geral. Uma clara iniciativa a
demonstrar que não acreditávamos mais nesse material, como um cartão de visitas para levarmos às
gravadoras majors.
3) Revista
- Além da citação de várias matérias que haviam sido publicadas no período
imediatamente anterior a julho de 1987, algumas publicações diferentes destacavam-se.
Por exemplo, o fato de termos entrado nas páginas de um compêndio como o "ABZ do Rock Brasileiro", muito orgulhou-nos, e mesmo por ser uma menção muito modesta, enalteceu-nos o fato de que estávamos na história do Rock no Brasil, o que não fora pouca coisa.
Outra nota interessante, foi a da menção de nosso nome em uma matéria publicada em uma revista inglesa de renome, no mundo do Heavy-Metal, chamada: "Metal Hammer". Sob uma matéria denominada, "Brazillian Attack", um panorama da cena do Heavy-Metal brasileiro foi traçada e o nosso nome foi citado, em meio a um grupo de bandas contemporâneas. Bem, claro que gostamos, apesar de ser dentro do mundo metálico, que nunca foi confortável em nosso caso, mas convenhamos, foi uma migalha muito insignificante.
E por fim,
ao citar publicações prometidas para o futuro, de fato, o Zé Luiz
havia sido abordado para ser entrevistado individualmente na Revista
Mix, publicação pela qual eu e Rubens já havíamos sido entrevistados anteriormente, mas
tal revista não concretizou-se. Ainda esperávamos pela "Bizz Heavy"
(aquela história já contada vários capítulos atrás). E nessa altura, por já conhecermos os meandros da Rock Brigade, finalmente seríamos ali
enfocados. Uma revista chamada, "Karaokê", também havia abordado-nos para
uma entrevista, mas tal contato não prosperou, simplesmente.
4) Uma
nota triste e lamentável ao meu ver, ao enxergar pela ótica atual, deu conta
de que nenhuma gravadora havia aceitado as nossas abordagens e daí o
fã-clube conclamou os fãs a escreverem cartas para as gravadoras,
no afã de bombardeá-las pela via do clamor popular. Pelo aspecto da função de um fã-clube, acho válido que
tal tipo de ação seja feita, como mobilização, mas foi muito errado ao meu
ver, publicar no fanzine. Talvez na forma de um "memorandum", portanto
ao minimizar a possibilidade dessa conclamação tornar-se pública, tivesse
sido mais conveniente.
6) Shows que Rolaram - Bem, eis uma geral nos últimos shows realizados e a menção a um show em Ponta Grossa, no interior do Paraná, onde de fato, não fomos por conta de chuvas torrenciais na época de sua realização, mas que jamais motivou a sua marcação para outra data, tampouco.
7) Fã-Aula - Um reforço a mais para a ideia de que eu (Luiz), Zé Luiz e Beto estávamos a ministrar aulas. Mais um sinal de nossa energia que perdera-se.
8) Promoção - De fato, não foi mentira, nós recebemos dezessete redações da parte de fãs, com o tema a versar sobre o porquê gostavam de nosso trabalho.
Eis um trecho da redação do ganhador, um rapaz chamado: Antonio Carlos: "O mundo está caminhando para o fim, pois inconscientes lutam pelo poder atômico através da construção de novas armas, enquanto milhares de pessoas morrem de fome. É difícil acreditar que os governantes responsáveis por isso consigam dormir tranquilos. O que será de todas as crianças que ainda estão por nascer?"
Bem, interessante sem dúvida, que o fã tenha abordado tal tema para dar vazão à menção de nossa música, no uso da frase final.
Ainda
temíamos o colapso atômico advindo da Guerra Fria, nos anos oitenta. Não
mudou muita coisa, hoje em dia... substituímos a guerra fria pelo
terrorismo, e na falta da temida, União Soviética, outros inimigos em voga, surgiram...
9) Fãs -
uma das mais tristes e emblemáticas notas sobre a situação de
dificuldade financeira do fã-clube, explicara as razões pelo
encerramento do fanzine, até segunda ordem. Opções para o ressarcimento da
parte dos associados, seguiram-se.
10) Uma
nota dura, muito dura mesmo, sobre o Studio V, mostrava a nossa
frustração sobre a sua total inoperância para conosco. Tal menção fora um
desabafo, na verdade, ao culpá-los pelo nosso infortúnio e de fato, em uma
questão de meses, passáramos da euforia total ao baixo astral que minou
completamente as nossas forças, ao ponto da banda estar a desmantelar-se,
naquele ponto.
11) Fofoca - A sessão do fanzine que mais divertia-me de escrever, sem dúvida alguma, mas desta feita, foi difícil encontrar ânimo para brincar.
Para início de conversa, eu comentei sobre um boato que estava a espelhar-se por São Paulo, a dar conta de que a banda acabara. De fato, muitas pessoas abordaram-nos a perguntar sobre isso, inclusive o Luiz Calanca, e só posso deduzir que os sinais que emitíamos nessa época, deram margem a tais especulações.
Beto a circular com moto pelas ruas da cidade e em alta velocidade a bordo de uma XL 250... sim, ele estava com uma moto na ocasião, mas nada disso ocorria, pois ele era prudente. Só usei o mote para poder glamorizar a situação e citar o guitarrista do grupo norte-americano, "The Allman Brothers Band", Duane Allman, que morrera em 1971, por causa de um acidente de moto.
Zé Luiz continuava praticante do ciclismo, isso foi verdade. Eu havia comemorado o meu aniversário na residência do Beto, com vários amigos presentes, oriundos do Rock paulista e carioca. Meia verdade, pois a reunião aconteceria de qualquer maneira, e não por conta de meu natalício. Quem conhece-me, sabe bem que odeio comemorar aniversário e não é por vaidade de querer esconder a idade, pois digo e repito: nasci em 1960, mas não divulgo o dia e mês, portanto, não ouse dar-me "parabéns"...
O fato do Rubens ter passado um mês em Ubatuba-SP, também motivou uma nota subliminar do nosso afastamento interno enquanto banda unida que não éramos mais. Nunca havíamos ficado um período tão grande sem ensaios, ou no mínimo a promover uma reunião.
O caso do Edgard pleitear um espaço em teatro para os seus monólogos sob declamações, fora real, enquanto aspiração pessoal. Mas não havia nada de concreto nesse sentido, ao tratar-se de um desejo de sua parte, tão somente.
O fato de Eliane Daic ter deixado a direção do fã-clube, apenas sinalizava que o Dinola estava a afastar-se e não faria sentido ela emprestar o seu nome mais para ser creditada como editora do fanzine, aliás, uma grande mentira pois ela nunca teve essa função.
Uma matéria a ser publicada na Revista Metal, deu conta da nossa frustração e rompimento com o Studio V.
12) Uma
nota a comentar a foto publicada, a mostrar a banda ao vivo em Caraguatatuba-SP. Pois foi uma pena que um show com
essa estrutura toda, tenha ocorrido em um momento de baixa da nossa energia.
13) Chave
Situação - Se esse fanzine foi pródigo em lamentos e insinuações tristes
sobre o fim iminente da banda, nesse último box do fanzine, tal
tendência escancarou-se!
Foi um
discurso em tom de desabafo, portanto inadequado para se publicar, ao meu
ver. Entretanto, no calor das emoções, eis que eu cometi esse ato lastimável.
Se nenhuma gravadora desejava-nos, nem mesmo os pequenos selos e nesse caso, a Baratos Afins teve os seus motivos para estar magoada conosco e se o ânimo interno da banda estava em frangalhos, nós jamais deveríamos expor isso ao público, principalmente o nosso público, que era fiel e lotava os nossos shows.
Deveríamos
ter tratado tal crise e revolta interna, de uma forma sigilosa, mas repito,
no calor das emoções afloradas, isso tornou-se texto de editorial.
Faço a
minha "mea culpa", é claro, pois eu fui o responsável pela elaboração de
todo o texto, ainda que os outros três tivessem direito a opinarem.
Ninguém queixou-se na época, e assim saiu publicado e chegou às
residências dos fãs que pagavam para ter o fanzine.
Sob um universo com cerca de dois mil e duzentos sócios, espalhados em mais de cento e trinta cidades brasileiras e algumas até internacionais, por volta de cento e vinte pessoas pagavam regularmente a anuidade que dava-lhes o direito ao recebimento do fanzine pelo correio.
Tempos difíceis, e cada vez mais perto do fim, chegáramos, apesar dos incríveis fatos que nortearam os últimos meses de 1987, em meio a um esforço desesperado para salvar a banda e dessa batalha final, termos materializado um novo LP.
Tenho algumas coisas para relatar antes de chegar nesse clímax desesperador...
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