O ano de 1989 avançou, mas o ânimo esteve ainda muito mais baixo e não apenas comigo, mas de uma forma generalizada. Tudo bem que o início de 1988, houvera sido ainda pior sobre outros aspectos, com aquela hecatombe ocorrida ao final de 1987, ainda a precipitar-se fortemente sobre nós (falo sobre o Beto e eu, Luiz, remanescentes da extinta A Chave do Sol, bem entendido), mas não poder-se-ia dizer que o início de 1989, fosse renovado com esperanças por dias melhores, aliás, no quesito "esperança", o panorama não mostrara-se muito pródigo.
Bem, a despeito da cena não muito favorável, a luta continuaria, ao menos em tese para essa banda, embora eu, particularmente, estivesse cada vez mais deslocado, emocionalmente, dessa ação coletiva.
Mas eis que um fato novo ocorreu logo no início desse ano novo, quando o Beto anunciou que havia feito um contato nos Estados Unidos, por ocasião de sua última viagem àquele país. Sinceramente não lembro-me de muitos detalhes, mas o fato é que ele houvera conhecido um produtor de shows em Miami, no estado da Florida e este interessara-se pela nossa banda, mediante o exame de nosso material, incluso a demo-tape gravada recentemente e apesar de sua simplicidade total.
Nesses
termos, uma reunião foi marcada para aprofundar os detalhes e assim, o Beto
quis levar consigo mais um integrante da banda em uma nova viagem para a tal cidade, para reforçar a
nossa representatividade e o escolhido foi o Fábio Ribeiro.
Portanto, ambos viajaram para Miami e conversaram com o empresário que gostara de nossa banda e esboçara o desejo de inserir-nos em uma turnê, inicialmente sob condições modestas, mas cabe explicar: modestas para os padrões norte-americanos, pois para nós, pobres Rockers brasileiros e acostumados a conviver com as piores situações possíveis, haveria de ser uma turnê espetacular, com show seguidos em várias cidades, em lugares pequenos, é bem verdade, mas com uma infraestrutura que somente poucos teriam acesso no padrão sofrido do Brasil.
Poderia ter sido a grande salvação para a banda naquele momento, não resta dúvida e mesmo profundamente contrariado com a estética adotada, no meu caso, eu teria aceitado a oportunidade, logicamente, e a consequência dessa ação, caso lograsse êxito, é imprevisível se analisada aos olhos de hoje em dia.
Poderia ter mudado a vida de nós, os cinco componentes envolvidos, sob vários aspectos. A banda poderia ter crescido lá fora e ter feito uma carreira sólida, portanto prosperado e alcançando uma determinada fama internacional, com muito maior respeito dentro do Brasil, como é praxe para qualquer artista que consegue tal reconhecimento fora, para só depois então ser respeitado na sua própria pátria, vide o caso do "Sepultura", só para ficar em um exemplo mais perto do nosso espectro (mas não exatamente isso, como eu já analisei anteriormente), mas também a citar, Carmem Miranda, como exemplo clássico desse tipo de tendência.
Todavia, eu também poderia elucubrar sobre as possíveis alternativas individuais que haveriam para cada membro. Por exemplo, Edu e Fábio por serem ambos, virtuoses, e impressionar naturalmente, fatalmente receberiam propostas para atuarem em bandas norte-americanas. Bem, é só uma mera especulação, porque nada disso ocorreu na prática.
O fato foi que o tal empresário norte-americano ofereceu-nos a perspectiva, sim, de uma turnê sob pequeno porte para começarmos, mas a contrapartida seria largarmos tudo e viajarmos para os Estados Unidos, imediatamente.
E as condições financeiras momentâneas não nos favoreceram de forma alguma para tomar tal atitude, portanto, a proposta do empresário ficou marcada apenas pelo sonho por dias melhores para essa banda, com uma possível etapa internacional de sua carreira.
Sem verba para largarmos tudo sem receios e aventurarmo-nos nas mãos de um empresário desconhecido, em um país estrangeiro e acima de tudo por sabermos como age o governo norte-americanos com a questão da imigração legal/permissão de trabalho/emissão de "green card", não fizemos a loucura, simplesmente.
Restava-nos continuar a labutar por aqui mesmo, na Terra Brasilis, absolutamente inóspita como, de costume.
O primeiro show de 1989, foi uma oportunidade boa, não resta dúvida. Fomos escalados para dividirmos uma noite com o Golpe de Estado, na casa de shows, Dama Xoc, que detinha uma representatividade forte na cidade de São Paulo naquela altura.
Como eu já observei em capítulos anteriores, tratava-se de uma casa que era simpática aos artistas com pequeno e médio porte, mas isso não significava ser uma tarefa fácil agendar uma data ali. Portanto, quando surgia uma oportunidade dessas, claro que a agarrávamos.
Nesse dia em específico, a situação foi bem clara: nós éramos uma banda derivada de uma outra banda que tivera tradição nos anos oitenta, mas na verdade, éramos uma banda nova em termos de status naquele instante. O Golpe de Estado surgira bem depois d'A Chave do Sol no cenário do Rock Paulista e brasileiro, mas agora, "A Chave" era uma outra banda, e não poderia usufruir do status alcançado pela banda extinta. Então, moralmente a falar, seria óbvio que o Golpe de Estado havia adquirido um patamar de direito maior em relação a essa nova banda que tínhamos e daí a primazia para tocar como "headliner" da noite.
"Heavy-Metal" com A Chave e Golpe de Estado? Esses jornalistas...
Isso foi inquestionável, mas daí a reivindicar uma porcentagem maior de bilheteria, após o show estar acertado com valores iguais entre as bandas e que foi uma hipótese que foi ventilada subitamente no camarim, foi uma questão que gerou um clima tenso e desnecessário, visto que éramos amigos de longa data, há muitos anos. Fiquei chateado com essa conversa súbita, mas logo isso foi sanado e o combinado prevaleceu, com as duas bandas a dividirem fraternalmente a féria dessa bilheteria e que foi boa, com cerca de mil pagantes presentes no Dama Xoc.
A registrar-se, foi o último show com grande público que essa banda faria, pois daí em diante, até a minha saída, alguns meses depois, só faríamos poucos espetáculos e mediante a presença de um público bem menor.
https://www.youtube.com/watch?v=pn33sfyekX4
Veja acima, "The Winds Blows Chill and Cold", também inédita e que não entrou no disco, "A New Revolution", em versão ao vivo no Dama Xoc, no mesmo dia. Acervo de Nelson Junior.
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=igx2NjZOaRU
Na
prática, foi o mesmo show de sempre e neste caso, com o meu ânimo cada vez menor para
continuar a participar daquele trabalho e de sua sonoridade, que eu não
apreciava.
O público, alheio às minhas insatisfações pessoais, estava bem animado e claro que eu dei o meu melhor, mesmo contrariado, em respeito a eles e aos companheiros, mas aumentara em progressão geométrica a minha vontade para deixar tal trabalho e buscar dessa forma, um novo rumo na minha carreira e de fato, foi uma questão de poucos meses para que isso se concretizasse.
O show no
Dama Xoc, dividido com o Golpe de Estado, aconteceu em 19 de fevereiro
de 1989, com cerca de mil pessoas nas dependências dessa casa de shows.
O contato com o produtor que sinalizara haver interessado-se em produzir um LP dessa banda, havia esfriado, desde o final de 1988.
Na
verdade, o seu interesse prosseguia, mas ocorreram-lhe certas dificuldades financeiras alheias à
sua vontade e que estiveram a protelar o fechamento do acordo e consequente
início dessa produção, concretamente a falar.
Mais ou
menos em março de 1989, ele voltou a dar-nos perspectiva de que estava
a sanar as suas dificuldades financeiras e que em breve, liberaria a verba
para darmos início nessa produção.
Bem, hora de revelar quem ele foi: tratou-se do dono de uma loja instalada na "Galeria do Rock", chamada, "Devils Discos", que apesar desse nome, não era necessariamente uma loja focada no mundo do Heavy-Metal.
Esse rapaz conhecido como "Chicão" (Francisco Domingos Souza), na verdade mantinha uma postura anacrônica aos anos oitenta, pois mais se parecia com um hippie sessenta-setentista, fã que era de música Folk latino-americana e acústica, nos moldes de bandas como o "Tarancón", por exemplo, especializada por tais tradições Folk de diversos países sul-americanos, principalmente.
Portanto,
chegou a ser exótico um rapaz com esse gosto musical interessar-se pelo
Hard-Rock cheio de virtuosismos que a nossa banda praticava nessa época.
Muito
gentil, calmo e educado, ele detinha uma postura Hippie, muito mais próxima
das minhas raízes contraculturais, mas em relação àquela banda e aos seus
outros membros, mostrara-se quase antagônica.
Enfim, o seu interesse nem foi exatamente pela música em si, mas por haver vislumbrado uma oportunidade de investimento, já que a gostar ou não daquela estética, como homem de negócios, ele deduziu que aquela escola estilística oitentista fora uma moda que muita gente seguiu na ocasião e que, portanto, poderia dar impulso aos seus planos de proporcionar que o seu selo pudesse crescer.
Claro que foi salutar termos alguém interessado em investir e de fato, mesmo ao demorar mais alguns meses para isso ser formalizado e materializado-se, um aspecto precisa ser salientado: a sua postura como produtor foi perfeita, do começo ao final do processo.
De minha parte, eu só lastimo que ele tenha conhecido-me em um momento desfavorável pessoal de minha parte, e por conta dessa impressão que teve, deve ter ficado com a impressão de eu ser um músico/artista sem grande entusiasmo por aquele trabalho.
Tal prerrogativa, infelizmente, esteve
acima das minhas forças naquele instante.
Todavia, eu sabia na época e ainda mais hoje em dia, que o seu esforço para fazer acontecer aquele LP, foi notável.
Um acordo alinhavado em 1987, em favor da velha, A Chave do Sol, tomou contornos de ajuste, tardiamente, e por vias tortas, nessa mesma época.
Conforme eu já contei nos capítulos sobre, A Chave do Sol, o Beto Cruz havia fechado um patrocínio com uma luthieria que estava a entrar no mercado, chamada, "Vintage", em prol do LP The Key, que lançamos em 1987. Porém, muitos acontecimentos fizeram com que todo esse acordo mudasse de figura, pois o combinado inicialmente não confirmou-se. Em síntese: os instrumentos prometidos não saíram da forma combinada, mas apenas o baixo apresentou tal perspectiva de ser entregue e pelo fato de que eu pessoalmente pressionei (educadamente, é claro), o luthier, nesse sentido.
E outro fato, após quase dois anos de espera, o rapaz em questão entregou o meu instrumento para outro luthier finalizá-lo, portanto, quando eu o recebi enfim, por volta de julho de 1989, ele estava com outra marca no seu headstock (a chamada "cabeça" do instrumento, onde ficam as tarraxas), e assim, o patrocínio inviabilizou-se, tecnicamente a falar, mas não por minha/nossa culpa.
Contudo, nesse novo momento, e na iminência de poder contar enfim com esse baixo, o Beto agilizou um
acordo com a revista "Rock Brigade", e a luthieria "Tajima" que de fato o finalizou, e assim, uma
propaganda saiu nessa referida revista, a dar conta que éramos
patrocinados por tal marca.
Foto de Carlos Muniz Ventura, meu amigo fotógrafo, e coincidentemente, amigo igualmente do Luthier, Seizi Tajima.
Foi uma propaganda ilusória, pois não tratara-se de um patrocínio oficial e por tudo o que eu esclareci acima e também nos capítulos sobre a minha trajetória com A Chave do Sol, o que valeu mesmo, além do meu baixo ter sido finalizado e entregue, enfim, foi o fato da propaganda em si ter dado uma ajuda substancial para a nossa divulgação.
Essa foi a primeira e única vez em toda a minha carreira, que eu tive uma menção de patrocínio, ou "endorsement" como se diz no jargão a usar de anglicismo, pois eu nunca mais fui sondado por nenhum fabricante de nada que relaciona-se a equipamentos e acessórios, para tal disposição e nunca procurei ninguém, também.
Conheço muitos colegas que tem muitos patrocinadores, mas eu nunca preocupei-me com isso e sei que já fui criticado por tal postura versada por um suposto "desprendimento", mas não é o caso. Se procurado, eu poderia até analisar a proposta, mas particularmente, eu nunca preocupei-me com isso, pois não gosto da ideia de ter que ficar a vender a minha imagem para obter um punhado de palhetas ou um joguinho de cordas gratuito a cada "X" tempo.
Quando preciso, vou na loja, compro, e não
tenho comprometimento extra com ninguém.
E também
jamais usaria a postura de alguns colegas que ocultam marcas de
instrumentos e equipamentos com fita isolante, para não fazer propaganda em fotos e/ou filmagens, para fabricantes que não "lhes dão nada
de graça".
Ora, uso instrumentos da Fender & Rickenbacker, amplificador Ampeg, cordas Rotosound... e não espero que tais indústrias "paguem-me" por eu usar os seus produtos.
Abomino a ideia da mesquinharia
absoluta, que transforma a mentalidade de alguns colegas em um padrão a ser seguido com a ganância sem
limites, mais a portarem-se como pilotos de F1, mediante dúzias de patrocínios
estampados por suas respectivas logomarcas, em seus macacões.
Foi essa, portanto, a história d'A Chave a fazer propaganda da Luthieria, "Tajima" nas páginas da revista Rock Brigade.
E no caso do Edu, ele formalmente entrara como componente oficial de uma outra banda, pela qual vislumbrou uma oportunidade de carreira melhor do que as incertezas que A Chave/The Key continha naquele momento para lhe ofertar. Tratara-se de uma banda chamada: "Anjos da Noite", cujo vocalista era filho do cantor sertanejo, Sérgio Reis e segundo consta, o seu pai não estava a medir esforços para usar todo o seu prestígio no meio artístico, para fazer tal banda atingir o mainstream.
Foi uma proposta musical muito mais Pop do que A Chave/The Key possuía e claro que o Edu seduziu-se por tal oportunidade, mesmo por que, um de seus irmãos e que mostrava-se igualmente um guitarrista virtuose, chamado, Átila Ardanuy, já era componente da banda.
Enfim, daí
em diante, além de todas as dificuldades que estávamos a enfrentar e o
meu desânimo pessoal cada dia maior, nós passamos a lidar também com o choque de
agendas e muitos impedimentos no tocante à disponibilidade de horários
para ensaios. Pior
ainda, o Edu sinalizou que usaria algumas músicas de sua autoria no disco a ser
gravado pela outra banda e não as disponibilizaria para o nosso LP.
Isso irritou bastante o Beto, que ainda acreditava e lutava bravamente por essa banda, principalmente, mas eu estava cada dia mais alheio, e na verdade, sentia-me emocionalmente fora da banda, embora estivesse a protelar a minha saída oficial, apenas para não deixá-la com mais um problema a resolver, ao ter que procurar um novo baixista.
Nesse ínterim, o produtor Chicão, anunciou que estava quase pronto a dar-nos o sinal verde para iniciarmos a produção do LP a ser gravado. Com esse clima todo que eu descrevi acima, foi difícil reunir forças para animar-me.
Mas haveria de existir um respeito, um pelo outro, e sobretudo ao Chicão,
que não sabia de nada disso que ocorria-nos internamente e pelo
contrário, estava bem animado a produzir-nos.
Portanto, isso teve de ser levado em conta para que tirássemos não sei de onde, forças para não desapontá-lo.
Entrou o segundo semestre e dois novos shows no Black Jack Bar, foram realizados. Estávamos muito limitados a uma agenda a demarcar shows esporádicos e sempre na mesma casa, mais baseado pelo fato de seus donos serem nossos amigos, do que a viver um momento bom na carreira. Aliás, o momento não foi nada bom.
Tocamos então novamente no Black Jack Bar, nos dias 14 e 15 de julho de 1989, com marcas de público respectivas de duzentas e trezentas pessoas presentes ao ambiente do bar. Para os padrões daquela casa com dimensões pequenas, foi muito bom, apesar de tudo.
Uma última
oportunidade para tocarmos em uma casa com médio porte, ocorreria em agosto.
No mesmo dia desse show, o Beto foi sozinho à emissora Brasil 2000 FM,
para promover tal show, durante a sua programação normal.
Novamente convocados a tocar no Dama Xoc, desta feita foi um show agendado de última hora, portanto sem muita chance para fazer-se uma divulgação decente.
Dividimos a noite com uma jovem banda que praticava um Hard-Rock com bastante similaridade com o Hard setentista, chamada: "Controlle", que estava para gravar um álbum, inclusive. Foi aí que conheci um bom amigo, o baixista, Renê Seabra, que infelizmente já deixou-nos, recentemente (2013), de forma muito precoce e vencido por um câncer muito agressivo.
Nessa noite de 9 de agosto de 1989, o público presente no Dama Xoc foi diminuto, com apenas setenta pessoas presentes no recinto.
O link para ouvir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Rd7zz7bJq9k
No camarim, pessoas ligadas à produção, disseram-me que os membros da banda estrangeira, "Destruction", estiveram presentes a assistir-nos, mas ao contrário do que esperavam de minha pessoa, é óbvio que eu não me comovi nem um pouco. Foram bem-vindos ao nosso show como qualquer pessoa que estava ali a pagar ingresso, mas eu não era nem de longe alguém simpático ao mundo do Heavy-Metal, portanto, sabia de sua existência, mas não interessava-me nem um pouco pelo seu trabalho.
O Link para ouvir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=E_lFkFyE1G4
O Link para ouvir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=dA3Z_332RZg
Resenha
sobre o Show no Dama Xoc, em agosto de 1989, publicada na Revista "Rock
Brigade", em outubro do mesmo ano e assinada por André "Pomba" Cagni.
Interessante a referência ao nome do álbum que ainda nem havíamos
gravado, ser supostamente intitulado como: "Runaway", determinação que aliás não confirmou-se a seguir e também a mencionar, o fato de que na foto do show em si, eu estar
a usar enfim, o meu baixo Tajima, que havia sido entregue há poucos
dias nessa ocasião e no detalhe, vê-se que um "knob" (botão), do instrumento estar
a faltar, pois havia caído no palco logo no primeiro show,
ao frustrar-me, naturalmente...
Alguns dias depois, faríamos o derradeiro show dessa banda e cabe uma análise.
Esse episódio, na verdade, já foi contado sob outro viés, no capítulo, "Sala de Aulas", pois envolveu diretamente um aluno meu.
Foi o seguinte: o meu aluno Marcelo Dias, popular "Marcelo Carioca", era componente de uma banda chamada, "Êxito", de São Bernardo do Campo-SP, na região do ABC paulista.
Um dia, ele chegou em minha aula, a dizer-me que a sua banda havia conseguido uma data em um dos três teatros mantidos pela prefeitura de São Bernardo do Campo, no caso, o Teatro Elis Regina e que pelo fato de sua banda ser desconhecida, não faria sentido usar a data sozinha, sob o risco de não reunir condições de arrebatar um grande público.
Portanto, ele fez-me o convite para que A Chave/The Key fosse escalada nessa data, e a sua banda fizesse a abertura do show. Foi uma boa perspectiva, e melhor ainda foi a atitude dele em formular-me tal gentil oferecimento, mas o que ele não soube, foi que o clima mostrara-se desolador para essa banda em que estava a atuar, que mantinha o compromisso para gravar um disco, mas na prática, estava quase dissolvida, com apenas o Beto ainda a lutar bravamente para mantê-la em pé, e talvez com apoio do Zé Luiz Rapolli, em tese. Eu estava exaurido, e Fábio & Eduardo, entretidos com outros trabalhos.
Então, passei tal informação aos demais componentes e mesmo sob tal clima desfavorável da banda em processo de desmantelamento, todos aceitaram fazer o show. Daí em diante, todo o mérito por tal produção ter sido um sucesso, deve ser creditado ao meu ex-aluno, Marcelo e pelos seus companheiros, que trabalharam com muito afinco para tal. Foi muito compreensível, pois eram jovens e davam os seus primeiros passos como músicos profissionais.
Essa história foi contada igualmente no capítulo: "Sala de Aulas", mas agora eu avanço um pouco mais aqui com adendos.
Sob o ponto de vista do show em si, foi uma apresentação com bastante energia, pois o público respondeu com muito entusiasmo.
A banda
estava dilacerada, internamente, mas a sinergia no palco, com a
devolutiva de um público muito quente, contagiou-nos, ao tornar a
performance, ótima, como se a banda estivesse em grande forma, e não foi o
caso, na verdade.
Foi o último show dessa banda e com essa formação, pois a seguir só dedicamo-nos à gravação do álbum, e após o processo de gravação, um longo período seguiu-se até que o Beto novamente a reformulasse inteiramente e tentasse prosseguir no ano de 1990 e parte de 1991.
Se A Chave/The Key nada teve a ver com a velha, A Chave do Sol, embora para muitos fosse a sua continuidade forçada, após mais uma reformulação e nova troca de nome (o LP que gravamos já seria creditado à uma banda chamada: "The Key"), não houve nenhum cabimento em que algum fã ou jornalista ainda acreditasse que fosse uma continuidade.
Enfim, o show no Teatro Elis Regina, em São Bernardo do Campo-SP, ocorreu no dia 13 de agosto de 1989, com a abertura e preciosa produção dos componentes do "Êxito" e com cerca de trezentas pessoas alojadas na plateia.
Tal banda de meu aluno, mudaria de nome, formação e orientação artística, alguns meses depois e em 1990, os seus componentes convidar-me-iam para produzir uma Demo-Tape do seu trabalho. Tal história, está contada com detalhes nos capítulos dos "Trabalhos Avulsos" de minha autobiografia. O nome da banda tornar-se-ia doravante: "Aura".
Algum tempo depois e eles mudariam de novo, ao adotar o nome como: "Via Lumini", banda essa a gravar dois discos e alcançar relativo sucesso entre os apreciadores do Rock Progressivo setentista, tão vilipendiado e desprezado na década de oitenta. No meu caso, isso foi adorável, é claro... sobre A Chave/The Key, só restou-nos gravar o álbum...
Entramos em processo de gravação do álbum, em julho de 1989.
O Chicão,
produtor, fechou acordo com um estúdio de bom nível, mas que não era
badalado no meio. E exatamente por estar a iniciar-se no mercado,
praticava um padrão de precificação mais acessível.
Contudo, continha um maquinário de primeira qualidade para os padrões da época e as suas instalações cheiravam a tinta, com tudo novo em folha e instalado em um belo e amplo sobrado no bairro do Alto de Pinheiros, que é um quadrante extremamente residencial do bairro de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, com a maioria das casas a apresentar um alto padrão, ou mesmo a se constituírem por mansões.
Tal estúdio chamava-se: "Big Bang". Um dos sócios foi o músico, Marcelo Galbetti, um componente do "Premeditando o Breque", banda contemporânea do Língua de Trapo, egressa dessa forma daquela cena da "Vanguarda Paulista", surgida entre 1979 e 1982, mais ou menos. O outro sócio e que era proprietário do imóvel, chamava-se: Marco Mattioli.
Não ensaiamos muito para tal produção, mas aquelas músicas eram bem conhecidas por nós, sendo que as tocávamos desde 1988, nos shows, portanto, não houve o que temer em termos de perda de tempo nas tomadas básicas de gravação.
A metodologia foi na base do "um-por-um", portanto fizemos a captura da bateria mediante guia no primeiro e segundo dia, com o Rapolli a gravar a sua parte com bastante eficiência.
De última
hora, resolvemos gravar a canção, "No Quarter", do Led Zeppelin e claro que haveria de ser inviável inseri-la no disco por conta da fortuna que custaria mediante as taxas à editora que controla tal canção, mas gostamos de ter uma versão
nossa dessa canção épica, talvez pelo simples prazer de se ouvir em casa,
secretamente.
Contudo,
na hora da mixagem, claro que tal devaneio foi descartado e muito
provavelmente essa versão foi apagada ali mesmo em 1989, assim que
deixamos o estúdio e outro cliente foi usar as fitas, prática comum em
estúdios comerciais na dinâmica antiga das gravações analógicas.
A música:
"Before the Bridge Falls Down", tratara-se de uma versão com outra letra de "Sun
City", do repertório d'A Chave do Sol e eu considero hoje em dia algo muito
constrangedor que tal canção forjada nesses termos, tenha sido inserida
no LP, embora muitas modificações na melodia principal fossem efetuadas.
Nós deveríamos na verdade, ter gravado uma música inédita e de fato, haviam várias que foram preteridas, a ficarem de fora da seleção final, caso de "Paralell Paradise", que é um tema instrumental de autoria do Fábio Ribeiro, muito inspirado no Prog-Rock setentista e bem bonito, na minha opinião.
Algum tempo depois, já em agosto de 1989, eu passei cerca de três horas da minha vida a gravar a minha parte, sozinho, sem a presença de outros componentes da banda e apenas com a companhia do técnico, Michael Angel, em uma noite de sexta-feira, quando lembro-me bem que ficamos a trabalharmos e a conversarmos em paralelo, animadamente sobre os anos setenta. E nessa altura, foi tudo o que eu desejei como uma meta, ou seja, voltar para as minhas raízes e livrar-me da década de oitenta.
Ouça a música: "When We Was Fab", do então mais recente disco do George Harrison (LP Cloud Nine), que havia acabado de ser lançado e cujo mergulho na nostalgia da psicodelia sessentista começou a fazer-me crer que, sim, seria possível resgatar a minha verdade e ela contrastava com o mundo oitentista hostil. "Muito tempo atrás quando éramos fabulosos"... pois é, isso deu-me o "click" que eu precisava para dar um chute no pesadelo oitentista, e voltar a sonhar com minhas raízes 1960 & 1970. Apesar de que na letra da canção, Harrison não fala em nostalgia pelos anos sessenta propriamente dita (pelo contrário, contém um certo escárnio embutido, mas tudo bem, ele era britânico e esse tipo de humor sarcástico, faz parte da cultura desse povo), causou-me tal efeito emocional, e daí, a minha vida começou a mudar, de volta às minhas raízes. Não que eu as tivesse abandonado, isso jamais. Mas por um longo período (a década de oitenta inteira), eu convivi com a ideia de que tudo o que eu amava houvera sido destruído, portanto, uma semente de esperança começou a germinar nesse exato momento
Eis o link para escutar a música citada do George Harrison no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=1VJln6Ya7Lg
Tal música
em específico e aliás, o disco inteiro do George Harrison ("Cloud Nine"), mais o LP solo do Keith
Richards também recém lançado em 1989 ("Talk is Cheap"), representaram um
fio de esperança em minha combalida expectativa "vintage" e o descarte do ranço oitentista em que inseri-me por absoluta falta de escolha, estava prestes a ocorrer.
Um dissabor ocorrido ainda na gravação da guia ´para prover a gravação da bateria, reforçou tudo o que enfatizo. Ao escutar as convenções que eu e Rapolli havíamos criado para enriquecer algumas canções, o Edu pediu para que não as gravássemos, e pelo contrário, para realizássemos uma base simples, pois ele julgara que aquelas frases atrapalhavam-no em seus solos.
Bem, reduzido a um baixo reto, quase sem frases, a gravação do disco tornou-se ainda mais penosa para a minha discografia. Portanto, esse trabalho é certamente o mais simples que eu cumpri em minha carreira inteira, com uma participação pífia, a tocar um baixo contínuo em uma nota só, na maior parte do tempo, de uma forma medíocre.
Aborreci-me tanto com essa abordagem e somado à toda a insatisfação acumulada desde 1988, que tal acontecimento tratou por provocar que eu desligasse-me completamente dessa produção, fato raro e que entristece-me, pois eu sempre gostei de acompanhar todo o processo de gravação e mixagem de meus álbuns.
Mesmo
alheio e chateado, ainda acompanhei sazonalmente a gravação dos companheiros, para
dar apoio moral, mas nessa altura, o Beto já sabia que eu estava
desligado da banda.
Aliás,
esse comunicado já havia sido feito antes mesmo de entrarmos no estúdio,
quando ele pediu-me para eu gravar o disco. É claro que não o deixaria
sem apoio, tampouco os companheiros e o produtor, Chicão, que estava super
entusiasmado e a gastar muito dinheiro.
Lembro-me de ter visto o esforço que o Fábio fez para gravar várias camadas com teclados, inclusive ao alugar um órgão Hammond e a sua respectiva caixa Leslie, do Fernando Costa, o "The Crow" e que deu um trabalho incrível para ser levado à sala de gravação, que só era acessada mediante uma ínfima e perigosa escada espiral.
Portanto, eu o entendo perfeitamente quando concede entrevistas a tocar nesse assunto e sente-se contrariado pela mixagem ter arruinado quase que inteiramente seus esforços, ao transformar a participação dos teclados nesse disco, em uma mera base harmônica chinfrim, que não condiz com a técnica e criatividade de um músico de seu nível.
De minha parte, nem tive como queixar-me da mixagem, pois não participei de suas sessões, já por considerar-me fora da banda. De fato, o baixo está lá para trás, nessa gravação, mas não importava-me muito, visto que as linhas são burocráticas, simples e sem maiores atrativos.
Todo o
trabalho de produção da capa e encarte foi feito pelo Beto e pelo
Chicão. A escolha da ordem das músicas, o texto da ficha técnica e
escolha das fotos e até mesmo o título do álbum:
"A New Revolution" que foi o nome escolhido para esse disco.
Fotos da capa, de Eric de Haas, extraídas de dois shows no Dama Xoc, em São Paulo, em 1988 e 1989
Por problemas que eu nem sei dizer quais foram, pois eu já não era mais membro da banda, esse disco só foi lançado no mercado, muitos meses depois, ao final de 1990, ao tornar a sua divulgação, extremamente confusa. Não tenho um recorte sequer de jornal ou revista com uma nota ou resenha sobre o seu lançamento. Nem sei se saiu algo de fato, mas claro que deve ter saído, suponho.
Não sei dizer por quanto tempo mais os demais membros ainda ficaram nessa banda, pois a partir dessa obrigação moral de gravar o disco, eu me despedi. Creio que ninguém ficou, pois eu soube que o Beto iniciou uma imediata reformulação da banda.
Contudo, por
motivos dos quais também desconheço, que eu saiba, tal nova formação não
chegou a fazer shows ao final de 1989, tampouco no decorrer de 1990.
Todavia,
por incrível que pareça, em outubro de 1990, quando finalmente o disco
ficou pronto, o Beto ligou-me para formular-me um pedido que foi
inacreditável pelas circunstâncias, mas que eu não poderia recusar, em
consideração por todo o esforço e sofrimento que esse amigo teve para
manter a chama acesa (explico sobre isso, depois).
https://www.youtube.com/watch?v=ZWpSUkxbthY
https://www.youtube.com/watch?v=LfbtSMgRm6c
https://www.youtube.com/watch?v=UDvr-ld11xI&t=188s
https://www.youtube.com/watch?v=RbTfTN-pNxs&t=66s
https://www.youtube.com/watch?v=vUFsa8hbjyE
https://www.youtube.com/watch?v=ATtoWiCEAQ4
https://www.youtube.com/watch?v=fcjMv0KzyHA
https://www.youtube.com/watch?v=sdvEH63MaHc
https://www.youtube.com/watch?v=V32TFH6OKJk
Ouça abaixo o álbum "A New Revolution", na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=ZWpSUkxbthY
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