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terça-feira, 10 de novembro de 2015

Sidharta - Capítulo 2 - A Procurar o Time Ideal para Fomentar a Boa Vibração Sessentista - Por Luiz Domingues

Eu conhecia bem o Zé Luiz Dinola, pois convivemos juntos diariamente por cinco anos, quando fomos companheiros na formação d'A Chave do Sol. Ele tinha pouca ou nenhuma identidade com a cena Rocker sessenta-setentista. A predileção dele sempre foi pelo Jazz-Rock, quase que exclusivamente. Portanto, eu tinha certeza de que seria difícil ele encaixar-se na filosofia do Sidharta, mas arrisquei levar em consideração a hipótese da sua participação no projeto, pelos seguintes motivos:

1) Estávamos a nos esforçarmos para achar um baterista ideal, exatamente por estarmos a afunilar na necessidade de encontrarmos esse quarto componente ser coadunado com o espírito "Woodstockeano". Mas e se abríssemos exceção nessa rigidez de propósitos, ao menos nessa escolha do baterista? 

2) Tecnicamente não haveria nada a ser comprovado da parte dele, pois ele pegaria as baquetas e sairia a tocar divinamente como sempre e nessa questão técnica estaria tudo solucionado. 

3) Pelo aspecto do caráter pessoal, haveria a mesma predisposição. Dinola é o tipo de pessoa que eu assinaria uma procuração em branco para ele movimentar a minha conta bancária. 

Portanto, Dinola apresentava inúmeros predicados naturais e amplamente conhecidos de minha parte, entre os quais: honestidade total, força de vontade, trabalho, dedicação, empenho, foco... enfim, todas essas qualidades são inerentes à personalidade dele. 

Dessa maneira, a minha única dúvida foi apenas referente ao quesito do direcionamento artístico da banda, em que fatalmente haveriam divergências, devido à visão diferente da parte dele.

Então, quando eu comuniquei ao Rodrigo que o Zé Luiz Dinola havia ligado-me, ele surpreendeu-me, pois a antecipar-se, foi logo a falar-me que devíamos convidá-lo imediatamente, ao denotar que também pensava nessa hipótese etc. e tal. 

E mais uma vez eu o adverti que conhecia bem a personalidade do Dinola, e nem Rocker exatamente ele era, na verdade. Dessa forma, diante de um projeto radical como fora concebido o Sidharta, eu tive sérias dúvidas se ele encaixar-se-ia no ideal. 

Contudo, o Rodrigo relevara as minhas advertências, ao dizer-me que o Dinola aos poucos integrar-se-ia à proposta e o que importaria naquele instante seria o fato cabal de que tocava demais, era muito experiente já nessa época e muito gentil como pessoa.

Disso tudo que o Rodrigo elencou, eu nunca tive dúvida, mas ainda ficara com aquela impressão de que por um detalhe aparentemente ínfimo, porém fundamental para os nossos planos, não daria certo. 

Eu realmente não o considerava ideal para o projeto e reafirmo, com muito pesar, pois ele é um artista sensacional em todos os sentidos. 

Fomos então à casa dele em Pinheiros, em uma noite de terça-feira, de fevereiro de 1998 e conversamos detidamente sobre o projeto. O Rodrigo levou um violão e mostrou as músicas que já tínhamos e o Dinola gostou, sem restrições, pois da parte dele, houve a forte vontade de tocar e eu reconheço que sua determinação, cativou-me.

Independente desse conflito de perfis ideais para com o projeto, eu também gostei, é claro, pois iria tocar com ele novamente e afinal de contas, não tocávamos juntos oficialmente desde maio de 1987.

Quase onze anos a designar tal hiato e não estou a contar um show que ele fez em janeiro de 1988, em título de ajuda fraternal, na fundação de uma banda dissidente d'A Chave do Sol (A Chave/The Key) e que teve que se realizar as pressas, mas isso é assunto de outro capítulo, naturalmente. 

Então, fizemos um ou dois ensaios acústicos só para ele conhecer o mapa das músicas e marcamos o primeiro ensaio elétrico e oficial, para o final de fevereiro, a ser realizado em um estúdio na Vila Mariana, onde o Zé Luiz já o havia usado para ensaiar com trabalhos cover anteriores que fizera. 

Eu estava ansioso por esse ensaio, pois de certa forma, foi como se estivesse a reatar o fio da meada do meu primórdio na música, visto que fora um trabalho iniciado por eu mesmo, após muitos anos desde o final d 'A Chave do Sol e com o Pitbulls on Crack, no meio do caminho.

Eu me dirigi para esse primeiro ensaio a estar muito animado, claro. Eu senti-me cada vez mais confiante no Rodrigo e mais empolgado com a presença do Zé Luiz, visto que o seu entusiasmo para trabalhar, contagiou-me e as suas demais qualidades óbvias como músico e pessoa, eu já conhecia de longa data.

O ensaio foi um tanto quanto improvisado, pois foi a primeira vez que tocávamos de fato, de uma forma elétrica. 

E deu para notar uma certa tensão no ar entre o Zé e o Deca, visto que um não havia simpatizado com o outro, infelizmente. Por conhecer bem os dois, pois trabalhara com ambos através de trabalhos longos e distintos comigo (A Chave do Sol e Pitbulls on Crack), percebi que um clima aconteceu logo de imediato nas primeiras músicas, pois o Deca gosta de tocar muito alto normalmente e o Zé Luiz gosta de ensaiar com volume baixo, para melhor avaliar as músicas, prestar atenção em arranjos etc. O Deca ensaiava como se estivesse a tocar ao vivo, em um show.

Esse clima, acentuar-se-ia e precipitaria um rompimento inevitável, pouco tempo depois. Não seria somente por isso, claro, mas além de outros motivos mais importantes, esse também pesaria para tal tomada de posição. 

No momento em que aconteceu tal rusga, eu achei que houvera sido somente uma indisposição sem importância entre ambos. Eu enxergo o sinal agora, com a devida distância que o tempo permite-me, para ter essa visão macro da história. Portanto, tal indisposição ficou mais evidente nos ensaios seguintes e motivou o Deca a abandonar o projeto, logo a seguir.

Quebrado esse gelo inicial, marcamos então novos ensaios elétricos, e a intercalar com os acústicos, na residência do Zé Luiz. 

Novas músicas surgiram e as primeiras que estavam compostas, a ganharem corpo com arranjos mais definidos. 

Devo enaltecer a participação do Zé Luiz, nesse aspecto, pois ele sempre foi bom ao emitir boas sugestões para arranjos em nosso tempo com A Chave do Sol, mas esse Zé Luiz, onze anos mais velho, com quem eu estava a lidar nesse novo instante de 1998, houvera ficado ainda melhor.

O meu temor pela incompatibilidade estética dele para com o trabalho ainda existira, mas estava na realidade a apequenar-se, ao deparar-se com o entusiasmo dele com o projeto e também pela sua participação ativa, ao criar ótimas sugestões nos arranjos e a participar ativamente de todos os aspectos da produção, extra-musicais. 

O que não foi bem, no entanto, tratou-se do desânimo do Deca, pois nitidamente ele não esteve com o mesmo entusiasmo. Então, ainda ao final de fevereiro de 1998, ele ligou-me e pediu uma reunião extra, ocasião em que comunicou-nos que o Sidharta não mostrara-se exatamente o que ele esperava em termos musicais.

Disse-me a seguir que quando eu o convidara, em 1997, pensava em algo mais centrado no Rock'n' Roll e o rumo que estávamos a adotar revelara-se um campo muito mais aberto. Mas essa interpretação dele fora equivocada, pois desde o início, eu havia deixado muito claro que o objetivo fora evocar diversos estilos e não fechar-se sob um único.

Se a ideia foi buscar inspiração nos anos sessenta e setenta, o que houve de mais substancial na produção artística dessas duas décadas? A diversidade, ora! 

A despeito disso, eu e Rodrigo, ficamos chateados com a saída dele, mas apreciamos a honestidade e transparência com a qual ocorreu.

O Zé Luiz não lamentou, pois definitivamente, não havia entendido-se com ele, Deca e vice-versa. 

Nos ensaios subsequentes ao primeiro, o clima acirrou-se, ao ir além da questão sobre a divergência no tocante ao uso do padrão de dinâmica. Nessa altura, eles já discutiam por conta de divergências nos arranjos. 

E confidencialmente, o Dinola havia dito-me que não havia apreciado o estilo dele como guitarrista, as suas escolhas de timbres, e uso de pedais. Nesses termos, foi o melhor para o Sidharta e para ele, Deca, pois a seguir, o meu amigo começou a atuar no "Baranga", ou seja, 100% Rock'n' Roll, como ele sempre almejou.

Agradável não foi tal cisão, pois a minha expectativa para essa banda foi cumprir todas as etapas básicas de sua formação sem repetir os erros do passado, portanto, uma troca de componentes logo de início, não esteve nos planos. 

Entretanto, diante da insatisfação do Deca, quanto ao rumo estético da banda, sob um leque muito mais aberto do que ele supôs, não houve mesmo o que fazer. E de fato, ele não havia compreendido o espírito da banda, e daí a sua saída mostrou-se como ideal para ambos.

Apesar desse rompimento todo envolto em ritmo de cavalheirismo e sinceridade, ficamos apreensivos, eu e Rodrigo. 

O Zé Luiz nem tanto, pois não detinha na sua mente essa questão de comprometimento com um ideal, portanto, qualquer guitarrista seria bem-vindo, desde que tivesse um nível técnico bom para atuar conosco. 

Eu e Rodrigo conversamos bastante e chegamos a conclusão de que um nome excepcional para o projeto seria o de Marcello Schevano.

Da esquerda para a direita, Marcelo "Pepe" Bueno, Ricardo Schevano e Marcello Schevano, na minha sala de aulas, em algum momento de 1996

Irmão de meu aluno, Ricardo Schevano, e ainda mais novo que o Rodrigo, mas já a tocar uma guitarra muito técnica e também por desenvolver muita habilidade aos teclados (e em breve, também a agregar mais um instrumento que abrilhantaria demais o som do Sidharta, e posteriormente para a Patrulha do Espaço: a flauta transversal), ele se tornara um polivalente super talentoso e muito precoce. 

Porém, não foi tão simples convidá-lo para resolver a nossa pendência e ponto final. Isso por que nessa época, ele estava a tocar com uma banda chamada: "Soulshine", com o meu também aluno, Marcelo "Pepe" Bueno. Apesar de tocar mais covers do que material próprio e ser uma banda formada por garotos, praticamente, seria incorreto aspirar que ele deixasse aquela banda abruptamente.

Conversamos então com ele e propusemos-lhe que ele ficasse a atuar com as duas bandas, mesmo por que, a nossa em questão, demoraria para se preparar para atuar ao vivo ou gravar. 

Sei que o pessoal do Soulshine ficou um pouco triste, mas eles também teriam que galgar um longo caminho até tornarem-se o "Tomada", enfim. 

O Marcello aceitou o convite imediatamente e como eu o conhecia, apesar de sua extrema juventude, soube de antemão que o seu talento e sobretudo a sua mentalidade 100 % calcada em prol do Rock retrô, cairia como uma luva para o nosso projeto e assim procedeu-se, de uma forma instantânea.

Continua... 

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