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terça-feira, 1 de março de 2016

Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada - Capítulo 2 - A Psicodelia Acontece ao Vivo - Por Luiz Domingues

Algum tempo decorreu desse contato inicial com o Ciro Pessoa e o primeiro ensaio concretizado. Toquei muitas vezes com Os Kurandeiros, antes de haver alguma sinalização de que houvesse um ensaio a vista. Dessa forma, tive tempo para preparar as músicas com relativa calma. Surpreendi-me com as possibilidades psicodélicas de algumas, inclusive.

Músicas como "Anis", "Planos", "Em Dia com a Rebeldia", "Praia de Marfim", "Gruta Solar", Minha Mulher Ampulheta", "Até os Anos 70" e "Despejar", apresentavam muitas características dessa monta, e certamente que se dependesse de meus esforços, assumiriam ainda mais tais acentos sessentistas. 

Houve também a inclusão de duas músicas significativas do repertório oitentista da carreira dele. Uma delas, foi: "Sonífera Ilha", sucesso dos Titãs e a se tratar de uma música da sua autoria, quando ainda foras componente dessa banda. Para preparar a música, eu recebi a versão dos Titãs, com aquele arranjo ao estilo "Ska", super oitentista em sua concepção.

Entretanto, o Ciro me tranquilizou, logo a dizer que também detestava aquela versão e quando compusera a canção, a sua real intenção fora de encontro a um arranjo "Bubblegum", ao sabor dos anos sessenta, estilo Jovem Guarda. Todavia, em 1983, claro que a predisposição verteu para aquele Ska, sob o viés pós-punk, típico. 

E a outra música, foi um sucesso de sua outra banda oitentista, "Cabine C" e desta feita, não houve escapatória, se tratou de um pós-punk duro e robótico, exatamente como foram aqueles anos sombrios, chamada: "Pânico e Solidão". 

A canção não era ruim, mas com aquela carga oitentista cinzenta e depressiva, realmente destoara da psicodelia colorida e lisérgica do restante do trabalho. Duas outras músicas com esse aspecto oitentista foram sugeridas e eu as preparei, também, embora no momento decisivo, quando começaram os ensaios para valer, estas foram descartadas. 

Uma delas se chamava: "Tão Perto" e a outra, "Dona Nenê". Essa "Dona Nenê" aliás, era um Punk-Rock gravado pelos Titãs.

Sob uma troca de e-mails, o Ciro sugeriu duas releituras interessantes, que eu apreciei executar: "Ando Meio Desligado" dos Mutantes, e "I'm the Walrus", dos Beatles. Sendo assim, esteve fechado o repertório oficial. O primeiro set list que foi solicitado para eu preparar, foi esse:

1) Em Dia com a Rebeldia

2) Gruta Solar

3) Minha Mulher Ampulheta

4) Praia de Marfim

5) Anis

6) Despejar

7) Astrolábio

8) Boliche Sideral

9) Ando Meio Desligado - Mutantes

10) As Formigas estão vendo tudo

11) Pânico e Solidão

12) Girando na Órbita Zen

13) Até os Anos 70

14) Sonífera Ilha

15) Planos

16) I'm the Walrus - The Beatles

Eu tive um grande prazer para preparar as músicas comprometidas com as raízes psicodélicas, e até com elementos progressivos. Tive tempo para criar pequenas modificações em suas respectivas linhas de baixo, ao acrescentar elementos psicodélicos mais condizentes com a intenção deliberada do próprio autor, conforme havia combinado com o Ciro, diretamente.

Fui informado que em cada faixa de seus discos solo, baixistas diferentes atuaram na gravação. De fato, faixas gravadas pelo saudoso, Osvaldo Gennari, popular "Cokinho" (o primeiro baixista da Patrulha do Espaço), são muito bem executadas, lógico. Contudo, outras, gravadas por músicos oriundos ou influenciados pela estética do Pós-Punk, deixavam a desejar, exatamente pela falta de recursos, e sobretudo pela falta de entendimento intelectual sobre como funcionara a psicodelia sessentista.

Capa do LP "A Saucerful of Secrets" do Pink Floyd, lançado em 1968. Fonte: Internet

Na prática é algo simples... se o músico nunca ouviu Pink Floyd e outros tantos artistas congêneres que atuaram nessa década, ficaria difícil expressar com fidedignidade a psicodelia sessentista, como se espera. 

E essa turma do Pós-Punk detinha um agravante: não obstante o fato de serem músicos, tecnicamente fracos (houveram exceções, eu sei!), pelo fato de jamais terem se preocupado em estudar (por conta de acreditarem naquela mentira deslavada em torno do lema: "Do It Yourself"), os que viveram a época, principalmente, mantinham como paradigma arraigado, detestar as vertentes sessentistas, pela predisposição oriunda da falsa propaganda de Goebbels, digo, Malcolm McLaren...

Enfim, as canções psicodélicas do Ciro eram muito boas e apresentavam possibilidades interessantes para acréscimos além do arranjo oficial, ainda que sutis, pois não convinha se elucubrar mudanças radicais por uma questão de respeito à obra, é lógico. Houveram também alguns números da carreira do Ciro com o Cabine C e os Titãs, conforme eu já mencionei.

Foto promocional do grupo Pós-Punk, Cabine C, nos anos oitenta. Fonte: Internet

Preparei-me e claro que tocaria tais temas fora do meu agrado com muita dignidade ao vivo, todavia, alguma coisa mais gutural, na base do Punk-Rock eu achava desnecessário sob o ponto de vista estético, embora fosse claro que por se mostrarem como importantes na carreira dele, Ciro, é claro que essas músicas precisavam ser executadas no show, pois muito provavelmente as pessoas que o acompanhavam, gostariam de ouvi-las. 

É claro que nem todo fã dos Titãs ou Cabine C, que cresceu a acompanhar esses trabalhos oitentistas dele, aprovavam a guinada para a trincheira oposta, mas a rigor, os tempos haviam mudado e o radicalismo havia perdido força, igualmente, portanto, creio que o meu temor não encontrava guarida, também.

Syd Barrett, o louquíssimo primeiro guitarrista do Pink Floyd nos anos sessenta. Fonte: Internet  

Syd Barrett poderia ser intragável para algum Punk/Post-Punker mais radical, na mesma medida que Syd Vicious não nos interessava, em via de regra. 

Foi o caso de "Sonífera Ilha", também. Particularmente, acho a música boa, mas aquele arranjo oficial dos Titãs, em ritmo "Ska", e com aqueles timbres tão fortemente estigmatizados com a estética Pós-Punk dos anos oitenta, realmente não me agradavam.

Portanto, mais que aliviado, fiquei contente quando o Ciro me relatou pessoalmente, que detestava aquele arranjo Ska e quando compôs a canção, pensava em Bubblegum sessentista quando a compôs! Pois seria assim que ela soaria, doravante!

A capa do CD "No Meio da Chuva eu Grito Help". Fonte: Internet

Apesar de uma certa demora para a marcação de ensaios, eu estava bastante motivado para fazer parte desse trabalho e pelo que já descrevi anteriormente, acho que os meus argumentos já foram suficientes para o leitor identificar as minhas razões. 

Houve uma certa expectativa de minha parte, no entanto, em relação aos demais integrantes da banda. Sabia que o Ciro renovara a banda completamente e com isso, estava por afastar a hipótese de trabalhar com músicos oriundos da cena do Pós-Punk oitentista, fator primordial para a sua proposta estética e sonora ser melhor lapidada. O Kim também detinha essa expectativa e só fomos conhecer os demais componentes, posteriormente, no dia do primeiro ensaio oficial.

A bela e muito competente cantora, Luciana Andrade. Fonte: Internet

A única pessoa da antiga formação que permanecera na banda, foi a vocalista, Luciana Andrade, que se revelou em minha percepção, uma grata surpresa, quando começamos a interagir de fato, nos ensaios elétricos. Falo sobre tal particularidade, depois, no entanto, para não desviar o foco neste instante. 

Em casa, a ouvir as canções, cheguei à conclusão de que elas soariam muito bem se eu usasse um baixo Rickenbacker, a buscar aqueles agudos que só o RK proporciona.

O baixista, Roger Waters nos primórdios do Pink Floyd a usar um Rickenbacker

Eu poderia optar pelo Fender Precision, também e teria sido ótimo. Mas decidi apostar na sonoridade do Roger Waters nos primeiros tempos do Pink Floyd, em detrimento do seu som clássico com Fender Precision, que ele adotou depois que o Syd Barrett saiu da sua banda. E quando os ensaios começaram de fato, todos elogiaram a minha escolha, incluso o Ciro.

Um baixo Rickenbacker na primeira ilustração e Ciro Pessoa abaixo. Fonte: Internet

Finalmente recebi um e-mail a confirmar a marcação de um ensaio. Já estávamos no final de setembro de 2011, e nessa comunicação passada pelo Ciro, ele escolheu a metade das músicas arroladas para começarmos a ensaiar, e para a segunda data agendada, as demais canções. Gostei dessa logística, e concentrei as minhas baterias nessa metade, a facilitar o processo. Finalmente eu iria conhecer os demais integrantes da banda e iniciar um processo de integração, com eles.

Kim Kehl em foto ao vivo com Os Kurandeiros em maio de 2011, três meses antes de eu entrar na banda. Click: Lara Pap

Com o Kim, eu já estava habituado a tocar, portanto, creio que seria fácil essa adaptação inicial.

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