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terça-feira, 12 de julho de 2016

1973 - Minha Ligação Inicial com o Rock na Infância e Começo da Adolescência - 1973: The Great Gig in the Sky - Por Luiz Domingues

As mudanças estavam a chegarem junto com o crescimento do corpo, propriamente dito e diante da inerente ebulição dos hormônios, a trazer no seu bojo as transformações físicas típicas dessa fase da vida, que é igual para todo mundo. 

Mas ao mesmo tempo, a proporcionar o apuro em relação à maturidade que iniciava a sua paulatina evolução (e afinal de contas, a adolescência serve para isso mesmo), ou seja, promover a transição entre a infância e a chegada da vida adulta. 

Por se tratar de 1973, foi um momento cultural bom para se ter treze anos de idade e me colocar assim, pronto para receber o melhor que esse ano memorável em termos de produção musical e cultural em geral, teve para oferecer e dentro das possibilidades que eu possuía como estofo intelectual possível que eu detinha para um garoto de classe média baixa e parca instrução educacional, posso afirmar que absorvi bastante coisa.

Eu, Luiz Domingues, em foto 3/4 para a carteirinha escolar, em 1973, já a ficar mais cabeludo, e a imitar o estilo de penteado do David Bowie. Acervo familiar
 
Foi a junção feliz da oportunidade disponível à época com a vontade imensa de aproveitar as opções culturais que borbulhavam e alheio às possíveis dificuldades inerentes (ser brasileiro terceiro-mundista, estar a viver em meio a uma fase política difícil no país, o fato cabal de eu não ter autonomia total ainda e ser membro de uma família classe média baixa e a viver um momento sob dificuldade financeira particularmente por conta de maus passos que o meu dera no ano interior ao montar um negócio e o ter quebrado).

Foi nesse ano que eu dei um primeiro mergulho consciente nessa euforia toda em torno da contracultura e do Rock, visto que nos anos anteriores, tal processo aconteceu em um ritmo crescente, mas sem o caráter incisivo de minha parte, pela infantilidade inerente que eu vivi anteriormente.

Bem, antes de discorrer sobre a vida escolar e a carga que recebi em 1973, falarei da logística familiar que precisei seguir, por conta das circunstâncias desagradáveis pelas quais a nossa estada na cidade de Ribeirão Preto-SP houvesse sido abreviada, aconteceu um breve interlúdio ainda interiorano, antes que voltássemos definitivamente para a cidade de São Paulo.  

Com o meu pai tendo que assumir responsabilidades desagradáveis decorrentes do fechamento abrupto do restaurante que montara em Ribeirão Preto no ano anterior e a aproveitar o fato de que eu acabara de entrar no período de férias escolares, a solução imediata foi passarmos uma temporada na fazenda que um outro irmão de minha mãe possuía, na cidade de Franca-SP, ali na mesma região de Ribeirão Preto. 

A cidade de Franca-SP assinalada em vermelho no mapa do estado de São Paulo, a demonstrar que fica localiza bem no nordeste do estado e a fazer divisa com Minas Gerais

Eu, como um paulistano mega urbano que sempre fui, nunca me interessei pelos atributos bucólicos da vida rural, mas, até que apreciei passar os meses de dezembro de 1972 e janeiro de 1973, em uma fazenda, longe do perímetro urbano da cidade. 

Embora com todo o conforto contido nas instalações para hóspedes, ali não se tratara exatamente uma fazenda para recreação, mas de produção, com o meu tio a empregar vários funcionários para cuidar de sua cafeicultura. Meu tio e sua família não moravam ali, mas com todo o conforto da urbanidade da cidade de Franca e ele só comparecia ali para conversar com o administrador e os demais funcionários, com o intuito de checar assim os trabalhos regulares por eles realizados. 

Relativamente grande, a sua fazenda continha pequenos lagos naturais, formações rochosas e até um pequeno bosque natural preservado, onde não havia planos de se plantar nada. Foi uma rara oportunidade para conviver com primos que eu não tinha muito contato anteriormente, além desse tio, que também admiro pela capacidade de expressão e cultura avantajada, sendo ele um escritor com livros publicados e colaborador em jornais locais, além de que nos dias atuais, apesar da idade avançada, é muito ativo na internet mediante a publicação de seus artigos sobre assuntos diversos, a versarem sobre política & gestão pública, economia, aspectos sociais, artes & esportes e espiritualidade, sobretudo. 

Quando o mês de janeiro esteve a se encerrar, o dilema da minha situação escolar veio à tona. Nunca fora uma intenção de meus pais viverem em Franca, e com aquela passagem ao ser encarada como férias estratégicas, portanto, nem cogitaram me matricular em uma escola estadual naquela cidade, pois o nosso plano foi mesmo voltar para a capital, São Paulo.

E no caso de Caçapava-SP, esta a se localizar na região do Vale do Paraíba, bem perto das fronteiras com os estadosde Mionas Gerais e Rio de Janeiro 

Mas tampouco a família estava pronta para voltar definitivamente para São Paulo, pois com o meu pai a ser obrigado a cumprir pendências em Ribeirão Preto, ele não teve tempo para vir à São Paulo, a fim de procurar imóvel para a família habitar e reassumir o seu emprego fixo na capital, do qual se licenciara no ano de 1972, ao usar tal período sabático para tentar se aventurar em um negócio próprio, e sendo assim, de Franca fomos para Caçapava-SP, outra cidade interiorana, mas muito distante dali, em outro quadrante do estado, aonde morava mais outro irmão de minha mãe e que ofereceu a sua casa provisoriamente para nós, por conta dele mesmo estar de saída, visto que estava programada a mudança com sua família para a cidade de Ribeirão Preto, e assim, sob um encaixe de ajuda mútua, enquanto a nossa volta para São Paulo não estava organizada ainda, eu não tive alternativa a não ser iniciar o meu ano letivo na escola estadual no centro daquela cidade interiorana, ainda conhecido pelo seu nome antigo como: "Ginásio Estadual de Caçapava".

Mais conformado com a rotina de muitas mudanças de escola, que eu viera a enfrentar desde 1971, digo que não senti muito dessa vez a readaptação. Mas claro, se tratou de um mundo inteiramente diferente, no sentido de que nunca na minha vida, eu imaginei que estudaria em uma escola de uma cidade na qual não tinha nenhuma raiz. O fato de meu tio morar ali com a família, fora ocasional para ele também, visto ter sido por força de uma transferência oferecida pelo seu empregador a lhe sinalizar vantagem econômica.

Foto bem mais atual da Praça Central de Caçapava-SP, na qual a escola estadual em que estudei por pouco tempo, ficava ali perto

O colégio era bem no centro da cidade e ostentava uma edificação antiga. Não criei vínculo algum com tal escola, ainda menos que em Ribeirão Preto, pois a minha estada ali foi muito breve, por pouco menos de dois meses. Foi o tempo apenas para fazer as primeiras provas bimestrais e obter boas notas, com exceção da matéria, "educação musical", pasmem, na qual eu tive nota "cinco", ao denotar que realmente eu não tinha aptidão alguma para a música, e não estou a ironizar, pois penso mesmo dessa forma e se me envolvi com a música, foi por uma força de vontade muito grande, por que realmente, o resultado dessa avaliação condisse com a verdade sobre o caso.

Eu, Luiz Domingues, em um momento do início de 1973 e pronto para voltar para São Paulo, e assim começar uma aventura Rocker que nem imaginava que teria, aí nesse fugaz momento em que posei para essa singela foto! Acervo familiar   

Bem, o pouco que absorvi dessa cidade de Caçapava-SP, foi que apesar dela possuir os seus signos culturais próprios e típicos de qualquer cidade interiorana paulista, me pareceu no entanto, nítida a diferenciação em alguns aspectos, em relação à outras cidades que eu conhecia melhor e mantinha laços culturais e familiares mais fortes.

Tal dado, apesar de efêmero, foi interessante para se verificar. Uma característica da cidade, por exemplo, era (é) que por abrigar um  quartel do exército ali (além de que toda aquela região do estado, o chamado "Vale do Paraíba", por conta do rio Paraíba do Sul, ter forte militarização em todo o percurso entre São Paulo e Rio de Janeiro), era muito comum ver muitos militares e veículos blindados a rodarem pelas ruas.

Mas como eu já disse, não deu tempo para me envolver em demasia com a escola e assim, nesses pouco menos de sessenta dias em que frequentei tal escola, esta não me deixou muitas lembranças, além disso. 

Por volta da Semana Santa de 1973, eu já estava matriculado em uma escola estadual paulistana e a me mudar para um bairro que eu conhecia muito bem.  

Mapa do bairro de Moema, na zona sul de São Paulo e as suas fronteiras com os bairros vizinhos 

Quando o meu pai nos comunicou que encontrara uma casa em Moema, na zona sul de São Paulo e que esta se localizava sob um quadrante do bairro que era super familiar em minhas lembranças, mais que isso, fiquei muito feliz pois a localização dessa casa, se mostrava bem era divisa de bairro com a Vila Olímpia, portanto, recebi com alegria o fato de havia sido matriculado para continuar os meus estudos exatamente na escola onde os iniciei em 1968.  

Além do mais, eu conhecia muito bem aquele lado de Moema, aonde moravam os meus tios/padrinhos, desde 1963 e minha avó paterna também morava com eles. 

Frequentava regularmente aquela casa deles, desde o natal de 1963, portanto. E a nossa nova casa seria na primeira travessa, distante por uma mera caminhada de dois minutos dessa residência de meus parentes, talvez nem isso.  

E neste mapa do quadrante mais fechado de Moema onde morei, na Rua Tuim, entre as Avenidas Pavão e Cotovia

Mudamo-nos para a Rua Tuim, entre os quarteirões das Avenidas Pavão e Cotovia e apesar do bairro estar a começar a se verticalizar sob um ritmo frenético, com muitas construções de edifícios de alto padrão a surgirem, aquele lado de Moema ainda continha uma predominância com residências de alto padrão, mas a casa em que fomos morar era bem simples, ainda uma das últimas de uma época menos próspera desse bairro (que nessa altura estava bem sofisticado, ao possuir uma população classe média alta e bastante esnobe, diga-se de passagem).

Com um quintal arborizado, ao se parecer com uma casa interiorana. O fato de conhecer muitíssimo bem aquele quadrante do bairro e morar perto dos meus tios, primos e avó paterna, também me agradou bastante, pois estava com saudade desse convívio que fora o mais forte na minha formação, em meus primeiros anos de vida.  

E outro fato que me animou: ali ficava distante em três quarteirões apenas do colégio onde eu mantinha vínculos e também do bairro aonde morei ao final da década de sessenta e do qual guardava lembranças ótimas. 

A minha carteirinha escolar de 1973. De volta finalmente à escola na qual eu detinha laços e lembranças boas, desde 1968...
 
O meu primeiro dia de aulas, de volta à minha velha escola, foi um momento de reencontros e muita nostalgia. As salas de aulas com aquelas janelas enormes, em um tipo de arquitetura moderna para os padrões da década de cinquenta quando foi construída (1957), o velho corredor e o aroma das árvores do entorno, que era tão peculiar daquela escola, fora o barulho ensurdecedor da passagem dos aviões... foi como estar a retomar o fio da meada perdido no início de 1971.  

Em suma, por conta de fatores sócio-familiares, eu passara dois anos "errantes" e nesse ponto, estive ali de novo e tal reencontro me passou a impressão que nada mudara e que doravante, os meus laços afetivos com aquela escola foram reatados, mas como se na verdade, nunca houvessem sido rompidos.

Todavia, eu observei diferenças bem significativas, é claro. A construção da escola vizinha, que eu vira ser empreendida pelas janelas da minha classe em 1970, estava obviamente finalizada e a funcionar a todo vapor. Em tal escola, nesse momento funcionava o curso primário, que mediante as mudanças pedagógicas promovidas em 1971 no Brasil, equivalia a dizer que abrigavam as crianças pequenas, da 1ª a 4ª série. Portanto, em meio à essa nova realidade inexorável da vida, eu me transformara em um adolescente, "ginasiano".

O espaço da velha escola havia sofrido algumas transformações também. O espaço do teatro escolar ficara preservado, mas na parte mais alta do terreno, fora construído uma quadra poliesportiva que ficava instalada na face da Rua Baluarte. Segundo me contaram, tal novidade fora construída em 1972.

E creio que a melhor parte ficou por conta dos reencontros. A maioria dos colegas eram velhos conhecidos das turmas de 1968 a 1970. Nem todos estavam presentes nessa classe onde fui colocado, alguns estavam espalhados por outras salas. Fui muito bem recebido, saudado e a expressão que mais ouvi nesse dia qualquer de abril de 1973, foi: -"você sumiu do mapa"... ao se referirem ao fato de que no início de 1971, eu simplesmente não apareci mais naquela escola, simplesmente e desapareci do convívio com eles, sem lhes deixar uma explicação, tampouco despedida. Pois é, não fora por minha vontade, certamente.

Engraçado, apesar da pouca desfasagem e convenhamos, dois anos não é nada em tese, foram os mesmo rostos, mas com todo mundo mudado pela obviedade da chegada da adolescência, portanto, com todos a demonstrarem terem passado por mudanças brutais em seus corpos, pela força óbvia da natureza, principalmente as meninas, certamente. 

Estávamos todos com estatura quase adulta e mesmo ainda com traços faciais infantis a se misturarem aos sinais da maturidade que chegava, foi engraçado ver os meus antigos coleguinhas a ostentarem penugens na face, já por insinuar a chegada da barba, eu incluso. E sobre as meninas, nem se fala, as transformações foram ainda maiores... crianças de outrora, que subitamente ficaram com corpos torneados como mulheres e passaram a atrapalhar a nossa concentração nas aulas, dada a sua formosura.

Por falar nisso, logo de início, me deparei com um professor de História que em sua aula, gostava de mudar completamente a ordem dos alunos nas carteiras. O seu real objetivo só não foi tão descarado quanto a imprudência que teve ao subestimar a nossa inteligência. 

Ao colocar as meninas mais bonitas na fileira de carteiras da frente e por se considerar que o uniforme padrão dos colégios estaduais previa saias curtas e prendadas para elas, a cada cruzada de pernas que aquelas três beldades davam nos assentos que usavam, ele mal disfarçava que ficava vesgo... que degenerado! 

E quando os números das provas bimestrais foram divulgadas, as notas altas que elas ostentavam nessa específica matéria, destoavam das demais matérias nas quais elas foram mal e então, os boatos correram... que velho calvo e safado! 

Outro professor, este de "Educação Moral e Cívica", foi uma outra figura estrambótica. Um sujeito enorme, com cabeleira enorme e surpreendente para um professor, barba longa e que usava um casaco ao estilo "sobretudo" pesado, como se vivêssemos em um país sob inverno glacial, ele não chamava a atenção só pelo visual inusitado, mas pelas atitudes. Era um sujeito razoável no cômputo final, apesar da matéria ufanista que lecionava e típica da doutrinação imposta pelo regime da época, mas a sua voz e trejeitos eram engraçados e ao analisar hoje em dia, não descarto a hipótese de que fosse um crítico do sistema e que lecionava uma matéria avessa às suas convicções, a usar do deboche velado para aguentar a obrigação que lhe garantia o pão de cada dia.

Ele falava com uma impostação vocal tremenda, sempre em tom solene, como se estivesse a declamar e não suportava sinais de desinteresse em sua aula. Bastava uma expressão facial de qualquer um a insinuar tédio e ele irrompia com tudo para cima da sua vítima, aos gritos de:  -"estás a morrer, ô meu?" Ninguém ficava temeroso com as suas advertências, mas tampouco haviam desafiadores de sua autoridade. Limitavam-se a debochar de seus trejeitos e voz, ao imitá-lo fora das aulas.

Bem, ao chegar aos treze anos de idade e por considerar que agora a ambientação escolar se mostrara outra, com todos os colegas a crescerem simultaneamente e a nutrirem interesses em comum, logo fiquei amigo dos freaks ali mais declarados, pelas questões contraculturais e também dos futebolistas, ao me envolver em animadas discussões sobre as rodadas dos campeonatos e logo, parti para jogar bola com eles. 

E foi ali, de 1973 até 1976, que esse lado meu do futebol aflorou também, pois joguei muito na escola, em campinhos pelo bairro e também em outras escolas. Usei muito aquela quadra, em ocasiões curriculares das aulas de educação física e informalmente, muitas vezes, em vários sábados e domingos, com a escola fechada e ao me dirigir até lá, para pular o muro e usá-la a vontade, com os amigos.

Jim Dandy, vocalista do "Black Oak Arkansas" na primeira foto e Dennis Dunaway, na segunda foto (da banda de Alice Cooper), este um baixista muito criativo e deveras subestimado na história, mas que eu admiro muito

Nessa altura, já haviam muitos cabeludos na escola. Existia uma turminha formada por freaks mais velhos do que eu e que pareciam serem os donos da escola, mas de uma forma não usual, não tinham comportamento agressivo a se portarem exatamente como "gangsters", não praticavam bullying com os "nerds" e mais novos (outra prática recorrente no ambiente estudantil) e nem afrontavam os professores e direção da escola. 

Eu não tinha nem meios para ficar amigo deles, mas ao vê-los de longe, notava que pareciam Rock Stars, ao serem endeusados pelas meninas mais bonitas. O suposto líder deles era um tipo louro, com o cabelo pela cintura e que parecia o vocalista do Black Oak Arkansas, Jim Dandy. Esse rapaz vivia cercado por garotas lindas penduradas no seu pescoço e claro que despertava a inveja de muitos garotos ali. Somente em 1974 eu fiquei amigo de um desses freaks dessa turminha, um sujeito enorme, que parecia o baixista da banda do Alice Cooper, Dennis Dunaway e que era meu xará, por se chamar, igualmente, Luiz. 

Por volta de agosto ou setembro de 1973, os Secos & Molhados apareceram pela primeira vez para o grande público brasileiro, através da TV. Na verdade, a banda já existia e fazia shows desde meados de 1971, mas somente freaks muito antenados estavam ligados no som dessa banda e aos olhos do grande público, a aparição que realizaram para o recém-inaugurado programa: "Fantástico", este foi o grande debut dessa ótima banda do Rock brasileiro setentista.  

A aparição do grupo Folk-Rock: "Secos & Molhados" no programa "Fantástico" da Rede Globo, em agosto de 1973, causou furor!

Na segunda-feira posterior, o assunto no pátio da escola foi só esse, com todos a se mostrarem estupefatos pela performance ultra glitter da banda. Os freaks mais antenados, rapidamente associaram tal aparição aos ícones do Glitter Rock Britânico em seu auge na época, ao citarem David Bowie, T.Rex, Mott The Hoople, Sweet, Slade, Roxy Music e outros nomes dessa vertente e convenhamos, tiveram razão em sua avaliação.

Pouco tempo depois aconteceu um fato que eu nunca entendi ao certo o que significou. Ocorreu que uma persona estranha ao meio escolar, apareceu em pleno horário do recreio de um dia qualquer e ele aparentou ser tão "glitter" e afeminado quanto qualquer um desses artistas dessa vertente, que eu citei acima. 

Pois ele trajava uma roupa com cores berrantes, no uso de tecido de cetim, botas estilo plataforma de cano longo e usava uma maquiagem feminina, acintosa. Tal sujeito passeou e rebolou entre os estudantes, ao provocar gritinhos, impropérios e muitas crises de riso, mas eu nunca soube quem ele era realmente e sobretudo, com qual propósito esteve ali. Ao pensar hoje em dia, concluo que se compareceu no ambiente escolar sem ter nada a ver com a rotina da escola, fora por permissão da direção, portanto, houve um motivo plausível. Mas qual teria sido? 

Secos & Molhados, Edy Star, Dzi Croquettes...os ecos do movimento Glitter-Rock que chegaram ao Brasil em 1973

Seria um ator a empreender um laboratório para compor uma personagem no teatro? Talvez um bailarino da trupe dos Dzi Croquettes? Um músico de uma banda com orientação Glitter-Rock? Parente de algum aluno a esperar para falar com seu ente querido? Ou simplesmente um ET andrógino que veio de Marte e que por engano, ao invés de descer no palco do Hammersmith Odeon de Londres em meio a um show do David Bowie, foi teletransportado por engano para o pátio da nossa escola? Bem, eu nunca soube a real motivação, mas apenas sei que chamou muito a atenção e o seu visual era "glam", ao extremo!

Em 1973, foi o ano em que pela primeira vez no ambiente escolar eu passei a ter contato com amigos e colegas que estavam a absorver a mesma carga contracultural. Tornou-se rotina manter tal contato, embora em 1973, ainda fosse um tanto quanto incipiente tal contato. Em 1974 e 1975, tal tendência intensificar-se-ia.

Um painel com logotipos de bandas sessenta-setentistas (mais setentistas na verdade), em predomínio, com a exceção do Asia como algo anacrônico dos anos oitenta nesse bojo

Todavia, marca indelével da época, eu e alguns colegas, já estávamos naquele processo de escrever nomes e logotipos de bandas de Rock, nas folhas dos cadernos escolares, nos momentos de tédio em meio às chatíssimas aulas e como bem observou o guitarrista, Eddie Van Halen, alguns anos depois, "logotipo bom para banda de Rock, é aquele que os moleques de doze anos conseguem reproduzi-lo facilmente em cadernos, livros e nas próprias calças, com o uso de uma caneta esferográfica". Pela luz da ação de marketing, é isso mesmo. 

Ao falar sobre o ano letivo e desempenho escolar, eu sofri um pouco no início, pois o padrão da nova escola esteve um pouco acima do que eu estava a absorver na escola interiorana em que eu iniciara o ano letivo. Neste caso, eu não compreendi isso, pois por ter sido uma escola estadual, supostamente a carga curricular deveria ter sido a mesma, unificada em todo estado, mas o fato é que nas provas do segundo bimestre, o meu rendimento caiu bastante e assim, tive que me esforçar mais no segundo semestre, para nivelar as notas e alcançar a aprovação.

Aula de ciências a abordar o assunto da anatomia humana entre adolescentes: terreno espinhoso para suscitar tabus, preconceitos e especulações maliciosas...

Na aula de ciências, o professor mantinha o costume de basear a sua didática na leitura do capítulo da lição do dia, mediante o livro da matéria. 

Na sexta série, o seu conteúdo foi a anatomia e consequente  funcionamento do corpo humano. Só que esperto, ele convocava um aluno a cada vez, para ler em voz alta o conteúdo e assim não desgastar a sua própria garganta. Portanto, se tornara um exercício de adivinhação entre os alunos, especular sobre quem ele chamaria a cada lição. 

-"Aluno do número tal, por favor, página dez, comece a ler o capítulo sobre o estômago"... e assim por diante ele costumava proceder.

Dessa maneira e por sabermos como funciona a cabeça de adolescentes dessa idade, começou uma rodada de apostas para tentar adivinhar com quem ele cismaria para ler o capítulo referente aos órgãos sexuais masculino e feminino. 

Geralmente ele escolhia pelo número, mas quando chegou o esperado dia desse capítulo, ele veio com uma outra conversa: 

-"hoje eu vou querer um menino com voz de locutor de rádio, porque o capítulo é delicado e precisa ser bem ouvido"... é você, Luiz Antonio... 

Bem, com toda a expectativa gerada ao longo dos muitos meses anteriores ante a especulação, claro que eu fiquei enrubescido, gaguejei no começo da minha oratória e ao ouvir aquele monte de meninos e meninas a tentarem conter o riso e a sinalizarem com escárnio para a minha pessoa por eu ter sido enfim o agraciado pela tarefa de passar pelo constrangimento de falar em voz alta de um assunto absolutamente natural, mas que na percepção juvenil tão impregnada por preconceitos, tabus e ignorância, gerara esse clima ridículo entre todos nós e neste caso, eu só me inibi ainda mais para verbalizar. 

Fora desse momento difícil pela percepção do bullying coletivo inevitável, foi um ano tranquilo e feliz no sentido de que eu estive de volta à minha velha escola e readaptado de uma forma instantânea.  


Sobre a carga contracultural de 1973, esta foi imensa. Não falarei de tudo o que me impactou, porque este capítulo ficaria enorme, ainda muito maior do que já o é. Conforme já anunciei previamente neste Blog, lançarei oportunamente crônicas em adendo à minha autobiografia e neste caso, terei a oportunidade para explorar bem o tema. Dessa forma, citarei alguns exemplos apenas, neste capítulo. 

Ao subverter a expectativa óbvia do leitor, começo a falar sobre a MPB, e não do Rock. 

Desde o advento dos festivais de MPB sessentistas que eu comecei a acompanhar naquela década passada pela transmissão da TV, eu nutria interesse por tal vertente nacional. Depois veio o tropicalismo e por volta de 1970, a Black Music brasileira com Tim Maia, Toni Tornado & Cia que entraram no meu radar, igualmente. E a partir de 1971-1972, a "MPB hippie" foi que entrou com tudo.

O livro "1973, O Ano que Reinventou a MPB" de Célio Albuquerque, é fruto de uma pesquisa muito boa e conclui a verdade sobre tal safra setentista e fortemente comprometida com a contracultura hippie, foi notável pela sua excelência artística

Nessa altura, muitos artistas que militavam na MPB, apesar de seus acentos regionalistas, tinam o seu som a soar como Rock em minha percepção e ao analisar friamente, a maioria deles foram na verdade, representantes de uma vertente "Folk" internacionalista, no sentido de que a sua música se mostrava universalista de fato, apesar dos seus regionalismos propositais e assim, nomes como: Caetano Veloso, Gilberto Gil e tantos outros que vinham a militar desde os anos sessenta, seriam na prática similares em sua estética aos artistas Folk-Rock internacional, tais como: Bob Dylan, Donovan, Cat Stevens e outros, de uma maneira geral. 

Fora isso, já estava consolidada a turma de mineiros agrupados em torno do projeto do "Clube da Esquina" e que faziam isso mesmo, música Folk brasileira com extrema qualidade harmônica, melódica e também no quesito das letras, ao usarem e abusarem das sonoridades do Rock internacional, notadamente o Rock Progressivo sofisticado e super em voga naquele momento.

Raul Seixas gerou polêmica ao satirizar a ingenuidade do cidadão médio e engolido pelo sistema, mas que não tinha noção da sua situação. Genial em "Ouro de Tolo", foi o seu grande impulso para atingir o patamar mainstream

Outra vertente que explodira, fora a dos ditos compositores "malditos". Eu já havia visto o Raul Seixas na TV em 1972, mas quando as suas canções: "Ouro de Tolo" e "Mosca na Sopa" explodiram nas rádios, foi que eu prestei mais atenção na sua obra. 

Dali para descobrir o LP "Krig-Ha Bandolo", foi uma consequência natural. Eu já gostava do Sérgio Sampaio e logo me liguei no trabalho de Walter Franco, com aquele experimentalismo todo, muito louco. Jards Macalé e Jorge Mautner vieram por tabela.

Capa do LP "Terra" do super Power-Trio: Sá/Rodrix & Guarabyra, um grande trabalho do Folk-Rock brasileiro setentista e cuja vertente também ficou conhecida como: "Rock Rural"

O tal do Rock rural do Sá/Rodrix & Guarabyra, me capturou inteiramente. "Mestre Jonas" com aquele órgão Hammond a pontuar o riff principal e mais aquele refrão dramático, além de uma série de outras canções mega Hippies e sensacionais que eles tinham, me remeteu ao som do Crosby/Stills/Nash & Young que nessa altura eu já havia descoberto também e apreciava muito. 

O inacreditável álbum homônimo dos "Secos & Molhados", o grande desbunde de 1973, em meio a uma safra de incríveis de outros lançamentos tão bons quanto

Gal Costa era sensacional, eu já sabia disso há tempos e quando tive contato com o LP de estreia do grupo Folk-Rock, Secos e Molhados que os meus primos mais velhos por parte de mãe, os irmãos Turci, haviam comprado recentemente, o decorei, praticamente.

Sobre a MPB setentista ser sensacional, pelo fato de ter se amalgamado aos ideais do movimento Hippie, escrevi uma matéria sobre o assunto. Eis abaixo, o link que direciona para ela:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2015/09/anos-de-desbunde-quando-mpb-era-hippie.html 

Aliás, foi na casa desses primos que novas luzes se abriram. Mais velhos e antenados nos amigos de sua idade, através deles, uma infinidade de discos e fitas K7 vieram parar em minhas mãos.

"Billion Dollar Babies", um dos melhores, senão o melhor álbum da discografia de Alice Cooper

Foi em 1973 que o Alice Cooper entrou com tudo na minha vida, através do seu mais recente LP, "Billion Dollar Babies", e que naturalmente me motivou a pesquisar e daí, me aprofundei em sua obra, ao revisitar os seus ótimos discos anteriores. 

Fiquei encantado por aquela banda, que detinha um grau de sofisticação musical, hoje eu sei e apesar de toda a morbidez e deboche da proposta artística de Alice e seus asseclas, um dado subliminar me ajudou a me tornar um fervoroso fã de sua obra: as múltiplas citações ao cinema que a sua música contém. 

Como fã de trilhas sonoras de filmes, que eu era desde criança, por influência de meu pai, rapidamente identifiquei nas músicas do Alice Cooper esse quinhão, as vezes explícito (a canção: "Gutter Cat vs. The Jets", do LP "Schools Out", remete diretamente à "West Side Story", por exemplo).  

David Bowie na primeira foto e Marc Bolan, na segunda, dois ícones do movimento Glitter-Rock britânico no início dos anos setenta

O mesmo ocorreu com David Bowie e T.Rex. Eu já sabia da existência de ambos há mais tempo, mas foi em 1973, em que mergulhei nas obras de Bowie & Bolan e daí para explorar os seus discos anteriores e conhecer outros expoentes dessa vertente britânica do Glitter Rock, foi uma oportunidade imediata.  

Capa do LP "The Dark Side of the Moon", do Pink Floyd, uma obra magistral

Sobre o Pink Floyd, eu também já ouvia falar dessa banda desde 1970, e por volta dessa época, me encantava com a canção, "Summer' 68", mas em 1973, quando tomei conhecimento do LP "The Dark Side of the Moon", logo tratei de encomendar uma cópia proveniente de uma fita K7. Fiquei alucinado pelo disco, evidentemente.  

A mais usual fita K7 usada pela rapaziada que gravava discos e provocava a disseminação via intercâmbio nos anos setenta. A Basf C-60!

Prática comum realizada naquela década, se revelou realmente como uma forma de pirataria velada, porém fora o mais razoável artifício para se conhecer o conteúdo dos discos, dado o preço absurdo que um LP custava na ocasião. 

Dessa forma, quase todo mundo que estava a apreciar música e o Rock em específico, estabelecia intercâmbio com fitas K7. Um amigo ou parente comprava um disco e muitas cópias circulavam em decorrência disso, mesmo sem qualidade de áudio nesse tipo de cópia a ser feita de uma maneira tosca, através de microfones vagabundos provenientes de gravadores portáteis, alojados na boca do alto falante de vitrolinhas. 

Esse tipo de gravação precária, proporcionava situações hilárias, como no meio das músicas, barulhos captados sob inevitáveis vazamentos involuntários, como buzinas de carros, campainhas, "ring" de telefone residencial, som de TV vindo de outros ambientes da residência, e até hilárias participações involuntárias de membros da família a dialogarem. No meio de um solo épico do Ritchie Blackmore, a voz do seu pai a berrar para abaixar o som dessa "m"... poderia constar na gravação, ou mesmo a sua mãe ao chamá-lo para o almoço, com o indefectível: -"anda menino, a comida está na mesa, a esfriar"...

Meu pai me presenteou com uma vitrolinha portátil e aí eu fiquei independente da velha vitrola da família. Portanto, dada essa libertação tecnológica, o som reinou intensamente. 

O LP's: "Slider", do T.Rex, "Alladin Sane" e "Pin Ups" do David Bowie e "Slade Alive", do Slade, não saiam da ação da agulha. 

Ouvi muito o LP "Ram" do Paul McCartney e "Mind Games", do John Lennon. O compacto com a música: "Give me Love", do George Harrison, chegou às minhas mãos e essa canção eu considero, além de belíssima pela sua estética, um dos maiores libelos do pacifismo. "Autograph", do Ringo Starr também veio em forma de compacto às minhas mãos. 

Eu já podia dizer que adorava as carreiras solo dos quatro ex-componentes dos Beatles, na década de setenta, embora eu saiba que muita gente, adore odiá-las.

The Rolling Stones em alta forma artística em 1973, ao lançar o LP "Goat's Head Soup"

Foi em 1973, também, que o LP "Goat's Head Soup" dos Rolling Stones entrou com tudo no meu espectro. Adoro esse disco, inteiro.

Na ordem das fotos acima: Led Zeppelin, Deep Purple, Uriah Heep e Black Sabbath, o Hard-Rock mais mainstream do Rock Britãnico no início dos anos setenta

E também foi o ano em que mergulhei com tudo na discografia de bandas clássicas do Hard-Rock britânico, como Led Zeppelin, Deep Purple, Uriah Heep e Black Sabbath, nessa ordem, nas fotos acima. E daí, eu me motivei a procurar conhecer cada vez mais outras bandas dessa vertente setentista. 

Primeiramente ao ouvir pelas fitas K7, fui a me apaixonar por essas quatro bandas britânicas que eu citei acima. O arsenal incrível de riffs que essas bandas criavam era (é) absolutamente mágico. Cabe acrescentar que no decorrer dos tempos, eu pude descobrir uma infinidade de bandas contemporâneas e mais obscurecidas pela história, dessas que eu citei, portanto, essas mais famosas representavam apenas a superfície de um gigantesco iceberg repleto de artistas tão sensacionais quanto a dar a dimensão do que representou essa fase na história do Rock em termos de profusão e criatividade nas alturas. 

Fora o Hard-Rock acima citado e praticado por essas bandas, rapidamente eu descobri outros exemplos de vertentes diferentes, e o Rock Progressivo entrou de vez na minha vida e não haveria de ser de outra forma.

A impactante capa de uma dos mais belos álbuns já gravados na história do Rock. "In The Court of the Crimson King, do genial grupo Prog-Rock britânico: King Crimson, lançado em 1969

A primeira vez que ouvi o som do King Crimson, e justamente através do primeiro LP dessa banda, lançado em 1969, "In the Court of the Crimson King", fiquei completamente louco pela sonoridade do mellotron. Já conhecia a sonoridade desse teclado, desde o ter escutado em muitas músicas dos Beatles, mas desta feita com outros timbres, extremamente doces, caso da canção: "Strawberry Fields Forever", onde ele é marcante no seu arranjo. 

Mas quando eu ouvi aquele som denso, absolutamente soturno e melancólico como o King Crimson passou a usá-lo ao lhe dar uma dramaticidade erudita incrível, fiquei arrebatado. Inexorável, aquela sonoridade emociona-me sempre que a ouço, nunca canso-me de ouvi-la e deixar-me viajar para muito longe.  

Keith Emerson: um tecladista absurdamente criativo, técnico, performático e emblemático no campo do Rock Progressivo Britânico nos anos setenta

Foi em 1973 que eu comecei a ouvir conjuntos espetaculares dessa escola, tais como: Yes, Genesis, ELP (Emerson/Lake and Palmer), além de outras bandas expoentes do Rock Progressivo, mas só em 1974, foi que eu pude mergulhar para valer em suas obras e fui também buscar conhecer outras bandas dessa magnífica escola setentista do Rock. Fica a mesma ressalva observada no tocante ao Hard-Rock que eu citei anteriormente, isto é, nos anos posteriores eu pude conhecer uma infinidade de outras bandas tão boas quanto, mas que ficaram obscurecidas na história, mas que também atuaram na mesma década e eram verdadeiramente espetaculares.

A vertente do Jazz-Rock eu só descobriria no ano posterior, também. Bem, como eu já disse, esse é um apanhado bem resumido sobre a música que me impactou em 1973. Esmiuçarei isso melhor no futuro, em crônicas que serão publicadas neste Blog 3 e também no meu Blog 2.

Em outros campos culturais...

Em termos de publicações, eu havia parado um pouco com os gibis da Ebal, a conter os universos Marvel e DC, não por crise de identidade ao considerar essa literatura infantil e incompatível com a minha então nova condição como adolescente, mesmo por que, os aprecio até os dias atuais em que caminho célere para ser um sexagenário. 

Mas foi por falta de verba que parei de adquiri-los, ao se considerar que não trabalhava e ao depender dos pais, a verba curta que dispunha servia-me para adquirir a revista "Placar" e agora, também era mais gasta em discos e fitas K7. Logo, as revistas POP e Rolling Stone entrariam no rol de objetos do desejo, também. Sobre TV, além de estar super antenado em caçar atrações musicais que remetessem ao Rock, Black Music e MPB, eu continuava a acompanhar tudo o que sempre gostei normalmente. E aos treze anos, meu grau de capacidade em absorver cinema estava cada dia melhor.  

A sensacional produtora de filmes: "Hammer", especializada nos gêneros do terror e Sci-Fi, orgulho do cinema britânico. Na capa desse DVD documentário a narrar a sua história, mostrada acima, se mostra as fotos em destaque de dois dos seus maiores atores: Christopher Lee e Peter Cushing

Nesse ano de 1973, uma sessão de cinema promovida pela TV Bandeirantes, se mostrara encantadora. Chamava-se: "Cine Mistério" e na sua grade, normalmente exibia filmes da produtora britânica, Hammer. Eu já era fã da Hammer, mas com o Cine Mistério, eu pude aumentar o meu grau de conhecimento sobre a obra dessa produtora, pois assisti muitos filmes que não havia visto antes, graças à exibição de um lote incrível.

Escrevi uma matéria sobre a Hammer no meu Blog 1. Eis abaixo o Link para consulta:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2014/11/hammer-fabrica-de-pesadelosbons-por.html

                                    O grande diretor, Jules Dassin em ação

Lembro-me que em 1973, passou um ciclo com filmes do diretor, Jules Dassin, na TV Tupi de São Paulo. Dassin, era norte-americano de nascimento, mas fez fama no cinema europeu. 

E começara a chegar à TV, uma safra de filmes dos anos sessenta, que detinha carga contracultural explícita ou subliminar. Daí em diante e a se estender por toda a década, me coloquei a assistir tal material e só reforcei assim, os meus laços com tais ideais. 

Dois exemplos disso que exemplifico, se deram com os filmes: "Bless the Beasts and the Children" ("Abençoai as Feras e as Crianças"), e o filme dos Monkees, de 1970, "Head", além de outros que esmiuçarei nos capítulos posteriores.  

Antes que me corrijam, sei que "Terremoto" ("Earthquake"), é de 1974, mas eu só usei a ilustração aqui para falar genericamente sobre tal escola de cinema setentista
 
Nas salas de cinema, a coqueluche da vez foi o cinema "catástrofe", uma vertente que havia se iniciado no começo da década e que até 1976, renderia muito. 

Foram filmes com roteiros baseados em desastres espetaculares, como terremotos, incêndios e naufrágios monstruosos, fora a franquia, "Aeroporto", com o mote do avião de grande porte em vias de sofrer um acidente de enorme proporção e que acredito, inaugurou tal tendência no cinema norte-americano (em 1970). 

Em termos nacionais, fora o auge das pornochanchadas, que pareciam ousadíssimas para a época, mas vistas hoje em dia parecem quadros de humor de programas popularescos da TV, tamanha a sua ingenuidade. 

"The Exorcist" ("O Exorcista") marcou época ao gerar polêmica, inclusive

E um ícone da época, "O Exorcista", que eu não vi no cinema na época, mas tive muita vontade de assistir, pois os relatos que eu ouvira de várias pessoas que o viram no cinema, foram impressionantes sobre os efeitos especiais (e dá-lhe sopa de ervilha!). Além do mais, as lendas urbanas a dar conta de que pessoas passavam mal nas salas de exibição, só instigavam ainda mais a vontade de ir ver... ah, esses marqueteiros.

Comecei a me ligar enfim no programa de TV: "TV 2 Pop Show", que mostrava vários tapes incríveis do Rock internacional. 

Escrevi uma matéria a falar sobre tal programa. Eis o Link para consulta, abaixo: 

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2014/03/tv-2-pop-show-som-pop-por-luiz-domingues.html

Rockers começavam a aparecer em programas popularescos, também. Até então, fora algo tímido, mas depois da explosão dos Secos & Molhados, a se porteira do mainstream abriu...  

Chacrinha e Raul Seixas, ambos anárquicos, ainda que com diferentes percepções, decerto

Portanto, Raul Seixas no Chacrinha se tornou bastante comum. Em 1973, ele costumava entrar em cena a trajar terno & gravata e a carregar uma pastinha estilo "007", que deixava pousada ao solo, enquanto interpretava: "Ouro de Tolo". E aquela letra fora um exemplo de deboche tão absurdo contra o sistema, que essa encenação se justificara. 

"Eu devia estar contente porque eu tenho um emprego
Sou o dito cidadão respeitável e ganho 4.000 cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz porque consegui comprar um Corcel 73"...

Vanusa & Antonio Marcos, um casal de artistas com carreiras independentes e ambos a professarem um espectro cultural bastante curioso, pois ao mesmo tempo em que a música que praticavam continha valor artístico e muito boas influências bem perceptíveis, mantinha outrossim uma conexão estranha com o mau gosto Kitsch, com ranço popularesco e neste caso, as letras elaboradas que usavam nas suas músicas, soavam como piegas em muitos aspectos

Uma safra com artistas que era bem híbrida, por habitar o lado populareco da música brasileira, mas a conter uma certa identidade Rocker, também marcara ponto. Não era novidade em 1973, pelo contrário, estes já ostentavam trajetórias mais antigas, mas foi ali que eu os olhei com certa atenção,  e neste caso, assimilava algo de bom na sua obra, mas não conseguia me assegurar que eles fossem artistas realmente antenados na contracultura ou se eram incautos a se infiltrarem no Rock, para buscarem uma adequação. 

Refiro-me à Antonio Marcos, Vanusa, Odair José e um pouco mais além, já em 1974: Silvio Brito. Há lampejos do Rock bem acentuados nas obras desses todos citados (Jerry Adriani e Wanderley Cardoso poderiam participar desse rol também, mas este vieram de mais longe, no bojo da Jovem Guarda sessentista), como o clássico exemplo de uma canção da Vanusa, cujo riff é muito parecido com a música: "Sabbath Bloody Sabbath" do "Black Sabbath", mas que fora lançada antes do grupo britânico lançar a sua música parecida.

E também canções do Antonio Marcos a citar o "The Who" ou no caso do Odair José a se declarar fã do grupo australiano, "AC/DC", mas mesmo assim, houve o lado cafona, a boçalidade implícita a lembrar as novelas da TV Tupi, "Almoço com as Estrelas" e "Clube dos Artistas" e afins.

Hoje em dia, sem preconceitos, acho que há sim uma relevância artística na obra deles, embora não possa cravar que fossem Rockers, genuínos. Tal afirmação cabe mais sobre o Erasmo Carlos, Eduardo Araújo, Leno e Ronnie Von, sem pestanejar (talvez Wanderléa, incluso), mas sobre os demais que citei, ainda me paira a dúvida. 

Todavia, existe sim algo de bom na obra desses artistas que eu citei no início, mesmo ao se considerar que até hoje sejam subestimados pelos críticos e invariavelmente tachados como artistas popularescos.

Assim como os cartoons dos Beatles fizeram sucesso nos anos sessentam, eis que lançaram os desenhos do grupo R'n'B/Soul Music, "Jackson Five" nos anos setenta  

Em termos de desenhos animados, ainda a seguir uma tradição de se adaptar a música Pop ao universo infantil, os desenhos do Jackson Five passavam na Globo, sob uma faixa da sua grade vespertina, chamada: "Globo Cor Especial", criada para alardear o caráter inédito em serem exibidos em cores. O desenho era bem acabado e a trilha, sensacional, evidentemente, ao conter os grandes sucessos da banda, sem parcimônia.

A polêmica animação de "Star Trek" ("Jornada nas Estrelas"), que poucas pessoas apreciaram e eu me incluo nesse pequeno rol

Outro lançamento que eu gostei muito, porém, muitos críticos desaprovam, foi a franquia de "Star Trek" ("Jornada das Estrelas"). Tais opositores reclamam que se trata da mesma dinâmica observada no seriado dos anos sessenta, por não apresentar novidades e eu rebato: é por isso que era (é) bom!

Com os roteiros assinados pelos antigos roteiristas da série, as vozes dos atores da série clássica a representarem os seus próprios personagens, sonoplastia igual e traços de desenho, realistas, eu o considero sensacional. É como se eu estivesse a assistir o velho Star Trek com capítulos novos, como adendo à série, mas, enfim, há pessoas que não pensam assim.

O grande ator Paulo Gracindo interpretou com maestria o papel de um personagem folclórico, porém muito real dentro da política brasileira, com a presença do ignorante e inescrupulsoso Odorico Paraguaçu, um prefeito populista, cínco e cheio de desfaçatez

Houve a faixa de novelas das dez da noite, na Rede Globo, pela qual realmente se deixava de lado um pouco o folhetim tradicional das novelas normais e se explorava a possibilidade dos textos mais robustos, vindos da literatura brasileira ou mesmo ao aderir ao realismo fantástico, caso dos textos assinados por Dias Gomes. 

E as trilhas de tais novelas eram caprichadas, com MPB de fino trato, produção mais requintada, atores tarimbados etc. A bola da vez em 1973, foi: "O Bem Amado" com o personagem do prefeito, Odorico Paraguaçu, vivido de uma forma magistral por Paulo Gracindo. 

É um dos mais fiéis retratos do político fisiologista, demagogo, corrupto, maquiavélico, semempatia com o povo e mentiroso que nos assola até os dias atuais. 

Foi uma crítica mordaz e tanto e até me espanta que a censura não tivesse podado a produção, com tanta alfinetada que o texto de Dias Gomes dava nessa cambada.

O seriado "M.A.S.H." se mostrava debochado e até ousado para os padrões da época

Seriados que assisti muito em 1973: "M.A.S.H.", baseado no filme homônimo de 1970 (foto acima), "The Six Million Dollar Man" ("Cyborg, o Homem de Seis Milhões de Dólares"), "Mary Tyler Moore", "Shaft", "Barnaby Jones", "Kung Fu", "Police Story" e "Kojak".

"O Homem de Seis Milhões de Dólares" ("The Six Million Dollar Man"), foi muito querido pelos quesitos Sci-Fi e aventura

Sobre "Cyborg" ("The Six Million Dollar Man"), tratou-se de um Sci-Fi com bom nível, a conter efeitos modernos para a época, e curioso, porque bem pouco tempo depois, a cifra em questão, os tais "seis milhões de dólares" que o governo americano teria investido para fazer do agente, Steven Austin (interpretado por Lee Majors), um homem com enxertos robóticos no corpo, rapidamente tornou-se motivo de piada, visto que qualquer jogador de futebol mediano passou a ter seu "passe" a valer muito mais que isso.

"Mary Tyler Moore", uma série com mentalidade bem pequeno-burguesa 

"Mary Tyler Moore" era bem tolo em essência, mas eu gostava da trilha sonora e dos bastidores de um programa jornalístico de TV, que fora o mote do seriado.  

O ator, David Carradine fez a fama com "Kung-Fu", uma surpreendente série a trazer reflexão sobre o pacifismo, humildade, fraternidade etc

Demorei um pouco para entender o ritmo lento e as entrelinhas de "Kung Fu". Mas quando percebi tais sutilezas, passei a apreciá-lo bastante. Um monge chinês taoista, filho de pai norte-americano e mãe chinesa, a se formarcomo um mestre nas artes marciais, se coloca a caminhar pelo inóspito velho oeste norte-americano, a dar pancadas nos bandidos que entram na sua vida aos montes, mas sempre a lhes ofertar aulas de ética e espiritualidade, ao seguir os ensinamentos que aprendera na sua infância e adolescência, por ter recebido tal sabedoria do seu mestre, que lhe educara com base nos pensamentos do filósofo, Lao-Tzu, enfim... não foi para qualquer um.  

"Barnaby Jones", uma série policial tradicional, bem acabada, é verdade, mas inverossímel, no sentido do detetive idoso se colocar em situações de conflitos com bandidos perigosos

Quanto aos demais que citei, com teor policial, "Barnaby Jones" eu gostei muito, embora tenha sido (tanto quanto outro seriado que já citei em capítulo anterior, "Cannon"), este também se mostrava inverossímel. Neste caso, eis que um detetive particular, idoso, muitas vezes a se atracar com bandidos joens, forte e violentos, fora tão inacreditável quanto o senhor obeso de meia-idade que foi o Frank Cannon, ao ter o mesmo tipo de enfrentamento físico com os marginais.  

"Shaft": um exemplo de produção "Blaxpoitation" para a TV e com trilha sonora excelente

"Shaft" foi uma produção incrível pela trilha. Só o tema de abertura criado por Isaac Hayes, já valeu por tudo, mas além do mais, a série é excelente, bem em clima de "Blaxpoitation", policial com cultura Black setentista, sensacional.

"The Police Story" e "Kojak", ambos, seriados policiais tradionais na TV norte-americana, porém muito bem feitos e com méritos, principalmente no caso de Kojak, que marcou época

"Police Story" era bem tradicional, sem maiores novidades no gênero policial, mas eu gostava dessa produção. E sobre "Kojak" se mostrara espetacular pelo elenco e também por conta de seu personagem homônimo, com Telly Savalas a interpretá-lo em meio a uma atuação marcante, para imortalizar o seu cinismo e o clássico, pirulito vermelho, a sua marca registrada. Icônico "pacas!"

Bem, é hora para falar de um conflito pessoal que me assolou mais fortemente a partir de 1973 e que acompanhar-me-ia por anos a fio. Cada dia mais enlouquecido pelo Rock, música e contracultura, e ao mesmo tempo, a nutrir paixão confessa pelo futebol, a partir dos treze anos eu me senti sob um fogo cruzado entre forças que certamente se mostravam antagônicas. 

Se por um lado o Rock era libertador e me remetia a um tipo de estratificação cultural sofisticada e que por conseguinte, abria (em certos casos reforçava, pois eu já tinha apreço por uma série de elementos culturais avantajados, digamos assim), portas cada vez mais incríveis nesse sentido, ao fazer com que o meu horizonte pudesse se expandir enquanto visão macro da vida, por outro lado, o futebol estava (sempre estará, acredito) atrelado aos signos popularescos e em certos aspectos, ao me remeter às questões muito primárias e portanto, diametralmente opostas ao que eu estava a absorver. 

Tal dilema me incomodara, pois eu já tinha a plena percepção de que o mundo do futebol não era compatível com a contracultura, ao menos em um país de terceiro-mundo, pelas óbvias diferenças socioeconômicas inerentes entre si.

Todavia, mesmo dividido, eu nunca cogitei deixar de gostar e acompanhar e mesmo quando me deparei com tais aspectos de profundo antagonismo, apesar dos incômodos gerados, nunca deixei de gostar do ludopédio. 

Isso foi gritante em muitos casos. Por exemplo, as próprias transmissões esportivas, foram norteadas por emissões de opiniões avessas aos aspectos contraculturais, inúmeras vezes. O futebol e a mídia esportiva, até hoje, inclusive, mantém postura conservadora e são muitos os exemplos disso. 

Para não me alongar muito, citarei um exemplo apenas. Na época e até os dias atuais, locutores e comentaristas esportivos não suportam jogadores que ostentem cabelos longos. O jogador cabeludo pode ser um gênio e fazer jogadas maravilhosas em campo, mas o tempo todo, sempre que pegar na bola, uma alfinetada será dada sobre o visual dele. 

Se joga mal, vão dar um jeito de atribuir a sua má atuação ao uso do cabelo longo. Se joga bem, vão minimizar os seus méritos, ao atribuir a boa atuação do cabeludo às falhas dos adversários que o marcaram mal. Podem reparar. 

Fora isso, o texto da cobertura esportiva, é geralmente pobre. Raro é o jornalista que se esmera para ter uma redação de nível mais elevado. Só posso atribuir isso ao afã de ser coloquial, ao ponto de quase nivelar tudo por baixo, para se fazer entender melhor, e assim a visar atingir as camadas mais simples da população e que consomem o jornalismo esportivo.

Capa da revista Placar a repercutir a presença dos times brasileiros classicados para representarem o Brasil na ediçãop da Taça Libertadores da América em 1973: Palmeiras e Botafogo

E então, ao apreciar tudo o que eu estava a acompanhar, quando lia a coluna do Carlos "Pop" Gouveia, Ezequiel Neves, Big Boy e outros colunistas que já estava a seguir, por falarem sobre música (fora que eu lia jornais há anos e acompanhava colunistas de outras editorias), foi inevitável não ficar desapontado com o texto pobre que lia nos cadernos de esportes dos jornais tradicionais, e até na revista, Placar. 

Portanto, essa diferença de mundos entre o Rock e o futebol, foi um dilema que foi a me acompanhar em minha trajetória e me incomodara, a partir de 1973, com um senso crítico mais apurado de minha parte. 

E digo mais, demorou para eu conviver com a ideia de que assumia gostar de algo popularesco, sem no entanto me contaminar com tal abordagem jornalística desse patamar bem mais baixo.

Ainda a falar sobre esportes, 1973 foi o ano em que me aproximei um pouco do automobilismo, por conta da conquista do piloto brasileiro, Emerson Fittipaldi, no ano anterior e certamente influenciado pela ação ufanista da mídia nesse sentido do enaltecimento do feito desse automobilista. 

Tal predisposição de minha parte não durou muito, pois a grosso modo eu nunca gostei do universo automobilístico, a não ser pela abordagem saudosista de vir a apreciar carros vintage, mais pela lembrança cultural da época que representam e muito menos pelos bólidos em si. 

Entretanto, ali em 1973 e até 1975, mais ou menos, eu tive paciência para assistir GP de Fórmula 1 na TV, e sabia o nome dos principais pilotos da ocasião. Mesmo caso do pugilismo, que acompanhei de uma forma discreta, mas gostava de ver as lutas de George Foreman e Muhammad Ali. 

A minha camiseta de Educação Física de 1973, que guardo com carinho, mas devido às circunstâncias metabólicas inevitáveis, mal passa pela minha cabeça, nos dias atuais de 2016...
 
De volta ao futebol, o meu desempenho pessoal havia melhorado muito em termos de fundamentos. Apesar das aulas de educação física ministradas pelo professor Florêncio, terem sido espartanas, pois ele seguira à risca um cronograma em que primeiro estabeleceu a preparação física da nossa turma, com muita ginástica (nunca me esqueço da oxigenação cerebral que tive no primeiro dia e que quase me fez desmaiar na quadra) e depois ele tratou por ensinar rudimentos e regras de vários outros esportes e quando finalmente liberou o futebol oficialmente nas aulas, o ano estava por acabar. Mas foi o que já disse anteriormente, mesmo proibido pelo professor, joguei muito em 1973, fora das aulas.

O clássico tabuleiro do jogo de botão lançado pela fábrica "Estrela", daí batizado como "Estrelão" para fazer menção aos nomes de estádios, gerados pronunciados com o sufixo aumentativo "aõ" pelo povo 

Foi nesse ano também que eu comprei o meu "Estrelão", um campo de futebol de mesa (botão), fabricado pela indústria de brinquedos "Estrela", e que guardo com carinho até os dias atuais. Comprei muitos outros times e adquiri o prazer enorme para elaborar tabelas de campeonatos. E modéstia a parte, fiquei bom nessa tarefa. Acredito que eu seja melhor que esses sujeitos que trabalham em federações estaduais e na CBF, que elaboram os campeonatos oficiais com tabelas e mal-elaboradas...

E sobre acompanhar o futebol oficial, fui ao estádio muitas vezes nesse ano, mas ainda acompanhado, geralmente de meu primo mais velho por parte de pai, o hoje saudoso (infelizmente), Celso Luiz. Aliás, ele foi camarada ao me levar para ver o Palmeiras, muitas vezes, mesmo que ele mesmo fosse um santista fanático e em retribuição, eu também fui várias vezes com ele, para assistirmos jogos do Santos. 

Por exemplo, assisti a famosa final do campeonato Paulista de 1973, quando o famigerado árbitro e hoje falecido, Armando Marques, errou a conta da disputa de pênaltis e com a confusão armada, a Federação Paulista declarou Santos e Portuguesa como campeões de 1973, ao dividir o título, em uma das determinações mais ridículas que eu já vi. 

O jogo, apesar disso, foi eletrizante e terminou 0 x 0, no tempo normal. Estádio do Morumbi com quase cem mil pessoas presentes e para surpresa de muitos, com torcidas absolutamente equânimes, o que nos levou a crer que não houve fornada de pães em São Paulo nesse dia, com todos os portugueses, donos de padarias, reunidos no estádio, nesse dia. 

E aquele mar de bandeiras... enfim, essa é uma lembrança que tenho forte dos anos setenta, por que era bonito demais, mesmo que não fosse um jogo final com o meu time a disputar o título, como nesse caso de 1973. 

Apesar de meu primo ter sido um santista fanático, pelo fato de nós termos chegado tarde no estádio, vimos o jogo alojados na torcida da Portuguesa. Com ele a se conter ao máximo para não expor as suas emoções e criar um problema ali em meio a torcedores contrários e eu, confesso, a torcer para a Lusa, por que nutro enorme simpatia por esse time da colônia portuguesa e que caso não enfrente o meu, ou o seu resultado não interfira para atrapalhar o meu, diretamente, eu sempre torço a seu favor. 

Vi outro jogo do Santos esse ano, a acompanhar o meu primo, Celso Luiz. E mesmo não seendo eu um santista, assisti com muito prazer a partida: Santos 4 x 0 Grêmio, no Pacaembu, com um show impressionante de Pelé, Edu e Carlos Alberto Torres.

No gol do Grêmio jogava o espetacular, Mazurkiewicz, goleiro da seleção uruguaia e foi aquele mesmo que na Copa de 1970, levou um drible ao estilo "meia lua", desconcertante do Pelé e a bola não entrou no gol uruguaio por absoluto azar. Quem acompanha bem a história do futebol sabe bem sobre qual jogada, me refiro. 

E claro, muitas partidas do Palmeiras contra São Paulo, Corinthians, Santos, Portuguesa, Vasco, Internacional e América Mineiro. Nessa contra o América de Minas, me empolguei e quando da ocasião de um dos gols (o placar final marcou 3 x 1 para o Palmeiras), corri ao alambrado do Pacaembu para comemorar junto com o centroavante, César "Maluco", claro, não sozinho, eu estive na companhia de mais alguns torcedores que tiveram o mesmo impulso.

O centroavante do São Paulo, Mirandinha em jogada aérea com o zagueiro Luiz Pereira do Palmeiras, com Eurico (Palmeiras) e Samuel (São Paulo), no solo mas a observarem a chegada da bola alçada na área. Cem mil pessoas no Morumbi em uma quarta-feira a noite e com o meu grito de campeão a prevalecer ao final do jogo, que maravilha! 
 

O poster do Palmeiras, campeão brasileiro de 1973, que obviamente colecionei com muito orgulho. E que saudade tenho desse time, que jogava bonito demais

Meu time foi campeão brasileiro mais uma vez, fora o primeiro bicampeonato consecutivo do clube. Aliás, feu fui assistir essa final, cujo empate nos serviu, por que se tratara na verdade de um quadrangular com Internacional, Cruzeiro e São Paulo e por ter vencido Cruzeiro e Inter, antes, o empate contra o São Paulo, bastou na somatória dos pontos. 

Assisti o jogo na numerada inferior do Morumbi. Foi 0 x 0 no último jogo contra o São Paulo e se mostrou o suficiente para o Palmeiras. Esse jogo no entanto foi disputado em fevereiro de 1974, portanto a caracterizar a tabela mal- elaborada do campeonato de 1973, que pecisou ser estendida até o ano seguinte, ao me obrigar a antecipar a cronologia do meu texto, mas creio que seja cabível que essa nota fique inscrita neste capítulo sobre 1973. 

Mesmo ao não vencer diretamente o último jogo do quadrangular final, foi uma delícia levantar a taça no campo de um arqui-rival e desta vez não houve a indefectível presença de Armando Marques a  auxiliar tal adversário, como houvera ocorrido em 1971.  

A peça musical/teatral, Godspell, encenada no Brasil como: "Godspell, a Esperança"

De volta a falar sobre TV, assisti atônito o elenco da montagem brasileira da peça teatral, "Godspell, a Esperança", a promover o seu espetáculo no programa da Hebe Camargo e também no cafona, "Clube dos Artistas". 

Em ambos, os apresentadores quase ignoraram a mensagem dos atores, ao preferirem desdenhar do figurino e no caso, o ator, Antonio Fagundes foi o protagonista, a interpretar o papel de Jesus Cristo. A peça era bem interessante, apesar de usar praticamente o mesmo mote de "Jesus Christ Superstar". 

A diferença entre as duas obras, foi que em "Godspell", a ação se passa na urbanidade de Nova York e Jesus e sua trupe são hippies de certa forma, porém com a abordagem mais relativa aos artistas mambembes, saltimbancos e "clows". Gosto bastante dessa peça e do filme, que adveio. Não fui assistir essa montagem de 1973, mas confesso que gostaria de ter visto. Tenho amigos hoje em dia que sei que a assistiram à época.

Sobre esse espetáculo teatral e filme, eu escrevi uma matéria no meu Blog 1, inclusive a citar a montagem brasileira. Eis abaixo o link desse material:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2012/02/godspell-esperanca-por-luiz-domingues.html

Ouça acima: "The Great Gig in the Sky", com o Pink Floyd, a se mostrar como um momento sublime de 1973, uma peça a se ouvir para sempre, sem ter medo da morte, que virá um dia...
 
Quando 1973 se aproximou de seu final, a impressão que eu tive, foi que havia absorvido tanta informação musical sob um curto espaço de tempo, que estava a sentir uma mudança interna acentuada, a se processar sob intensa ebulição que não me assustara, mas pelo contrário, me imbuíra de uma força, como eu jamais sentira. 

Pelo meu temperamento "zen", que é minha marca registrada desde pequeno, a tendência seria abraçar algo compatível com essa tranquilidade natural, em termos de profissão e sim, as conversas começaram nesse sentido, tanto no âmbito familiar, quanto no escolar.

Se a música não estivesse a me capturar tão fortemente (e daí em diante foi um crescente impressionante, conforme contarei nos capítulos sobre 1974 e 1975), a minha tendência seria a de optar pelo jornalismo e de fato, escrever era (é) um prazer inenarrável para o meu ser, haja vista eu ter assumido esse lado, mesmo que tardiamente, aos cinquenta e um anos de idade (2011). 

Em 1973 e 1974, a ideia de tentar ingressar na música ainda não passava pela minha cabeça como uma certeza, certamente. Mas a música borbulhava fortemente à minha volta e na minha mente, mesmo que eu não tivesse tal consciência na época, o processo de absorção explícito nesse sentido, esteve em curso. 

A máquina da determinação ferrenha havia sido acionada, ainda que eu não tivesse percebido isso exatamente. 

Para encerrar este capítulo, deixo algumas letras de músicas que me bombardearam a gerar euforia e vontade de me inserir mais incisivamente neste mundo, como aforismos soltos e quem as entender subliminarmente, vai entender como 1973, foi sentida na minha percepção. 

"We're playing those mind games togheter, pushing the barriers, planting seeds... playing the mind guerrilla, chanting the mantra, peace on Earth"... 
"Billion Dollar Baby, Little Lady, Slicker than a Weasel
Grimy as an Alley, Loves me Like no Other Lover
Billion Dollar Baby"...
"And I am not frightened of dying, any time will do, I don't mind
Why should I be frightened of dying?
There's no reason for it, you've gotta go sometime.

"I never say I was frightened of dying" 
"Singing in the sunshine, laughing in the rain
Hitting on the moonshine, rocking in the grain
Got no time to pack my bag, my foot's outside the door
I got a date, I can't be late, for the high hopes hailla ball" 

"My woman from Tokyo
She makes me see
My woman from Tokyo
She's so good to me" 

"Everytime I see your face, it reminds me of the places we used to go. But all I've got is a photograph, and I realize you're not coming back anymore" 
"And when I go away, I know my heart can stay with my love
It's understood...

It's in the hands of my love and my love does it good
Whoa-whoa-whoa-whoa, whoa-whoa-whoa-whoa
My love does it good" 

"Give me love, give me love, give me peace on earth
Give me light, give me life, keep me free from birth
Give hope help me cope, with this heavy load
Trying to, touch and reach you with, heart and soul" 

"Time - He's waiting in the wings, he speaks of senseless things
His script is you and me, boy

Time - He flexes like a whore, falls wanking to the floor
His trick is you and me, boy

Time - In Quaaludes and red wine
Demanding Billy Dolls
And other friends of mine
Take your time"

"Long ago I wandered through my mind, in the land of fairy tales and stories... Lost in happiness I had no fears, innocence and love was all I knew Was it illusion?" 
"Take me across the water 'cause I need some place to hide
I done the rancher's daughter and I sure did hurt his pride" 

"When are you going to come down?
When are you going to land?
I should have stayed on the farm, I should have listened to my old man.

"Metal Guru is it you, Metal Guru is it you, sitting there in your armor plated chair, oh yeah, Metal Guru is it true, Metal Guru is it true... all alone without a telephone, oh yeah"
"Eu não sei dizer, nada por dizer
Então eu escuto, se você disser
Tudo o que quiser, então eu escuto
Fala"...

"Dentro da baleia mora mestre Jonas, desde que completou a maioridade, a baleia é sua casa, sua cidade, dentro dela guarda suas gravatas, seus ternos de linho"... 
"Ei, Al Capone, vê se te emenda
Já sabem do teu furo, nego
No imposto de renda
Ei Al Capone, vê se te orienta
Assim desta maneira, nego
Chicago não aguenta"... 


"Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo"...
"Cum on feel the noize, girls rock your boys
We'll get wild, wild, wild, wild, wild, wild"

"Well, down in the graveyard where we have our tryst
The air smells sweet, the air smells sick
He never smiles, his mouth merely twists
The breath in my lungs feels clinging and thick"

"Play me "Old King Cole", that I may join with you,
all your hearts now seem so far from me
it hardly seems to matter now" 

"Nous sommes du soleil... we love when we play"...

Seria possível arrolar muito mais artistas & canções, mas enfim, acho que os exemplos acima montam um mosaico significativo para ilustrar o que eu recebi como carga musical, em 1973. 

Para encerrar, eu fui aprovado na sexta série e desta feita estive seguro que não teria que me mudar de escola no ano seguinte, para cursar a sétima série, ao evitar o constrangimento dos rompimentos de laços e construção de novos relacionamentos de amizade.

Foi exatamente esse o modelo da TV que ganhei no Natal de 1973 e foi um agente importante  ao me permitir ver muitos filmes, seriados, jornalismo, futebol e claro, programas e promos de música & Rock

E ali, em meio à vitrolinha Phillips e a minha TV portátil que ganhara de natal em 1973, uma do modelo "Colorado RQ", modelo "Baby Empire" de cor abóbora (super setentista) e mais uma série de discos e fitas K7, me coloquei apto para ir ainda mais fundo nessa prospecção pelos sons.

Eu poderia ter colocado dezenas de músicas aqui para o leitor ouvir, mas o capítulo teria ficado pesado e travaria. Deixo só mais uma e não significa que seja a que mais gosto para sintetizar, mas uma delas, sem dúvida a representar bem como foi o ano de 1973 em minha percepção. Fique aí na "piração" (para usar uma gíria da época), de "Eclipse", com o Pink Floyd em seu disco do ano citado.

Que viesse 1974 e entre outras mudanças, com o início do ritual de me barbear!
Continua...

2 comentários:

  1. Incrível, sua narrativa de vida é fantastica, parabéns amigo.

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    1. Sensacional que tenha curtido esse capítulo, amigo Kim !

      A ideia foi essa mesma, dar um complemento à autobio, com esse texto suplementar, ano a ano, desde 1960, traçando uma visão geral de como a música e o Rock em específico foi fisgando-me, desde a tenra infância e aproveitando para comentar sobre outros aspectos culturais e um pouquinho da minha vida pessoal, também.

      Valeu por comentar !!

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