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domingo, 17 de julho de 2016

1974 - Minha Ligação Inicial com o Rock na Infância e na Adolescência - 1974: Might Just Take Your Life - Por Luiz Domingues

A energia nuclear seria a solução para a crise do petróleo que começara no ano anterior, segundo afirmara, Shigeaki Ueki, um nipo-descendente que ocuparia o cargo de Ministro das Minas e Energia do novo governo militar que assumiria em 1974.

Em época de cinema catástrofe, o edifício Joelma, no centro velho de São Paulo, queima verdadeiramente e provoca cenas horripilantes, ao vivo e em cores pela TV. 

Zé do Caixão faz propaganda na fila das pessoas que desejavam assistir o filme: "O Exorcista", em cinemas paulistanos e aos berros, tenta convencê-las que aquele "Diabo" norte-americano de tal filme, era "fajuto" e o "seu Diabo", que era 100% nacional, do seu recém-lançado filme, "Exorcismo Negro", era muito mais assustador...

O clamor na imprensa esportiva e por parte do povo foi um só: -"Pelé, volte para a seleção e dispute a Copa da Alemanha".

"Watergate" seria a bola da vez nos noticiários internacionais, mas a "Revolução dos Cravos", ao libertar Portugal da ditadura Salazarista, também tornar-se-ia destaque. 

Foto com usuários do metrô de São Paulo em 1974, a novidade da mobilidade urbano paulistana, após cinquenta anos de atraso, pelo menos e no caso ao só contar com uma linha e incompleta na ocasião. Que houvesse paciência! Fonte: Internet

O Metrô de São Paulo inaugura finalmente a sua primeira linha...

Bem, eu poderia arrolar muito mais dados ocorridos em 1974, para iniciar este capítulo, mas creio ser o suficiente para dar um panorama prévio, ainda mais ao se considerar que falarei de muito mais fatos em seu decorrer. Ao partir agora para o meu pequeno mundo particular, inicio então o relato sobre como foi o meu ano de 1974.

A minha (Luiz Domingues) carteirinha escolar de 1974, matriculado aluno da sétima série, o antigo terceiro ano ginasial.

Sétima série, penugem no rosto já a se insinuar como barba e bigode, e cada dia desse ano que começava, com mais artistas a serem descobertos através dos discos, ondas radiofônicas & TV, jornais & revistas, além das fitas K7, o melhor aliado dos Rockers tupiniquins na década de setenta, principalmente os pouco abonados, categoria na qual eu me incluía.

Mas também houve um elemento novo nessa equação: daí em diante, tirante tudo o que já citei anteriormente, houve também o apoio de meus primos mais velhos e consequente contato com os amigos deles e todo mundo a acompanhar junto, e assim se criou sob uma absoluta naturalidade, uma rede de compartilhamento de informações e materiais, que se tornou nessa época, a nossa ferramenta de pura solidariedade, a se constituírem das providenciais fitas K7.

Acrescento mais um dado positivo para elucidar tal questão: em 1974, eu encontraria mais apoio em colegas de escola. Os freaks da escola se agruparam e isso só me fortaleceu em vários aspectos sob a ótica contracultural, nessa época. Tenho mais alguns dados importantes a arrolar.
Logo que 1974 chegou, o boato se tornou uma realidade: Alice Cooper havia confirmado shows no Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro, por incluir tais datas na turnê do seu novo disco, recém-lançado: "Muscle of Love". 

A capa do LP "Muscle of Love" do Alice Cooper, lançado em 1974 e justamente a motivar a turnê que passou pelo Brasil neste mesmo ano

Aquilo foi tão inacreditável em uma época onde o Brasil se colocava como um país completamente fora do esquadro dos grandes shows internacionais, que dessa forma, tal novidade nos deixou boquiabertos.

A comitiva de Alice Cooper a chegar em vários carros comuns e assim a atrair a atenção de populares, pelas ruas do centro velho de São Paulo, quando rumava para o hotel em que se hospedou na Avenida Ipiranga. A ilustração dá a medida exata do quanto éramos provincianos, só por essa visão prosaica, ao revelar uma autêntica aglomeração perpetrada por essa multidão de "Jecas" inebriados pela visão da chegada de seres alienígenas. Foto do arquivo do jornal: O Estado de São Paulo
 
Do anúncio da confirmação, em janeiro mais ou menos, até março, quando vimos fotos de Tia Alice e de sua banda a caminhar pelas  imediações da Avenida Ipiranga, hospedados no Hilton Hotel onde ficaram alojados, foi uma contagem regressiva e muito estimulante para os Rockers tupiniquins, absolutamente carentes e alheios às grandes estrelas do Rock internacional.

O set list do show de Alice Cooper, este para o espetáculo realizado no teatro do Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, no dia 1º de abril de 1974 e abaixo, um tijolo promocional publicado em um jornal a conter o serviço do show e locais para a compra do ingressos antecipados

Sei que houveram sazonais exceções, anteriormente (Ray Charles, Stevie Wonder, Santana, Ravi Shankar e Herman's Hermits visitaram o Brasil, para realizar shows entre 1963 e 1972), mas foram poucos artistas sazonais e isso não sinalizara que o Brasil entraria na rota dos shows internacionais, de uma maneira regular, fato que só aconteceria muitos anos depois, nos anos oitenta, e aí já a se viver uma fase no Rock, na qual nem de longe poderia se comparar à magnitude dos artistas das décadas de sessenta e setenta. 

Portanto, a verdade foi uma só: no auge dos anos de ouro do Rock, estivemos alijados da possibilidade de acompanhar de perto os seus mais geniais artistas. 

Eu não fui assistir o Alice Cooper, infelizmente, e não tenho vergonha de dizer que o meu pai vetou a minha ida. Com treze anos e oito meses de idade, em março de 1974, e por se considerar que foi uma outra época, com toda aquela pressão social anti-Rock/anti-contracultura/anti-cabeludos e os inevitáveis boatos a dar conta da "perdição" das drogas, foi natural que houvesse resistência paterna para me deixar ir em um evento dessa magnitude, ou na visão dele, em uma "baderna" dessas. 

Um primo meu, mais velho, foi ao show e hoje em dia eu tenho muitos amigos que também foram e todos tem ótimas histórias pessoais sobre esses dois shows do Alice Cooper em São Paulo.

Dados extraoficiais contabilizam cerca de cem mil pessoas presentes no show do Alice Cooper no Parque de Exposições do Anhembi (o outro show foi no teatro do mesmo complexo, um dia antes, mais reservado, para três mil pessoas). Acho o número exagerado, mas admito que foi um número gigantesco, não tenho dúvida. E foi histórico o tumulto, com Alice Cooper e banda a se evadirem do palco em um dado instante, assustados com a multidão a ser esmagada e a interpretar tal situação limítrofe, como uma tentativa das pessoas de chegarem até eles com uma invasão do palco selvagem
 
E claro, com o clima político pesado dessa época, sempre pairava a possibilidade da repressão oficial acontecer, afinal de contas, cabeludos sempre foram estigmatizados e perseguidos, em via de regra.

Essa revista acima foi produzida e editada para repercutir a passagem de Alice Cooper pelo Brasil em 1974 e vendeu bastante nas bancas

Mas quando o show aconteceu enfim, houve muita repercussão na mídia e claro, a imprensa tradicional criticou com contundência a figura de Alice Cooper, com o seu show repleto de teatralizações plenas de signos a sugerir a morbidez etc. 

Um especial na TV, gravado e exibido pela Rede Globo, dias depois, foi um "desbunde" para os Rockers, porém, foi também motivo para que o público avesso ao Rock, poder se arvorar como "paladino da moralidade", a vilipendiar as guilhotinas, e demais posturas cênicas de Tia Alice & banda, fora as reclamações de sempre sobre a estridência das guitarras e visual, com os cabelos longos sempre a incomodar os "bons cristãos", aliás em contradição, sempre, por supostamente serem seguidores de um cabeludo que fora um contumaz pacifista...

Uma matéria sensacional, escrita pelo jornalista, Bento Araújo, para a sua revista, "Poeira Zine" (foi publicada em 2004), retratou com muitos detalhes esses shows de Alice Cooper no Brasil, em 1974, e tal material conta com o acervo de fotos raras, de uma das apresentações de São Paulo, no Teatro do Anhembi (o outro foi no complexo de exposições do próprio, Anhembi, com milhares de pessoas presentes), da autoria da fotógrafa, Grace Lagôa, minha amiga e esposa do Xando Zupo, guitarrista como qual trabalhei no "Pedra", uma das bandas pelas quais eu atuei

Dois meses depois da vinda do Alice Cooper ao Brasil, uma teatralização grotesca, mas bem-intencionada, foi feita por parte de alguns freaks da minha escola, no velho teatro que havia no pátio do nosso colégio. Eu não os conhecia, deviam ser alunos de outro período. 

De fato, aquela instalação em que funcionava o teatro da escola, estava a ser pouco usada e subitamente cartazes surgiram pelos corredores, para anunciar a performance. Tratou-se de uma encenação ridícula, com cinco cabeludos a fingir tocarem e cantarem (em uma espécie de pré-Karaokê, setentista), e assim fizeram uma imitação grotesca do Alice Cooper & banda, mas foi divertido assim mesmo e muito melhor que aturar as aulas maçantes de ciências da Dona Sônia, ou as de geografia com a Dona Carlota, foi ver essa performance constrangedora, mas com pelo menos com o som da música: "Dead Babies" a ecoar alto dentro da escola e uma boneca velha que o sujeito que imitou Alice Cooper (deve ter emprestado da sua irmãzinha), a ser degolada... hilária a canastrice! 

Matéria publicada na revista "Pop" a informar sobre o programa "Sábado Som" da TV Globo

Outro fator que foi assombroso nesse início de 1974, foi a estreia do programa: "Sábado Som", na Rede Globo de Televisão. Estupefatos, na segunda-feira posterior à exibição do primeiro programa, em um sábado de abril desse ano, a conversa entre os Rockers da escola fora uma só: 

-"você viu o Pink Floyd a tocar nas ruínas de Pompeia?"

Absolutamente incrível, não fora algo novo, mas um documentário filmado em 1971, através desse impressionante cenário da antiguidade romana, mas para nós, se revelou como algo inédito e foi um "desbunde" sem tamanho.

O Pink Floyd no impressionante  documentário "Live at Pompeii" de 1971 e que nos encantou quando foi exibido no programa "Sábado Som" de 1974

Ver o Pink Floyd a executar o tema: "Echoes", em meio àquele cenário sem público, somente a tocar ao ar livre, no meio das ruínas foi algo inimaginável.

Roger Waters a se parecer com um sacerdote de "Júpiter", ao bater com ênfase naquele gongo sob o por do sol, enfim, lá estava eu com o meu queixo adolescente, caído em frente à TV, que já era colorida e realçou a magia, portanto. 

Mais promissora que essa exibição do especial do Pink Floyd, na íntegra, foi a certeza que o programa chegara para ficar, ao se constituir de uma atração definitiva, na grade da emissora, pelo menos durante alguns meses e dali em diante, abril de 1974, até meados de 1975, se tornou uma oportunidade de ouro, para assistir aqueles artistas todos em performances ao vivo, possibilitadas por tal atração televisiva e 100 % Rocker em sua intenção.

A banda Prog-Rock holandesa, Focus e a sua assombrosa performance da música: "Hocus Pocus"

Eu assisti bandas como o Focus, cuja performance de sua música emblemática, "Hocus Pocus" sob um tape gravado em 1973, nos assombrou.

E muito mais. com o som de bandas de estilos tão dispares entre si tais como o Poco, Faces, The Allman Brothers Band, Bad Company, Edgar Winter Band, Ufo, Average White Band, Utopia, Uriah Heep, New York Dolls e tantas e tantas outras atrações de alto padrão, enfim, que oportunidade incrível e mais oportuna que representou!

A "Mahavishnu Orchestra", o supra-sumo do Jazz-Rock dos anos setenta!

Foi através desse programa que eu descobri o estilo do Jazz-Rock. O "desbunde" absoluto de ver a Mahavishnu Orchestra, em ação, foi demais para um Rocker com apenas quatorze anos de idade. Tal escola estilística era diferente do Prog Rock, pelo fato dos seus músicos terem formação jazzistica ao invés da erudita, base da outra vertente, mas um ponto houve em comum: a absurda excelência musical, com músicos virtuoses e melhor ainda, a usarem a sua técnica avassaladora, a serviço da música e não o contrário.

Na primeira foto/still, Ritchie Blackmore do "Deep Purple" ao dar o seu show particular em ter quebrado uma câmera da TV, queimado o amplificador e arrebentado a sua guitarra. Na segunda, o "Earth/Wind & Fire" em ação com o seu Soul Music de alto nível. Na terceira foto, o "Black Sabbath" em ação e na quarta, Keith Emerson do "Emerson/Lake and Palmer", a tocar com o piano suspenso e a dar piruetas no ar. Todos no festival California Jam 1974

Ao final de 1974, vídeotapes dos shows do Deep Purple, Black Sabbath, Emerson/Lake & Palmer e Earth/Wind & Fire foram anunciados na programação do "Sábado Som". 

Nesse caso, foram muito recentes, ao corresponder às suas respectivas apresentações no Festival California Jam' 74, de agosto do mesmo ano. 

E assim, eu não acreditei que estava a assistir bandas que eu adorava, em performances tão próximas da sua contemporaneidade. O "funkão" ultra preciso do Earth/Wind & Fire (antes dessa banda mergulhar nos excessos pasteurizados da Disco Music), O Deep Purple a viver sua fase, "Mark III", com Ritchie Blackmore ensandecido, a colocar fogo nos amplificadores e estraçalhar a sua Fender Stratocaster na câmera de TV, Keith Emerson a tocar em um piano de calda, suspenso no ar e a dar piruetas com o instrumento e tudo e o Black Sabbath, que vivia uma boa fase, a executar, a pesada música: "Children of The Grave" sob uma pegada incrível! 

Eis o cartaz a anunciar o festival "California Jam", versão de 1974, cujos vídeos, alguns deles, foram exibidos no programa "Sábado Som" da TV Globo, ao final do mesmo ano 

E ainda houve o Southern Rock de respeito do Black Oak Arkansas, com Jim Dandy & Cia. Rare Earth, Eagles e Seals & Croft também participaram do festival, mas não me recordo se as suas performances foram exibidas no "Sábado Som" a posteriori.

Escrevi uma matéria para descrever o programa,"Sábado Som". Veja mais detalhes sobre isso, ao visitar o meu Blog 1. Eis o Link abaixo:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2013/01/sabado-som-por-luiz-domingues.html   


Matérias a repercutir a passagem do Jackson Five pelo Brasil em 1974

Em 1974, com menos estardalhaço, mas igualmente sensacional ao meu ver, o Jackson Five aportou em Terra Brasilis. Fizeram cinco shows no Brasil, e em São Paulo a sua apresentação ocorreu no Anhembi, assim como Alice Cooper o fizera, recentemente. Inacreditável, Jermaine Jackson tocou o seu baixo Fender, super "classudo" nos estúdios da TV Tupi de São Paulo, também...

Neste vídeo acima, há um pequeno trecho do especial da extinta, Rede Tupi, com o Jackson Five, exibido muitos anos depois no programa: "Vídeo Show", da Rede Globo e com a inserção de alguns comentários interessantes sobre como se processou isso na TV Tupi em 1974, através do depoimento do produtor, Solano Ribeiro. 

Aproveito para falar de mais sobre TV. Tirante os programas musicais como "Sábado Som" e "TV 2 Pop Show" que tiveram a minha máxima atenção, continuei normalmente a receber cargas culturais, através do jornalismo, seriados e filmes.

Muito bom seriado centrado no mote do terror sobrenatural, "Kolchak" me cativou certamente

Em termos de seriados, "Kolchak e os Demônios da Noite" ("Kolchak: The Night Stalker"), conta a saga de um jornalista que tenta provar a existência de monstros e demônios (e claro, por não conseguir o seu intento, apesar de lidar com tais aberrações o tempo todo e também por ser desacreditado pelo seu editor e questionado pela polícia), era (é) muito bom. Acredito que seja uma espécie de avô do "X-Files" ("Arquivo X"), que tanto sucesso fez nos anos noventa.

E claro, a cobertura esportiva da Copa da Alemanha, em uma época em que a seleção brasileira causava comoção e debates acalorados em meio ao bairrismo que era enorme e certamente ultra polarizado entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Cartaz promocional da Copa do Mundo de futebol na Alemanha, em 1974

Eu ainda não tinha as restrições que tenho hoje em dia à seleção brasileira e torcia muito pelo seu sucesso e mais ainda para que convocassem jogadores do meu time e que eles tivessem o melhor desempenho possível. Que garoto tolinho que eu fui e essa discussão eu nem vou esticar aqui e deixo para debater em matérias específicas que publico sobre futebol em diversos blogs. 

O decantado time da seleção da Holanda, na Copa do Mundo de 1974

Mas, enfim, o Brasil avançou com dificuldades, apesar de todos aqueles talentos reconhecidos e apresentara um sistema de jogo considerado muito moderno para a época, que encantou o mundo. A Holanda de Cruijff & Cia. colocou todo mundo na roda, literalmente, com o seu decantado: "Carrossel Holandês", mas ironia do futebol, culminou em perder a final para a pragmática, Alemanha, de Beckenbauer, Gerd Müller, Sepp Mayer, Paul Breitner & asseclas.

A Copa de 1974 foi marcada por alguns emblemas:

Franz Beckenbauer e Sepp Mayer receberam a taça da equipe da Alemanha, campeã mundial de 1974

1) O clamor público para que Pelé voltasse a servir a seleção brasileira, foi enorme. Irredutível, ele abandonara a seleção em 1971, com dois jogos de despedida (Morumbi e Maracanã) e apesar de toda súplica do povo e dos jornalistas, mais a pressão dos agentes governamentais, ele disse "não" e acho que fez bem, por ter parado no auge, em 1970, como campeão. 

Pelé ainda jogava no time do Santos em 1974 e encerraria a carreira apenas em outubro daquele ano. Depois ele mudou de ideia e foi jogar nos Estados Unidos, a promover o futebol por lá, mas na prática, na condição de ex-jogador em atividade, ao se destacar muito é verdade, mas em meio a uma Liga insípida, amadorística. 

2) Foi uma Copa do Mundo do Rock setentista, como nunca... e basta ver os tapes de jogos dessa competição e nas arquibancadas das partidas, se vê uma quantidade enorme de jovens cabeludos que deviam assistir inúmeras bandas europeias da época ao vivo, ali na Alemanha e acompanhavam futebol, também. E a quantidade de jogadores cabeludos também impressionou. 

3) Expôs o Brasil à sua realidade de ser um país com uma capacidade incrível para revelar jogadores com técnica estratosférica e absolutamente natural, sem metodologia científica para forjar isso, portanto, a possuir uma infraestrutura arcaica, simplória, fator de Jeca Tatu assumido, diante da organização dos europeus.

Ainda a falar sobre o futebol, tenho mais algumas considerações a estabelecer.

O Palmeiras foi bicampeão do Torneio Ramon de Carranza em 1974

Pouco menos de um mês depois da Copa, o Palmeiras foi bicampeão do famoso Torneio Ramón de Carranza na Espanha (houvera ganho pela primeira vez m 1969), que era (é), um dos mais tradicionais torneios de verão da Europa e ao vencer o decantado Barcelona, por 2 x 0, na final, com um show de Ademir da Guia.

Os europeus atônitos perguntaram: "como um jogador desse quilate não foi titular do time do Brasil na Copa e pelo contrário, tenha jogado só meio tempo e sacado do time quando reconhecidamente houvera sido o melhor em campo?" E nesse time do Barcelona jogava Johann Cruijff e mais alguns jogadores da seleção da Holanda, que recentemente havia impressionado o mundo na Copa do Mundo.

Essa final de 1974 foi muito saborosa, pois além de derrotarmos o arqui-rival, vencemos também a imprensa

E ao final de 1974, a imprensa dava a entender que o Corinthians seria favorito ao título paulista na final desse ano e ao ler as matérias e ver e ouvir o que falavam na TV & Rádio, foi inacreditável que tenham formado tal opinião, ao se considerar que o adversário seria o Palmeiras, a viver ainda tempos de sua Academia II, ou seja, a contar com um time infinitamente superior. 

Diante do esquadrão verde, o adversário incensado pela imprensa contava apenas com o Rivellino como um grande jogador em seu time, portanto, tal abordagem da imprensa se revelara muito equivocada (e claramente tendenciosa, essa é que foi a verdade), assim como foi a cobertura do pós-resultado do jogo final, com o Palmeiras campeão e a imprensa a tratar isso como a uma "surpresa". Ridícula a má vontade ou perseguição mesmo, declarada, falemos a realidade.

Ainda mantenho essa pasta guardada com vários documentos sobre a existência do time que fundamos no bairro em 1974

Outro dado (aí da minha alçada), em junho de 1974, eu e alguns colegas de classe fundamos um time de futebol de salão e o batizamos como: "Associação Futebolística Universal". 

A nossa ideia tão prosaica foi fugir dos nomes que já usavam a alcunha de "Nacional" e "Internacional", denominações comuns para muitos times no futebol, e usar assim algo ainda mais pomposo. Nada teve a ver com a igreja evangélica que seria fundada com tal denominação, ainda bem mais tarde do que isso.

Um documento a conter a ficha de jogadores que faziam parte do nosso time

Com esse time, jogamos muito na quadra da nossa escola e muito pelo campinhos da Vila Olímpia, ao chegar a arrolar súmula dos jogos, com resultados, escalações e autoria de gols. O nosso maior rival no bairro, fora o "Zaire", um time formado só por meninos negros, e cujo nome fora inspirado na exótica seleção desse país africano e que enfrentara o Brasil na Copa de 1974, portanto se tratou de um nome exótico e "na moda" nesse ano. 

Nessa altura, campeonatos de futebol de mesa, o popular "botão", se tornaram uma praxe nos momentos de lazer entre amigos. E com o meu "Estrelão" e muitos times disponíveis, dava para promover campeonatos os mais diversos. Paulista e Brasileiro foram os mais requisitados, é claro, mas dava para fazer outros regionais e Copa do Mundo, porque eu também possuía times com seleções nacionais. 

E mais um aspecto, foi em 1974 que comecei a frequentar estádios sozinho, ou melhor, acompanhado de amigos da escola. Fui a muitos jogos do Palmeiras, nos estádios do Pacaembu, Palestra Itália e Morumbi. Foi nesse ano inclusive que eu vi pela primeira vez um jogo internacional, pela Taça Libertadores da América de 1974, com o Palmeiras a vencer facilmente por 3 x 0, uma equipe boliviana chamada: "Municipal", no estádio Palestra Itália.

Logotipo da Rede Tupi de Televisão na metade dos anos setenta

Sobre filmes, a TV Tupi exibia uma grade com filmes, no período noturno, que era maravilhosa por conta do seu programador certamente ter sido um cinéfilo bem preparado para a função e a Rede Globo também, com a sua já existente: "Sessão Coruja". 

Nessas sessões, eu assisti muito filmes clássicos e até filmes de arte que se pensarmos nos tempos atuais, em que a grade de filmes na TV aberta é insípida, além do fato de que prima pelo gosto popularesco, poder assistir obras de diretores de alto quilate tais como: Roberto Rossellini, John Frankenheimer, Monte Hellman, François Traffaut e tantos outros gênios dessa estirpe, em plena madrugada pela TV, foi um privilégio para cinéfilos, como eu.

"O Lucky Man!", um filme britânico bastante frenético e com um uma certa bagagem contracultural, que eu vi quase inédito pela TV, uma raridade para a época, em 1974

A TV Bandeirantes também detinha os seus lampejos na área do bom cinema a ser exibido. Além do "Cine Mistério", uma sessão que ocorria às sextas, e que exibiu quase todo o acervo da produtora britânica, Hammer, algumas pérolas sessentistas ali passaram. Foi ali que vi eu assisti: "To Sir With Love" ("Ao mestre com carinho"), entre outros filmes do ator, Sidney Poitier, que mantinham muito apelo libertário, apesar de serem peças do cinema comercial e não necessariamente filmes underground, do circuito de arte. 

Um desses que eu assisti em 1974, e que gostei muito, tem o curioso nome de: "O Lucky Man" (lançado em 1973). Produção britânica e a apresentar o ator performático, Malcolm McDowell, como protagonista, mostra um pouco da loucura sessenta-setentista em Londres. Tem muita gente que o confunde, por achar que tem algo a ver com a música quase homônima do ELP ("Emerson/Lake & Palmer"), "Lucky Man", mas não tem nada a ver.  

"Billy Jack" um filme da safra dos contraculturais libertários a discutir o preconceito dos conservadores contra negros, índios, latinos/hispânicos e hippies

Mais um que eu vi em 1974 e revisitaria muitas vezes em ocasiões futuras, foi um filme norte-americano chamado: "Billy Jack". Lançado em 1971, é um libelo hippie/pacifista e contra a intolerância racial. 

Narra a história de um índio norte-americano que servira o exército, tendo sido do destacamento militar "boina verde" a atuar na guerra do Vietnã, e quando voltou para casa, vê que a sua comunidade está a ser violentamente incomodada por reacionários que odeiam índios, hippies, latinos e negros. 

Essa gentalha está a atormentar os alunos de uma escola de mentalidade progressista que acolhe tais minorias citadas e ele entra na briga para defendê-los do vilipêndio todo, ao usar toda a sua técnica militar adquirida, a acrescentar principalmente a sua sabedoria oriunda de suas tradições indígenas via shamanismo. 

Tal filme não tem grande repercussão no meio dos cultuadores de cinema, mas é muito reverenciado entre hippies e seguidores entusiastas da contracultura, portanto, me pegou em cheio no ano de 1974, quando só reforçou ainda mais a minha simpatia pelos ideais aquarianos, ali expressos. 

Cartaz do emblemático filme Sci-Fi: "The Planet of the Apes"/"O Planeta dos Macacos", lançado em 1968, mas que causou furor em exibição na Rede Globo, em 1974, da qual eu fui telespectador

Não foi nenhuma novidade e pelo contrário, o filme era de 1968, mas foi em 1974 que eu assisti pela primeira vez a obra: "O Planeta dos Macacos". E foi com grande esforço de divulgação, pois a Rede Globo anunciou com ênfase a sua exibição, como se fosse uma grande novidade inédita na TV brasileira e a repercussão foi tanta que até tal obra foi citada em sala de aula, com a professora de português a nos propor um trabalho que valeu ponto para a nota bimestral, se na segunda-feira posterior à exibição na Sessão "Super Cine" do sábado (que na época começava religiosamente às 21 horas, logo após a novela das oito, que começava de fato, às oito), entregássemos uma redação para falar de nossas impressões sobre o filme. Provavelmente foi a primeira resenha de filme que eu escrevi e sim, ganhei 0,5 como bônus, na minha nota bimestral...

Muitas peças publicitárias exibidas de TV, faziam referência à contracultura hippie, mas certamente a apontar para a sua diluição estética. Foram comuns os comerciais a se mostrarem roupas destinadas ao público consumidor jovem, que usassem o mote do movimento hippie ou do Rock, como chamariz para venderem os seus produtos. Lógico, tudo feito sob uma visão distorcida, no limite do escárnio ou no mínimo, diluído e/ou equivocado na avaliação dos publicitários e formadores de opinião com a visão superficial do fenômeno social enfocado.

Se eu soubesse que as calças boca de sino cairiam em desgraça alguns anos depois, juro que teria comprado um lote enorme em 1974, para garantir o meu estoque a alimentar o guarda-roupa para sempre. Eu as usava diariamente, além dos meus sapatos de plataforma que era, Rockers ao extremo. Cheguei a ir para a escola usando um sapato roxo desses, muitas vezes e me sentia um "Rock Star" a caminhar nas ruas de Londres.  

Acima, eis o promo oficial da música: "Elected", do Alice Cooper, cujas imagens foram usadas na propaganda da Rádio Excelsior, "A Máquina do Som", em campanha publicitária para a TV em 1974.
 
E claro, em 1974, a propaganda da Rádio Excelsior na TV, ao usar imagens do promo de Alice Cooper para a música, "Elected", me gerou fascínio. Aquele deboche todo em torno da figura do político inescrupuloso em campanha eleitoral, é sensacional. O chimpanzé como assessor do político interpretado por Tia Alice, é impagável, além das notas de dólares sendo jogadas para cima, em meio ao frenesi de puro escárnio por parte do canalha típico da manipulação. 

Ao falar sobre publicações, além dos jornais tradicionais e da revista "Placar" que eu sentia ser antagônica ao Rock, mas não tinha vergonha de ler assiduamente, assim mesmo, claro que a Revista "Pop" entrou na minha vida, com força.  

Reportagens da revista Pop, que foi importante no desenrolar dos anos setenta, não tenho dúvida

Gostava muito das matérias sobre música e cinema, sobretudo, mas ao mesmo tempo, eu considerava tal publicação com caráter híbrido, e no mau sentido do termo. Havia pois um lado "careta" na sua abordagem, que me desagradava. Entendo, naturalmente que os seus editores tivessem a intenção de alcançar várias camadas da juventude e não somente os freaks antenados em arte & contracultura, mas as matérias sobre moda e demais signos burgueses inerentes, ainda que a evocar os supostos valores "jovens", me soavam como uma abordagem extremamente conservadora. 

Foi nítido e mesmo aos quatorze anos de idade eu já percebia isso, ou seja, que a intenção ali fora adaptar a editoria da Revista Claudia, que inclusive era propriedade do mesmo grupo empresarial, à realidade "jovem" para "falar" com as adolescentes e futuras consumidoras da "Claudia".

Pela composição da arte dessa capa de uma edição da revista Pop, dá para sentir claramente a minha linha de pensamento descrita no parágrafo anterior

Era salutar a intenção em se colocar no mercado como uma revista de intenção multiuso, ao dar dicas sobre sexualidade e comportamento, falar sobre questões como a relação pais e filhos e tratar de assuntos inerentes ao universo dos adolescentes, ao abordar escolha de profissão e vestibular, entre outros tópicos, mas toda essa salada diluía a publicação, ao meu ver, ao não focar somente em arte & cultura.

O famoso e muito emblemático poster a conter a imagem do tecladista britânico, Rick Wakeman, que a revista Pop lançou encartada em uma edição e que gerou furou

Memoráveis foram os posters, com grande predominância de bandas de Rock, mas também a trazer elementos oriundos do cinema, sazonalmente. Foi na revista "Pop" que eu li matérias a cobrir os bastidores das filmagens de filmes que estavam por serem produzidos naquele instante e que eu assistiria no cinema, logo a seguir. 

Predominava a escolha por filmes com sentido contracultural em essência e eu adorava tais matérias, não só pelo seu conteúdo, mas também pelo teor da escrita, a denotar sempre haver o deslumbre pelo "desbunde" setentista, em meio à carga contracultural e a reforçar em meu caso, o sentido das descobertas.

Escrevi uma matéria a falar sobre a Revista Pop. Eis abaixo o Link que direciona ao meu Blog e onde o leitor pode aprofundar tal impressão de minha parte:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2012/08/revista-pop-por-luiz-domingues.html

Em 1974, houve uma gravíssima epidemia de meningite no estado de São Paulo. Com a intenção deliberada da parte do governo de se evitar o pânico, mas certamente para coibir desgaste político, as autoridades esconderam a verdade da população com mão de ferro. As aulas foram suspensas na rede estadual pública (onde eu estudava), e creio que também na municipal e em escolas particulares. Mas o governo negou que a suspensão das aulas tenha tido tal motivação. Atitude abominável, diga-se de passagem. Foram semanas sem aulas e claro que adolescentes que éramos, aproveitamos muito, mas lógico também, que teve o lado mau disso, com a reposição das aulas perdidas, a ocupar boa parte das férias, a posteriori.

Uma revista internacional de um padrão que eu não estava acostumado a consumir, ao ver uma edição da "Circus", é óbvio que o meu queixo caiu em 1974

Uma vez na escola, uma colega apareceu com uma revista, "Circus", em nossa classe. Tratava-se de uma revista norte-americana a cobrir o Rock estadunidense e britânico, principalmente, muito famosa nos anos setenta e com aquele padrão gráfico internacional que nós não tínhamos ainda no Brasil. Quando eu vi aquela revista com papel couche brilhante em alto padrão e dotada daquelas fotos inacreditáveis, claro que enlouqueci.

O espetacular cantor, pianista, compositor e guitarrista, Leon Russell, um artista que muito admiro pelo conjunto da sua obra que é grandioso

A dona do exemplar dessa revista fazia parte da turma dos freaks mais velhos da escola e me subestimava, pois achava que eu era um reles garoto alheio à tudo isso e só me interessava por futebol, portanto, havia da parte dela um desprezo pela via da soberba. 

Ao ouvir as minhas observações entusiasmadas sobre as reportagens ali contidas na revista que nos trouxera, ela perguntou a um freak (que era aquele sujeito que já citei anteriormente e que se parecia com o baixista, Dennis Dunaway da banda do Alice Cooper, e que repetente, estava na sétima série de novo pela terceira vez) 

: -"ele (ao se referir à minha pessoa), entende de som?"

Ao verificar que eu tecera elogios ao Leon Russell, objeto de uma das reportagens ali contidas, o rapaz lhe respondeu

: -"o cara sabe"...

Daí em diante, ganhei o respeito dela e de outros da sua turma e muito intercâmbio bom aconteceu nesse ano e no posterior, 1975, com esses novos amigos que me aceitaram na sua confraria. 

Filósofos, escritores e poetas libertários presentes no painel acima

Foi em 1974 que eu ouvi falar pela primeira vez de alguns filósofos e escritores importantes para a contracultura. Herbert Marcuse, Tim Leary, Aldous Huxley, Allen Ginsberg, Hermann Hesse e Carlos Castañeda. Mas só começaria a conhecê-los de fato, de 1975 para frente.

Acompanhei com muito interesse a eleição para deputados e senadores em 1974. Cheguei a ir com o meu pai para assistirmos a marcha das apurações, ao revivermos algo que fazíamos bastante nos anos sessenta, quando eu fui criança. Lembro-me de termos encontrado o então deputado, Ulisses Guimarães, no Ginásio do Ibirapuera e ele ter se lembrado que me cumprimentara quando eu fui pequeno, certa vez, e que eu agora já estava grande... tirante a obviedade da colocação, fora verdade sobre ter me conhecido em minha tenra infância nos anos sessenta....  

O LP "Tudo Foi Feito Pelo Sol" dos Mutantes. Quando esse disco citado acima saiu, foi um divisor de águas!

Mais ou menos em novembro, começou a ser exibido na Rede Globo, a propaganda do lançamento do novo disco dos Mutantes, que se chamou: "Tudo Foi Feito pelo Sol". Aquela propaganda me enlouquecia. 

Eu já acompanhava os Mutantes, desde os festivais de MPB da TV Record, nos anos sessenta, mas agora me sentia em ebulição para finalmente vê-los ao vivo e ao olhar os cartazes Lambe-Lambe pelas ruas e anúncios em jornais e revistas, a dar conta de que estavam sempre por perto, eu precisava ter esse contato direto com tal vibração. 

Absolutamente arrebatado pelo Rock, não via a hora de sair do meu "restrito mundo", pautado pela observação e audiência à distância, para dar um passo além, ao sentir essa energia ao vivo. E se meus pais haviam me liberado para frequentar estádios de futebol sozinho, ir aos shows de Rock seria certamente o próximo passo.

Mutantes sua sua formação progressiva do LP Tudo Foi Feito Pelo Sol, em um momento hippie/rural

E assim, meu primeiro show de Rock foi em grande estilo. Teatro Bandeirantes, um templo do Rock setentista brasuca, em que muitos shows importantes aconteceram. E nessa noite, toda a magia progressiva dos Mutantes em sua formação pós-Rita Lee e Arnaldo Baptista, com o LP "Tudo Foi Feito pelo Sol". 

Dali em diante, ter contato com esse clima se tornou uma necessidade, mais que um prazer. A atmosfera dos shows começava na porta, antes mesmo de se entrar em um teatro ou arena de esportes/estádio. 

Só por ver aquele contingente formado por freaks e o aroma de patchouly no ar (peculiar entre todos, esmagadoramente), já me dava um prazer incrível, por me sentir ali inserido nessa irmandade aquariana. 

Entrar no recinto e ver o equipamento de uma banda de Rock todo montado, com aquela parafernália setentista, já valia o preço do ingresso. E quando começava o "Concerto de Rock", a magia já estava a funcionar plenamente e neste caso, você/eu e todo mundo éramos uma pessoa só... a voarmos juntos!

As luzes, a performance e mise-en-scène da banda, o visual do cenário, figurinos usados pelos artistas e adereços do cenário, as luzes e... claro, o gelo seco!

Na primeira foto, eis um exemplo de como se produzia a fumaça do gelo seco pelo método mais arcaico e certamente muito mais feliz ao meu ver. Na segunda, show do Queen nos anos setenta, com o efeito do gelo seco em cena

Depois que me tornei músico de fato e fiz centenas de shows de Rock nos anos vindouros, uma das minhas grandes frustrações foi que não tive (tenho) esse privilégio de usar tal recurso. Como efeito similar que se passou a usar nos anos oitenta para frente, surgiu a famigerada máquina de fumaça, a tal de "Smoke Mary" a expelir aquela fumaça fétida e medíocre mediante o uso de um prepardo químico. Cáspite, que saudade que tenho de shows de Rock setentistas sob brumas de verdade e gélidas! Aquilo era magia pura, 100% Tolkien, se é que me entendem!

                          Eu, Luiz Domingues em 1974. Acervo familiar

Apesar da euforia, meus pais ainda não estavam a perceber as transformações pelas quais eu estava a passar e de fato, demorariam a perceber tudo isso. Tratavam a minha euforia apenas como um lazer motivado pela passagem efêmera da juventude. 

Portanto, apesar de todas as lendas urbanas inventadas sobre os perigos oriundos de shows de Rock, esse negócio de Rock e Hippies cabeludos não haveria de me gerar nenhum mal, na percepção deles, e além do mais, confiavam no meu temperamento, que sempre foi "zen", quase como o de um monge trapista, só que neste instante, eu estava cabeludo por convcicção e a acompanhar o The Who apaixonadamente e esse detalhe eles não computaram e convenhamos, nem teriam como entender. 

Agora eu falarei sobre alguns discos e bandas que me impactaram em 1974: 

o LP "Burn", na primeira imagem e o LP "Deep Purple in Rock", no segundo, dois petardos lançados pelo Deep Purple em momentos distintos dos anos setenta

O LP "Stormbringer" foi a última novidade do Deep Purple, na ocasião, mas eu só o compraria em janeiro de 1975, portanto, em 1974, foi o LP "Burn", o anterior, que eu ouvi à exaustão, mas também havia comprado o LP "Deep Purple in Rock", de 1970 e logo na primeira faixa, que começa com uma tremenda "ruideira" homérica, com direito a muitas microfonias devidamente exploradas pela alavanca da guitarra Fender Stratocaster de Ritchie Blackmore, nunca me esqueço da minha avó materna, que ao contrário de todos os outros adultos que me cercavam e que odiavam aquilo, ela me dizia não se incomodar com aquela barulheira fenomenal de introdução e acrescentava que gostava da gargalhada que o Ian Gillan emitia em meio à canção: "Speed King"... que bom, vovó!

Esse foi o primeiro álbum do Jethro Tull que eu adquiri e gosto muito: "Warchild!"

"Warchild" foi o primeiro disco do Jethro Tull que eu comprei. Já conhecia outros graças às "salvadoras" fitas K7, mas essa foi a primeira bolacha de Anderson & Cia que eu trouxe para a casa. Adoro o sabor super Folk que ele tem. Sou fã de todas as faixas, sem exceção. Skating away...esse disco me faz deslizar!

Álbum magistral, "Houses of The Holy" do Led Zeppelin, embalou muitas tardes e noites de 1974 

Os cinco primeiros discos do Led Zeppelin alegraram meus dias de 1974, não tenho dúvida. Ouvia tudo em fitas K7, mas foi "Houses of the Holy" o primeiro vinil que eu comprei dessa banda.

Em "We're an American Band" se iniciou uma fase mais Soul Music do Grand Funk e eu conheço alguns amigos que não gostam, mas eu aprecio muito!

"Nós somos uma banda americana"... de fato, em meio a uma maioria esmagadora formada pelas bandas britânicas, o Grand Funk teve lá os seus motivos para bradar com orgulho sobre a sua nacionalidade, em plenos pulmões. "We're an American Band" foi o meu primeiro disco desse magnífico grupo, mas através das fitas K7, eu já conhecia muitos álbuns anteriores dessa incrível banda, há algum tempo.

Uma coletânea com singles lançados nos anos sessenta em predomínio. Foi o meu primeiro disco comprado do Pink Floyd, em 1974: "Relics", de fato, como está escrito na capa, uma curiosa coleção de peças curiosas e bizarras 

Por incrível que pareça, o primeiro disco oficial que eu comprei do Pink Floyd, foi uma coletânea e não um álbum de estúdio com canções inéditas. Tratou-se de: "Relics", uma coletânea de compactos lançados nos anos sessenta e a conter muitas músicas que não entraram nos discos de estúdio. Adoro esse álbum pela lembrança boa de 1974, e também pelo que hoje considero ter sido um investimento bom, pois entrei em contato com o universo mais psicodélico da banda, com Syd Barrett, ainda em suas fileiras.

                    Foto promocional do Queen durante os anos setenta

Uma colega de minha classe, cuja família era abastada, detinha muito mais acesso às novidades internacionais do que qualquer outro colega, pelo fato da sua família estar sempre a viajar à Europa e Estados Unidos. 

Essa garota colecionava revistas internacionais de Rock, como "Circus" e "Melody Maker", por exemplo, e além disso, sempre trazia fitas K7 a conter discos novos de bandas consagradas ou não para nos mostrar na sala de aula. 

E foi assim, através das fitas K7 que ela nos mostrava, que eu conheci e fiquei entusiasmado por uma banda que segundo ela, estava a deslumbrar a Inglaterra naquele instante, chamada: "Queen". 

Ouvi os dois discos iniciais dessa banda, mediante as fitas dela e passei a acompanhar com muito interesse tal banda, no entanto, eu só pude comprar um disco deles, em 1975, quando o terceiro álbum, "Sheer Heart Attack", saiu no Brasil.   

Em minha opinião, estes são os três melhores discos dessa banda, e acho graça ao constatar que no imaginário da maioria das pessoas, a impressão que mantém sobre o Queen é baseada nos seus discos posteriores e cada um mais perto do Pop comercial que o anterior. O poder da mídia é avassalador mesmo, ao criar paradigmas na formação de opinião...

O mítico álbum triplo ao vivo, "Yessongs", do "Yes", que eu ouvi com emoção em 1974, muitas e muitas vezes

Em 1974 foi o ano em que definitivamente eu passei a adorar a escola do Rock Progressivo. Toda a discografia das bandas clássicas dessa vertente, me foi apresentada via fitas K7, e logo passei a colecionar os seus discos. 

Ouvia alucinadamente o álbum triplo ao vivo do "Yes", chamado: "Yessongs" e aquela complexidade musical ali apresentada, me fascinava, mas foi muito além, pois eu fiquei muito impressionado pelo astral da obra, ao evocar aspectos espiritualistas e transcendentais, fora a atmosfera ufológica e extra-dimensional da obra, tanto pelo teor das letras, quanto pelo aparato visual, como as capas de quase todos os discos dessa banda que foram produzidas pelo genial artista plástico, Roger Dean.

Aliás, sobre Roger Dean, escrevi uma matéria, na qual esmiúço a sua obra e o quanto foi importante para a geração que acompanhou o Rock setentista, sobretudo a vertente do Rock Progressivo. Eis abaixo, o link para ler tal apreciação:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2013/12/roger-dean-e-sua-pintura-intergalatica.html 

Tornei-me fã incondicional do "Genesis", cuja delicadeza dos arranjos certamente remete aos compositores clássicos como Debussy, Liszt e Berlioz, para ficar em alguns poucos. 

Sobre o trio: "Emerson, Lake & Palmer", que demonstrou possuir complexidade e virtuosismo que são evidentes, eu apreciava (aprecio) a capacidade de criação de suas melodias belíssimas. 

Sobre o "King Crimson"eu já falei anteriormente e também de outras bandas pelas quais eu busquei conhecer e apreciar cada vez mais.

"Acquiring the Taste" do super grupo Prog-Rock, "Gentle Giant", se tornou uma peça para se ouvir para o resto da vida e sempre com enorme prazer!

Caso do "Gentle Giant", cuja fita K7, a conter o LP "Acquiring the Taste" (de 1971), com todo aquele experimentalismo, eu adorei de imediato, por mais inusitado que possa parecer, pois a tendência é demorar para se gostar de algo assim tão complexo e inusitado sob o ponto de vista da música mais experimental.

E uma marca registrada dos anos setenta: não havia nenhum sectarismo ! Todos os gêneros e vertentes do Rock, a denotar escolas sob influências díspares entre si, eram amadas, igualmente, sem preconceitos, sem sentimento de ter um valor atribuído e exclusivo ao cosumo da tribo A, B ou C.

             Painel de artistas relevantes nos anos 1960 & 1970

Gostávamos de tudo e tudo era Rock, inclusive diversas matizes da MPB, do Folk em geral, Blues, vertentes do Jazz, dos vários galhos da árvore da Black Music e até da fechada e elitista música erudita, que pelo contrário, aos nossos olhos e ouvidos Rockers, nos soava simpática como a raiz natural de diversos segmentos, seguramente o Rock Progressivo cujas sonoridades e riqueza harmônica foi muito inspirado na estrutura da dita música "clássica". 

E de 1974 em diante, muitas vertentes dos anos sessenta que eu já mantinha familiaridade e até gostava assumidamente, passei a gostar mais ainda. Não era por estar deslumbrado com a adolescência em meio à riqueza dos anos setenta, que ignorasse as tradições sessentistas e muito pelo contrário, comecei a investigar ainda mais o passado então recente do Rock e apreciá-lo cada vez mais.

Cartaz do Laurel Pop Festival de 1969, realizado no Texas, USA

As décadas de 1960 e 1970 são na verdade, irmãs. Não existe divisão, pelo contrário, uma é decorrência direta da outra e não pensávamos, como se convencionou na década de oitenta, que foi marcada por ser uma época fortemente comprometida com o radicalismo (muitíssimo errôneo por sinal), através do conceito de rompimento com o passado, em favor de bandeiras niilistas e desfraldadas pelo movimento Punk. Mas isso só aconteceria depois de 1977, portanto não vou esticar essa análise neste momento, apenas comento en passant.

Cena do promo da música "It's Only Rock'n' Roll" dos Rolling Stones e lançado em 1974

Outro disco que eu gostei (gosto!) muito em 1974, foi "It's Only Rock'n Roll" dos Rolling Stones, que se tornou icônico e eterno em minha vida. O promo da canção homônima, com os Stones a tocarem e serem engolidos por uma enorme inundação formada por bolhas de sabão, é divertido ao extremo.

Capa do LP "E.C. Was Here", do guitarrista britânico, Eric Clapton. Disco ao vivo, tem uma excelência musical impressionante

Nessa altura, Johnny Winter e Robin Trower já eram guitarristas cujas carreiras eu acompanhava com entusiasmo. Claro, Edgar Winter era querido e seguido, também. O LP "E.C. Was Here", do Eric Clapton, que o meu primo, Marco Turci, comprou nesse ano e muitas vezes me fora emprestado, eu gastei a agulha por tanto escutar.

Eis acima uma banda que se tornou uma assumida paixão setentista da minha parte: "Traffic"

"Traffic", "Ufo", "Nazareth"... e mais uma série de outras bandas britânicas pelas quais eu me afeiçoar-me cada vez mais. 

O "Traffic", como disse um amigo meu, muitos anos depois: "é uma caixa de bombons finos"... penso igual, é a pura verdade. 

Sobre o "Humble Pie", tenho saudade de uma história para lá de prosaica, mas que demonstra o quanto era difícil ser um Rocker pobre e terceiro-mundista. Entre 1974 e 1975, eu e um dos meus primos mais velhos, o Marco Turci, nos revezávamos em uma pequena traquinagem de cunho maquiavélico. Pois eis que havia uma pequena loja de discos, bem perto da casa dele, no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Ele comprou muitos discos ali, mas não tantos quanto gostaria, pela fortuna que custavam ("disco é caro", como dizia o Laert Sarrumor).

A capa do excelente álbum, "Thunderbox" do Humble Pie e que eu
e meu primo sonhávamos em adquiri-lo

Então, ele achou o LP "Thunderbox", do Humble Pie na tal loja (que se chamava: "Biboka", e quem frequentou o bairro do Tatuapé nos anos setenta, há de se lembrar dela, localizada na Avenida Celso Garcia, ao lado do antigo Cine São Jorge e bem em frente à padaria Vera Cruz).

E assim, disfarçadamente, ele o colocava bem para trás na gôndola, para não chamar a atenção de outros possíveis compradores. O objetivo foi evitar que fosse vendido, até que ele ou eu, reuníssemos condições para adquiri-lo. 

Vez por outra, para não chamar a atenção, eu é que fazia tal operação, quando ia visitá-lo e juntos íamos à loja. E tal ato de sabotagem casual, durou meses, até que em meados de 1975, para a nossa completa frustração, o disco sumiu, tendo sido vendido, enfim. E é um tremendo disco, devo registrar! 

Lastimavelmente, eu só fui tê-lo presente na minha estante, nos anos noventa e já em formato CD...

Uma coletânea espetacular do grupo Prog-Rock alemão, Nektar, que eu tenho até hoje em minha estante de vinis

E foi em 1974 que comecei a descobrir o "Krautrock", a espetacular escola do Rock alemão, a entrar em minha vida, quando as coletâneas do "Nektar", "Sound Like This", volumes 1 e 2, chegaram em casa, e daí a conhecer outras bandas, foi mera consequência.

Nessa altura, eu já adorava há tempos o cantor, Joe Cocker, havia conhecido a "Maggie Bell" e o seu ótimo grupo, "Stone the Crows", e estava bastante interessado no "BTO" (Bachman Turner Overdrive), quando a investigação natural de suas raízes me levou diretamente ao "Guess Who". 

Do pessoal da vertente "Glitter Rock", além de todos que já citei em capítulos anteriores, aprendi a gostar do "Mott the Hoople", e a falar de Hard-Rock, quando tomei conhecimento da existência do "Bad Company", claro que foi ponte natural para retroceder de imediato ao ao "Free" e me apaixonar.  

O primeiro álbum do Uriah Heep que eu comprei, foi o "Wonderworld", de 1974

Comprei meu primeiro disco do Uriah Heep, em 1974: "Wonderworld", novo em folha, último trabalho da banda na ocasião, mas já adorava a banda, há tempos. 

E o meu primeiro do "Black Sabbath", foi "Volume 4" (de 1972), embora a K7 com "Sabbath Bloody Sabbath", posterior de 1973, tivesse gasto bem a cabeça do gravador, eu devo observar. 

Contracapa do sensacional LP duplo ao vivo, "Live at Fillmore" do "The Allman Brothers Band",uma obra fundamental

Encantei-me pelo som do "The Allman Brothers Band", e daí foi fácil me tornar um fã da escola do "Southern Rock" em geral. Esta escola se trata de uma vertente maravilhosa de bandas genuinamente norte-americanas do sul daquele país, versadas no Blues e na Country-Music como base primordial, mas com pegada Rocker.  

"Faces": uma banda muito apreço ao R'n'B, Blues e Rock'n' Roll

Foi em 1974, também, que eu passei a acompanhar os "Faces", que alguns mal-informados tendiam a confundir com o "Bay City Rollers", sob uma heresia sem tamanho, eu diria. Faces vinha de uma nobre estirpe, o "Small Faces", uma banda maravilhosa dos anos 1960, mas esse Bay City Rollers não passava de um grupo a produzir um pastiche Pop, insípido e assim, tal comparação se mostrara descabida, portanto.

A capa do sensacional álbum: "Diamond Dogs" do David Bowie, a reunir uma magnífica safra de canções incríveis

O LP "Diamond Dogs", do David Bowie, me encantou. Ouvia-o alucinadamente em 1974 e claro, foi por conta de uma alma generosa que emprestou para alguém... que emprestou para alguém...que copiou para o "cunhado do vizinho do amigo do meu primo"... enfim, essa cadeia de solidariedade era incrível e décadas antes das pessoas sonharem com Redes Sociais da Internet. Rebel Rebel!

Capa de um disco piurata do The Who de 1974: "Live at Charlton 1974"

E nesse ano, foi quando me aproximei para valer do "The Who", ao abrir caminho para conhecer a sua discografia e história com muito maior propriedade. Em 1975, essa banda tornar-se-ia icônica na minha vida e para o meu deleite. Estou quase a chegar neste capítulo.

Já a apreciar o Rock nacional com o mesmo entusiasmo, via no programa "Fantástico", da Rede Globo, sempre "promos" produzidos pela própria atração e eram bem feitos para os padrões da época.

Banda icônica brasileira, o Made in Brazil era (é) puro Rock & Blues in natura!

Foram incríveis as participações de artistas nacionais nesse sentido. Ali eu vi os Mutantes, Secos & Molhados, O Terço, Erasmo Carlos sob uma fase super Rocker, Raul Seixas, Made in Brazil etc. 

E continuava a gostar do Tim Maia e vários artistas que vibravam na onda da Black Music brasileira, casos de Cassiano, Dafé e outros. Toni Tornado havia sumido momentaneamente, mas hoje eu sei, ele era ator e defendera o seu lado, é claro, ao participar de novelas e filmes.

O sensacional, Hermeto Pascoal, um músico de uma criatividade absurda

Em 1974, foi o ano em que descobri e passei a acompanhar o som de Hermeto Pascoal. Ele não poderia ser classificado como "Rocker", nem "Jazzista", tampouco alguém a produzir "MPB", mas aí vale o que eu já disse, anteriormente, ou seja, não havia preconceito. Rótulos só serviam para efeito de classificação, para situar um artista, mas jamais determinava que o seu acesso fosse restrito à sua turma, apenas. 

Eu continuava a acompanhar vários artistas da MPB e muitos deles eram super freaks.

Secos & Molhados sempre foi um grupo sensacional, mas foi uma pena que a magia da banda foi minada para destrui-la tão rapidamente

O Fenômeno midiático do Secos & Molhados o tornou ultra popular, ao ponto de lotar o Maracanãzinho e se esvaiu precocemente em 1974. Uma grande pena, pois eu adorava aquela banda, mediante a sonoridade Folk, toda cheia de coloridos musicais e muita poesia. Isso sem contar que o trio vocal que a formava, que era ótimo e a banda de apoio, espetacular. 

Daí em diante, me debrucei mais e mais nessa MPB com um pé no movimento Hippie. 

Então, 1974 foi isso: um ano pelo qual eu dei um mergulho no mar da música e comecei a nadar, ao dar as primeiras braçadas mais firmes. Já com uma série de artistas na ponta da língua e ao acessar informações por todos os meios que podia, creio que o processo se revelara irreversível. 

    Um painel com seis álbuns emblemáticos lançados em 1974

O meu entusiasmo com a música e o Rock em específico, me levou a sonhar com a realização de uma revista, que tranquilamente poderia ter se concretizado como "fanzine", daqueles bem setentistas que corriam em portas de teatros e arenas onde se realizavam shows de Rock, e que invariavelmente se mostravam com impressão mimeografada e com tipologia executada por máquinas datilográficas como fonte. 

Mas não foi o momento, pois eu não tive os meios para colocar em prática tal ideia. Foi só um sonho que esbocei ao elaborar um "boneco" (no jargão do jornalismo e do mundo gráfico em geral, "boneco" é um protótipo de uma publicação, onde se monta um exemplar no formato como piloto, para experimentar a viabilidade da sua formatação como jornal, revista ou livro. Serve também para outras coisas, experiência com capa de disco, por exemplo). 

Claro, no meu caso, se tratou de uma folha de papel sulfite dobrada para dar formato de revista e na qual eu montei o cabeçalho e manchetes, tudo bem simples, apenas escrito a mão com caneta esferográfica. 

Já se mostrou, no entanto, como o meu lado jornalista que nunca se concretizou verdadeiramente, mas a denotar que eu já começava a dar sinais que a música não seria apenas uma distração passageira em minha vida, assim como o seria para quase todo adolescente da minha idade, para ser descartada em uma questão de mais três ou quatro anos, quando começaria a fase de alistamento militar/vestibular e pressões sócio-familiares em torno da entrada no mercado de trabalho tradicional, escolha de profissão etc. 

Ou seja, fechei o ano de 1974, já a borbulhar alguma predisposição diferente na minha imaginação e que não foi ainda a vontade concreta para me envolver diretamente, ao buscar ser músico e fazer parte de uma banda de Rock etc. e tal. 

Mas já se mostrou, outrossim, um sinal de querer desfrutar mais perto dessa energia que me arrebatava cada vez mais.

Emblema de bolso de camisa, obrigatório para o uniforme escolar da minha escola. Este eu usei em 1973 e 1974 

E um fato inusitado, por que eu nunca fui rebelde, me ocorreu no âmbito escolar e tal situação poderia ter atrapalhado o desencadear dos futuros passos a serem dados em minha vida. 

Eu estava mal de notas e não alcancei a aprovação automática para a oitava série. Pela primeira vez na vida, estive ameaçado pela repetência e não fora por rebeldia, como já mencionei, tampouco vadiagem. Portanto, também não fora o apreço ao futebol e muito menos a música que estava a me atrapalhar-me, ao ponto de eu ter me tornado um relapso e assim, não haver cumprido uma boa média ao longo do ano.

A minha (Luiz) carteirinha escolar de 1974, mas com a foto 3/4 de 1970.

Simplesmente, estive mal nas matérias como matemática e desenho, cujo conteúdo pedagógico nesse ano, fora o desempenho com o desenho geométrico (sempre fui péssimo em matérias exatas, meu lado imaginativo é muito mais forte que o racional/lógico), e assim, quando o ano se encerrou, eu fui conduzido para a "segunda época", uma espécie de "repescagem", com aulas suplementares no período de férias e ao final de janeiro do ano seguinte, 1975, haveria uma prova definitiva, como a minha última chance, a famoda: "segunda época". 

Um clima tenso se instaurou em casa. Os meus pais eram bem flexíveis no tocante à tolerância com as minhas falhas, mas por força das circunstâncias, freei um pouco o futebol, os campeonatos de botão e sobretudo a atenção aos discos e leituras sobre música, para estudar e aproveitar a última chance para salvar o ano. 

"Might Just Take Your Life"... "só poderia tirar a sua vida"... Tal título de música soa como um bom aforismo sobre como o Rock me impactou em 1974. Ouça acima a canção do Deep Purple, que certamente eu escutei bastante nesse ano. 

Com esse clima, fechei o ano de 1974, super empolgado com tudo o que estava a absorver no campo cultural, mas com essa pendência escolar desagradável para resolver, logo no início do ano posterior. 

Que viesse 1975: o meio da década, o cabelo a crescer mais, a música a me enlouquecer e que eu concluísse a oitava série!

Continua...  

2 comentários:

  1. Sempre super interessante seus relatos, uma viagem...vc era bonito pacas pelas fotos, imagina com essa voz de locutor? as meninas do colégio caiam em cima com certeza rs...lí e vou reler novamente, gostaria de ter te conhecido, já pensou dois doidões no tempo da escola? legal! :))

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    1. Que legal que curtiu, Kim !! São tantas lembranças que mesmo essas versões de cada ano sendo super resumidas, ficam enormes, na verdade. Essa das meninas, quisera eu, hein ? Nem de longe era o tipo galã, mas agradeço o elogio. Pois é, se fôssemos amigos naquela época, teria sido um barato mesmo pela nossa similaridade de ideias e ideais; Fora o intercâmbio de Lp's e fitas K7 !! Abração !!

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