Sem meios para nos incriminarmos em nada, liberou-nos, mas ainda a proferir ameaças, além de anotar a placa da Brasília preta de Paulo Eugênio, e dizer-nos que seríamos vigiados dali até São Paulo etc.
Tensão? Foi terror mesmo. E no meu caso, eu que usava cabelos compridos desde 1971, me tornava um imã para a intolerância da parte dos conservadores e fãs da arbitrariedade em geral. Entre 1971 e 1974, fora uma cabeleira comedida, pouco abaixo do pescoço em termos de comprimento, mais a seguir a moda que espalhou-se pela sociedade em geral (até o jornalista, Cid Moreira foi "cabeludo", nessa época a ancorar o "Jornal Nacional" da Rede Globo).
No entanto, de 1975 para frente, já com quinze anos de idade, tornei-me
"Hippie" de vez. Em 1978, o baterista, Cido Trindade, havia cortado o seu cabelo de uma forma radical, ao torná-lo bem curto.
Já da parte do Paulo Eugênio e também do Gereba, eles não embarcavam nessa determinação, e mantinham visual tradicional como jovens burgueses, com cabelos
bem aparados, além de usarem roupas de grife etc.
Mais se pareciam com os frequentadores de clubes de discothéque, e no caso do Mu, ele havia recentemente cortado a sua longa cabeleira, também, após mais de dez anos de uso contínuo de cabelos longos ao estilo Rocker sessenta-setentista. O Wilson também seguia essa linha de garotão bem-comportado, com o uso de cabelos curtos e trajes tradicionais.
Eu lembro-me que de todos os Freaks que conhecia no meu bairro, desde 1977, no ano de 1981, eu fui o único ainda a manter-me cabeludo, e por conta dessa insistência de minha parte, ganhei nessa época o apelido incômodo de: "O último dos Moicanos", por não aderir a essa tendência de se romper com os ideais das décadas de 1960 & 1970, ou seja, foi mais um inequívoco sinal dos tempos e isso agravou-se com o avançar da década de oitenta.
Falei sobre isso por que acho
que o fato de só eu ter aparência Rocker ali naquela Blitz policial, pode ter
aliviado um pouco a situação, visto que se todos tivessem aparência de
freaks, os policiais teriam sido ainda mais truculentos.
Como ali em Trindade, é praticamente a divisa entre os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, resolvemos voltar e pararmos em uma cidade qualquer. A primeira parada foi em Paraty, ainda no Estado do Rio. A cidade é uma graça, gostaríamos de termos ficado ali, mas em clima de carnaval e a chover, não haviam vagas em hotéis ou pensões.
Dessa forma, seguimos de volta ao nosso estado, e dessa forma, paramos em Caraguatatuba, onde passamos o restante do domingo. E mais uma vez sem achar acomodações e a chover muito. Foi uma experiência claustrofóbica ao passarmos a madrugada esmagados dentro de uma "Brasília".
E assim, passamos a
segunda-feira, quando finalmente alguém teve a brilhante ideia de
acabarmos com aquela tortura, e voltarmos à São Paulo.
A próxima
apresentação, seria no mesmo bar, Lei Seca, marcada para o dia 23 de
fevereiro de 1980, e nesse show, teríamos surpresas, uma agradável e
outras, curiosas.
E assim, no dia 23 de
fevereiro de 1980, refeitos da frustrante e claustrofóbica viagem ao
litoral, fomos tocar novamente no bar, Lei Seca. Desta vez, um público muito bom compareceu à noite, com cerca de trezentas pessoas para abarrotar as dependências da casa.
Mas houve uma explicação: tratara-se de uma festa fechada.
E a surpresa agradável que tivemos
foi esse bom cachê (além de um público animado).
E as curiosas, ficaram por conta de
duas personalidades improváveis que ali estavam, e que evidentemente
jamais imaginaríamos vermos presentes, ali: o ator global, Mário Gomes, e o
compositor, cantor & violonista, Luis Carlos Sá, da dupla Sá & Guarabyra.
Ao trajar smoking em um bar informal, ele causou espécie também por esse aspecto. Os maldosos rumores que quase destruíram a sua carreira, eram ainda recentes no início de 1980, portanto, a sua presença ali chamara a atenção também por esse aspecto, quando ouviam-se cochichos com piadas maledicentes sobre o episódio ocorrido entre 1977 e 1978, mais ou menos. Alheio a esses comentários fortuitos, ele dançou a noite inteira com a mulher linda que o acompanhava, sob um autêntico tapa de luva de pelica aos seus detratores, certamente.
E quanto ao grande, Luis Carlos Sá, como músico, ele ficou a ver-nos tocar, aplaudiu bastante e cumprimentou o Mu, ao elogiar a sua performance, em particular.
Sim, vivíamos um ótimo momento de expansão naquele começo de 1980, para alavancar datas e mais datas. Mas logo teríamos baques, que mudariam o panorama. E quanto ao Luis Carlos Sá, ele realmente apreciou por um bom tempo a nossa performance. Prática de músico que ouve música de uma forma diferente das pessoas que não se ligam em pormenores, e a seguir, ele foi aproveitar a festa, pois estava lotada a casa, cheia com mulheres bonitas etc.
A próxima parada, foi
em outra casa badalada da época, chamada: "Casablanca", que ficava localizada no
bairro do Campo Belo, na zona sul de São Paulo, bairro vizinho ao Brooklin. Nessa
casa, tocaríamos pela primeira vez com o Terra no Asfalto, mas na
verdade, tocaríamos outras vezes com a segunda formação da banda, que iniciar-se-ia em dezembro de 1980, e teria uma maior longevidade. Um
fato extraordinário aconteceu nessa noite. O que teria tudo para ser um
desastre para o Terra no Asfalto, culminou por transformar-se em uma das mais hilárias
histórias geradas nos bastidores dessa banda.
Tal casa era bem badalada nessa época e costumava lotar as suas dependências com uma frequência predominantemente formada por jovens burgueses da classe média alta em geral. Não era fácil agendar uma data nessa casa, pois era cobiçada entre inúmeras bandas cover da época, mas o Terra no Asfalto conseguiu uma apresentação para o dia 27 de fevereiro de 1980.
Um pouco antes da apresentação começar, Mu, Gereba e Paulo Eugênio foram à rua para consumir uma certa substância, considerada ilícita. Eu e Cido ficamos no bar a esperar, com o equipamento montado e o som passado. Então a situação delineou-se com a casa a lotar e os colegas a demorar para retornar...
Dessa forma, com a casa abarrotada, o gerente começou a incomodar-nos, a exercer pressão para iniciarmos a apresentação, imediatamente. O tom de suas reclamações pôs-se a esquentar, e as suas ameaças foram no sentido de que nunca mais tocaríamos lá etc.
Então, o Cido Trindade
foi procurá-los na rua. Não os achou, e nós não sabíamos mais o que
dizer para o estressado gerente (mas ele teve razão, infelizmente). Assim, com a casa super-lotada, onde mal poder-se-ia andar, eis que aparecem os três, e acompanhados de um policial militar!
Eu e Cido pensamos: -"foram presos, e só vieram avisar-nos para desmontarmos o equipamento"...
Essa foi uma das histórias mais engraçadas do Terra no Asfalto!
Passamos do susto ao relaxamento total, em um piscar de olhos.
Não lembro-me do nome do policial militar. Nunca mais o vimos, apesar dele ter deixado
contato para auxiliar-nos em qualquer situação, incluso ao oferecer-se
para fazer segurança particular, como bico.
A apresentação, apesar desse stress da demora para começar, foi muito boa, e o gerente, após ter acalmado-se, sinalizou-nos que poderíamos agendar mais apresentações. Mas esse contato só seria concretizado a partir da reencarnação do Terra no Asfalto, com nova formação, ao final de 1980.
Isso por que o Mu acabara de aceitar uma oferta irrecusável para a sua carreira, e o Cido Trindade também estava de saída de nossa banda.
No caso do Mu, a Celina Silva, esposa do tecladista Sérgio Henriques, o havia indicado para ser guitarrista & violinista da banda de apoio ao espetáculo teatral e musical: "Calabar", peça de Chico Buarque de Hollanda e que estrearia logo a seguir, em abril de 1980, a contar com a atriz & cantora, Tania Alves, como protagonista.
O Mu não pensou duas vezes, e aceitou a oferta,
visto ser qualificado para o trabalho, e acima de tudo, por ter sido uma grande
oportunidade para a sua carreira.
O cachê fixo dessa temporada, foi excelente, fora a quantidade de contatos e portas que abriria,
ao conhecer tanta gente que habitava o mainstream da música, e meio teatral/TV/cinema.
Logo na estreia, para você ter uma ideia, leitor, o Chico Buarque em pessoa estava a assistir na plateia, além de vários artistas famosos da música, e do teatro.
E quanto ao Cido, que paralelamente ao Tato Fischer, ele estava também desde o segundo semestre de 1979, a tocar na banda de apoio do ex-vocalista dos Novos Baianos, Paulinho Boca de Cantor, e nessa época de 1980, recebeu um convite para continuar nessa banda, agora com o objetivo de acompanhar a cantora emergente, Eliete Negreiros (banda aliás, onde eu me envolvi também e tal história é relatada no seu capítulo dos "Trabalhos Avulsos").
Com essas perdas, o Terra no Asfalto esmoreceu, e passou por momentos difíceis nos meses seguintes.
Mesmo por que, a intenção da banda foi prosseguir, ao providenciar um novo baterista, e com Wilson e Gereba para assumir as duas guitarras. Nessa noite no Victoria Pub, a casa estava com um ótimo público. Haviam pelo menos quatrocentas pessoas a circular pelos seus labirínticos ambientes.
Próspero Albanese, o cantor sensacional do Joelho de Porco nos anos setenta
No palco principal (haviam dois), tocava uma banda cover, que era fixa da casa. Não lembro-me o nome dela, mas recordo-me que o baixista era o famoso, Celso Pixinga, e o vocalista, Próspero Albanese, o extraordinário vocalista do Joelho de Porco nos anos setenta, por ocasião da gravação de seu excelente álbum: "São Paulo, 1554-hoje".
E havia um pianista sensacional. Não faço a menor ideia sobre quem era esse rapaz, mas lembro-me de ver o sujeito tocar com um swing incrível, ao estilo de Dr. John, Leon Russell, etc. Era um freak com um cabelo imenso, armado até a cintura, com bigode parecido de bandido mexicano de filme Western... e o rapaz tocava demais, realmente.
Esse teste aconteceu no dia 29 de fevereiro de 1980, dia extra do ano bissexto, e última apresentação dessa formação. As portas do Victoria Pub ficaram abertas para nós, mas mediante desculpas, o Paulo Eugênio não teve como agendar-nos naquela circunstância, com a banda a entrar em processo de reformulação e aí, infelizmente perdemos tal chance.
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