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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Terra no Asfalto - Capítulo 6 - A Perda do Embalo - Por Luiz Domingues

Ao final de agosto de 1981, o Aru voltou dos Estados Unidos, e com mala & cuia, a trazer toda a sua mobília que havia deixado na América do Norte, onde morava com sua namorada e agora esposa, norte-americana.
Na foto acima, muitos anos depois desse ponto do relato, eu com o meu querido, Fender Jazz Bass, em um show d'A Chave ("sem" Sol), em 1988, no Centro Cultural São Paulo.

Lembro-me do dia em que ele chegou, quando trouxe o meu primeiro baixo com qualidade internacional, o meu Fender Jazz Bass, na bagagem. Essa camaradagem dele em trazer-me esse instrumento, merece minha gratidão eterna. 
 
E foi também quando conhecemos enfim a sua namorada/esposa, a norte-americana, Mary Ellen, que mostrou-se logo de imediato, simpática e muito esforçada para aprender o idioma português o mais rápido possível, e reconheço, para os norte-americanos e britânicos é muito difícil tal aprendizado, pois eles mal conseguem diferenciar a nossa língua do castellaño, normalmente. 

Fizemos alguns ensaios para voltar à nossa velha forma perdida pelo hiato forçado, e a volta foi realizada em uma casa nova, denominada: "Beatles 4 Ever", localizada no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo.
Sem a presença de Sérgio Henriques que estava a excursionar novamente com Elis Regina, o quinteto mais estável da carreira da banda foi para o palco com Aru, Wilson, Paulo Eugênio, Cido Trindade, e eu. Um bom público compareceu nessa casa, com duzentas pessoas aproximadamente, nesse dia 5 de setembro de 1981.
E na semana seguinte, estávamos de volta ao Casablanca, com quatrocentas e cinquenta pessoas presentes na noite de 11 de setembro de 1981, exatos vinte anos antes do atentado às torres gêmeas do World Trade Center de Nova York... quem pensaria nisso naquela noite de 1981, no Casablanca?

Nesse dia, ocorreu uma história inusitada com a namorada de um dos nossos companheiros. Em dado momento em que tocávamos, um garoto impetuoso da plateia a agarrou e deu-lhe, um beijo forçado. Somente eu da banda flagrei isso enquanto tocávamos, ainda bem, pois poderia gerar um tumulto se o namorado dela tivesse visto essa cena aviltante. Como eu notei que ela nada contou ao seu namorado no intervalo, mantive-me discreto nessa questão. 

Dois dias depois (13 de setembro de 1981), voltamos à casa, Beatles 4 Ever, e dessa vez o público presente foi muito fraco, com apenas vinte e cinco pagantes em suas dependências.
Voltamos ao Casablanca, na noite de 18 de setembro de 1981.
Foi um bom público desta feita, com duzentas pessoas presentes, e eu recordo-me que nessa noite, um grupo de garotas norte-americanas esteve ali presente, e a esposa do Aru, Mary Ellen, relutou em abordá-las, talvez por timidez.

Somente ao final da noitada, quando carregávamos o equipamento para a Kombi, foi que ela finalmente criou coragem para abordar as suas compatriotas, que já atravessavam a Avenida Vereador José Diniz, a partir e enfim, conversarem.

No dia seguinte, 19 de setembro, fomos tocar em uma festa fechada no bar "Papete". Essa casa tratava-se na verdade, do ex-Le Café e ex-Barbarô, que mudara de nome pela terceira vez. Não lembro-me contudo, se foi uma festa corporativa. Nos meus registros consta apenas a anotação como: "festa fechada", portanto deve ter sido um aniversário particular de um cliente, pura e simplesmente. Cento e dez pessoas estiveram presentes, e por conta de que era uma casa sob pequenas proporções físicas, estava completamente lotada.

Um incidente do qual nunca eu soube a fonte, criou um clima ruim justamente no momento da nossa saída. Sobre tal episódio eu só lembro-me de estar a ajudar a carregar o equipamento para a Kombi, e constatar que o Paulo Eugênio estava aos gritos com a dona da casa, Paulette, que proferia-lhe vários impropérios, a agir como um homem bem grosseiro, masculinizada que era.

E sobrou-me o respingo de tal discussão, pois ao ver-me na escada, a descer com dificuldade por estar a carregar uma caixa pesada de amplificador, ela fitou-me e com raiva desmesurada, disse-me: -"vocês não merecem nada"... isso ocorreu há trinta e cinco anos atrás (em relação à 2016), e até hoje eu não sei o que realmente ocorreu. 
 
O Paulo Eugênio nunca contou-nos a razão da briga. Só sei que de fato, nunca mais tocamos naquela casa.

No dia seguinte a essa festa (com direito à indisposição com a dona do "Papete"), voltamos ao Bar Beatles 4 Ever. Desta feita, com público fraco, com apenas trinta e cinco pessoas. Foi no dia 20 de setembro de 1981.

Essa volta da banda, após o retorno do Aru Junior, não teve o mesmo bom embalo de antes, e esteve a nos desanimar a todos. O Wilson estava casado, e sua primeira filha estava para nascer, o Aru Junior também estava recém-casado, o Cido Trindade assumira compromisso de morar com a namorada, e eu vivia com dificuldades para ajudar em casa e brigado com o meu pai, enfim, a pressão externa pela necessidade de ganharmos dinheiro, contrastou com a fase da banda com poucas oportunidades na qual enfrentávamos, desde que perdêramos o bom embalo do primeiro semestre.
Fora isso, de minha parte havia uma insatisfação nessa altura, pois a vocação do Terra no Asfalto sempre foi em tocar covers, mas o meu, plano de carreira nunca foi esse. 
 
Se a banda não embalava mediante uma agenda com possibilidade para se ganhar dinheiro, tornou-se frustrante permanecer como componente sem perspectivas para investir em um trabalho autoral, e que não estava a render, financeiramente.

Esse sentimento foi também o do Aru Junior, mas por outro lado, o Cido Trindade estava cada vez mais aéreo, mais preocupado em estudar para adquirir técnica, e Wilson e Paulo Eugênio nem cogitavam tal hipótese, mais interessados mesmo em tocar a criação alheia. 

Sobre esse fator e a fase ruim que atravessávamos sob o ponto de vista financeiro, tal situação tratou por minar as forças da banda nessa época, e assim, condená-la para um final logo a seguir. Mas ainda aconteceram dois fatos novos que trataram por prorrogar esse desfecho definitivo. Já falo sobre tais perspectivas.
Com esse clima decadente, seguiram-se as últimas apresentações. Tocamos no Casablanca em 26 de setembro de 1981, com um público apenas razoável, a se registrar com cem pessoas presentes. No dia seguinte, 27 de setembro de 1981, apenas quarenta pessoas viram-nos tocar no Beatles 4 Ever.

Depois disso, na semana seguinte, voltamos à mesma casa, no dia 2 de outubro de 1981, com o desanimador público de apenas vinte pessoas no ambiente. E finalmente no dia 3 de outubro de 1981, fizemos a última apresentação, nessa mesma casa noturna, com cerca de sessenta pessoas presentes.
Alguns dias depois, fizemos uma reunião, e ficou decidido o final das atividades da banda. O Cido estava envolvido com a cantora, Eliete Negreiros, novamente, e não demonstrou um grande sentimento de perda. 

Wilson estava empenhado em estudar, determinado que estava em tornar-se doravante, um grande guitarrista de Jazz. De fato, ele havia entrado recentemente no "Clam", a escola de música do excelente, "Zimbo Trio", muito famosa em São Paulo, desde a metade dos anos setenta, e só falava em progredir como guitarrista, ao adentrar o mundo do Jazz. 

Paulo Eugênio, por sua vez, queria reformular a banda, como sempre, e tentar prosseguir com a banda ativa pela noite, mas persuadido pelo Aru Junior, e reforçado pela minha opinião, investiu em uma outra direção, conforme eu relatarei a seguir.
Foi o seguinte: o Aru propôs iniciarmos uma experiência para tornar o Terra no Asfalto, uma banda autoral. Eu aceitei na hora tal proposta, é claro, e o Paulo Eugênio também, mas acredito que da parte dele, isso se deu sem nenhuma convicção. Talvez na mente dele, tenha sido uma estratégia para manter o núcleo da banda vivo, e daí ele ter tempo para arquitetar uma volta posterior, mas nos moldes do cover, como de costume. 

E assim, convidou-se o baterista, Luis Bola, que tivera passagem pelo Terra no Asfalto, na metade de 1980, e daí nós iniciamos um período de ensaios a tentar criar um material autoral. 

O Luis Bola tinha como propriedade um pequeno salão vazio, que estava para ser alugado, próximo à sua nova casa, no bairro do Planalto Paulista, zona sul de São Paulo, onde estava a morar há pouco tempo, desde que deixara o sobradinho de Pinheiros. Então, nós montamos o equipamento no salão vazio e passamos a fazer ensaios regulares entre outubro e meados de dezembro de 1981, com a seguinte formação: Paulo Eugênio, Aru Junior, Luis Bola, e eu, no baixo. 

Os ensaios revelaram-se muito improdutivos, pois com pouco traquejo para a música autoral, a banda apesar de ser formada por bons músicos, não continha química alguma. Foi um amontoado de bons músicos, mas sem amálgama nenhuma, infelizmente.
Atribuo esse fracasso artístico à falta de química em uma primeira instância, mas também ao fato de estarmos viciados no esquema da reprodução mecânica dos covers. Lembro-me que nesses quarenta e poucos dias em que insistimos nessa empreitada, ficamos a trabalhar de uma forma infrutífera, entre duas ideias que o Aru Junior trouxe de sua parte. 

Uma delas, nem chegou a ganhar um contorno visível, mas a outra, chegou a ter arranjo, letra quase inteiramente construída e melodia definida. Chamava-se: "Irlandesa" e contava a história de uma garota dessa nacionalidade etc. e tal.
Lembro-me que era uma boa canção, com sutis gotas de Prog-Rock, a mesclar-se ao Pop-Rock. Entretanto, eis que chegou um dia que o Luis Bola tomou a iniciativa, e disse que aquilo não a estava a dar certo, e que estávamos a perder tempo. 

O Paulo Eugênio rapidamente acatou a mesma conclusão, ao demonstrar que estava aliviado com a decisão, e que o negócio dele sempre fora mesmo o mundo dos covers. E o Aru Junior ficou desapontado, mas não teve como lutar contra tal realidade, e assim, no fim, ele mesmo admitiu que não estava a lograr êxito. 

Dessa forma terminou melancolicamente o ano de 1981, com a frustradíssima tentativa de tornar o Terra no Asfalto, uma banda autoral, ou seja, sem clima para tentar prosseguir como banda autoral e tampouco fôlego para se reciclar como banda cover a atuar pela noite. 

Contudo, ainda haveria um último capítulo a ser escrito pelo Terra no Asfalto, no ano de 1982.
Continua...   

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