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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Terra no Asfalto - Capítulo 5 - O Maestro Aru Junior e a Fase mais Estável da Banda - Por Luiz Domingues

Embora os tempos fossem difíceis para reagrupar a banda, eu achava possível uma volta, e sinceramente torcia por isso, pois mesmo que fosse apenas uma banda cover, seria muito mais confortável para eu tocar e ganhar dinheiro, ao menos a tocar músicas que apreciava, a aventurar-me em trabalhos como acompanhar artistas popularescos, expediente que estava por fazer nessa época, com a mesma finalidade monetária (atividades estas, já relatadas no capítulo: "Trabalhos Avulsos). 

Por volta de novembro de 1980, essa volta delineou-se, ao inaugurar então, a melhor e mais segura fase dessa banda. As novidades esquentaram para a volta do Terra no Asfalto, quando o Paulo Eugênio recebeu uma notícia que o animou sobremaneira. 

        O excelente músico, Aru Junior, em foto bem mais atual 

Um guitarrista, vocalista & pianista, com quem ele tocara em 1978, estava por voltar dos Estados Unidos, onde passara anos a estudar violoncelo e teoria musical. Ele chamava-se: Aru Junior, e com essa sólida formação musical acadêmica que possuía, o Terra no Asfalto embalaria com a sua melhor e mais firme formação.
Aru Junior morou nos Estados Unidos entre 1977 e 1980, e em numa rápida volta ao Brasil em 1978, sob férias, tocou nessa banda, em algumas apresentações em casas noturnas de São Paulo. 

E assim, animado com essa perspectiva, e sabedor que a intenção dele seria trabalhar o quanto antes, Paulo Eugênio incumbiu-me da tarefa para sondar o baterista, Cido Trindade. O Cido havia deixado o grupo, Jungô, de uma forma abrupta, em agosto de 1980, ao alegar precisar de um tempo para estudar, pois estava obcecado pelo som Fusion, Free-Jazz, e outras vertentes, onde o mínimo que espera-se para tocar, é que o músico seja um "virtuose". 

Mas apesar de eu ter ficado chateado pela atitude volúvel e intempestiva da parte dele, em deixado esta banda e outras em que estivemos juntos, não custou-me tentar, mesmo por que, ele fora o elemento que deu-me as primeiras chances mais concretas na música, além de ser meu amigo desde 1977, e morava no mesmo bairro. 

Para a minha surpresa, ele aceitou a proposta prontamente, pois a compreensão de sua família em vê-lo a estudar bateria dentro de casa por dez horas ao dia, estava a esgotar-se, não só pelo barulho decorrente a perturbar a paz no Lar, mas pelo fato de não estar a produzir, financeiramente. 

Sendo assim, agora seria apenas escolher o repertório, e preparar as músicas. Com a entrada do Aru Junior, o repertório aumentou em volume. Além das músicas que já tocávamos normalmente, anexou-se muito mais coisas interessantes. Se por um lado deixamos um material ótimo oriundo de artistas como: Jimi Hendrix, Ten Years After, Traffic, Bob Dylan e Elton John, para trás, como material que o Mu gostava de tocar, o Aru, trouxe o som do Grand Funk, Led Zeppelin e várias pérolas do Rock Progressivo britânico, as suas predileções.
Com essa formação, ousamos e passamos a tocar material do Yes, Gentle Giant, Supertramp e Genesis, por incrível que pareça ao se pensar em uma banda cover que tocasse em bares. 

Os ensaios acústicos serviram-nos para preparar músicas, ao anotarmos a harmonia das canções, pois nunca ensaiamos, de fato, eletricamente, ao menos nesse início.
 
E esses encontros ocorriam no apartamento do Aru Junior, localizado no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo, e curiosamente, muito perto de onde eu moro hoje em dia (2016). 

Tenho logo de início, uma história curiosa sobre esses ensaios preliminares ocorridos ao final de 1980. Em um desses dias, eu estava a deslocar-me das Perdizes, onde a maioria dos componentes do Terra no Asfalto moravam, para a Vila Mariana, no uso de um ônibus, acompanhado do Wilson.
Na metade da Av. Paulista, a conversa engrenou sobre a derrocada do Rock Brasileiro, algo visível em 1980, com a extinção da maioria das bandas setentistas. Falávamos em tom de lamento, e na altura da estação Paraíso do Metrô, percebemos que um rapaz que estava sentado no banco da frente, estava a prestar atenção na nossa conversa. Ele não conteve-se e virou-se para interagir na nossa conversa. Não o reconheci em princípio, mas assim que ele se identificou. 
Foi o Pedrinho "Batera", baterista do Som Nosso de Cada Dia no seu auge dos anos setenta! Mundo muito pequeno, e ele ali a ouvir uma conversa que dizia-lhe respeito, diretamente! Falamos que éramos músicos e estávamos a nos dirigirmos para o nosso ensaio, mas em nosso caso, não tratava-se de uma banda autoral, infelizmente. 
Ele não estava em uma situação pessoal, muito boa, pois contou-nos que sobrevivia a tocar em bandas cover pela noite, também. Mas a conversa não teve maior prosseguimento, pois quando ele abordou-nos incisivamente, nós já estávamos na altura da estação Paraíso do Metrô. 

Nós descemos no ponto da Galeria San Remo, ou seja, apenas três pontos adiante. Infelizmente foi só isso mesmo. Despedimo-nos, desejamos-lhe boa sorte, e fomos embora para a residência do Aru Junior. 

Eu só fui ter notícias do Pedrinho, novamente, em 1983. Ele estava nessa fase a atuar em um Power-Trio bem "Hendrixiano", chamado: "Trip". Não lembro-me quem eram os outros músicos, mas lembro de tê-los visto em uma edição do programa de TV, "A Fábrica do Som". 

Algum tempo depois, ainda a falar sobre o futuro em relação a este ponto da narrativa em que abordo fatos do ano de 1980, eu vi um anúncio de shows em danceterias (em 1984), e nada mais a respeito do tal grupo "Trip". Mas eu deduzo que a banda não prosperou, pois realizava um som anacrônico. Fazer Acid Rock sessentista em 1983, foi certamente um caminho aberto para receber uma saraivada de balas da "intelligentsia" reinante à época, com a maldita mentalidade niilista de repúdio ao passado... 
Muitos anos depois, eu fui ver um show "reunion" do Som Nosso de Cada Dia, no Centro Cultural São Paulo (em 1994). E algum tempo depois (1995), ele faleceu, eu soube.
Os primeiros ensaios dessa reestruturação do Terra no Asfalto nos serviram para ouvirmos as músicas escolhidas, mapear e decorar a harmonia das canções, basicamente entre os instrumentistas, além de decorar letras, e fazer ensaios vocais entre os vocalistas. 

Com a entrada do Aru Junior, tudo direcionou-se ao gosto pessoal dele, basicamente, exatamente como houvera sido no tempo do Mu. Passamos a tocar várias do Led Zeppelin, mais Beatles, e várias da carreira solo de cada beatle. 
E também algumas pérolas progressivas, que quando ficaram bem ensaiadas, chamavam muito a atenção nas apresentações da banda. 

Há até uma história engraçada sobre isso, que eu relatarei no momento oportuno da cronologia. O Aru Junior, por ter formação erudita sólida, era minucioso, e tornou-se de forma natural o maestro da banda, ao orientar-nos na parte teórica. O Wilson cresceu demais como guitarrista, quando essa fase com o Aru Junior iniciou-se, ao aprender a harmonizar cada vez melhor, e começou a soltar-se em solos, apesar do Aru ter sido o solista oficial da formação. 
E também investimos em um set list de MPB, muito bom, com canções do Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Novos Baianos, principalmente, no repertório, além de pérolas como "Malacaxeta" do Pepeu Gomes em carreira solo, e "Hino de Duran", do Chico Buarque. Eu gostava demais de tocar, "Malacaxeta", por ser praticamente um Jazz-Rock eletrizante, cheio de partes difíceis para se tocar, mas extremamente prazeroso em sua execução. 

Na hora decisiva dessa banda finalmente sair da teoria e ganhar os palcos, o Cido Trindade anunciou que "repensara", e preferia não participar dessa volta da banda. 

Tudo bem, vida que seguiu, precisávamos de um novo baterista. Ensaiamos bastante a parte de harmonia e para a bateria, eu indiquei um rapaz que conhecera apenas superficialmente, mas o tinha achado um bom músico e com uma personalidade serena. 
O programa do show: "Solitário", do cantor superb, Pituco Freitas, em que atuei na formação da sua banda de apoio e ocasião em que conheci o baterista, Edson "Kiko". Novembro de 1980

O rapaz chamava-se, Edson, mas era apelidado, como: "Kiko". Eu conhecera-o pouco tempo antes, por fazer parte da banda de apoio do vocalista, Pituco Freitas, do Língua de Trapo, quando este fez um show solo no Teatro Objetivo, em 1980 (tal apresentação chamara-se: "Solitário"), e eu estive na sua banda de apoio, nesse espetáculo. 

Apesar de mal nos conhecermos, é bem verdade, ele aceitou entrar no grupo, mesmo com a ressalva de que o Rock (e o Pop), não lhe era um espectro artístico familiar, como o fora para nós. E eu nem sabia disso, enfim, mas com a ausência do Cido Trindade, que mais uma vez nos deixara subitamente, foi a única solução imediata.

Com essa formação, o Terra no Asfalto alcançaria não apenas uma estabilidade, mas também uma linearidade musical. Se por um lado perdemos a explosão Rocker do Mu, e a espontaneidade do Gereba, com o Aru Junior, aparamos arestas e tornamo-nos uma banda toda certinha, quase como se fosse uma orquestra, a seguir partituras e com um maestro no comando.
O lado bom dessa predisposição, foi a tranquilidade. Tocávamos seguros, sem espaço para sustos. E como já disse anteriormente, com essa formação, privilegiou-se a atenção aos vocais.
Paulo Eugênio, Wilson e Aru Junior, esmeraram-se em ensaios vocais e estabelecer belas harmonias em coro, que foram firmadas. No repertório de estilo Soft-Rock, isso fazia a diferença, pois com os três a cantar bem afinados, e empreender uma tríade harmônica, davam um verniz à banda. 

Outra característica dessa nova formação, foi a inclusão de temas progressivos. Com a entrada do Aru Junior, incluímos o material do Yes, Genesis e Gentle Giant no repertório, por incrível que pareça.

Visão do entorno do Estádio do Pacaembu, em São Paulo com as suas elegantes mansões residenciais, uma tônica nesse bairro homônimo ao estádio, na zona oeste da capital paulista

Tiradas essas músicas todas, marcamos alguns ensaios com o novo baterista, Edson "Kiko" na sua residência, localizada no bairro do Pacaembu, zona oeste de São Paulo. Lembro-me que ele morava em um imponente casarão na Rua Bahia, bem próximo do estádio do Pacaembu, região nobre da zona oeste. 

Ensaiávamos em um quarto isolado e bem amplo, em uma edícula da casa. Não havia nenhum tratamento acústico ali, mas a mansão tinha um terreno tão grande, que o som que produzíamos, não causava grandes transtornos à vizinhança. E além do mais, nossa rotina de ensaios estabeleceu-se no período da tarde até o início da noite, no máximo. Portanto, nunca tivemos problemas com os vizinhos. Lembro-me de uma semana intensiva de ensaios, que realmente preparou a banda.

O Paulo Eugênio, em meio aos seus contatos, fechou uma data em um bar que havíamos tocado anteriormente, com uma formação bastante improvisada, naquela fase sob entressafra que a banda viveu (já relatado na narrativa). Nesse momento, havia passado por reforma e mudado de nome, de "Le Café", para: "Barbarô". Marcada a data, sabíamos que seria no dia 12 de dezembro de 1980.
 
E fomos então à apresentação dessa nova formação e fase do Terra no Asfalto. O bar, "Barbarô" havia passado por uma boa reforma e mudado de nome (era Le Café, anteriormente, como eu já mencionei).

No dia da apresentação, a casa lotou. Claro, haviam diversos convidados, amigos e parentes dos membros da banda, mas também um público convidado pelas donas do estabelecimento. Era na verdade um casal de lésbicas, um tipo de relação bem aceita socialmente hoje em dia, mas em 1980, ainda causava uma certa estranheza, e alguns desconfortos para pessoas preconceituosas. 

Por outro lado, há de registrar-se que algumas lésbicas mais ousadas ali presentes, foram à luta, digamos assim, tanto foi assim, que entre os nossos convidados, principalmente as meninas, contaram-nos que passaram por algum desconforto no toillete do bar, sendo assediadas por lésbicas, visto que o bar estava com um contingente grande de mulheres dessas características, por serem amigas das donas. Fora esse ligeiro incômodo para certas convidadas nossas, fomos bem tratados pela dona majoritária da casa, chamada: "Paulette", e por sua namorada. 

E a banda agradou em cheio. Como eu já havia comentado, nessa nova fase, perdemos um pouco a fúria Rocker dos tempos do Fernando "Mu", mas ganhamos em segurança, agora com o Aru Júnior, como "lead guitar".
Capa do então mais recente LP de George Harrison em 1979, sem título específico, chamado apenas como: "George Harrison" e cujo repertório desse disco, nós tocávamos quatro músicas ao vivo, incluso a abertura de nossas apresentações, nessa fase da banda, uma bela canção com sabor Soft-Rock, chamada: "Love Comes to Everyone".
 
A primeira entrada era iniciada com Soft Rock. A primeira música que tocávamos era: "Love Comes to Everyone", do então último LP solo de George Harrison. Uma balada leve e que fazia a banda flutuar, sob um início bem leve, e sem agredir o público dos bares, geralmente formado por casais de namorados (nesse caso do Barbarô, namoradas). A entrada seguia com mais canções do Harrison, McCartney e Lennon em baladas de suas respectivas carreiras solo, e a acrescentar várias do James Taylor e Cat Stevens.
Somente na parte final começava a esquentar com uma sessão de músicas dos Beatles. Os vocais harmônicos e afinados do Paulo Eugênio, Wilson e Aru Junior, caiam muito bem em todas as canções. 

Em "Nowhere Man", dos Beatles, tais interpretações arrancavam suspiros vindos das mesas, geralmente. Na segunda entrada, uma sessão com MPB sob forte poder dançante, caía sempre bem. E na parte final, Rocks mais vigorosos. Era a hora para tocarmos o som do Cream, Led Zeppelin, Grand Funk etc. E ao final, a depender do clima instaurado na casa, imprimíamos mais peso ou não.
E nessa estreia, tivemos um bom público, com cerca de cem pessoas, a nos assistir. No dia seguinte, repetimos a dose no mesmo Barbarô, com mais gente presente: cento e vinte pessoas (12 e 13 de dezembro de 1980). 

E fora uma semana difícil para nós, pois ainda estávamos impactados pela chocante notícia do assassinato brutal de John Lennon, dias antes, e sem dúvida, foi um duro golpe para todos nós.
Como eu já mencionei anteriormente, com a entrada do Aru Junior, passamos a tocar também temas progressivos. No set list inicial dessa fase, tocávamos: "Long Distance Runaround", "Roundabout", e "I've Seen All the Good People", ambas do "Yes", por exemplo. 

Apesar da ausência de teclados nesse momento inicial (o Sérgio Henriques voltaria e sairia da formação da nossa banda, algumas vezes nessa fase também, conforme relatarei logo mais), as músicas soavam muito bem, com instrumental preparado com minúcias, e vocais muito bem afinados.
 
Tocávamos também nessa sessão progressiva: "Playing the Game" e "Betcha Though you Couldn't Do It" do Gentle Giant, e "I Know What I Like", do Genesis. Havia planos para tocarmos: "Horizons" do Genesis, mas eis que essa peça nunca entrou no set list. 

Os temas progressivos eram reparados apenas pelos mais antenados, pois o público básico do Terra no Asfalto, não era formado por Rockers inveterados e conhecedores da matéria, em tese. Mas houve uma vez, que foi engraçada a reação despertada por essa sessão progressiva.
O extraordinário, Gentle Giant, representante da fina flor do Rock Progressivo britânico e setentista

Antecipo-me, ao narrar que algo nesse sentido aconteceria em 1981, em uma apresentação onde contamos com a presença do tecladista, Sérgio Henriques, de volta à banda. Ele, Sérgio, tinha um amigo que fora seu colega de faculdade de música na USP, que também era fã de Rock Progressivo, e que em uma determinada apresentação nossa, em um desses bares em que tocávamos, encontrou-o na rua por acaso, pois ele também iria tocar em outro bar, próximo. 

O Sérgio, ao dizer que tocaríamos canções do Gentle Giant, para esse seu amigo, que também era tecladista, despertou a sua atenção de imediato e assim, este rapaz disse-lhe que queria ver isso a todo custo, pois achou inacreditável alguém tocar Gentle Giant, no ambiente inapropriado da noite e nesse aspecto, ele teve razão em sua estupefação. 

Dessa forma, em um intervalo de sua apresentação no bar vizinho, lembro-me por vê-lo debruçado em uma janela a ver-nos a tocar uma canção do Gentle Giant. Era um sujeito chamado: Nico Rezende, que anos depois ficou famoso como compositor e cantor solo, com músicas bem executadas nas emissoras FM de todo o Brasil.
 
Como nós agradamos as proprietárias do Barbarô, ficou acertado então que faríamos todas as sextas e sábados de dezembro nessa casa. Desta forma, tocamos também nos dias 19 (cento e cinquenta pessoas presentes), 20 (cem pessoas), 26 (sessenta pessoas), e 27 (cinquenta pessoas). 

A cada apresentação, a banda azeitava mais a sua performance, ao alcançar segurança musical, balanço, dinâmica etc. 

Apesar de estarmos animados com a banda a conseguir uma boa regularidade, o baque da semana fora forte antes da estreia, com a perda do John Lennon.
Foi na manhã de terça-feira, 9 de dezembro de 1980, que a notícia explodiu na imprensa: John Lennon estava morto, assassinado por um psicopata em Nova York. Naquela manhã, eu acordara cedo para ir a uma consulta no dentista e enquanto arrumava-me no meu quarto, ouvi ressoar a canção: "Stand by Me", na versão do Lennon, a ecoar pela TV ligada na sala de estar de minha residência. Achei estranho estar a tocar essa canção em um programo feminino vespertino, como a "TV Mulher", da Globo, e já intuí que alguma coisa ruim houvesse acontecido... 
O Paulo Eugênio contou-me que ouviu no Rádio, também ao preparar-se para sair, e que fora apressadamente à porta da pensão onde moravam Wilson e Gereba e os acordou com a buzina do carro. 
Todos sentimos, menos o baterista, Edson "Kiko", que realmente não era um Rocker, como nós. 

Perder o Lennon desse jeito foi algo inacreditável, e deu mais força ainda aos ventos de baixo astral que traziam a chegada dos anos oitenta com todo aquele conceito estúpido sobre a destruição niilista, repúdio ao passado etc. A frase: "O Sonho Acabou", foi repetida na mídia à exaustão naqueles dias, e trazia-nos uma melancolia enorme, uma verdadeira desesperança.
Nós já tocávamos várias músicas da carreira solo dele, Lennon, inclusive do último álbum na época, "Double Fantasy", que mal acabara de ser lançado. Mas a vida prosseguiu, infelizmente, sem o nosso "working class hero", doravante.

Nos shows do dia 19 de dezembro em diante, o tecladista, Sérgio Henriques tocou conosco. Mesmo ao trazer consigo apenas um piano elétrico, sem órgão ou sintetizador para agregar, a sua contribuição enriquecia demais o som do Terra no Asfalto.

Logo que entrou o ano de 1981, a agenda do Terra no Asfalto estava lotada, ainda que o público nas apresentações, fosse diminuto. Tocamos novamente no Barbarô, nos dias 2 e 3 de janeiro de 1981. No dia 2, com apenas dez pessoas presentes, reflexo da ressaca do Reveillon, certamente. E no dia 3, foi pior ainda, com somente duas pessoas como testemunhas. Nessa apresentação do dia 3, tivemos um convidado especial, Geraldo "Gereba", ex-guitarrista do próprio Terra no Asfalto, que tocou um pouco conosco.
O Sérgio Henriques estava prestes a desfalcar-nos, novamente. De férias da banda da Elis Regina, ele recebeu o convite, e foi tocar com Rita Lee & Roberto de Carvalho na turnê do disco: "Lança Perfume". Mas ele voltaria a atuar conosco, várias vezes, nos intervalos da turnê, e antes de voltar a tocar com Elis Regina, na turnê seguinte dela, chamada: "Trem Azul". 

Ainda em janeiro de 1981, surgiu uma oportunidade para reforçarmos o nosso equipamento. Uma banda de bailes, recém dissolvida, estava a liquidar todo o seu equipamento, e nós fomos verificar o que tinha a oferecer. 
Fora uma banda da cidade de Jundiaí, no interior de São Paulo, porém bem perto da capital, cerca de 50 Km de São Paulo. Lembro-me que fomos a bordo de um trem, em uma terça-feira de janeiro, e verificarmos que os seus membros já haviam vendido quase tudo. 

No entanto, fechamos o negócio com o que ainda estava disponível, e assim compramos uma mesa Giannini com 12 canais, três amplificadores Palmer com duas caixas cada, como gabinete, uma potência, duas caixas de PA com falantes para graves e uma câmara de eco italiana, da marca "Binson". 
Com esse equipamento, e somado aos equipamentos próprios de cada um, melhoramos bastante as condições técnicas da nossa banda.
Ainda em janeiro, tocamos pela primeira vez em uma casa chamada 790 (pronunciávamos: "sete, nove, zero"). 

Era uma casa que ficava localizada no bairro do Itaim-Bibi, na zona sul de São Paulo, e com a sua frequência formada predominantemente por casais jovens em suas dependências. Eu já havia tocado nessa casa com o Língua de Trapo, por ocasião do lançamento da fita K7 demo, primeiro registro gravado dessa banda. 

Eu tocaria bastante com o Terra no Asfalto, e faria um show de choque, com A Chave do Sol, logo no começo das atividades dessa banda. E sobre o Terra no Asfalto, a nossa estreia nessa casa deu-se em 16 de janeiro de 1981, com cinquenta pessoas presentes.
Tocamos no dia 16 de janeiro de 1981, e repetimos a dose, no dia 17 de janeiro de 1981. Em ambas as apresentações, movimentamos cerca de cinquenta pessoas à casa, respectivamente. 

O nosso som encaixou-se bem ao tipo de público que ali comparecia regularmente, e o palco era bem mais espaçoso do que o do Barbarô, onde tocáramos com essa nova formação, durante o mês de dezembro de 1980. Voltamos ao "790", nos dias 17 (cinquenta pessoas presentes), 23 (setenta pessoas), 24 (cinquenta pessoas), 30 (sessenta pessoas) e 6 de fevereiro (quarenta pessoas). 
O clima interno da banda foi de animação, e o baterista Edson "Kiko", apesar de não ser um "Rocker", propriamente dito como os demais, esforçava-se para ouvir as músicas e executá-las com a melhor desenvoltura possível. 

Ele era solícito e esforçado, embora não tivesse uma grande técnica. Estávamos com uma sonoridade melhor ao vivo, também, graças ao equipamento recém -adquirido. No entanto, ganhamos uma preocupação extra com tal advento. Com o advento de possuirmos um mini P.A, mesa de mixagem, e seis caixas Palmer, ao estilo Marshall, era impossível transportarmos todo esse equipamento em carros particulares. 
E em tese, nem poderíamos fazer isso, pois naquela época, somente o Paulo Eugênio possuía um carro, no caso, a sua famosa Brasília preta, a sua marca registrada e que marcou a nossa banda, na verdade. 

Eu nem sabia dirigir, e nem sonhava em ter um carro nesse instante. O Wilson, idem. O Aru Junior também estava sem carro no momento, e as vezes aparecia com o carro de seu cunhado emprestado, e o baterista, Edson "Kiko", usava uma moto para o seu transporte pessoal. 

Sendo assim, passamos a ter uma despesa adicional, ao sermos obrigados a alugar uma Kombi, toda vez que fôssemos tocar.
Foi uma temeridade, no entanto, pois na maioria esmagadora das vezes, arriscávamos tocar nas casas noturnas pela bilheteria da noite e dessa forma, corríamos o risco de amargarmos uma apresentação sob movimento fraco, e assim termos que pagar para tocar, literalmente. Mas esse fora o ônus do progresso, afinal de contas! 

Lembro-me de um fato curioso ocorrido nesse mês de janeiro, entre essas apresentações todas que eu citei, e também motivado pela recém-aquisição desse equipamento. O fato foi que nós conhecemos um sujeito que era irmão de um amigo do Paulo Eugênio, chamado Pérsio, e este muitas vezes alugara equipamento para tocarmos. O tal irmão dele dizia-se técnico de eletrônica, e que realizava manutenção de equipamentos em geral.
Então, esse sujeito que chamava-se, Plínio, propôs-nos desmontar todo o nosso equipamento recém-adquirido, e estabelecer um grande "check up", para trocar possíveis peças estragadas, e promover uma limpeza, enfim. 

Dissemos-lhe que não tínhamos condições de pagar-lhe por esse serviço, e que aguardasse então uma oportunidade melhor, oriunda dos nossos bolsos, mas ele insistiu muito nessa determinação em ajudar-nos, e que faria tudo de graça, pelo prazer de auxiliar, e se liberássemos a sua entrada eventualmente em uma apresentação nossa, nos bares em que tocávamos, como uma mera cortesia. 
O sujeito insistiu tanto, que realmente nós acreditamos no seu espírito altruísta e finalmente concordamos em deixar que ele ajudasse-nos, com essa manutenção.
De fato, tal como um carro usado que se compra e rapidamente encostamos no nosso mecânico de confiança para promover um check-up, realmente poderia ser uma ajuda providencial. Sendo assim, o elemento colocou a mão na massa. 

Em dois dias, ele desmontou tudo, checou todos os componentes eletrônicos, as válvulas dos amplificadores, limpou e lubrificou tudo etc. Porém, ao esquecer-se do que havia dito-nos anteriormente, quando apertou o último parafuso, a montar a última peça, eis que ele apresentou uma conta, e que teve um valor cobrado, absurdo! 

E aí, rapidamente o clima amistoso transformou-se em uma discussão acirrada, com o tom a esquentar bastante, e assim, mediante a inevitável troca de insultos, chegou-se no limite bem desagradável. Como resolução, o rapaz compareceu em uma dessas nossas apresentações subsequentes, e teve a sua entrada liberada conforme o combinado e na hora da saída, ele esboçou debitar a enorme conta de consumação que fizera, sob a nossa responsabilidade.

Com a nossa recusa em assumir, visto que o combinado fora apenas liberar o ingresso, o sujeito preencheu inteiramente a sua "comanda" só para tentar prejudicar-nos. Evidentemente, ao lotar a comanda com marcações, ficou muito bêbado, e deu um vexame na hora da saída, ao recusar-se a pagar, e claro que o gerente da casa não quis nem saber. Lógico que ele teve de pagar, e saiu de lá a amaldiçoar-nos! 

Resumo da história: o combinado não é caro, mas descumprir o acordo, fica muito oneroso...
Tudo ia bem com a banda, com apresentações seguras, datas novas sendo fechadas, e o clima bom, no ambiente interno. Com a aquisição recente de mais equipamentos, o nosso áudio também melhorou muito, e claro, isso nos animou. 
Entretanto, uma fatalidade imprevista acarretou um enorme susto, e posteriormente houve uma situação delicada, cujo desfecho foi desagradável e embora injustamente imputado somente à minha pessoa, pois no cômputo geral fora culpa coletiva, eu saí bastante chamuscado dessa história.

Foi o seguinte: na preparação para a apresentação do dia 13 de fevereiro de 1981, quando estávamos a nos imbuirmos para carregar a Kombi que alugávamos, para transportar nosso equipamento, soubemos que o nosso baterista, Edson "Kiko" sofrera um acidente de moto. 
Por sorte, apesar da violência da colisão, ele sofreu apenas escoriações leves e como algo mais grave, teve uma luxação no pé, no entanto, poderia ter sido muito pior pelo impacto, e no caso da sua moto, esta também não estragou muito, ainda bem. 

Contudo, ele ficara obviamente impedido de tocar naquela noite, e talvez por mais algumas apresentações. Ficamos no impulso de cancelar prontamente a apresentação, mas ele mesmo insistiu conosco para que procurássemos um substituto emergencial, e se alguém aceitasse, que fôssemos tocar, pois poderíamos perder a vaga no Bar 790. Então, o Paulo Eugênio pensou em três nomes imediatos: Edmundo, Luis Bola e Cido Trindade.
O Edmundo Gusso era um velho amigo dele, e de fato, acompanhou o nascimento do Terra no Asfalto, pois a sua casa fora o próprio berço desse nascimento, entretanto, pesara contra, o fato dele estar inativo, sem tocar há muito tempo. 

O Luis Bola nem foi mais citado, pois assim como o Cido Trindade, havia externado recentemente o seu desinteresse para fazer parte da formação, quando a banda voltou ao final de 1980. 

O Cido Trindade era para ter sido o baterista oficial desde o começo, por ser da formação original, reconhecidamente preparado para assumir as baquetas do "Terra no Asfalto", mas pesara contra, o fato de ter deixado-nos sem perspectivas e recentemente, quando da reformulação da banda. Por que ele aceitaria agora? Porém, o Paulo Eugênio ligou, e ele aceitou! E mais do que isso, foi com a sua bateria imediatamente encontrar-nos no bar 790. Mesmo sem ensaiar, ele conhecia 99% do repertório e mesmo sujeito a erros pontuais, não daria vexame, de jeito nenhum.
E assim, o Cido Trindade apareceu, montou sua bateria e sem passar o som, tocamos todo o nosso repertório, sem problemas. 
Com pequenos erros, quase irrelevantes, o Cido fez uma ótima participação. Ao ir além, ficou nítido para todos, que ele havia proporcionado à banda, um enorme crescimento. Todos entreolhavam-se enquanto tocavam e riam, ao verificar o quanto o som da banda havia crescido, com ele a comandar a nossa sessão rítmica. 

Foi também, por outro lado, uma infâmia tal euforia gerada, pois o Cido estava ali interinamente como substituto sob uma circunstância terrível, já que o nosso baterista, Edson "Kiko" estava a convalescer, vítima de um acidente. E fora algo absolutamente recente, com o Kiko ainda a sentir as dores decorrentes do seu acidente com a motocicleta. 
Já no intervalo, o guitarrista, Aru Júnior, observou para todos, que a despeito da situação do Edson Kiko, não poderíamos ignorar o fato de que o Cido Trindade mostrara-se muito mais técnico e encaixara-se perfeitamente à banda, mesmo sem ensaios. "Imagine ao ensaiar", dizia-me entusiasmado, o Aru Júnior. 

Ele fora o único membro dessa formação que não conhecia o potencial do Cido. Os demais, Paulo Eugênio e Wilson, estavam acostumados, por vivenciarem tantas apresentações do Cido conosco, em formações anteriores do Terra no Asfalto.

Criou-se assim uma pressão terrível, a partir desse mesmo dia, para se efetivar o Cido na banda e isso foi uma atitude muito desagradável em todos os sentidos, pelos aspectos éticos e morais. 
Tecnicamente, era óbvio que o Cido tinha mais condições, fora a bagagem pessoal no tocante à sua formação Rocker, fator que o Edson não tinha. E o mais óbvio aspecto: era nosso amigo de longa data. 

Durante algumas apresentações posteriores, com ele a atuar interinamente, esse impasse pôs-se a crescer, enquanto o Kiko recuperava-se, e neste caso, logicamente a aspirar voltar a ocupar o seu posto, naturalmente. 

Íamos visitá-lo em sua residência, e esse clima desagradável entre nós, só crescera. Todos estavam fechados na ideia de efetivar o Cido, mas eu sentia-me muito mal com essa situação, principalmente pelo fato de eu ter sido responsável pela sua indicação à banda (ao referir-me ao Kiko), fora a questão dele ter ausentado-se graças a um acidente. Não que os outros não fossem sensíveis à essa situação, mas...
Claro, não estou a afirmar isso, mas, digamos que eles pensaram mais friamente no melhor para a banda, sem deixarem-se levar pelo sentimentalismo daquela situação.
Não lembro-me ao certo a data em que tivemos que conversar com o Edson Kiko, mas esse dia chegou, e na reunião fatídica, realizada em sua casa, a bomba estourou nas minhas mãos, lamentavelmente.
Sob um clima constrangedor, fui eu o designado a falar, e senti-me terrivelmente mal por encará-lo e dizer-lhe que chegáramos à conclusão de que o melhor para a banda seria manter o substituto, Cido Trindade, no posto, a despeito dele, Kiko, ter recuperado-se.

Aquele silêncio tétrico enquanto eu falava a gaguejar, foi horrível. O Kiko ficou bravo. Teve toda a razão por sentir-se traído, humilhado, desprestigiado etc. Fora o fato de que mesmo por não ser um simpatizante dos nossos ideais na música, teve toda a força de vontade para adequar-se à banda e ao repertório, emprestara a sua casa para ensaios, ajudou financeiramente na aquisição de equipamento, em uma compra recente, e acidentara-se, lamentavelmente. 

Alguns minutos depois, menos exaltado, ele disse que tudo bem, sobreviveria e desejava-nos boa sorte, ao ponderar que realmente não era um Rocker, e que pretendia tocar a música que gostava, na linha da MPB, música instrumental, música étnica etc.
E o pior, foi quando ao dirigir-se especificamente à minha pessoa, disse estar muito desapontado comigo. Aquilo cortou-me o coração internamente, pois justamente eu, fora o que mais relutara com essa atitude, justamente por considerar uma questão antiética e abominável. Mas na percepção dele, eu fui diretamente culpado pois ele deve ter achado que pelo fato de eu ter tomado a palavra, como porta voz do anúncio, fora o mentor da ideia. Conclusão: assumo a minha parcela de culpa nessa história, pela falta de empenho em ter brigado mais pela causa do Kiko, quando surgiu esse movimento interno na banda.
Essa foi uma mácula que eu criei na minha carreira, e humano que sou, estou sujeito a erros como todo mundo. Pedi desculpas a ele na hora, mas foi algo praticamente imperdoável, convenhamos.

Três ou quatro anos depois, eu já estava a atuar com A Chave do Sol e a fazer um alarde na mídia, e soube de uma notícia dele, Edson Kiko. Ele estava a tocar em um projeto de música étnica, algo relacionado com música africana. Acho que essa fora mesmo a sua predileção, por gostar de "World Music". Espero que esteja bem, e se souber deste relato meu, aproveito e registro mais uma vez, o meu sincero pedido de desculpa.
 
A vida continuou... depois desse deslize ético. Se por um lado, falhamos feio, na parte pratica da música, a banda obviamente cresceu com a presença de Cido Trindade, bem mais técnico que o Edson Kiko.

E devo relatar que o Terra no asfalto entrou aí na sua fase mais firme, com sucesso, remuneração, e só não teve uma continuidade ainda maior, por um fator extraordinário ocorrido no meio do ano, que quebrou o embalo da banda, infelizmente. 
Eis acima, uma raríssima foto do Terra no Asfalto a atuar no 790 Bar do Itaim-Bibi na zona sul de São Paulo, em dia não determinado de março de 1981. No primeiro plano, o nosso baterista, Cido Trindade. Perfilados ao fundo, Eu (Luiz Domingues) a usar um chapéu branco, com Wilson Canalonga Junior ao meu lado e Aru Junior ao fundo. Na frente a cantar, o vocalista Paulo Eugênio Lima. Acervo e cortesia: Cido Trindade. Click: Desconhecido
 
De volta a focar na cronologia, tocamos nos dias 14 (oitenta pessoas presentes), 20 (cinquenta), 26 de fevereiro de 1981(sessenta) e 6 de março de 1981 (quarenta), no 790 Bar.
Na apresentação do dia 26 de fevereiro, o tecladista, Sérgio Henriques apareceu e tocou conosco, mediante uma folga que tivera da turnê da Rita Lee, em que fazia parte. E com o seu piano sempre bem-vindo, fizemos um teste em uma nova casa, chamada: "Bang-Bang", perante um público de apenas vinte pessoas, no dia 11 de março de 1981.
Usamos o equipamento da banda que tocava naquela noite, chamada: "Flashback", formada por "coroas" (hilário afirmar isso, pois, o que eu sou hoje em dia?), e com um repertório bem na linha do Soft e Pop-Rock 1960 & 1970.

Assistir a apresentação deles era como ligar uma velha "jukebox", pelo seu repertório executado. Tocavam bem, mas pecavam pelo excesso de docilidade. Todavia, a intenção deles era essa mesma, sem espaço para sons mais pesados. Tivemos outra volta ao "790", em 13 de março de 1981, desta feita com duzentas pessoas no recinto, e foi um público bem animado.

Então fomos novamente ao Bang-Bang, desta vez como atração contratada. Sessenta e três pagantes viram-nos na noite de 19 de março de 1981. Esse Bang-Bang ficava situado na Alameda Lorena, no bairro de Cerqueira César (perto da avenida Paulista), no quarteirão entre o Barbarô, e o Victoria Pub.

Detinha uma decoração inspirada em um "saloon" de velho oeste norte-americano, que era bem interessante, mas o palco era minúsculo. Tivemos que fazer uma ginástica contorcionista para tocarmos lá. 

E no dia 22 de março de 1981, fizemos um teste no Café Teatro Deixa Falar. Esse lugar fora outrora emblemático, por ter sido na década de setenta, o saudoso: "Be Bop A Lula", uma casa de shows concorrida, e que abrigou shows dos maiores nomes do Rock Brasileiro naquela década, e que mantivera um glamour muito grande.
Em tempo: esta filipeta acima é de outra data, posterior, à que eu mencionei no último parágrafo.
Confesso que sempre foi um sonho pessoal meu, tocar naquele lugar, pois entre 1975 e 1976, eu passei na sua porta, quase diariamente por ser próximo, relativamente, da escola onde eu estudava, e assim, delirava ao ver os cartazes a anunciar as atrações da semana! "Som Nosso de Cada Dia", "Joelho de Porco", "Veludo", Alceu Valença, "Sindicato", "Made in Brazil", e tantos outros que ali apresentaram-se. 

Não vou estender muito a descrição sobre como estava naquele momento de 1981, "Café Teatro Deixa Falar", pois eu já fiz tal descrição com bastante detalhamento nos capítulos iniciais da minha história com A Chave do Sol, pois o berço dessa banda foi essa casa, e graças à sua proprietária, Dona Sabine, a virtual sogra do guitarrista, Rubens Gióia. Por ora, digo que fizemos esse teste preliminar para um público a contar com apenas sete pessoas a assistir-nos.
Foi em um domingo, é bem verdade. Mas o fato é que, muito diferente das glórias do passado do "Be Bop A Lula", o Deixa Falar não passava de um arremedo, agora. A despeito da decoração muito interessante (leia sobre tais pormenores no primeiro capítulo sobre a minha história com A Chave do Sol), não detinha um público habitue, o aspecto era decadente, pouco asseado, e os serviços oferecidos com comidas e bebidas deixavam muito a desejar.

O palco ainda era bom, pois mantivera a estrutura antiga do Café Teatro e haviam ainda vários spots de iluminação a funcionar, mas a casa não continha mais um PA decente, portanto, cada banda tinha que providenciar absolutamente tudo. Tínhamos sorte por termos um equipamento básico, no entanto, transportar e montar tudo para tocar para sete pessoas...
Fizemos uma apresentação digna, correta, apesar das sete testemunhas. E acredite, caro leitor, essas sete pessoas não estavam nem um pouco interessadas na nossa performance.
 
A seguir, no dia 26 de março de 1981, tocamos novamente no bar Bang-Bang. Desta vez com vinte pessoas presentes na casa. Um público diminuto, todavia, mais animado que os desinteressados do Deixa Falar. E no dia seguinte, tivemos uma outra incursão ao Deixa Falar, desta feita com vinte pessoas na audiência, o que foi até bom ao considerar-se ser um dia útil. Foi no dia 27 de março de 1981, com boa performance, novamente.

No dia seguinte, tivemos uma oportunidade muito melhor: após um longo hiato, fomos convidados a tocar no Casablanca, um bar que era bem concorrido nessa época, e onde o Terra no Asfalto havia tocado um ano antes, com a formação que contava com o guitarrista, Fernando Mu. Aliás, casa onde vivemos uma história bizarra a envolver policiais e da qual já eu relatei, capítulos atrás. 

Desta feita, foi uma apresentação perfeita, com a casa inteiramente abarrotada! Nas minhas anotações, está marcado o público exato com trezentos e sete pagantes. E dali em diante, a banda ganharia uma fase de estabilidade muito boa.

Logo no início de abril, tornamo-nos um sexteto novamente, com o tecladista, Sérgio Henriques de volta ao Terra no Asfalto, no hiato entre a turnê da Rita Lee que terminara, e os ensaios da nova turnê da Elis Regina, que iniciar-se-ia.
Com esse reforço, a banda ficou ainda mais rica. Passamos a incorporar novas músicas, a explorar a possibilidade dos teclados.
Músicas dos Beatles com teclados, o som de Stevie Wonder, mais temas progressivos do Yes etc.

E o primeiro show dessa nova fase com a volta de Sérgio Henriques, foi no dia 2 de abril de 1981, no Bang-Bang, mas infelizmente, com um pequeno público presente, com apenas nove pessoas, a nos assistir. No dia seguinte, uma nova apresentação no Deixa Falar, com somente cinco testemunhas. Mas nessa altura, nós encarávamos o Deixa Falar como uma oportunidade para um ensaio aberto. A semana foi salva, no entanto, com uma apresentação no Casablanca, onde duzentos pagantes compareceram.
          Filipeta de um show posterior ao que mencionei acima
A emblemática estátua do bandeirante, "Borba Gato", um ícone na divisa de bairros entre Brooklin, Alto da Boa Vista e Chácara Santo Antonio, na zona sul de São Paulo. O Bar "Roda D'Água" ficava bem perto dessa estátua
 
Seguiu-se mais uma apresentação no Casablanca, com a média normal em torno de duzentas pessoas presentes. E logo a seguir, uma casa nova apareceu-nos, chamada: "Roda D'água". Foi em um domingo essa apresentação em tal estabelecimento, com cachê fechado, pois tratou-se de uma festa particular.
A casa continha uma decoração rústica, porém muito charmosa, a lembrar-nos uma casa de fazenda colonial. O que remetera ao Rock ali dentro, foi um poster gigante dos Beatles, do tamanho da parede inteira, mediante a foto do "Fab Four", com os quatro componentes sentados em cadeiras de cabeleireiros, sendo penteados por quatro garotas.

A namorada do Aru Júnior à época, contou-nos uma história engraçada ocorrida com ela própria, nos bastidores de um show da cantora Zizi Possi, na noite anterior, enquanto arrumávamos o equipamento no palco, vivenciada na mesma noite em que tocáramos no Casablanca. 

Foi uma apresentação boa, com o dono da casa a sinalizar que contratar-nos-ia em outras ocasiões. Cerca de cento e cinquenta pessoas estiveram presentes na referida festa, para dançar e cantar ao som do Terra no Asfalto. 

Ainda com Sérgio Henriques na formação da banda, tocamos no Casablanca novamente, no dia 24 de abril, mas desta feita, com um reduzido público com apenas vinte pessoas. Foi em uma quinta feira, talvez tenha sido essa a explicação...
Nessa época, abril de 1981, passamos por uma fase com mais ensaios, ao visar acrescentar novas músicas ao repertório. E a oportunidade surgiu quando o nosso baterista, Cido Trindade, disponibilizou-nos sua residência, localizada no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, para ensaiarmos inicialmente às terças e quartas.

Com tempo para trabalhar, melhoramos e aumentamos o repertório, por torná-lo enorme, ao ponto de termos músicas extras para qualquer eventualidade. E um fato bizarro ocorreu nessa época, durante tais ensaios.
Em um certo dia, percebemos que um rapaz passava de um lado e outro da calçada, a olhar-nos a tocar na sala da casa, improvisada como estúdio. Como ensaiávamos com as janelas abertas e despreocupados com qualquer tentativa para coibir o ruído, já que os vizinhos suportavam-no sem reclamar, deixávamos tudo aberto para ventilar bem. Um dia, após passar um bom tempo a observar-nos, esse rapaz criou coragem e tocou a campainha.

Não recordo-me de seu nome, mas sei que ele apresentou-se ao dizer ser compositor e que por observar-nos por dias, animou-se a abordar-nos, e pedir-nos que o ajudássemos, para gravar duas músicas de sua autoria, que visava inscrevê-las em um festival de MPB.
Infelizmente, as canções do rapaz eram muito fracas, com harmonia e melodias pobres, letras popularescas com alto teor romântico, leia-se piegas.

Bem, aceitamos ajudá-lo, e aí o Sérgio Henriques e o Aru Júnior fizeram um arranjo praticamente ao estilo do "Prog Rock" nas músicas do rapaz! Claro que o sujeito não entendeu nada, mas o fato é que gravamos as duas canções, com belo arranjos para ambas, que quase mascarou a sua fragilidade. E de fato, com duas guitarras, baixo, bateria e teclados, ficaram ambas, quase irreconhecíveis. 

E foi além essa história, pois em uma apresentação nossa (infelizmente, não lembro-me em qual, especificamente), ele apareceu e nós tocamos as suas duas canções ao vivo, com a sua interpretação vocal, naturalmente. Nunca mais tive notícias dele, apesar dele morar perto da minha casa e do Cido Trindade, na ocasião. Nem ao menos sei se as músicas por nós gravadas, foram classificadas no tal festival e aliás, adoraria ouvir tais gravações nos dias atuais.
Seguiu-se mais um show no Bar Casablanca em 24 de abril de 1981 (vinte pessoas presentes), e depois disso (25 de abril de 1981), fomos tocar em uma nova casa em nossa escalada, chamada: "Taverna Boêmia", no coração da Rua 13 de Maio, no tradicional bairro do Bixiga, de São Paulo. 

Esse bar continha uma característica engraçada. O fato, era que o palco ficava colocado sob um mezanino altíssimo, e assim, na parte de baixo, era quase obrigatório o espectador ficar com o pescoço muito levantado para poder mirar a banda, e a depender do ponto onde a pessoa estivesse, simplesmente não conseguia enxergar o baterista. E mais um outro fator bizarro: não havia proteção alguma para os músicos, e o perigo insinuava-se evidente naquele precipício.
A única margem de segurança ali presente fora um arame esticado na extensão do comprimento do palco, e que segundo o dono, servia como uma lembrança "psicológica" do perigo, tão somente, pois em um eventual acidente, não conteria uma pessoa de forma alguma. 

Apesar de tocarmos com cuidado, éramos seis músicos, mais os nossos enormes amplificadores Palmer, bateria, e um piano elétrico Würlitzer ali em cima, a quase três metros de altura do solo!

Isso ocorreu no dia 25 de abril de 1981, e esse esforço para colocar e retirar todo o equipamento dessa altura, foi compensado com uma bilheteria robusta, oriunda da presença de trezentos e cinquenta pagantes, nessa noite. E no dia seguinte (26 de abril de 1981), tivemos mais uma boa apresentação no "Roda D'água", do bairro do Brooklin, apesar do pequeno público com apenas quinze pessoas presentes, em um domingo nublado, e já com o frio proeminente de outono, a projetar-se.
O próximo passo para o Terra no Asfalto, foi tocar novamente no Casablanca. Desta feita, foi uma festa organizada, que visou angariar fundos para uma campanha de solidariedade, denominada: "S.O.S. Mulher". 

Por conta disso, seiscentas e três pessoas espremeram-se nas dependências da casa, e dançaram a noite inteira. Isso ocorreu em 8 de maio de 1981. Foi uma das nossas melhores apresentações, e inaugurou uma fase marcada por participações em festas fechadas, bom sinal de que a nossa banda deixava boa impressão por onde tocava e assim recebia convites dessa natureza.

No dia seguinte, e também no posterior, voltamos ao Roda D'Água, com cento e cinquenta pagantes no dia 9, em contraste com apenas doze, no dia 10 de maio de 1981, um domingo. 
Nessa fase, estávamos muito seguros, com bastante desenvoltura e praticamente a tocar no exercício do dito, metaforicamente: "piloto automático", a denotar termos muita segurança. Não fazíamos música autoral, mas chegamos a ter reações parecidas com artistas autorais, que saem em turnês, pois sabíamos de antemão as reações do público, aonde quer que tocássemos. Portanto, haviam os momentos de pico de euforia, momentos mais calmos onde os namorados agarravam-se mais, hora fazer com que se envolvessem com a música e bater palmas... enfim, foi como se fôssemos uma banda autoral nesse aspecto.
O mês de maio estava bom de agenda, e logo a seguir, tocamos nos dias 16, 22, 27 e 30 desse mês, sempre no Casablanca. Estávamos praticamente fixos naquela casa, e o nosso repertório agradava em cheio o público habitue, formado por adultos jovens, e das classes sociais, A e B. 

Era de fato uma plateia formada por mulheres jovens e bonitas, e consequentemente a atrair os garotões paqueradores. Alheio a esses dados sociais, gostávamos do bom cachê que pagavam-nos ao final das noites cheias e lamentávamos os dias fracos, naquela rotina tradicional do músico da noite, sempre sujeito à gangorra financeira intensa. No dia 16, tivemos um público com sessenta pessoas. Em 22 de maio, foram oitenta. Já no dia 27, foi uma outra festa fechada em que animamos os seus participantes. Tocamos para um público formado por médicos e enfermeiras da Santa Casa, um tradicional e antigo hospital de São Paulo.
E como era costume em festas fechadas, mediante um bom cachê fixo e bastante gente animada. Estiveram presentes cerca de quinhentas pessoas daquele hospital, claro, a contar com esposas, maridos, namorados etc. Mesmo assim, o hospital não ficou sem atendimento naquela noite.

E finalmente no dia 30 de maio de 1981, nós tocamos para cento e cinquenta pessoas sob uma noite normal, sem festas corporativas. Entretanto, a nossa boa fase receberia um golpe fatal, pois ao final de maio, tivemos uma notícia inesperada que quebraria tal sequência: o guitarrista, Aru Júnior, teria que ausentar-se por um tempo, para tratar de alguns assuntos pessoais, pendentes nos Estados Unidos.
Logicamente o embalo seria quebrado, mas não houve outro jeito a não ser resignar-se, e tentar suportar esse período (que alongou-se por cerca de três meses). 

E tivemos uma outra baixa e que estava também anunciada anteriormente, com o tecladista, Sérgio Henriques, a relatar-nos que entraria em um período de ensaios, para atuar na nova turnê da Elis Regina (LP "Trem Azul"). Portanto, o hiato que faríamos serviu também para pensarmos em uma reestruturação a partir da volta dele (Aru), da América do Norte.

Essa fase do hiato do Terra no Asfalto, eu já contei no capítulo dos "Trabalhos Avulsos", pois nesse período, formei com Cido Trindade, o guitarrista, Pitico Freitas, e a vocalista & flautista, Vilma, um quarteto ao estilo da MPB, em caráter emergencial, para tocar na noite e ganhar dinheiro ("Quarteto Toulon"). Para quem ainda não leu, convido a fazê-lo, pois há histórias engraçadas, incluso a do dia em que fomos assistir juntos o show da Elis Regina, a convite do Sérgio Henriques. Antes do Aru viajar, ainda fizemos, contudo, algumas apresentações.

E assim chegamos aos últimos shows antes das férias forçadas da banda. O próximo foi no Roda D'Água, no dia 5 de junho de 1981, com oitenta pessoas presentes. No dia 6, tocamos no Casablanca para quarenta pessoas. Na semana seguinte, mais dois dias no Casablanca, 12 e 13 de junho, com trinta e quarenta pessoas. 

Sinceramente eu não saberia dizer o por que de um contingente de público tão fraco em uma casa que costumava lotar. Após tantos anos, e sem ter anotado nenhuma ocorrência, acredito que o frio deva ter atrapalhado a balada daquela garotada nessa específica noite. 

E depois desse dia 13 de junho, paramos com as atividades, e só voltaríamos em setembro. Na verdade um pouco antes, ao final de agosto, reagrupamo-nos e ensaiamos, visto que havíamos naturalmente perdido a boa forma adquirida pela constância de se tocar ao vivo. De minha parte, nesses três meses sem atividade com o Terra no Asfalto, eu formei aquele quarteto já citado, cuja história já foi amplamente contada no capítulo, "Trabalhos Avulsos". 

O Paulo Eugênio e o Wilson dispersaram. Lembro-me que o Paulo Eugênio mantinha a sua atividade paralela como guia turístico de uma agência de viagens, dessas que levam adolescentes bem-nascidos à Disney World. 
Não posso afirmar que ele tenha feito uma viagem nesse ínterim, pois não recordo-me com certeza, mas de fato, fora uma época propícia, com o verão na América do Norte, e portanto, temporada ideal para tal. 

No próximo capítulo, eu dou prosseguimento, para falar das atividades da banda no segundo semestre, quando o guitarrista, Aru Junior, voltou dos Estados Unidos.
Continua...  

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