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sábado, 1 de agosto de 2015

Sala de Aulas - Capítulo 2 - Adaptação Alcançada: "Estou" Professor - Por Luiz Domingues

O primeiro semestre de 1988 foi marcado pelo aumento e consolidação de meu quadro de alunos, mas também pela conturbação no aspecto de minha banda, que na verdade encerrara as suas atividades e assim teve de reformular-se às pressas, mas a configurar na verdade, um trabalho inteiramente distinto. 

Sobre a banda nova que foi formada de uma maneira frenética, eu falo no seu respectivo capítulo, evidentemente. 

Em relação às aulas, ao mesmo tempo em que aumentara o meu quadro, eu também cansava-me muito, pessoalmente, pois nessa época eu morava no bairro do Tatuapé, localizado na zona leste e a residência do Beto localizava-se no Jardim Bonfiglioli, no extremo sudoeste da cidade.  

Foi, portanto, um esforço a compreender o uso de uma linha do metrô, até o centro da cidade e um ônibus adicional que percorria entre quarenta e cinco a sessenta minutos de trajeto, posteriormente. 

Em contrapartida, poucos alunos moravam naquele bairro ou redondezas. Lembro-me do Glauco Teixeira e do Marcão Martines, (que era do Jardim Peri Peri, um bairro vizinho). A maioria vinha de bairros longínquos. Por exemplo, havia um rapaz cujo nome esqueci-me completamente, e que vinha até de uma cidade do interior!

Para compensar, neste caso eu realizava uma aula dupla e quinzenal. Ele era da cidade de Piracaia-SP, perto de Atibaia, Bragança Paulista, enfim, ele circulava cerca de cem Km mediante o uso de um ônibus intermunicipal, descia na Rodoviária Tietê, usava o metrô até a Praça da Sé, trocava de linha e ia ainda de Metrô até a Praça da República, e daí tomava o ônibus: Jardim Bonfiglioli.

Para estar ali as 15:00 horas, creio que devia sair de sua casa às 10:00 horas da manhã, eu acredito. Mas não foi o único exemplo de força de vontade extrema. Mais para frente, eu contarei o caso de um garoto que morava em uma chácara afastada do perímetro urbano de Embu das Artes-SP, uma cidade que faz parte da grande São Paulo, mas que na verdade, fica bem longe da capital. 

E ainda no primeiro semestre, houve a criação do hilário: "Indoor Games". As minhas aulas não foram usadas apenas para ensinar a tocar um baixo elétrico, mas também para que eles divertissem-se com esportes, digamos, inusitados!

Eu lamento muito mesmo ter perdido o meu caderno, ao qual mantinha o cadastro de todos os alunos. Eu esqueci-me do nome da maioria, principalmente nesse primeiro período, entre 1987 e 1990. 

Recentemente (ao escrever este adendo em 2014), encontrei-me com Cesar Talarico, que foi meu aluno nesse período inicial que estou a enfocar, sobre 1987. é bom poder citá-lo. Aos poucos acrescento nomes (ao pensar logicamente na versão disponibilizada nos Blogs), que estou a resgatar pelo contato de reaproximação que as redes sociais da internet proporcionam. 

Aquele rapaz de Piracaia (que citei em parágrafo anterior), era esforçado demais. Tive outros casos de personagens obstinados. Já citei um que vinha de um sítio, no perímetro rural de Embu das Artes-SP, por exemplo. Mas faço questão de contar a história dele, quando chegar no relato sobre o período a narrar os anos de 1990 e 1991.

Sim, o rapaz de Piracaia-SP, aproveitava cada segundo da aula. Foi o mínimo que eu esperaria dele. 

Ainda nesse primeiro semestre de 1988, lembro em ter recebido uma carta de um garoto de Jaú, cidade do interior de São Paulo, que fica bem longe da capital (350 a 400 Km de São Paulo, aproximadamente). Tal missiva veio da parte de um rapaz chamado: Alexandre ou Alessandro Vendramini. 

Logo que respondi, perguntei-lhe se ele era parente da "paquita", Luciana Vendramini e ele respondeu-me a dizer-me que era primo dela. Foi público e notório que a Luciana era uma persona midiática em pleno auge nessa época e essa moça era de Jaú-SP, daí eu haver perguntado.

O tal rapaz estava a desejar realizar um tipo de aproveitamento com aula dupla quinzenal, mas culminou em não acontecer, pois seria muito sacrificante para o garoto. 

E claro, por ser muito jovem na ocasião, os seus pais não apoiariam uma aventura temerária dessas, ao enfrentar uma longa viagem, e sobretudo, por se locomover sozinho pela cidade de São Paulo, uma perspectiva que assusta normalmente, para quem mora em cidades pequenas.

Lembro-me de comentar com outros alunos sobre o rapaz ser primo da famosa "paquita", e os rapazes enlouquecerem, a torcerem para dar certo e aí, ingenuamente eles planejavam pedir para ele levar revistas "Playboy" com os ensaios sensuais dela, para eventuais autógrafos da moça. Para a decepção geral, isso não aconteceu. E o rapaz lamentou muito, pois era grande fã d'A Chave do Sol e sonhava em ter aulas comigo.

Uma ocorrência bizarra que surgira em minhas aulas, nessa fase do primeiro semestre de 1988, foi a invenção do indefectível: "Indoor Games". O Carlos Fazano ("He Man"), que não era aluno, mas que comparecia todo dia lá na minha sala, apareceu com uma bolinha de tênis, certo dia, e começou a usá-la como bola de basquete ou mesmo bilhar, ao tentar arremessá-la e encaixá-la em espaços inusitados da sala de estar da residência do Beto, onde a minha nova banda, "A Chave/The Key" ensaiava e eu ministrava as minhas aulas.

Carlos Fazano, em foto promocional de sua carreira solo, em 1995

No início, eu pedi para ele parar com isso, mas no auge de seus quatorze anos e com um tipo de temperamento rebelde, ele colocou-se a ignorar-me e de tempo em tempo, a "maledetta" bolinha assustava-me e ao aluno, ao bater em algum lugar inusitado. 

Foi uma das primeiras demonstrações de indisciplina na minha vida de professor. Ao longo de doze anos, eu tive poucas, pouquíssimas ocorrências com insubordinação... e pior ainda, o Carlos nem era meu aluno ou do Beto.

Então, para neutralizar a rebeldia e reverter o quadro, eu tornei aquilo um lazer extra como uma espécie de atividade lúdica de recreio em minhas aulas e assim "oficializei" a idiotia, classifiquemos dessa forma, ao criar regras esdrúxulas para tais esportes inusitados! 

Confesso que passei a divertir-me também. E novos jogos ridículos foram criados, com a criatividade a solta e a todo vapor da parte dos adolescentes (e alguns nem tanto, essa é que foi a verdade).

"Golfe indoor", "tênis lounge", "arremesso de disco" e logo tornou-se uma "micro Olimpíada" claustrofóbica, ridícula e hilária. E tomou também as dependências do quintal da casa, onde as modalidades do "micro futebol", "volleyball mediante varal de roupas" e "basquete no balde", incorporaram-se aos "jogos!"

E assim, nos intervalos entre as aulas, a algazarra formou-se e dela, eu tirei uma lição que muito ajudar-me-ia nos anos posteriores, ao notar que o convívio lúdico entre os alunos, aumentava a sua capacidade de aprendizado. Mais para a frente, contarei sobre os campeonatos de futebol de garagem, que organizei entre 1994 e 1995.

O Beto ficou contrariado uma vez, quando flagrou a balburdia e proibiu as brincadeiras dentro da casa dele. Ele teve razão, é claro, pois poderia quebrar alguma coisa, apesar de constar nas "regras", a obrigatoriedade para que os arremessos serem aceitos apenas sem violência, ou seja, algo esdrúxulo e hilário ao mesmo tempo. Independente disso, essa moda espalhou-se.
 

Recordo-me de uma vez, onde ocorrera um ensaio que realizamos para um show tributo ao "UFO", em que metade dos membros d'A Chave uniu-se à metade do Golpe de Estado (Golpe do Sol ou Chave de Estado{?), aliás, história essa relatada no capítulo: "Trabalhos Avulsos"). 

Eu (Luiz), Beto, Hélcio Aguirra e Paulo Zinner, participamos de um futebol de quintal, no intervalo desse ensaio. E lembro-me de uma vez a bola ter caído na casa do vizinho e um garoto da família que ali morava, ter gentilmente oferecido-se para devolvê-la. 

Quando chegou, o Paulo Zinner perguntou-lhe:
-"Garoto, você tem irmãs mais velhas?

Caímos na risada e o garoto que devia ter cerca de dez anos de idade e no auge de sua ingenuidade, ainda perguntou-nos:
-"Por que?"

E o Zinner teve a paciência para responder-lhe:
-"Peça para ela trazer a bola da próxima vez". Hilário!

De volta a falar sobre os alunos, os garotos gostavam das brincadeiras, mas o objetivo fora mesmo aprender a tocar baixo e todos tinham as suas metas para tocarem profissionalmente um dia, portanto, as brincadeiras foram secundárias mesmo e não poderia ser de outra forma. 

Claro e isso foi uma constante durante os doze anos de aulas em que eu ministrei. Em um universo com mais de duzentos alunos que tive nesse período completo, foram raros os exemplos de alunos que não estivessem ali movidos por esse sonho de tornarem-se músicos profissionais, serem artistas, gravarem e tocarem ao vivo com uma banda etc.

Sempre achei que isso por si só, fosse um estímulo, mas muitas vezes eu notava uma timidez muito acentuada da parte de alguns alunos, justamente por esse fator. 

Porém, eu tratava logo de quebrar tal impacto intimidador e deixar a garotada a vontade comigo, ao romper qualquer barreira que pudesse haver entre nós. 

Bem, cada caso foi um caso. Cada garoto detinha o seu jeito de ser e na média, eu quebrava o gelo a propor conversa, ao perguntar aspectos da vida do sujeito, do tipo: que som que gostava, artistas prediletos, onde morava, onde estudava etc.

Em geral, dava certo, pois o garoto abria a sua resistência inicial e ganhava a confiança adequada para não sentir-se acanhado ao verificar que eu era um sujeito igual a ele, e não um ET.

Entretanto, isso proporcionou várias brechas, pois muitas vezes, os alunos passavam a enxergar-me como um psicólogo, por que desejavam receber conselhos sobre questões pessoais e nada a ver com as aulas. Nessas condições, não foram poucas as vezes em que ligaram-me em altas horas da noite, ou em pleno domingo, para estabelecerem verdadeiras catarses dignas de um divã psicanalítico...

Nesses anos todos com aulas, eu auxiliei em muitas crises psicológicas dos garotos. Fui mesmo um psicólogo prático, para ajudá-los em conflitos familiares, escolares, com as suas respectivas bandas e até nas questões pessoais, como aconselhamentos sobre relacionamentos com namoradas etc. Acho que foi inevitável isso ocorrer, pois eles enxergavam-me como um irmão mais velho, ou até um pai.

Realmente o meu temperamento sereno, com fala mansa de padre e calma ao estilo zen budista, foi um convite para que os alunos fizessem as suas catarses e enxergassem-me como um psicólogo. 

Na média, a faixa etária oscilava entre doze e e vinte e cinco anos. Mas eu cheguei a ter aluno criança e também, adultos, estes casados e com filhos. 

Um deles, aliás, tornou-se um grande amigo, o Edil Postól, que era/é um cientista e trabalhava nessa época no Instituto Ludwig de pesquisas cancerígenas com ligação com a USP e o Hospital do Câncer.

E como eu sempre tive essa característica de ser um terapeuta em potencial, eis que auxiliei diversos garotos, com os seus problemas existenciais. Com os adultos a conversa foi outra é claro. Assuntos extra musicais, como política, futebol e acontecimentos do cotidiano. 

A metodologia didática não mudava, no entanto. O que mudava eventualmente era o enfoque. Com adultos, geralmente (há exceções), não existia a necessidade de se convencer o aluno de que o exercício proposto fosse necessário, por mais aborrecido e doloroso, sim, no aspecto muscular, que apresentasse-se, principalmente no início do curso.

Foi o que sempre disse: o aspirante teria que ter coragem para romper a dificuldade inicial. Vencida essa barreira inicial que é essencialmente muscular, deslancharia. Se desistisse, nunca tocaria com desenvoltura. 

Particularmente, eu tinha preferência por alunos em nível zero de aprendizado, independente de sua idade cronológica. Isso por que era muito mais fácil ensinar um aluno estaca zero, portanto sem vícios adquiridos.

Fora o meu prazer pessoal ao ver um aluno que não sabia absolutamente nada, começar a melhorar, após poucas aulas.

Ficava, portanto, muito mais desagradável para a minha percepção, corrigir vícios adquiridos da parte de quem já tocava, pois neste caso eu precisava convencer o aluno a tocar de uma outra forma, até ele conscientizar-se de que seria mais produtivo e assim, haviam crises, conflitos etc. 

Com garotos na estaca zero, eu os moldava desde os primeiros passos e quando venciam a barreira inicial de dificuldade, deslanchavam. Confesso que ficava muito mais gratificado em lapidar uma pedra bruta.

No segundo semestre de 1988, o contingente de alunos havia aumentado. Eu mantinha uma média que oscilava entre doze a quinze 15 alunos. As dificuldades ficavam por conta da minha falta de estrutura. Por não possuir telefone residencial e nem sonhar com a internet, o meu esquema de recrutamento foi arcaico.

Os interessados manifestavam-se através de cartas que eram endereçadas à caixa postal da banda, no caso, refiro-me à Chave do Sol, cujo controle diário era meu. 

Com o rompimento que tivemos com o guitarrista Rubens Gióia, infelizmente, eu fui obrigado no início de 1988, a contratar o serviço de uma outra caixa postal, desta feita bem mais próxima da minha residência, visto que a antiga caixa postal d'A Chave do Sol estava situada em uma agência perto da casa dele, na Av. Santo Amaro e a ficha cadastral dessa caixa era pertencente a ele.

Mera burocracia, pois eu a controlei por anos a fio tal caixa postal, ao ter chegado durante um bom tempo (anos, na verdade), a ir visitá-la diariamente, pois se não o fizesse, o acúmulo enlouquecer-me-ia e de fato, eu respondia a todas as cartas, de forma manuscrita. 

O outro grande agente de dificuldade, foi a distância. A não ser para alunos daquele bairro e redondezas, comparecer ao Jardim Bonfiglioli, revelava-se uma aventura e tanto. 

Quem tornou-se roadie d'A Chave, mas esta, "sem Sol", foi um de meus alunos, César Cardoso. Ele já detinha experiência, pois um primo dele foi baixista da banda, "Civil", atuante na área do Pop-Rock, ainda naquela estética oitentista baseada no Pós-Punk.

O Civil foi uma das últimas bandas do final daquela década, ainda a se valer dessa estética, e fez um sucesso efêmero na mídia mainstream.

Lembro-me do César a acompanhá-los nos shows dessa fase d'A Chave e ele era extremamente dedicado, por ter auxiliado-nos bastante, até meados de 1989. Conforme eu já descrevi aqui, ele foi trabalhar como estagiário na MTV no início dos anos 1990 e cresceu em sua carreira. Hoje em dia é um profissional da Rede Globo, e se não engano-me, atua na produção do programa dominical, "Fantástico". 

Foi uma época em que o meu cotidiano foi "viajar", literalmente, todo dia para o Jardim Bonfiglioli, pois as aulas mesclavam-se aos ensaios da banda.

De volta a citar os irmãos Fazano, recordo-me que o José Fazano era guitarrista também e costumava ir às minhas aulas, aos sábados, que definitivamente, tornara-se um ponto de encontro e de onde muitas amizades foram solidificadas, bandas formaram-se, negócios foram feitos e até namoros começaram. 

O José Fazano era (é), um rapaz extremamente prestativo e dali em diante, tornou-se um colaborador d'A Chave em vários aspectos, ao acompanhar-me em outras andanças na minha carreira, pós-A Chave, quando eu saí dessa banda ao final de 1989.

Já o seu irmão, Carlos Alberto Fazano, era naquela época, aficionado do "Deep Purple". Ele já demonstrava aos quatorze anos de idade que era um sujeito obstinado, pois sabia tudo, absolutamente tudo sobre a carreira dessa banda britânica e evidentemente que isso não é exatamente uma coisa tão fácil para conhecer-se na ponta da língua, pois trata-se de uma banda a ostentar uma carreira longeva, com várias mudanças de formação e discografia muito grande. 

Imagino, portanto, como deve ter sido estimulante para o Carlos que era muito jovem, acompanhar as aulas e poder conhecer um contingente de músicos que transitavam nos ensaios d'A Chave, além dos meus alunos, aspirantes a músicos, como ele. 

E no tocante às aulas, o segundo semestre foi exercido sob expansão nesse quesito. Aumentei o número de alunos progressivamente para solidificar na virada de 1989, uma média muito boa e estável, que deu-me um suporte financeiro bom, pois A Chave estava em declínio, e logo eu sairia definitivamente, para ficar absorto em trabalhos avulsos e bastante errantes nos anos de 1990 e 1991, para somente voltar a ter uma banda autoral sólida, a partir de 1992, quando recebi o convite de Chris Skepis e fui ser membro do Pitbulls on Crack. 

Um fato engraçado e que não teve nada a ver com as aulas, tampouco com A Chave ou comigo, tornou-se uma brincadeira muito divertida, que ajudou a descontrair as aulas nessa época.

O fato foi que eu recebia cartas de fãs, na caixa postal d'A Chave "sem sol", todos os dias e em uma dessas vezes em que fui à agência checar o movimento da caixa, havia uma que estava destinada a um tal "Senhor X" e estava sem endereço do remetente. 

Por julgar ser algum ousado aspirante a artista que talvez estivesse a fazer propaganda de sua própria banda (ocorrência que aliás, era corriqueira), eis que eu abri normalmente a carta, mas verifiquei que não tinha nada a ver com música...

Nela, uma mulher que autodenominava-se uma "Rainha", fez uma proposta detalhada de sua atuação como dominadora sexual, a oferecer-se para um tal "Senhor X", que certamente seria um candidato a "escravo". 

Então, ao invés de jogar fora a missiva (não havia endereço de remetente, portanto, não adiantava devolver ao correio), eu resolvi levá-la para a sala de aulas, e comecei a fazer com que os alunos a lessem, ao dizer-lhes que seria uma carta destinada a eles mesmos.

Dessa maneira, o garoto começava a ler preocupado, pois devia pensar enquanto lia: -"que história seria essa de carta destinada à minha pessoa?"

Passados alguns segundos, a sua expressão facial começava a mudar. Uns ficavam ruborizados, outros entravam em um processo de gargalhar compulsivamente etc.

Aí, cada vez que um outro aluno chegava e a medida que os demais já sabiam, ficava aquele clima hilário instaurado no ambiente ao esperar-se pelas reações da nova vítima do "Candy Camera", do Jardim Bonfiglioli. Até que a brincadeira esgotou-se, mas que foi engraçado, eu posso atestar.
Ao entrar o ano de 1989, eu havia consolidado uma quantidade de alunos o suficiente para manter as minhas contas em dia e não depender da banda, exclusivamente como fonte de renda. E isso foi providencial, pois a banda desmantelava-se e eu estava para lá de insatisfeito com os rumos artísticos que ela adotou no pós-1988, quando dissidente, criara-se a partir da velha, A Chave do Sol, mas a se revelar como uma banda inteiramente diferente e muito distante, esteticamente dos meus ideais.

Mas evidentemente que isso é tratado no capítulo adequado da minha autobiografia e na cronologia correta dos fatos. 

De volta ao cerne desta narrativa, digo que apesar de termos eu e o Beto um bom relacionamento de amizade e por conta disso, ele também ter sido gentil ao ceder a sua residência, eis que começou o primeiro sinal de insatisfação da parte dele em relação ao fato de eu usar a sua habitação como minha sala de aulas. 

Claro que fora o seu total direito pleitear que eu arrumasse outro local, eu entendia isso. Todavia, essa resolução, só foi tomada no meio do ano, pois eu ainda continuei a ministrar as minhas aulas na casa dele, no Jardim Bonfiglioli e assim a mesclar-se aos ensaios da banda que preparava-se para entrar em estúdio para gravar o seu primeiro disco.

Nesse primeiro semestre de 1989, acredito que apenas uma novidade ocorreu que eu destacasse, em especial. A rotina de aulas fora a marca dessa fase, mas tal fato mencionável, foi que um aluno meu chamado, Jameson Trezena, foi indicado por eu mesmo a fazer parte de uma banda orientada pelo Hard-Rock oitentista, ao estilo do virtuosismo Malmsteeniano, em voga na ocasião, chamada: "Clavion".

A ideia original seria para eu ter gravado o disco dos rapazes ao lado do baterista, Ivan Busic, mas apesar de termos feito um ensaio, culminou por não ficarmos para gravar o álbum desses artistas e ao pedirem-me uma indicação, eu considerei o Jameson Trezena, como o mais preparado de meus alunos naquele momento (com menção igual para Marcelo Dias, que também era excelente), para assumir essa gravação e deu tão certo, que ele o gravou mesmo e tornou-se membro oficial, ao sair na capa do disco. 

Foi um excelente e aplicado aluno. E apesar desse som não ter sido o que ele mais gostava, ele empenhou-se e aproveitou bem a chance para iniciar a sua carreira, logo de início com um disco na praça.

Desde o final do ano de 1988, o meu contingente de alunos já estava grande o suficiente para ocupar-me de terça a sábado. Naturalmente que os sábados eram mais concorridos.

Aos sábados, costumava nessa fase, ministrar entre seis a sete aulas, para chegar em casa bem cansado, pois para quem não conhece São Paulo, deslocar-se do Jardim Bonfiglioli, até o Tatuapé, mostrava-se uma aventura com pelo menos duas horas e meia de percurso e que só amenizava-se um pouco nos horários mais noturnos, quando o trânsito mostrava-se melhor. 

No início de 1989, o clima na banda começou a ficar mais pesado e diversos fatores extra-musicais começaram a fazer com que o local de aulas, tivesse que mudar.

Mais ou menos em abril de 1989, o Beto comunicou-me que não disponibilizaria mais a sua casa para as minhas aulas, pois estava cansado da movimentação intensa, com a inevitável entrada e saída de alunos a produzir algazarra por eles produzida por estabelecerem amizade entre si, e ao invés de irem embora após o término de suas respectivas aulas, permaneciam por horas a fio, uns a assistirem as aulas dos outros. 

E simultaneamente, houve a questão da banda ter entrado em um processo com poucos shows e dessa forma, ter diminuído a sua carga de ensaios, portanto, ele aspirou restabelecer um pouco da paz e preservar a sua privacidade perdida, desde que entramos nesse processo de aulas e ensaios, a partir do segundo semestre de 1987.

A minha sorte, foi que eu havia mudado de residência, desde dezembro de 1988. 
Da esquerda para a direita: Roberto Garcia Morrone, eu (Luiz Domingues), e Wagner, na sala de aulas de meu apartamento na Vila Mariana, em 1989

Da esquerda para a direita: Wagner, eu (Luiz Domingues) e Cesar Cardoso. Foto de 1989    

Desta forma, por morar a partir desse instante em um bairro da zona sul e muito perto de uma estação de Metrô, eu estive prestes a iniciar a minha melhor fase como professor, que duraria muitos anos, graças a essa facilidade de um endereço mais acessível para a chegada dos alunos. 

Em um primeiro instante, não mensurei isso e a minha preocupação inicial foi para criar uma rotina de aulas que fosse o menos invasiva para a minha família.

Como eu estava a habitar um apartamento amplo, arrumei o quarto de despejo para tal função. Dessa maneira, a entrada e saída de alunos haveria de ser menos invasiva possível e a minha família ficaria a vontade nas demais dependências do apartamento, sem ser importunada pelas atividades. 

E mesmo ao ser um apartamento, cerquei-me de cuidados para não ter reclamações de vizinhos e consequentemente problemas com o zelador ou o síndico do edifício. 

Um problema que eu tive para solucionar de imediato, foi em relação ao equipamento. Acostumado a ministrar minhas aulas em pleno uso de meu amplificador de palco, com ele ainda a permanecer na casa do Beto, para eventuais ensaios, eu fui obrigado a adquirir um combo para poder ministrar as minhas aulas. 

A seguir, falarei sobre essa aquisição e como deu-se, que certamente será uma curiosidade que todo aluno meu desse período entre 1989 a 1999, gostará de saber.

Como eu não poderia mais ministrar as minhas aulas na casa do Beto Cruz e o meu amplificador e caixa teriam que ficar ainda por um tempo na casa dele, por conta de ensaios da banda, fui obrigado a comprar um combo, emergencialmente. 

Ainda sob uma fase de internet só para meia dúzia de pessoas abonadas, a solução mais plausível para comprar-se objetos usados foi recorrer ao jornal de classificados: "Primeiramão", que era especializado em anúncios dessa natureza. 

Ao consultá-lo, interessei-me por um amplificador da marca "Giannini Bag U65", exatamente o mesmo combo que eu possuíra nos anos setenta.

Em meio a uma série de classificados de pessoas a venderem o mesmo aparelho, eu escolhi um com o menor preço pedido e fechei negócio por telefone. 

Este pertencia a um garoto que usava-o para estudar guitarra, mas devia ter desistido, e agora o vendia por CZ$ 150,00. Quanto representa 150 "Cruzados" hoje em dia? Não faço a menor ideia, mas creio que bem pouco, pois na época, correspondia a uma quantia bem módica por tal câmbio. 

Fui buscar o amplificador no apartamento do rapaz, no bairro de Higienópolis, na zona oeste de São Paulo e ao constatar que estava intacto, fechei o negócio. 

Com ele em mãos, comuniquei a todos os meus alunos a mudança de endereço, que foi comemorada pela maioria, pois eu iria para a Vila Mariana, um bairro bem estratégico da zona sul de São Paulo, onde a condução é farta para os quatro cantos da cidade e melhor ainda, com uma estação de Metrô localizada a menos de cem metros da minha nova residência. 

Só os que moravam lá pelos lados do Jardim Bonfiglioli, Butantã e adjacências foram os que saíram prejudicados com a mudança. Perdi apenas o Glauco Teixeira, que era praticamente vizinho da casa do Beto e assim, inviabilizou-se a sua continuidade em minhas aulas.

Providenciei xerox com endereço, indicações de meios de transporte, e até mapa das redondezas de minha nova residência para todos, sob uma Era pré Internet, GPS e de outras modernidades tão práticas que existem hoje em dia. 

Dei a minha última aula no antigo endereço em um sábado de dezembro de 1988 e a partir da terça-feira subsequente, passei a receber a todos, no novo endereço.

Continua...

2 comentários:

  1. Grande Luiz, muito obrigado pela menção. Fico honrado por ser lembrado assim. Seu nome está no encarte dos primeiros discos que gravei, como uma pequena homenagem por tudo que aprendi com você. Grande abraço, Jameson Trezena

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    1. Mas que prazer receber sua visita, meu caro amigo. E como se não bastasse isso por si só,sua postagem chega carregada de elogios emocionantes à minha pessoa.Fico muito honrado por ter essas menções nos encartes de discos lançados em sua carreira. Eu que agradeço-lhe por tal honraria.

      Por favor, publique num eventual novo comentário que aqui postar, a sua discografia para que os leitores possam acompanhar e conhecer seu trabalho.

      Grande abraço, Jameson !

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